Do Outro Lado do Véu escrita por Miahwe


Capítulo 10
Um breve momento de paz




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            Depois que Chihiro acalmou-se, Kohaku, ela e Zeniba voltaram para o Fim do Pântano. No céu apenas estrelas brilhavam junto da lua minguante, o clima do local estava frio e recoberto de vagalumes e outros insetos.

            Quando pousaram, Chihiro percorreu os poucos metros até a casa de Zeniba segurando a mão de Kohaku como se fosse seu único consolo. O youkai olhava-a relembrando da menininha chorona que vivia agarrada a seu braço. Era engraçado como ela havia crescido e mudado muito e pouco ao mesmo tempo.

            Foram recebidos pelo Kaonashi com uma vênia silenciosa e levados até a cozinha onde o chá fervia e expelia um cheiro maravilhoso de ervas.

            — Fique à vontade, menina — Zeniba falou enquanto mexia os dedos cheios de anéis para todos os lados, trazendo xícaras, pires, colheres, biscoitos e pequenas travessas com bolos flutuantes até a mesa. — Sente, sente, vou servir o chá. Deve estar morrendo frio. Eu odeio voar essa hora, o vento não é misericordioso.

            Kohaku sentou-se na cadeira ao lado de Chihiro, tinha comido tão pouco naquele dia, estava com tanta fome que chega estranhava seu estômago apertando-se na barriga.

            — Quer um pedaço de pão de mel, Chihiro? — o rapaz ofereceu e ela aceitou com um balanço de cabeça. Haku cortou um pedaço generoso de pão de mel e colocou no prato da garota, enquanto Zeniba mexia uma mão fazendo gestos para que a chaleira flutuante despejasse o chá nas xícaras. — Diga-me, Chihiro, como você foi pega por aqueles youkais? — indagou curioso.

            Ela o encarou por um instante e depois olhou para a bruxa que sentava-se com o tricô no colo enquanto uma colher encantada misturava o chá para ela, então voltou a olha-lo com um olhar misto de culpa, temor e exasperação. — Eu fiquei preocupada porque sumiu o dia todo sem deixar recado... então fui ao Grande Parque procurar por você.

            — Perto do pôr do sol? — Haku perguntou. — Eu sempre lhe disse para nunca sair sozinha à noite — censurou.

            — Não, não, eu fui antes, mas acabei me distraindo e não percebi o tempo passar.

            — Você continua uma menina abestalhada — Zeniba falou. — Mas agora já está tudo bem, apesar de que eu gostaria que ficasse comigo por um tempo para que eu possa lhe ensinar novamente algumas artes mágicas necessárias para selar o Véu assim que as joias forem achadas.

            — Como assim me ensinar novamente? Eu já sabia? — Chihiro perguntou confusa, então soltou um longo suspiro e relaxou a postura na cadeira de forma desanimada. — É algo que eu bloqueei, não é?

            Zeniba assentiu.

            — Mas Chihiro não pode ficar aqui, o que acontecera com a vida dela no Mundo Mundano? — Kohaku indagou.

            — A gente poderia resolver isso com uma cópia — Zeniba deu a ideia.

            — Acredito que vão suspeitar — Haku falou.

            — Acredito que seria o bastante, Dragão — a bruxa disse por fim, todavia o youkai não pareceu convencido.

            — Desculpe, mas eu gostaria de voltar para casa — Chihiro pediu e Haku e Zeniba pararam uma futura discussão para encara-la.

            — Se é o que deseja — Kohaku falou simplesmente e a bruxa resmungou algo, mas nada disse contra a vontade da garota.

            — Como vão suas memórias, Chihiro? Estão voltando muito rápido? — Zeniba perguntou bebendo do chá.

            — Como sabe disso? — Chihiro inquiriu.

            — Bom, digamos que eu sou uma boa bruxa e tenho meus truques.

            Haku observava a garota, curioso sobre como aquela noite terminaria. Zeniba até tinha razão em querer que Chihiro ficasse um tempo com ela, seria até bom na verdade, ele percebeu subitamente, afinal, Chihiro ficaria em segurança, ninguém, nem ayakashi nem mundano teria coragem de vir no território da bruxa do Fim do Pântano causar confusão, e com certeza nenhum Deus iria tentar sequestrar Chihiro. Contudo, a garota disse que queria ir para casa e não poderia forçá-la a ficar.

