Encontros, Acasos e Amores escrita por Bell Fraser, Sany, Gabriella Oliveira, Ester, Yasmin, Paty Everllark, IsabelaThorntonDarcyMellark, RêEvansDarcy, deboradb, Ellen Freitas, Cupcake de Brigadeiro, DiandrabyDi


Capítulo 24
The Last Christmas


Notas iniciais do capítulo

Olá, pessoal, tudo bem com vocês? =D

Estou muito feliz por estar participando dessa terceira rodada da coletânea. Já está no finalzinho do ano e primeiramente queria desejar a todos os leitores e a todas as altoras desse projeto maravilhoso um feliz Natal (mesmo que algumas horinhas atrasado rsrs) e um feliz e prospero Ano Novo. Que possamos encerrar esse livro de 365 páginas com o sorriso mais radiante, mesmo que para muitos as coisas tenham dado errado na maior parte do tempo, vamos somente torcer e fazer o possível para que 2018 seja infinitamente melhor que 2017. ; )

Bom, em relação a one, a minha desafiadora foi a Yasmin, e ela pediu para que eu escrevesse algo sobre o último natal, um drama que fizesse a todos chorarem hehehe
Eu realmente espero que gostem, que chorem, e que reflitam sobre o que estará escrito aqui... Então, boa leitura e nos vemos lá nas notas finais.

Sinopse:

"Talvez para você exista um amanhã. Talvez existam mil ou dez mil amanhãs. Mas para alguns de nós só existe o hoje, o agora, e é surreal a forma como o tempo passa tão rápido, em como pessoas entram e saem constantemente de nossas vidas. É tudo tão delicado, semelhando-se àquela florzinha do mato chamada de dente-de-leão. Basta um soprinho à toa, em qualquer direção, e tudo se desmancha. Por isso nunca devemos perder a oportunidade de dizer para aqueles que amamos o quanto significam para nós, pois em uma hora, minuto, ou até mesmo segundos tudo pode mudar, e então ser tarde demais. Porque a vida é justamente isso, esse contraste entre o tudo e o nada, e nós somos meros atores dessa peça sem ensaios, com pouco publico e com um final incerto. "



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“Se nada nos salva da morte, pelo menos que o amor nos salve da vida.”

— Javier Velaza

[...]

Peeta sentia o ar se tornar escasso em seus pulmões, assim como também sentia seu coração bater fortemente contra sua caixa torácica, dando a ele a leve impressão de que o mesmo poderia sair de seu peito a qualquer momento. Sua boca estava seca e suas mãos soavam. Ele torcia com todas as suas forças para que o que acabara de ouvi não fosse verdade, e sim, somente uma peça sendo pregada pela sua mente fraca e idiota. Contudo, o olhar sério que o homem a sua frente lhe direcionava provou-lhe que aquele pesadelo era mesmo real. Ele achou que toda a angústia e sofrimento que vinha sentindo durante aqueles cinco meses valeriam a pena se no final ele fosse curado, mas agora, tudo o que ele sentia era sua esperança ser esmagada pela triste e sufocante verdade de que o tratamento não havia surtido efeito, e que a partir daquele momento seus dias de vida estavam mais do que contados.

— Peeta, querido, você está bem? — Evelyn perguntou com a voz embargada, preocupada com o silencio do filho.

Peeta piscou algumas vezes tentando reprimir as lágrimas, mas foi uma tarefa inútil já que as mesmas - sem a sua permissão - já banhavam suas bochechas.

— Então é isso? — perguntou ao homem sentado a sua frente — Você me diz que vai ficar tudo bem. Que tudo vai se resolver. Dá-me esperanças... mas para quê?! Para depois tirá-la de mim e dizer que a droga do tratamento não sutil efeito e que eu vou morrer?! — cuspiu as palavras com raiva, sentindo o gosto salgado das lágrimas entrarem em contato com seus lábios — Você é um mentiroso, Doutor! A porra de um mentiroso! — Peeta levantou-se da cadeira exaltado e Evelyn o acompanhou, pondo a mão em seu ombro para tentar acalmá-lo.

— Querido, por favor, acalme-se. — pediu docemente, mesmo que por dentro estivesse destruída. Ela, assim como Peeta, também tinha esperanças de uma cura, e saber que não haviam conseguido a estava matando.

— Sr. Mellark, eu realmente sinto muito... — começou Haymitch se pondo de pé — Mas como eu havia dito meses atrás, seu Aneurisma Cerebral é de um tipo raro, da qual fazer uma cirurgia seria muito arriscado devido ao seu tamanho, por isso optamos pelos medicamentos. Eles reteriam o crescimento e impediriam o Aneurisma de se romper. Entretanto, eles não surtiram efeito e... Olha, eu estou me sentindo um lixo por ter dito a vocês que ficaria tudo bem. Eu errei, sei disso, mas infelizmente não a mais nada que eu possa fazer. Eu queria muito Peeta, muito mesmo que você se curasse e que pudesse viver uma vida saudável e feliz, mas... a casos que não estão ao nosso alcance, mesmo sendo médicos. — disse calmamente, mas estava se sentindo horrível por não ter conseguido ajudar Peeta. Ele era somente um garoto, tinha tanto ainda para viver. Mas a vida era imprevisível e quando menos se esperava ela lhe dava uma rasteira.

— Obrigado, Doutor... — Peeta sorriu sarcástico — Obrigado por absolutamente nada! — completou movendo o corpo e saindo em passos rápidos do consultório. 

Ao fundo pôde ouvir os gritos de Evelyn, pedindo para que ele parasse, mas ele não parou. Ele não queria parar, só queria que aquilo terminasse, só queria poder abrir os olhos e acordar daquele maldito pesadelo. Quando seus pés alcançaram o lado de fora do enorme hospital, Peeta correu, correu cegamente pelas ruas, sem saber ao certo para onde ir. Mas naquele momento tudo o que ele mais queria era simplesmente desaparecer.

Uma vez estavam Cato, Finnick, Gale e ele na casa de férias de seus pais. Era início de verão, estavam todos bebendo e resolveram ir para a cachoeira. Ela tinha pelo menos três metros de altura e a correnteza estava bem forte, contudo, Peeta não ligou muito para isso e pulou mesmo assim. Ele tentou ao máximo ser cuidadoso na queda, mas não adiantou muito e seu corpo bateu com força contra as pedras que estavam no fundo. O baque foi tão forte que ele sentiu o ar sumir completamente de seus pulmões fazendo com que ele mal conseguisse respirar. Seu nariz ardia por não ter prendido a respiração ao saltar e um frio doentio lhe sobia pela espinha, fazendo com que ele ficasse completamente imóvel e entregue aquela estranha sensação. Ele chegou a pensar que nunca mais haveria de presenciá-la novamente depois de ter sido resgatado, mas estava completamente errado. Ele podia senti-la agora, ainda mais crua, fria e doentia do que antes, como se acabasse de saltar de um avião sem paraquedas. Indo direto para a morte.           

Há exatos cinco meses Peeta estava na quadra de basquete bebendo um pouco de água, tentando se livrar de um mal estar que há algumas semanas vinha se tornando cada vez mais constante. Mas era só concentrar, respirar fundo que passava, sempre passava. O segundo tempo se deu início e o resultado era completamente insatisfatório, estavam jogando como se tivessem 50 quilos de chumbo sobre os ombros e Peeta sentia uma forte dor de cabeça. Gale lhe passou a bola em certo momento e ele começou a se desviar dos jogadores adversários, até que restasse somente ele, a bola e a cesta. Entretanto, antes mesmo de ele conseguir erguer os braços para marcar os pontos, sua visão ficou turva e seus joelhos foram de encontro ao chão. Havia sangue escorrendo de seu nariz, seu estômago se revirava com náuseas e seus olhos estavam doendo, fazendo com que sua visão se tornasse ainda mais embaçada. Peeta sentiu seu corpo amolecer e antes mesmo de se questionar que porra estava acontecendo, foi levado pela escuridão. Horas mais tarde, já no hospital, ele foi diagnosticado com um Aneurisma Cerebral de um tipo raro. Em outras palavras, ele tinha uma bomba relógio dentro de sua cabeça que poderia explodir a qualquer momento. Seu mundo veio a baixo a partir daquele momento, os amigos que se diziam amigos se afastaram, sua namorada lhe deu um pé na bunda e o treinador lhe tirou do time para que ele pudesse se “tratar”. Um mês após a descoberta da doença Peeta saiu da escola, já cansado dos olhares de pena, repulsa ou nojo. Os únicos que ainda permaneciam ao seu lado - além de sua família - eram Cato e Finnick. Seus únicos e verdadeiros amigos.

Peeta diminuiu a velocidade de seus passos quando seus tênis afundam-se na areia. Ele se aproximou um pouco mais das ondas, apreciando a brisa marítima que sobrava levemente contra seu corpo. Sem perder tempo ele retirou os tênis e sentou-se sobre a areia. A praia havia se tornado seu refugio, seu ponto de paz em meio ao caos que estava sua vida. Foi ali que ele descobriu o quanto amava o pôr do sol, e o quanto o tom alaranjado do entardecer lhe acalmava. Era uma manhã ensolarada de sábado e os pais traziam seus filhos para se divertirem, enquanto alguns adolescentes aproveitavam para dar um mergulho ou até mesmo pegarem algumas ondas. Aquilo era algo que Peeta normalmente faria se estivesse em sua antiga vida. Sim, antiga vida, porque aquelas eram as duas palavrinhas que ele usava para se referir a sua vida antes do Aneurisma. Aquela que não envolvia remédios, injeções, grupos de apoio, crises e dias no hospital. Dentre aqueles meses Peeta havia perdido um pouco de peso, estava mais pálido e com a pele arroxeada em algumas partes por causa das implantações de células para seu tratamento, que no final das contas, não serviu de muita coisa, somente adiou um pouco mais o inevitável, a sua morte.

Peeta sentiu algo molhado em suas bochechas e logo tratou de levar os dedos até as mesmas para verificar o que era. Lágrimas. Ele já havia até se acostumado com aquelas que, naquele período de sofrimento, haviam se tornado suas fieis companheiras. Era até meio irônico se fosse parar para analisar. Ele, que sempre fora tão destemido e audacioso, agora era fraco e medroso. Vivia trancado dentro de seu quarto, escondendo-se do mundo, escondendo todos os seus temores. Para seus pais e amigos estava sempre se fazendo de forte, tentando demonstrar que estava tudo bem, quando na verdade ele estava desmoronando por dentro, afundando-se cada vez mais em sua própria dor e angústia. Peeta sentia-se como um garotinho com medo do escuro. Ele nunca havia parado para refletir sobre a morte, e agora que esta estava cada vez mais próxima, ele se sentia encurralado, completamente apavorado. Era como estar preso dentro de um cubo, somente esperando o oxigênio acabar para finalmente ser jogado no rio do esquecimento.

Peeta estava tão inerte em seus pensamentos que nem se deu conta da aproximação de Cato, que não perdeu tempo e logo se sentou ao lado do amigo.

— Hey, cara. — falou apertando levemente o ombro de Peeta, uma forma te tentar lhe passar conforto. Ele odiava ver o amigo tão deprimido.

— Oi. — limitou-se em dizer.

— Sua mãe me contou o que aconteceu. Ela estava prestes a arrancar todos os cabelos de tanta preocupação. Você não deveria ter saído daquele jeito, cara. — advertiu, atraindo os olhos azuis de Peeta para si.

— Eu sei. É só que... — suas palavras morreram no ar e ele suspirou pesadamente, sentindo um nó se formar em sua garganta — Eu só queria ficar um pouco sozinho.

— Eu entendo, de verdade. Mas dá próxima vez... Só tenta avisar antes, está bem? — Peeta assentiu brevemente e Cato sorriu — Ótimo, agora vamos. Está muito quente aqui.

Peeta tentou retribuir o sorriso do amigo da melhor forma que pôde e os dois se levantaram, seguindo em passos silenciosos até o carro de Cato, que não perdeu tempo e logo deu partida pelas ruas de Vancouver. Peeta pôs seu rosto para fora da janela e fechou os olhos. Ele adorava a sensação do vento batendo contra seu rosto, era quase como voar, e de alguma forma aquilo lhe dava um certo ar de liberdade. Porém toda aquela sensação libertadora se dissipou quando ele percebeu que estavam seguindo um caminho diferente do que levava a sua casa.

— Para onde estamos indo? — indagou, direcionando seus olhos para Cato.

— Para casa do Finnick. — respondeu e pela visão periférica viu Peeta franzir o cenho confuso — A Katniss e a Johanna chegaram hoje pela manhã para passarem uma temporada na cidade, esqueceu? Combinamos de fazer uma festa de boas vindas para elas.

— Não combinamos não. Vocês combinaram. — resmungou — Você poderia, por favor, me levar para casa? Não estou a fim de me socializar. — pediu emburrado e Cato bufou.

— Nada disso, você vai sim! — disse seriamente e Peeta revirou os olhos — O que está acontecendo, cara? Eu não estou mais te reconhecendo. Você não é mais o mesmo, fala como antes e é como antes, mas... algo em você mudou e... — Peeta soltou uma risada fria, o interrompendo.

— Já passou por sua mente que eu tenho uma bomba relógio na cabeça?! — indagou com raiva — Não acha que é a porra de um motivo suficiente para eu ter mudado?! Eu vou morrer, Cato! — a visão de Peeta ficou turva por conta das lágrimas — Vocês saem por aí com suas namoradas, vão a festas, estudam para entrarem em uma boa faculdade... Todos vocês têm um futuro pela frente! E qual é o meu?! Levar agulhadas até meu corpo não aguentar mais, e então ser enfiado a sete palmos de terra! — completou enraivecido, quase gritando.

Seu peito subia e descia rapidamente devido a exaltação, mas foram preciso somente dois segundo para que Peeta se arrependesse de ter explodido com o amigo. Já Cato tragou a saliva e apertou o volante com força, sentindo o baque daquelas palavras caírem sobre seus ombros.

— Me desculpa, cara, eu não queria...

— Não, está tudo bem. — Cato o interrompeu, engolindo em seco — Mas eu acho que você deveria fazer algo da sua vida ao invés de ficar por aí se lamentando e se escondendo. O mundo não vai ficar mais justo com você trancafiado em seu quarto, Peeta... então, só por hoje, pelo menos hoje, permita-se ser livre, feliz... por mim... pelo Finnick. — pediu calmamente.

Peeta o encarou, absorvendo cada mínima palavra dita pelo amigo, dando-se conta de que Cato estava certo. Ele devia aquilo a eles, seus verdadeiros amigos, aqueles que estavam dispostos a fazerem tudo por ele, sempre.

— Tudo bem... — soltou um longo suspiro antes de os cantos de seus lábios se erguerem em um pequeno sorriso — Vamos para a casa do Finn.

[...]

— Peeta, Cato! Que bom que vocês vieram! — exclamou Clara dando um rápido abraço nos dois — Como você está, querido? — perguntou ao afastar os fios loiros e rebeldes da frente dos olhos de Peeta.

— Estou bem, tia... — sorriu minimamente — Onde está o Finn? — indagou, tentando tirar o foco de si.

— Está lá dentro com as meninas. Vamos, entrem! — puxou os dois pela mão e os arrastou até a cozinha.

Finnick e Johanna, que estavam em meio a uma completa bagunça, pararam o que estavam fazendo para encararem os dois loiros de olhos azuis na companhia de Clara.

— Meu Deus! Como vocês conseguiram destruir minha cozinha em dois minutos? — questionou boquiaberta arrancando uma risada da morena de mexas vermelhas.

— Relaxa mãe, depois limpamos... — falou Finnick indo em direção aos amigos para cumprimentá-los — E aí cara, como você está?

— Bem... eu acho. — respondeu e Finnick lhe lançou um sorriso triste, porém compreensivo. Cato havia lhe telefonado horas antes contando sobre os resultados dos exames de Peeta e ele havia ficado bem abatido.

— As coisas vão melhorar. Você vai ver. — murmurou somente para Peeta, que se limitou a um breve aceno — Hey, Johanna, você se lembra dos meus amigos? — indagou para a morena a poucos metros de distância.

— Talvez... — disse meio duvidosa e logo se aproximou para cumprimentar os dois com um beijo na bochecha.

Peeta, ao ver que os olhos castanhos da morena pararam por alguns segundos nas manchas arroxeadas em seus braços, logo tratou de puxar as mangas compridas para baixo antes de enfiar as mãos nos bolsos, meio agoniado. Cato percebendo sua ação lhe lançou um olhar tranquilo, para passar-lhe conforto, o que de certa forma funcionou.

A porta da varanda foi aberta violentamente e uma morena sorridente, toda suja de farinha passou pela mesma. Seus cabelos - tão ou mais escuros do que os da Johanna - estavam presos em um coque desajeitado, dando a ela um ar despojado e desleixado. Peeta lembrava-se dela, porém muito pouco já que Katniss viveu praticamente sua vida inteira em Londres com o pai. Eram raras às vezes em que ela vinha visitar Clara e Finnick.

— Finnick! As pizzas ficaram uma droga! — reclamou sem notar a presença dos dois garotos.

— Claro que ficaram irmãzinha, você não cronometrou o forno direito. — debochou, rindo da careta que a mesma fez — Mãe, vamos ter que ligar para um restaurante. — avisou fazendo Clara bufar.

— Vocês realmente não servem para serem cozinheiros. — resmungou indo em direção à sala.

— Hey! Não sabia que teríamos visitas. — Katniss sorriu indo em direção aos dois — Oi, Cato. — ela o abraçou bem apertado, fazendo o loiro reclamar.

— Oi, Everdeen... Olha só, você cresceu! — debochou e Katniss lhe deu um soco no peito.

— E você permaneceu um idiota. — rebateu antes de se virar para Peeta. Ela lembrava-se dele, vagamente mais lembrava — E você deve ser o Peeta, estou certa? — indagou e o loiro assistiu, estendo-lhe a mão para cumprimentá-la. Mas ao em vez disso a morena o puxou para um apertado e caloroso abraço.