             — Qual elástico? — Chihiro perguntara e Kohaku percebeu que tinha parado de prestar atenção na conversa.

            — Quando você estava aqui, quando menor, eu lhe fiz um elástico de cabelo encantado que a protegeria, antes do Dragão chegar para leva-la de volta a Yubaba.

            — Desculpe, senhora, eu não lembro, talvez eu tenha perdida com o passar dos anos.

            — É, acho que terei que fazer outro.

           Chihiro assentiu e por alguns segundos ficaram em silêncio, até que Chihiro falou: — Eu... certa vez eu sonhei com... a senhora e eu estávamos do lado de fora desta casa, tinha uma pequena fogueira acesa... e... lembro de vagalumes... eu acho... creio que foi assim mesmo e você estava me explicando como mexer as mãos de forma certa, algo me diz que estava me ensinando a mexer na magia — a garota falou de forma pensativa, esforçando-se para lembrar do sonho. — Mas faz um tempinho que sonhei isso, não lembro tanto, agora me pergunto se não era uma lembrança.

            Zeniba bebeu um pouco do chá antes de responder.

            — Sonhos são lembranças, menina, são resquícios de feitos dessa vida, da vida antes dessa ou de muitas outras antes, são feitos do dia a dia. Se foi sonho ou lembrança, fez e faz parte de você — pausa. Haku observava enquanto Chihiro escutava com atenção, os olhos castanhos prestativos a cada palavra, enquanto a velha bruxa se mostrava tão tranquila quanto era idosa. — Vejo só, você passou um tempo aqui quando menor, e adquiriu um pouco de magia, comendo de nossa comida e bebendo de nossas bebidas, você adquiriu essência mágica, acredito que Haku falou sobre isto com você, é por isso que você é a única mundana que pode nos ajudar.

            — Eu entendi, não desacredito do que a senhora fala, mas não posso ficar aqui.

            Zeniba olhou para Kohaku por uns segundos e o youkai sentiu que algo sério estava próximo. — Menina, não há problemas, acredito que o Dragão poderia te ensinar a dobrar a magia, ele que foi um aprendiz de Yubaba deve ter bastante conhecimento para lhe passar.

            Haku abriu a boca para protestar, mas não encontrou palavras o bastante e a fechou. Encarou Chihiro que sorria sem mostrar os dentes e balançou a cabeça descrente, como Yubaba pretendia que ele ensinasse Chihiro e ainda investigasse o mundano que estava por trás de toda essa maldita confusão?

            — Eu sei, Dragão, o que se passa por sua mente, mas você está colocando muito peso sobre si e esquece que não é único youkai ou deus trabalhando para encontrar as joias. Toda essa consternação não afeta poucos de nós, Yoru e Yume procuram pelo mundano também e se os bons deuses permitirem vamos encontra-lo antes que a terceira joia seja roubada.

            Kohaku suspirou, tinha usado tanta magia naquele dia e o cansaço estava começando a toma-lo sem muita misericórdia.

            — Ei, Chihiro, hoje foi um dia cansativo é melhor irmos descansar — Haku falou olhando para a menina que estava com os olhos vermelhos de sono.

            — Vou pedir para Kaonashi trazer dois colchões, travesseiros e lençóis e arrumá-los na sala, sinto não ter um quarto para oferecer, mas minha casa é pequena.

            Chihiro bocejou grogue. — Eu ficaria muito agradecida, vovó — falou distraída sem perceber como tinha chamado Zeniba. Haku olhou para a bruxa que tinha arregalado os grandes olhos por um breve momento. Então ambos trocaram um sorriso simples.

            — Vamos, Kaonashi, ajeite as coisas para nossos convidados! — Zeniba pediu e o deus sem personalidade assustou-se antes de levantar-se e apresar-se para o quarto da bruxa, então ela virou-se para Chihiro e disse: — Vou ajustar uma camisola para você, um instante. — Kohaku observou enquanto Zeniba trazia flutuando uma grande camisola verde e azul com renda nas mangas curtas, então com alguns movimentos de punho a camisola começou a encolher e encolher. — Acho que está bom em você, pode usar — disse deixando o vestido cair no colo de Chihiro que agradeceu educadamente.

            Logo depois do banho, Zeniba pediu para que Chihiro a acompanha-se até o quarto para poder fazer alguns curativos nos ferimentos e arranhões das costas, dos braços e das pernas da garota.