Peeta logo sentiu seus músculos ficarem tensos devido à surpresa. Fazia tempos que ele não aceitava nenhum tipo de afeto de qualquer que fosse a pessoa, incluindo sua mãe. Para ele aquilo poderia simbolizar pena, e tudo o que ele mais odiava era que as pessoas sentissem pena dele. Mas com a Katniss estava sendo diferente, ele podia sentir na forma como os braços da morena estavam abraçando tão protetoramente seus ombros. Foi então que ele permitiu-se relaxar ao envolver a cintura da mesma, e pela primeira vez em meses, ele deixou-se ser abraçado. Katniss sorriu e afastou o rosto da curva do pescoço de Peeta para poder olhá-lo nos olhos. Ela podia ver perfeitamente através das orbes extremamente azuis do loiro que ele não estava bem. Ele parecia cansado e um pouco abatido, mais ainda assim, ela não pôde deixar de notar o quão bonito ele era.

— É bom te ver novamente, Peeta. — disse bem humorada, fazendo Peeta abrir um mínimo, porém verdadeiro sorriso. O primeiro em semanas.

— É bom te ver também... Katniss. — devolveu completamente hipnotizado pela imensidão acinzentada que eram os olhos da morena.

[...]

Estavam todos sentados no chão da sala após um almoço bem descontraído. A TV estava sintonizada em um canal qualquer, que nenhum dos que estavam ali prestavam muita atenção. Estavam mais concentrados nas histórias que Katniss e Johanna contavam sobre suas vidas em Londres. Peeta estava calado, e quando não, falava apenas o necessário. Ele preferia assim. Estava mais uma vez ouvindo atentamente uma das histórias malucas das meninas quando seu telefone tocou. Ele pediu licença e dirigiu-se até a cozinha, vendo a foto de sua mãe brilhar na tela.

— Oi, mãe. — falou em um tom baixo.

Peeta Mellark, onde você está que ainda não apareceu em casa?! Quer me deixar maluca?! — indagou do outro lado da linha. Evelyn estava quase enlouquecendo de tanta preocupação com o filho.

— Desculpa mãe. Estou aqui na casa do Finn, a irmã dele e uma amiga acabaram de chegar, mas não se preocupe, já estou indo para casa. — avisou.

Nada disso! — Evelyn se apressou em dizer. Pela primeira vez em meses seu filho havia saído com os amigos e ela não poderia estar mais feliz — Fique aí e se divirta um pouco, você precisa se distrair filho... só não se esqueça de suas vitaminas, já está quase na hora. Beijos, te amo. — se despediu.

— Também te amo, mãe. — Peeta encerrou a ligação e respirou fundo.

Ele não deveria ter dito onde estava, agora teria de ficar ali mais do que pretendia. Não que ele não estivesse gostando de estar ali, na verdade ele adorava passar um tempo com os amigos, entretanto, naquele exato momento tudo o que ele mais ansiava era poder estar debaixo de seus lençóis, refletindo sobre sua vida e no que faria antes de partir.

Em passos preguiçosos Peeta dirigiu-se até a geladeira e retirou da mesma uma garrafa de água. Logo em seguida retirou do bolso os dois frascos de vitaminas e os tentou abrir, porém suas mãos começaram a tremer levemente, fazendo com que a tarefa momentaneamente simples se tornasse quase impossível. Tentou mais uma vez e praguejou baixinho quando, novamente, não conseguiu.

— Precisa de ajuda? — perguntou Katniss e Peeta quase deixou os frascos com as vitaminas caírem ao chão tamanho susto.

Peeta moveu o corpo e deu de cara com a morena apoiada na porta da cozinha, com um doce e singelo sorriso desenhando seus belos lábios. Ele estava tão concentrado na tarefa de abrir os frascos que nem percebeu quando a morena se aproximou.

— Não, está tudo sobre controle. — ele lançou a ela um sorriso amarelo e tentou mais uma vez retirar a tampinha do remédio, em vão.

Katniss soltou uma leve risada antes de se aproximar de Peeta para retirar os frascos de suas mãos, abrindo os mesmos sem esforço algum. Ele resmungou dizendo que havia facilitado a tarefa com suas três tentativas falhas e Katniss riu novamente, mas logo ficou séria enquanto o observava atentamente tomar algumas das pílulas.

— Obrigado. — Peeta agradeceu em um sussurro após tomar o último gole de água que havia no copo. Ele se sentia um pouco desconfortável por tê-la ali o observando, mas diferente do que ele imaginou, ela não o olhava com pena, e sim com um olhar caloroso e compreensivo.

— Tudo bem. — ela sorriu mais uma vez — Você está com fome? — indagou, fazendo Peeta direcionar seu olhar para ela um pouco confuso — É por que eu notei que você comeu muito pouco e... sei que o bolo de chocolate que fiz estava horrível, mas você nem mesmo provou para fingir que ficou bom como os outros fizeram. — disse com humor, mas seu tom continha também um certo ar de indignação. Peeta sorriu de lado e guardou os frascos de vitaminas no bolso da calça.

— Desculpa, não foi minha intenção ofender. O bolo estava com uma aparência deliciosa, mas... É que meu estomago anda um pouco revoltado essas semanas. — explicou, se surpreendendo com o tom divertido que saiu de seus lábios.

— Tudo bem, eu te perdoo. Mas só porque sua desculpa foi muito boa. — pontuou empurrando de leve o ombro do loiro, e então os dois riram.

Peeta estava surpreso consigo mesmo. Fazia tanto tempo que ele não soltava uma risada tão sincera quanto aquela que já havia até esquecido o quão boa poderia ser sensação. Já Katniss, por outro lado, apreciava o brilho espontâneo e vivo que surgiu nos olhos de Peeta por alguns segundos. Ela estava fascinada pelas orbes azuis do loiro e achava um ultraje elas estarem tão tristes e vazias.

— Bom, acho melhor eu ir para casa... — comentou Peeta após cessar as risadas, se sentindo um pouco sem graça por Katniss o estar encarando tão fixamente, mas ao mesmo tempo se sentindo leve. Aquela era a primeira conversa de verdade que ele tinha com alguém sem se sentir deprimido.

— Ahn... Casa? — ela questionou um pouco confusa ao sair do seu “transe” momentâneo — Ah, sim! Casa! — exclamou ao se dar conta do que Peeta havia dito e então sorriu — Vou com você até a esquina, assim você saberá que tem a obrigação de voltar para me ver. — avisou, deixando Peeta um pouco surpreso, mas mesmo assim ele sorriu.

— Certo. Como você preferir, Srta. Everdeen. — fez uma reverencia exagerada que arrancou uma gostosa gargalhada da morena.

— Assim que eu gosto. — ela ergueu o polegar de forma positiva e Peeta riu enquanto saia da cozinha, com Katniss em seu encalço.

Ele se despediu de Johanna e dos amigos, que imploraram para que ele ficasse um pouco mais, já que eram raras às vezes em que Peeta saia de casa e aquilo era um grande feito para Cato e Finnick. Mas o loiro não cedeu e seguiu para fora da casa acompanhado de Katniss. Os dois caminhavam lado a lado em passos silenciosos pela rua.

— Então, Peeta... me fale um pouco sobre você. — Katniss pediu, quebrando o silêncio.

— O que você quer saber? — devolveu, chutando uma pedrinha que estava em seu caminho.

— Quais são seus hobbies, sonhos... desejos bizarros. — falou curiosa e Peeta a encarou, vendo que a morena mais parecia uma criança ansiando para que seu desenho favorito começasse logo.

— Hmm... Deixa-me ver... Acho que jogar vídeo game. — ele deu de ombros e ela riu — O quê? É sério! Eu sou muito bom nisso.

— Claro que é. — ela debochou — Vamos lá, Peeta. Quero saber de coisas produtivas... — pediu novamente e ele riu do biquinho fofo que ela havia feito.

— Tudo bem... — Peeta parou alguns segundo para pensar — Bom, eu adoro desenhar, muito mesmo. E pintar também. Foram formas que encontrei de me acalmar e de ficar mais relaxado. Agora, quanto a desejos bizarros... — ele riu — Bem, eu não tenho nenhum. — completou.

— É isso aí, começamos bem. — Katniss sorriu e Peeta se deu conta de que já estavam em frente a sua casa.

— Bom... esse é o ponto final. — avisou, indicando a casa com a cabeça.

— Então é aqui que você mora? — indagou e Peeta assentiu — É uma bela casa... — a morena voltou seus olhos para o loiro — Bom, então até a próxima, Peeta. Foi muito bom conhecer você, ou melhor, reencontrar você... Droga! Eu já nem sei! — exclamou confusa e Peeta riu para valer.

— Acho que os dois... — sorriu — Até a próxima, Katniss. — acenou, mas então a morena se aproximou, apoiando-se em seus ombros para depositar um beijo demorado em sua bochecha.

Sentir os lábios quentes de Katniss entrar em contato com sua pele fez com que o coração de Peeta se aquecesse, e ele estranhamente adorou aquela nova sensação.

— Te vejo por aí. — disse ao se afastar do loiro, seguindo animadamente pela rua.

Quanto a Peeta, bem, ele ficou ali parado, a encarando. Odiando admitir o quão adorável Katniss estava naquele vestido azul claro.

— Pare de olhar para a minha bunda seu pervertido! — a voz da morena ecoou pela rua, fazendo o loiro rir.

— Não estou olhando para a sua bunda! — falou alto e bem humorado.

— Ah, você está sim, Mellark! — devolveu com a voz repleta de divertimento, ainda sem parar para olhar para trás.

Peeta riu novamente e balançou a cabeça de modo negativo enquanto subia os degraus da varanda de sua casa, pensando no quanto àqueles minutos ao lado de Katniss haviam sido um dos melhores que ele já tivera em meses. Ela, de alguma forma, havia conseguido arrancar-lhe mais sorridos do que seus amigos conseguiram em semanas. Mas bastou adentrar sua casa para que todo aquele momento de leveza, incluindo seu sorriso, se dissipasse. Sua visão começou a ficar turva enquanto o mal estar se instalava em seu estômago. A dor de cabeça não demorou a chegar, fazendo com que Peeta cambaleasse devido à tontura. Ele já deveria ter se acostumado com aqueles sintomas, afinal de contas, ele já os vinha sentindo há meses, mas mesmo assim, cada vez que eles surgiam era como se fosse à primeira vez. Era torturante e o deixava deprimido, pois ele sabia que cada vez que sentia aquilo era mais um passo que dava em direção ao precipício chamado de morte. Peeta tentou caminhar até o sofá, mas suas pernas fraquejaram no meio do caminho e ele se viu indo de encontro ao chão, já sentindo sua consciência ser levada pela escuridão.

[...]

— Querido? — Evelyn chamou ao adentrar o quarto de Peeta e encontrou o mesmo concentrado em seu vídeo game — Peeta. — chamou novamente.

— Hm... — murmurou, indicando que estava a ouvindo.

— Finnick ligou, disse que vocês vão ao cinema... Isso é ótimo, filho! — disse entusiasmada e Peeta prontamente pausou o jogo e a encarou de forma séria.

— Não, ele acha que vamos, mas a verdade é que não vamos... pelo menos eu não vou. — respondeu fazendo com que o sorriso de Evelyn murchasse.

— Como assim não vai? Filho, você precisa se dis...

— Mãe. — Peeta a interrompeu — Eu não estou no clima, ok? Então, por favor, não insista. — pediu, sua voz saindo mais rouca do que o habitual.

Já fazia duas semanas que Evelyn havia encontrado Peeta desmaiado no chão de sua sala, e desde então ele estava lá, confinado dentro daquele quarto sem qualquer contado com o mundo exterior, não permitindo nem mesmo a entrada de seus melhores amigos. Aquilo não estava fazendo bem para ele e muito menos para ela, que como mãe, estava altamente preocupada.

— Você nunca está no clima, Peeta... até quando vai fugir de tudo e de todos? — questionou já cansada de vê-lo trancafiado dentro daquele quarto. 

— Até eu morrer, e acredite, não vai demorar muito. — respondeu de forma seca.

Peeta estava cansado de tudo aquilo. Cansado dos remédios, das tonturas, das dores de cabeça, dos enjoos. Cansado das angústias, dos pesadelos, dos medos... Cansado de se sentir tão quebrado e deprimido. Ele só queria que todo aquele sofrimento acabasse porque, lá no fundo, uma parte sua já havia morrido.

Os olhos de Evelyn se tornaram marejados ao ouvir tais palavras saírem da boca de seu filho. Assim como Peeta, ela também estava quebrada. Era torturante para uma mãe saber que seu filho, aquele ser que ela tanto amou desde o momento em que era somente um embrião dentro de sua barriga, estava morrendo. Era uma dor quase insuportável, mas ela jamais desistiria dele. Jamais desistiria de seu pequeno Peeta.

— Eu não admito que você fale desse jeito comigo, ouviu bem Peeta Mellark?! — as lágrimas fizeram caminho pelas bochechas de Evelyn enquanto ela encarava o loiro de modo repreensor — Você está aqui agora! Vivo! E eu não permitirei que desperdice seus dias ficando trancado aqui nessa droga de quarto! — exclamou.

Peeta abriu e fechou a boca algumas vezes com o intuito de pedir perdão por ter agido como um idiota com sua mãe, mas ao invés disso ele simplesmente desviou o olhar e voltou a dar atenção ao seu jogo.

— Vá embora, mãe. Por favor. Não quero falar com ninguém. — sua voz saiu baixa. Evelyn respirou fundo e saiu do quarto, não querendo dar início a uma discussão. Mas se Peeta achava que ela iria desistir, ele estava muito enganado. Uma mãe sempre faria de tudo por seu filho.

[...]

Peeta encarava o horizonte apreciando os primeiros resquícios de sol surgirem por trás do oceano. Desde que descobrira sobre sua doença, Haymitch havia lhe recomendado algumas atividades físicas que ajudariam em seu tratamento. Ele então optou pela corrida. Seu relógio despertava todos os dias às quatro da manhã e ele corria pela orla da praia até o sol começar a nascer. Aquela era a sua deixa para descansar. Então ele sentava-se sobre a areia e apreciava aquele espetáculo da natureza.

A brisa fresca trazida pelas ondas soprava contra seu corpo, ajudando-o a pensar. Aquela era a primeira vez que ele saia de casa em três semanas. Depois de muito insistir e discutir, sua mãe havia conseguido convencê-lo a aproveitar mais os seus dias ao invés de ficar trancafiado em seu quarto jogando Call of Duty. E naquele exato momento ele estava bem ali, sentado a beira mar refletindo sobre as coisas que havia feito, e às que não havia feito também. Peeta tinha muitos sonhos e desejos dos quais ainda queria realizar, mas seus dias estavam em uma contagem regressiva para o fim e ele não tinha muito tempo, por isso decidiu fazer uma lista de coisas, pequenas coisas, para fazer antes de morrer.

Com caneta e papel em mãos, Peeta começou a listar aquilo que sempre sonhou em ter, ou desejou fazer, ficando assim, inerte em seus pensamentos, sem se dar conta da aproximação de uma certa morena de olhos acinzentados. Katniss fazia sua costumeira caminhada pela manhã e se surpreendeu ao ver aquela cabeleira loira sentada próximo ao mar. Ela reconheceria aqueles fios dourados a quilômetros de distancia. Por alguma razão, Katniss não conseguia tirar Peeta de sua cabeça, ainda mais após a conversa que havia tido com seu irmão dias atrás. Finnick havia lhe contado sobre a doença de Peeta e aquilo a deixou bastante encabulada. Ela sabia que o loiro não estava nada bem, mas nunca passou por sua mente que o mesmo estivesse em seus últimos meses de vida. Aquilo a abalou de início, mas então ela se recordou do sorriso de Peeta e aquilo só serviu para fazer com que Katniss sentisse ainda mais vontade de se aproximar, de fazer com que ele se sentisse bem. E encontrá-lo ali parecia ser um sinal do destino.

Com um enorme e radiante sorriso no rosto, Katniss apressou seus passos em direção a Peeta, vendo que o mesmo estava concentrado enquanto escrevia algo em um pedaço de papel. Ela até tentou ler o que estava escrito ali ao olhar por cima do ombro do loiro, mas sua tentativa não obteve resultados.

— Olha só quem está aqui, se não é o senhor “sou muito bom com vídeo games”. — Katniss falou divertida ao sentar-se ao lado de Peeta, que deu um pequeno pulinho devido ao susto.

Os olhos azuis do loiro se arregalaram levemente, surpresos, ao fitarem a morena sentada ao seu lado. De todas as pessoas, Katniss era a que Peeta menos esperava encontrar naquela paria.

— Katniss? — indagou incrédulo e um pouco assustado.

— Eu mesma, em carde e osso. — a morena não conseguiu segurar a risada que acabou lhe escapando devido à cara de espanto de Peeta — O que foi? Por um acaso eu estou tão feia assim? — questionou brincalhona ao fazer um biquinho fofo.

— O quê? Não! Claro que não! — Peeta se apresou em dizer — Você está... linda. — completou em tom baixo desviando o olhar um pouco sem graça e Katniss riu novamente.

— Eu estou bem chateada com você, sabia? — falou e os olhos de Peeta rapidamente se voltaram para ela, confusos.

— Comigo? Por quê?

— Porque você não foi me visitar. — respondeu cruzando os braços de forma infantil e Peeta teria rido de sua atitude se não estivesse tão desconcertado.

— Ah, isso... Bem, é que eu não estava muito bem nessas últimas semanas. — respondeu tentando sorrir, mas seu sorriso saiu mais como uma careta.

— Sem problemas... — Katniss sorriu docemente — E então, o que você estava escrevendo nesse papelzinho? Parecia tão concentrado.

— Não era nada de mais. — Peeta encarou o pedaço de papel em suas mãos e sorriu de lado — Só estava fazendo uma pequena lista de coisas que quero fazer antes de morrer.

— Uma lista? Perfeito! — os olhos da morena brilharam em animação — Eu sou muito boa com listas, sabia? Fiz uma algum tempo atrás, mas infelizmente não consegui realizar um terço do que havia listado. — completou um pouco triste.

— E por que não conseguiu?— perguntou interessado e Katniss sorriu de forma travessa, direcionando seus olhos para o oceano.