            Naquela noite formam postos dois colchões no chão, um para Haku e outro para Chihiro, no entanto o youkai preferiu dormir no sofá e deixou os colchões para a garota.

                                                           ***

            Havia o barulho de vários pequenos guizos, do tilintar de mensageiros dos ventos e a canção melodiosa de pássaros. Havia cheiro de terra molhada, ervas e outros cheiros agradáveis que Chihiro não reconheceu. Parecia que estava em um sonho, por isso não queria abrir os olhos e estragar aquela sensação gostava de todos aqueles bons barulhos e bons odores. Então sentiu uma mão fria em sua testa e abriu os olhos.

             Haku estava bem diante de si, acocorado ao seu lado, os olhos verde-escuro tão próximos dos seus, percebeu que ele iria falar algo, mas então fechou a boca e retirou a mão de sua testa.

            — Kohaku... não estamos no meu quarto, não é...? Quando vamos voltar para o Outro Mundo?

            — No entardecer, quando a ponte ocassus voltar, então a atravessaremos para o Outro Lado.

            Chihiro assentiu e ergueu o tronco do colchão. Estavam na casa de Zeniba e ainda estava escuro ali, o sol com certeza ainda não tinha nascido.

            Estou no Mundo dos espíritos, mas não sinto medo, o ar aqui é confortável e me sinto bem. Eu deveria sentir medo? Não, acho que não, afinal, já estive aqui antes, não foi?

            Olhou para Haku ao seu lado... o clima adorável com aqueles cheiros e sons...

            — Encontre-me no jardim, na pequena colina atrás do campo de flores — Kohaku falou com a voz mansa enquanto tocava na testa de Chihiro, transmitindo a ela os caminhos que deveria percorrer, mas Chihiro não dormia, estava apenas fingindo como fazia na maioria das vezes, acordava bem cedo e esperava por Haku. O porquê que não abria os olhos era um mistério até para ela.

            Então vários momentos vieram em sua mente e todos eles se passavam antes do sol nascer quando eventualmente Haku ia em segredo até seu quarto, afastava a franja em sua testa com a mão e fala com palavras mornas e mágicas um roteiro para que ela o encontrasse.

            Piscou saindo do devaneio. Havia um sorriso simples em seus lábios, mas era o bastante para refletir a alegria em seu coração, a mesma alegria que sentia quando era acordada antes do nascer do sol por Kohaku.

            — Vamos? — ele perguntou e Chihiro sentiu o coração sobressaltar por um segundo. Então riu. Havia esquecido que ele estava ali, o que será que ele deveria estar pensando dela, naquela situação, sorrindo como uma boba? Então riu um pouco mais ao lembrar que havia acabado de acordar e que deveria com o cabelo terrível e o rosto sonolento. — O que ouve? — ele indagou a encarando confuso.

            — Nada, deixe para lá — falou ainda sorrindo. — Acredito que queria me falar algo antes que eu acordasse, não foi, Haku?

            Ele assentiu. — Vamos visitar a Rin e o mestre Kamaji na casa de banhos de Yubaba, o que acha?

            Chihiro assentiu, não parecia uma má ideia, quem sabe não lembraria de mais alguma coisa?

            — Vou me arrumar, a senhora Zeniba disse que posso tomar banho e vestir aquela roupa que ela fez com magia para mim... — ela olhou para o short e a blusa que estavam dobrados em uma cadeira, ainda do dia anterior, estavam rotos e imundos. — Aquelas roupas estão muito estragadas por causa daqueles youkais infelizes — comentou levantando-se. — Eu já volto.

            Ele assentiu e levantou-se para espera-la sentando no sofá.

            Quando Chihiro terminou de se arrumar, tomando cuidado com os ferimentos e os curativos, encontrou com Haku na sala. Estava vestindo o vestido que Zeniba havia dado a ela de cor rosa claro que caia a cima dos calcanhares, Chihiro calçou os mesmos tênis brancos que havia vindo no dia anterior.

            — Vai prender o cabelo? — Haku perguntou.

            Ela negou. — Meu elástico quebrou quando o estiquei para prender o cabelo novamente depois que o penteei.

            — Ah — foi a única coisa que ele disse enquanto caminhava para a porta. — Então vamos indo — ele falou pegando uma sacola de alça única e colocando sobre o ombro.