— Bom, digamos que algumas das coisas que eu havia escrito eram um pouco impróprias, bizarras, ou que poderiam me colocar na prisão. — os olhos de Peeta se arregalaram com a resposta da morena.

— Prisão? Que tipo de coisa você colocou nessa lista? — indagou um pouco assustado e Katniss o encarou divertida.

— Entre às mais leves? Roubar um banco e explodir um carro. — respondeu sem muita importância e Peeta arregalou ainda mais os olhos, se é que aquilo era possível.

— Meu Deus! — exclamou incrédulo — Se essas eram as mais leves, não quero nem imaginar quais eram as pesadas. — Katniss riu com o comentário do loiro.

— Boa escolha, porque se você soubesse correria o risco de ficar traumatizado. — falou com humor e Peeta não conseguiu segurar a gargalhada.

— Céus! Você é maluca! — Peeta balançou a cabeça negativamente enquanto tentava controlar a risada.

— Só às vezes. — Katniss sorriu — Eu posso ver? — pediu, referindo-se à lista.

Peeta pensou por alguns segundos, e não vendo mal algum entregou o pedaço de papel para Katniss, que analisou atentamente as palavras escritas pela caligrafia um pouco desajeitada do loiro.

—Dançar na chuva. Fazer uma tatuagem. Acampar no alto de uma montanha. Quebrar uma regra. Jogar uma garrafa ao mar com uma mensagem. — leu em voz alta o que estava escrito na pequena lista — Só isso? Nada de pular de paraquedas ou de roubar uma loja? — indagou bem humorada fazendo Peeta solar uma leve risada.

— Não sou tão maluco quanto você, Katniss. — debochou e a morena fez uma careta, pondo a mão sobre o peito teatralmente se fazendo de ofendida — E essas são só pequenas coisas que sempre quis fazer, mas por algum motivo nunca fiz.

— Tudo bem, eu posso lidar com isso. — sorriu — Então, por onde começamos? — questionou entusiasmada e Peeta franziu o cenho.

— Espera... Como assim “começamos”? — perguntou confuso.

— Não sabia que você era tão lerdo, Mellark. — Katniss riu antes de prosseguir — Isso quer dizer que eu vou te ajudar.

Peeta ficou em silencio por longos e torturantes minutos, apenas encarando a morena de forma séria. Ele odiava admitir, mas Katniss tinha algo que o encantava. Talvez fosse sua forma de viver ou tratar as pessoas, sempre descontraída e despreocupada, mas a questão era que ele não poderia se dar ao luxo de se afeiçoar a ela, fosse para criar um laço de amizade ou qualquer outra coisa que envolvesse se apegar de forma emotiva. Dali a alguns meses - ou até mesmo dias - ele seria somente uma lembrança, e de forma alguma queria deixar a morena abalada pela sua partida, para isso já bastava seus pais e amigos. Enquanto isso, ao seu lado, Katniss se questionava mentalmente se havia dito ou feito algo de errado para Peeta ter ficado tão quieto de repente. Ela já estava começando a ficar aflita quanto o loiro finalmente resolveu quebrar o silêncio.

— Katniss, veja bem, eu... eu estou... Droga!— Peeta suspirou pesadamente e fechou os olhos por alguns segundos, em busca das palavras certas — Bom, vamos lá. — murmurou para si mesmo — Você já deve estar sabendo que eu estou doente, com uma bomba relógio em minha cabeça prestes a explodir... — começou, encarando as próprias mãos — Olha, pode parecer idiotice, ou até mesmo grosseiro, mas... a questão é que eu não quero criar laços com qualquer que seja a pessoa. Não sei quanto tempo ainda tenho de vida, mas ao que tudo indica é muito pouco, por isso não quero me apegar às pessoas e muito menos que as pessoas se apeguem a mim. Já basta saber que deixarei meus pais e amigos sofrendo, não quero você nessa equação dolorosa também, entende? — finalizou, erguendo o olhar para Katniss, encontrando os olhos tempestuosos da morena fixos nos seus.

Katniss ficou quieta por alguns segundos, absorvendo as palavras de Peeta, e então, para a surpresa do loiro, ela começou a rir. Peeta franziu o cenho completamente confuso. De todas as reações possíveis que a morena poderia ter, aquela definitivamente não era a esperada.

— Por que você está rindo? Eu disse algo engraçado? — perguntou sem entender.

— Não... — Katniss respirou fundo em busca de conter a risada — Eu estou rindo porque você é um completo idiota.

— O quê? Idiota? Por quê? — questionou ainda mais confuso.

— Porque você não pode impedir as pessoas de se aproximarem de você por medo de feri-las, Peeta. Se machucar ou não é uma escolha delas e não sua. — pontuou, deixando de lado a postura divertida para poder encará-lo de forma séria.

— Você não entende, não é? — o loiro riu sem humor enquanto balançava a cabeça — Não me importa de quem possa ser à escolha, Katniss. Eu só não quero deixar para trás um rastro de dor e sofrimento! Esse fardo eu prefiro carregar sozinho! — rebateu um pouco irritado.

— Sofrer pela morte de entes queridos não é algo negativo, Peeta. Isso só mostra o quanto aquela pessoa que partiu era importante para outras. — Katniss moveu o corpo para poder ficar de frente para o loiro — E por mais que você grite, esperneie, ou seja rude, isso não mudará a realidade... assim como não mudará o fato de que eu não irei embora. — o loiro abriu a boca para retrucar, porém Katniss não permitiu — Você não pode controlar tudo a sua volta, Peeta. Por isso não seja tão idiota. — a morena sorriu minimamente — Vamos lá, ponha a mão sobre o seu peito. — pediu, fazendo Peeta olhá-la intrigado.

— Como? — franziu o cenho — Katniss, eu acho que...

— Não discuta comigo, Mellark. Apenas faça o que eu estou pedindo. — ela o interrompeu, e mesmo estando confuso Peeta a obedeceu — Ótimo, agora feche os olhos. — voltou a pedir e ele a olhou um pouco desconfiado. Peeta não fazia ideia de o porquê Katniss estar lhe pedido aquilo, mas ainda sim a obedeceu sem protestos — Muito bem... O que você está sentindo? — perguntou após alguns segundos.

— As batidas do meu coração. — respondeu ainda de olhos fechados.

— Exatamente. E sabe o que isso significa? — indagou, e sem esperar pela resposta do loiro, Katniss continuou — Que as batidas de seu coração representam o relógio da sua vida, tiquetaqueando a contagem regressiva do tempo que ainda lhe resta. — Peeta abriu os olhos e encarou a morena, prestando bastante atenção em suas palavras — Um dia ele parará. Isso é cem por cento garantido e não há nada que você possa fazer a respeito. Portanto, não dá para perder um único precioso segundo. — Katniss suspirou — O que eu quero dizer com tudo isso é que você não pode simplesmente afastar as pessoas que se importam e que só querem o seu bem pelo fato de estar doente, Peeta. E daí que você irá morrer? Todos nós iremos. É claro que alguns partirão antes que outros, mas no final das contas, somos todos viajantes deste tempo e deste lugar. Somos apenas passageiros destinados a observar, aprender, crescer, amar, e então para casa novamente retornar. Por isso você deve parar de agir como um idiota. Por isso deve aproveitar o máximo do tempo que ainda possui com coisas produtivas. Seja fazendo uma lista... — o loiro sorriu — Ou simplesmente aproveitando do carinho e atenção distribuídos por aqueles que te amam. A vida é curta e às vezes injusta? Sim, ela é, mas as lembranças que podemos deixar duram uma eternidade. — concluiu com um pequeno sorriso, deixando que a emoção fosse refletida através de suas orbes acinzentadas.

Peeta estava completamente desconcertado e desarmado enquanto tentava digerir tudo aquilo. Para os cientistas, a luz viajava mais rápido do que a escuridão, mas para Peeta, eles estavam completamente errados. Não importava o quão rápido a luz viajasse, no fim das contas a escuridão sempre chegava antes, de forma fria, sufocante e impiedosa. Mas algo havia mudado naquele exato momento e era graças às palavras de Katniss, que havia alcançado as profundezas de seu subconsciente, de seu coração. E então ele se viu sendo puxado daquela tortuosa escuridão, daquele poço de dor e sofrimento que havia se tornado sua casa. Era como se Peeta finalmente houvesse alcançado a famosa luz no fim do túnel.

— Sabe de uma coisa? Você está completamente certa, Katniss. — Peeta abriu seu melhor sorriso, aquela que há meses permanecia adormecido — Eu não posso ficar aqui me lamentando e perdendo tempo enquanto tenho pessoas importantes para amar... e uma vida para desfrutar. — o coração da morena se aqueceu ao ouvir aquelas palavras, feliz por ter alcançado seu objetivo — Obrigado, Katniss. Obrigado por abrir meus olhos e por me fazer enxergar o quão idiota estava sendo.

— Sempre que precisar, Sr. Mellark. — os dois riram abertamente, e pela primeira vez Peeta sentiu que as coisas finalmente poderiam dar certo para ele.

— E então, por onde começamos? — perguntou, usando as mesmas palavras que Katniss havia usado minutos atrás.

— Ahn... Deixe me ver... — Katniss inclinou a cabeça um pouco para o lado, pensativa — Já sei! — estalou os dedos de forma animada — Vamos começar pelo número 4.

— Quebrar as regras? — indagou ao olhar a própria lista.

— Exatamente. — a morena sorriu abertamente — Você tem patins?

— Ahn... Acho que sim. — respondeu um pouco duvidoso — O que você tem em mente?

— Quando chegar a hora certa você saberá. Agora vá para casa e tome um banho, daqui a meia hora vou te buscar. — falou se pondo de pé e Peeta logo a acompanhou.

— Você é muito mandona, sabia? — resmungou, seguindo os passos da morena em direção ao calçadão da praia.

— É. Já me disseram isso. — ela fez uma careta e os dois riram, parando um de frente para o outro logo em seguida — Não se esqueça dos patins, ok? — lembrou quando chegou a hora de se despedirem.

— Não esquecerei, pode deixar. — Peeta sorriu e cada um seguiu seu caminho, sem terem a menor ideia de que aquela pequena lista mudaria suas vidas para sempre.

[...]

— Katniss, espera. — Peeta a segurou pelo braço, impedindo que a mesma entrasse no estúdio de tatuagem — Não seria melhor deixar isso para amanhã ou... depois? — indagou um pouco nervoso.

— Você está com medo? — devolveu cruzando os braços, encarando-o atentamente. Peeta suspirou pesadamente antes de responder.

— Eu não gosto muito de agulhas, Katniss.

— Ninguém gosta Peeta, mas é só uma tatuagem. — ela se aproximou do loiro e segurou em suas mãos — Vamos lá, vai ser só uma dorzinha de nada e quando você menos esperar já vai ter acabado. — Katniss piscou os olhos algumas vezes de forma adorável e aquele pequeno gesto fez Peeta praguejar baixinho. Em poucos dias ela já havia descoberto como convencê-lo a fazer qualquer coisa, e para isso bastava fazer aquela carinha do gato de botas.

— Assim não vale, você está jogando baixo. — resmungou emburrado.

— Só estou usando as armas que tenho baby. — ela sorriu — Agora vamos, porque eu estou louca para saber como ficará a sua tatuagem.

Os dois entraram no estúdio e em questão de minutos Peeta já se via deitado sobre a maca praguejando baixinho sempre que a agulha entrava em contato com sua pele. Ele definitivamente odiava agulhas. Enquanto isso, na sala ao lado, Katniss teve que se conformar em ficar a espera já que o loiro havia a proibido de acompanhar o procedimento da tatuagem, pois queria fazer suspense em relação à mesma, por isso só restou a ela ficar divagando enquanto os minutos pareciam levar horas para se passarem. Foi então que as lembranças daquela manhã de domingo vieram à tona em sua mente. Ela havia levado Peeta ao shopping para cumprir a quarta tarefa de sua lista, quebrar uma regra. Katniss recordava-se perfeitamente da cara de pânico que o loiro havia feito quando ela contou que os dois iriam andar de patins pelo shopping. Foi difícil convencê-lo, mas bastou um pouco de insistência e uma carinha adorável para que conseguisse dobrá-lo direitinho. Aquele havia sido um dos dias mais divertidos de toda a sua vida, e acreditava que na de Peeta também. Os dois já haviam patinado por quase todos os corredores do shopping quando os seguranças começaram a persegui-los por todos os lados. Com a adrenalina a flor da pele os dois correram desesperados por entre as diversas pessoas que faziam suas compras tranquilamente, às vezes até esbarravam em uma ou outra. Mas as coisas só se tornaram complicas para valer quando Peeta - em completo desespero - acabou fazendo uma curva errada, e como consequência do movimento mal calculado o loiro se viu indo de encontro ao chão, e se não bastasse, ainda levou a morena junto.

Katniss ainda podia sentir a eletricidade percorrendo por cada célula de seu corpo sempre que se lembrava do momento em que seu rosto encontrava-se a sentimentos do de Peeta. Os dois compartilharam do mesmo ar naquele curto período de tempo. Compartilharam do mesmo coração acelerado, que por mais que negassem, não estava acelerado somente pela corrida. Compartilharam das mesmas pupilas dilatadas, do mesmo olhar confuso, assustado, admirado. Da mesma vontade, do mesmo desejo, dos mesmos tremores, do mesmo rubor. Algo extremamente forte começava a nascer entre ambos, mas os mesmos preferiram ignorar todas aquelas sensações tão estranhas, mas ao mesmo tempo tão intensas e desejosas, para não se apegarem a algo que poderia não ser recíproco.

Katniss foi tirada de seus devaneios quando o tatuador chamou a sua atenção, dizendo que já havia terminado seu trabalho e que Peeta a estava esperando para mostrá-la sua tatuagem. A morena não perdeu tempo e logo adentrou a sala, encontrando o loiro em frente a um enorme espelho.

— E então, como foi? — perguntou ao se aproximar, encarando as orbes azuis do loiro através do espelho.

— Doloroso. — respondeu entortando os lábios em uma leve careta e Katniss abafou uma risada — Mas devo admitir que valeu super a pena. — Peeta sorriu abertamente e aquilo só deixou à morena ainda mais curiosa.

— Então deixa de frescura e me mostra logo a droga dessa tatuagem que eu já estou pirando aqui de ansiedade! — exclamou impaciente, fazendo Peeta gargalhar alto.

— Tudo bem, apressadinha. — brincou antes de retirara a camisa.

Peeta não pôde evitar se sentir desconfortável diante das manchas arroxeadas em sua pele por conta das injeções, mas esse desconforto se dissipou no exato instante em que ele sentiu os dedos gélidos de Katniss tocarem sua pele na altura das costelas, onde estava situada sua recém-feita tatuagem. Aquele simples e pequeno gesto o fez estremecer, mas ele preferiu acreditar que aquela reação havia sido somente uma consequência por sua pele ainda estar muito sensível. Pobre Peeta, estava mentindo para si mesmo.

— Ficou incrível, Peeta! — Katniss pronunciou maravilhada enquanto contornava delicadamente o desenho com as pontas dos dedos — Mas por que um pássaro?

— Por que... apesar de todo o caos em minha vida, essa é a primeira vez que eu me sinto realmente livre. — Peeta moveu seu corpo para poder ficar de frente para a morena — Eu sinto como se pudesse voar para qualquer direção do horizonte, pousar em qualquer canto do mundo, cantarolar as mais belas canções... — os dois riram, pois Peeta era um péssimo cantor — Por isso eu escolhi um pássaro, porque ele representa a minha liberdade.

— É muito bom ouvir isso, sabia? — Katniss sorriu antes de depositar um beijo na bochecha do loiro — Agora vamos, quero muito ver a reação do Finn quando olhar para a sua tatuagem. Cara, ele vai amar! — completou animadamente, contagiando Peeta com seu entusiasmo.

— Claro que vai... só espero que ele não queira beijar minha costela. — falou com humor e Katniss caiu na gargalhada enquanto o puxava pela mão em direção a saída do estabelecimento.

Peeta sentia como se houvesse retirado um peso de suas costas. Havia demorado, mas graças a Katniss ele havia aprendido que, apesar de todos os acasos, era necessário continuar respirando, continuar caminhando, enfrentando todos os seus monstros caso ele quisesse uma vida escrita por ele mesmo, com as quedas e os fracassos, os choros e os desesperos, e não somente linhas rabiscadas pela força do tempo. Ele ainda sentia medo, ainda tinha os seus momentos de torpor onde a angústia parecia torturá-lo, mas havia aprendido que a vida era aquele contraste entre o tudo e o nada, e que as pessoas eram meros atores daquela peça sem ensaios, com pouco publico e com um final incerto.

[...]

— Não! — Peeta ergueu o corpo e sentou-se sobre a cama, olhando de um lado para o outro assustado, mas logo em seguida soltou um suspiro de alívio ao perceber que aquilo havia sido apenas um pesadelo. Um cruel e assustador pesadelo onde ele via a si mesmo dentro de um necrotério, machucado, imóvel, sem vida.

O loiro passou as mãos pelos cabelos se sentindo completamente desconcertado. Sua respiração estava ofegante e as batidas rápidas de seu coração davam a entender que o mesmo poderia sair de seu peito a qualquer momento.

— Peeta? — o loiro ergueu os olhos e viu James parado em sua porta — Está tudo bem, filho? — perguntou preocupado.

— Sim, pai... foi só... só mais um pesadelo. — respondeu tentando não parecer tão cansado. James se aproximou e sentou ao seu lado.

— Por que você não toma um banho e desce para comer um pouco? Sua mãe fez aquele Caneloni que você tanto adora. — sorriu para o filho e depositou um beijo suave em sua testa. Peeta limitou-se a um breve aceno antes de entrar no banheiro e tomar um banho rápido. Após verti-se com uma roupa confortável e aquecida, o loiro desceu para ir de encontro aos seus pais.

O jantar decorreu silenciosamente, porém com um ar bastante agradável e reconfortante. Apesar de o Caneloni ser um dos pratos preferidos de Peeta, ele comeu muito pouco e logo se retirou da sala de jantar, indo sentar-se um pouco na varanda para tomar um pouco de ar fresco.