            — Não vamos esperar Zeniba acordar para nos despedimos?

            Ele negou. — Durante seu sono eu e ela conversamos um pouco... eu avisei que íamos de trem e que iriamos precisar sair mais cedo, então não precisa se preocupar. A propósito, estou levando uma comida para comermos durante a viagem.

            — Ah, tudo bem... — ela começou e ele virou-se para abrir a porta, então ela puxou a blusa dele. — Ei, Haku... obrigada.

            Ele virou-se encarando-a e ela continuou: — Por ter me salvado mais uma vez...

            Kohaku assentiu. — Não se preocupe — falou.

            O ar do lado de fora da casa estava úmido e frio.

            — Está com frio? — ele perguntou.

            Ela balançou a cabeça negativamente e começaram a andar. O lampião mágico de Zeniba acordou subitamente quando eles passaram pelo portão e os acompanhou pelo caminho escuro entre as árvores tortas e os pequenos arbustos do pântano que os rodeava. Havia lama em certos pontos o que fez com que Chihiro levantasse a saia do vestido até a cima dos joelhos e desse um nó, assim não sujaria uma roupa tão bonita.

            — Tenha cuidado, Chihiro — Haku falou.

            — Você sempre diz para eu ter cuidado — ela falou desviando de uma poça de lama.

            — Acho que vou sempre dizer isso, te incomoda?

            — Não, acho não.

            Ele assentiu.

            — Pensei que íamos voando... por que vamos de trem? — ela comentou saltando por outra poça de lama.

            — Achei que seria melhor irmos de trem, afinal, não existe pressa para chegarmos lá, já que temos até o entardecer.

            — Meus pais devem estar preocupadíssimos comigo, não sei como vou explicar a eles onde estive... lembra de quando fui perseguida no Grande Parque e desmaiei? Eles até ligaram para a polícia...

            — Talvez eu possa lhe dar um feitiço de ilusão para que eles pensem que seu sumiço foi um sonho.

            — Você saberia fazer isso?

            — Eu sei, sim — ele respondeu e ela o olhou agradecida.

            Quando o rangido do saltar do lampião parou, perceberam que chegaram a estação. Despediram-se do lampião e ficaram ali esperando o trem, este que não demorou mais de vinte minutos para chegar.

            Havia apenas eles embarcados até então. Sentaram-se lado a lado e esperaram o trem dar partida, logo entrando no trilho da água e nesses momentos, quando estavam rodeados de água, Chihiro ficou encantada quando o sol começou a nascer, trazendo cores quentes do outono e coloridas da primavera ao céu e as nuvens passageiras, dando as águas que os cercavam os variados tons de vermelho.

            — Que incrível! Isso é muito, muito bonito! Não acredito em meus olhos — ela falou para Haku que até então estava em silêncio ao seu lado.

            Ele balançou a cabeça concordando com ela.

            — Fica ainda mais bonito quando são refletidos por seus olhos — ele comentou de forma tão casual que a fez enrubescer e ficar sem palavra, estas que quebravam na língua quando tentava dizer alguma coisa. Nunca haviam a elogiado daquela forma. Então ele franziu o cenho e aproximou o rosto do dela que inclinou-se para trás, minimamente, receosa. — Falei algo errado? Desculpe, foi o que me veio à cabeça na hora, achei que deveria responder algo diante de seu comentário, mas não sabia o que, então disse o que veio em mente — ele prosseguiu inocente e com um olhar preocupado.

            Chihiro não queria que ele se desculpasse, não tinha motivos para tal. Contudo ainda estava tentando ordenar as palavras em mente, por fim, como ele continuou encarando-a... pelo menos Chihiro achava que não seria ruim... então encostou os lábios nos dele brevemente. Eram tão macios, não imaginou que os lábios de alguém pudessem ser tão macios, então lembrou-se subitamente que ele era um espírito.

            Chihiro sorriu e que continuou enrubescida pelo que tinha feito. Kohaku a olhava com os olhos verdes arregalados e a boca levemente aberta em surpresa, então os lábios dele se inclinaram para cima e ele sorriu e a puxou para um abraço terno.

            — Está tudo bem, Haku? — ela perguntou em um murmúrio.

            — Sim, estou feliz, Chihiro.

            E por toda aquela viagem de trem, ambos tiveram um momento único de paz, sem pensar em problemas ou qualquer coisa preocupante.

             


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