Era uma noite fria de segunda-feira, o céu estava nublado, com pouquíssimas estrelas e o mundo nunca pareceu tão silencioso quanto naquele momento. Era como se a natureza estivesse sentindo o mesmo que ele, a mesma melancolia tão familiar, tão triste. As coisas não andavam nada bem naquelas duas primeiras semanas de novembro. Peeta havia passado a maior parte de seus dias no hospital já que suas dores de cabeça haviam aumentado gradativamente, e juntamente com ela os enjoos e a fraqueza. E assim, mais uma vez, Peeta se viu trancafiado em seu quarto, sentido aquela costumeira e desconfortável angústia. Sua mente estava desnorteada pela escuridão inata da vida, fazendo com que o loiro sentisse como se estivesse em frente a um espelho embaçado, impedindo assim a luz de ser refletida, e aquilo estava deixando-o agoniado e extremamente irritado. Ele sentia-se como uma granada prestes a explodir e destruir tudo ao seu redor.

Ele estava indo tão bem, estava conseguindo seguir em frente mesmo com os apesares, mas então a vida, tão bela e cruel, vinha e novamente lhe dava uma rasteira. Peeta estava com raiva, muita raiva, e se perguntando por que aquilo estava acontecendo justamente com ele. Por que não com outra pessoa. Por que justo ele havia sido o azarado quanto tudo o que tinha era perfeito. Aquilo não era junto, não fazia sentido e só o deixava ainda mais confuso, desnorteado e destruído, até o ponto em que não sobrasse mais nada, somente a dor e o vazio.

Peeta fechou os olhos e respirou fundo, inalando o aroma da grama molhada. Aquele aroma lhe era familiar, e quando a lembrança veio em sua mente ele logo sorriu, mesmo que tristemente. Apesar dos apesares, ele estava adorando aquele momento. Era como se o tempo tivesse voltado e congelado naquela época onde tudo havia começado. Quando ele era somente um garotinho ao lado de Cato e Finnick. Eles eram um time. O melhor time que o mundo já viu. As coisas costumavam ser tão mais fáceis. Apenas eles, o trio invencível. Só naquele momento foi que Peeta parou para perceber o quanto sentia falta daquilo. Sentia falta de estar com eles, assistindo filmes e séries, começando uma guerra de pipoca ou travesseiro. Passando as tardes e manhãs comendo salgadinhos e bebendo refrigerante. Mas ele havia estragado tudo aquilo quando os expulsou de seu quarto dois dias atrás ao ser o arrogante e ignorante de sempre, ou pelo menos dos últimos sete meses. Contudo, ele sabia que mesmo tendo sido um babaca, seus amigos jamais o abandonariam, e aquilo só o fazia se sentir ainda mais culpado.

— O que um belo rapaz faz aqui fora tão solitário? — a voz brincalhona, porém doce e suave fez o sorriso triste de Peeta se tornar encantador. O loiro abriu as pálpebras de forma lenta só para dar de cara com o sorriso adorável e os olhos fascinantes de Katniss.

— Sabem o que dizem, não é? — se pronunciou, sem fazer esforço algum para que sua voz parecesse menos rouca devido às poucas palavras trocadas durante a semana — Antes só do que mal acompanhado.

— Nossa! Essa magoou. — Katniss pós a mão sobre o peito teatralmente e os dois riram — Como você está? — perguntou sentando-se ao lado do loiro, substituindo o sorriso pela preocupação.

— Mal... — Peeta suspirou pesadamente — Estou me sentindo uma droga, ainda mais por ter falado daquele jeito com os garotos. Eu não queria, mas... eu estava tão zangando que nem medi minhas palavras. — desabafou.

— É... eu percebi. Você foi muito idiota e tem sorte de ser tão bonito, porque a minha vontade era de te dar uns bons tapas. — falou com humor, mas Peeta pode notar um certo ar de verdade nas palavras da morena.

— Talvez eu mereça uns tapas. — murmurou cabisbaixo.

— Ei, não fica assim. — Katniss pôs os dedos no queixo quadrado de Peeta e ergueu seu rosto, obrigando-o a encará-la — Você sabe que tanto o Cato como o Finn não levaram em conta suas palavras, estão pare de se martirizar, está bem? O que passou já passou... — a morena sorriu de forma doce — Só tente não ser um idiota dá próxima vez. — completou e o loiro soltou uma pequena risada.

— Obrigado, Katniss. — agradeceu com sinceridade e a morena apenas assentiu antes de repousar a cabeça em seu ombro.

Peeta havia relutado um pouco no começo, mas agora estava claro para ele que ter deixado Katniss entrar em sua vida havia sido a melhor escolha. Ele costumava defini-la como sendo tão límpida quanto à água de um lago em um dia de sol, por outro lado, ele definia a si mesmo como sendo tão turvo quanto o mar em meio a uma tempestade. Eles eram diferentes, em inúmeros aspectos, mas sempre que a morena estava por perto Peeta podia sentir - de alguma forma - o vazio em sua alma ser preenchido. Entretanto, quando ela não estava ele se via em frente a aquele velho espelho embaçado, com um relógio tiquetaqueando ao fundo cada hora, minuto e segundo de tempo que ainda lhe restava.

— Não é muita loucura como a vida é de um jeito e de repente... Puf... Transforma-se em outra coisa? — indagou quebrando o silêncio.

— A vida é uma grande e enorme bagunça, Peeta... por isso ela é tão bela. — respondeu no exato instante em que um relâmpago cortou o céu de uma ponta a outra, trazendo consigo uma forte chuva.

— É. Talvez você tenha razão. — ele deu levemente de ombros e a morena ergueu o rosto para poder olhá-lo.

— Eu sempre tenho, querido. — sorriu divertida e Peeta revirou os olhos — Quer saber? Isso aqui está muito para baixo... — Katniss levantou e olhou ao seu redor, meio pensativa, foi quando algo surgiu em sua mente e ela logo se voltou para Peeta — Dança comigo?

— O quê? — o loiro indagou completamente confuso.

— A tarefa de número 1 da sua lista era dançar na chuva. E não vejo momento mais perfeito do que esse. — ela sorriu de lado e estendeu a mão para ele.

Peeta não sabia exatamente o porquê, mas não estava disposto a negar aquele convite, mesmo correndo o grave risco de pegarem um resfriado ou até mesmo uma hipotermia. Mas estar com Katniss Everdeen era exatamente aquilo. Se arriscar sem ligar para as consequências.

Peeta agarrou a mão de Katniss e se pôs de pé com um pequeno sorriso. A morena retirou o celular do bolso e colocou sobre o banco, puxando o loiro logo em seguida para debaixo da forte chuva, onde ambos tiveram seus corpos encharcados em questão de segundos. Quando as primeiras notas da música começaram a ecoar do celular de Katniss, Peeta não conseguiu se segurar e acabou rindo.

Leave out all the rest? — perguntou bem humorado sentindo a brisa gélida abraçar seus corpos.

— O que eu posso fazer? Eu amo Linkin Park. — ela deu de ombros — Sem contar que essa música faz parte da trilha sonora de Crepúsculo. — sorriu de forma adorável.

Peeta puxou o corpo da morena em sua direção, deixando seus corpos completamente colados enquanto a chuva tratava de banhá-los com toda a sua intensidade. Seus corpos se moviam lentamente de um lado ao outro quando Peeta aproximou seus lábios do ouvido de Katniss e começou a cantarolara baixinho a letra da música, mesmo que desafinando em algumas notas.

Sonhei que eu estava desaparecendo. Você estava tão assustada, mas ninguém podia ouvir, pois ninguém mais se importava. Depois do meu sonho acordei com esse medo. O que eu deixarei quando tiver acabado aqui? — Katniss sentiu seus pelos se arrepiarem quando os lábios do loiro rasparam em sua orelha.

— Para quem estava debochando até que você sabe a letra da música. — comentou divertida apoiando o queixo no ombro de Peeta.

— O que eu posso fazer? Eu amo Linkin Park. — ele repetiu as palavras da morena — Mas não gosto de Crepúsculo. — completou fazendo-a gargalhar alto — Quando há minha hora chegar, esqueça os erros que eu cometi. Ajude-me a deixar para trás algumas razões para ser lembrado. Não fique ressentida comigo. Quando sentir-se vazia, me mantenha em sua memória e esqueça todo o resto. Esqueça todo o resto. — cantarolou novamente e aquele trecho da música fez o coração de Katniss ficar apertado em seu peito. Aquilo era quase como uma despedida.

A morena afastou um pouco o corpo do de Peeta para poder olha-lho nos olhos. O azul que tanto a fascinava estava ainda mais belo. Ela ergueu a mão e afastou as mechas molhadas dos olhos do loiro, vendo que as bochechas e os lábios do mesmo estavam levemente avermelhados por conta do frio, dando a ele um ar adorável e extremamente lindo. Katniss analisou e contornou cada mínimo detalhe do rosto de Peeta, guardando para ela aquele pedaço de perfeição. Então seus olhos se encontraram, se conectaram, e Peeta se aproximou um pouco mais deixando seus rostos a centímetros um do outro. Havia uma forte e intensa conexão entre eles, quase como se fossem imãs sendo atraídos cada vez mais até se fundirem. Era uma sensação estranha para ambos, mas ao mesmo tempo familiar. Seus corações estavam acelerados. Suas respirações descompactadas. Suas pupilas dilatadas... Era como se eles houvessem voltado para aquele dia no shopping. 

— Eu quero te beijar. — o sussurro saiu dos lábios de Peeta sem a sua permissão, mas ele não se arrependeu nem por um segundo.

— E por que não beija? — a morena devolveu completamente perdida em seu próprio desejo.

— Porque algumas coisas quando quebram não dá para concertar... e eu não quero que isso aconteça com você, Katniss. — os olhos do loiro se tornaram tristes e ela segurou o rosto dele por entre as mãos, fazendo com que seus narizes se tocassem.

— Já é tarde demais para isso, Peeta. Eu já estou quebrada... — as gotas de chuvas escorriam por seus rostos, deixando a conexão entre ambos ainda mais intensa — Assim como também já estou perdidamente apaixonada por você. — revelou, pegando-o completamente de surpresa.

Peeta sabia que pisar naquele terreno seria como pisar em um campo minado. Mas o que ele poderia fazer se as bombas já haviam sido acionadas? Se machucar já havia se tornado algo inevitável. Então era melhor aproveitar enquanto a vida ainda sorria para eles, porque quando a tempestade surgisse, só restariam às dores e as cicatrizes.

— Quer saber? Que se dane o resto. Eu assumo os riscos.

Foi o que Peeta disse antes de avançar nos lábios da morena, acabando com todo o espaço que ainda existia entre eles. Foi como se uma explosão de sentimentos tanto tempo guardados finalmente pulassem para fora naquele momento, alcançando a tão sonhada liberdade. A chuva banhava seus corpos tornando aquele momento ainda mais perfeito. Eles tinham uma sede intensa um pelo outro que parecia crescer cada vez mais. Suas línguas travavam uma guerra onde ambas esperavam pela vitória. Seus lábios se moviam em sincronia enquanto seus corações estavam fortemente acelerados. Eles haviam acabado de iniciar uma guerra fria e não temiam nem um pouco terminarem completamente quebrados, muito pelo contrario, eles queriam mais, muito mais.

[...]

Era inicio de dezembro e apesar de ser inverno a noite estava bem estrelada, deixando o céu incrivelmente iluminado. Peeta estava sentado próximo a uma fogueira com Katniss aconchegada em seus braços, ambos enrolados em um enorme e confortável cobertor. Eles estavam realizando mais uma das tarefas da lista do loiro, acampar no alto de uma montanha. A floresta estava silenciosa naquele momento e os pensamentos de Peeta voavam longe. Ele não estava em seus melhores dias, na verdade ele estava naqueles que havia nomeado de dark days, onde tudo parecia opressor demais. Eram aqueles tipos de dias em que parecia mais difícil conviver consigo mesmo. Já havia se passado mais de sete meses e ele permanecia convivendo com aquela incansável montanha-russa de sentimentos instáveis e inoportunos. Ele não conseguia descrever aquela sensação, era algum tipo de vazio, mas que ocasionalmente se tornava barulhento demais em sua mente, misturando-se aos seus pensamentos confusos e incertos. Aquilo em certas vezes fazia com que Peeta se sentisse como um pássaro sobrevoando uma campina em chamas, já em outras, ele era a própria campina, onde o fogo devastava e dali nada sobrava, a não ser às cinzas e o esquecimento. Contudo, ele não queria ser esquecido, não queria ser como as pessoas cometas que simplesmente passavam pela vida sem deixar a sua marca. Ele queria ser como as pessoas estrelas, que mesmo após sua partida permaneciam iluminando os céus e os corações daqueles que ficaram.

— Eu não quero ser esquecido, Katniss. — a voz baixa e angustiada de Peeta quebrou o silêncio.

Katniss ergueu o rosto e encarou o loiro, vendo o brilho das estrelas serem refletidas em suas orbes azuis. Ela podia enxergar nitidamente o medo nos olhos de Peeta, e ela o entendia perfeitamente, pois compartilhava do mesmo medo, o medo de ser esquecida pelo tempo. Por mais que gritássemos, falássemos ou fizéssemos qualquer outra coisa, bastava o silêncio, a quietude, o calar, o sumir, e então você desaparecia para todos e o tão temido esquecimento naturalmente acontecia. Entretanto, ela havia aprendido que algumas lembranças jamais poderiam ser deixadas para trás, porque elas não pertenciam ao passado, elas pertenciam a nós. E enquanto ela estivesse viva Peeta Mellark jamais, em hipótese alguma, seria esquecido.

— Você nunca será esquecido, meu amor. — sorriu de forma doce e levou as mãos até as bochechas de Peeta para acariciá-las — Eu nunca permitirei que isso aconteça... Jamais. — ela selou seus lábios em um beijo lento e apaixonante.

— Por que eu? — perguntou um pouco ofegante após o beijo, encarando-a intensamente.

— Como? — devolveu confusa com a pergunta do loiro.

— Por que eu? Por que você escolheu a mim, um moribundo que só sabe reclamar da vida e que não tem nada parar te oferecer, quando poderia ter qualquer outro cara saudável e inteiro ao seu lado? — complementou a pergunta — Você é linda, Katniss, uma garota incrível, divertida, admirável... Você merece ser feliz. Merece casar, ter filhos, ter uma vida perfeita com uma pessoa perfeita... — suspirou — E eu infelizmente não sou essa pessoa. — completou de forma triste, sentindo um gosto amargo subir por sua garganta. Peeta não gostava de admitir, mas ele definitivamente não era o que Katniss merecia.

— Você realmente não entende, não é? — a morena balançou a cabeça — A vida não precisa ser perfeita para ser extraordinária, Peeta... — ela aproximou seus rostos — Até porque, os perfeitos não sabem amar. E por mais que você se esforce para me afastar, todas as suas tentativas serão falhas, porque nada e nem ninguém conseguirá mudar o que eu sinto por você. — ela sorriu, sentindo uma lágrima solitária escapar de seus olhos, lágrima essa que Peeta logo tratou de enxugar.

— O que você quer de mim, Katniss? — perguntou em um sussurro, acariciando o nariz da morena com o seu.

— Eu quero que fique comigo todos os dias até o seu último suspiro. Eu quero noites. Poder dormir juntos, acordar juntos... Eu quero que me ame, Peeta. — respondeu sincera e sem rodeios — E você? O que quer de mim?

— Quero que me abrace quando eu sentir medo. Que enxugue minhas lágrimas quando eu me sentir angustiado... — acariciou as bochechas da morena — Quero que esteja comigo na escuridão, para me segurar... para continuar me amando. — completou colando suas testas. E ali, naquela pequena bolha onde ambos se encontravam, havia tantos sentimentos gritando por atenção, gritando para serem ouvidos, e eles foram, pois no exato instante em que Peeta tomou os lábios de Katniss nos seus, todos aqueles sentimentos explodiram do jeito mais intenso e prazeroso que poderia existir.

Aqueles corpos molhados, com os corações acelerados, quentes depois do vendaval carnal. Não, eles não fizeram amor, eles se fundiram. Encaixaram seus corpos de uma forma inexplicável, uniram seus destroços, colidiram seus segredos libidinosos e fatais. Trocaram olhares confessos, declarações de amor, caricias singelas... Ali, naquele momento onde ambos se encontravam em um mundo completamente paralelo ao nosso, não havia segredos, nem medos ou almas quebradas, somente sorrisos, sonhos e felicidade. Aquela era a pequena linha tênue onde estava localizado o para sempre deles.

[...]

Vancouver

20 de Dezembro, 2014

Olá. Não sei quem você é ou de onde é, mas sei que para você talvez exista um amanhã. Talvez existam mil ou dez mil amanhãs. Mas para alguns de nós só existe o hoje, o agora. Eu não sei quanto tempo de vida ainda tenho e muito menos onde vou terminar esta noite, mas seja lá onde for, é onde eu deveria estar.

Talvez você encontre essa carta daqui a quinze, vinte ou até mesmo cem anos. Provavelmente a folha vai estar desgastada pelo tempo em que vagou pelos mares e minha letra provavelmente nem estará mais tão legível, mas ainda sim, eu não a escrevo para lamentar das minhas dores, das minhas angustias ou dos meus medos. Eu a escrevo porque quero ser lembrado. Porque quero me tornar parte do infinito, e para isso basta apenas você saber que eu existir. Basta saber que fui amado mais do que merecia. Que errei mais do que deveria. Que aprendi mais do que pretendia. E no final descobri que a vida é assim, como um relógio. Muitas vezes atrasado, outras adiantado, mas que nunca volta atrás.

Enfim, eu não sei se você é uma criança, um jovem, ou um adulto, mas sei que quando esse pedaço de papel chegar a suas mãos, eu não serei mais eu, e sim, apenas uma mera lembrança vagando pelo tempo. Então se você chegou até aqui, eu só queria dizer obrigado. Obrigado por não me deixar ser esquecido.

Com o meu mais sincero adeus.

Peeta Ryan Mellark.

Peeta leu por uma última vez a carta em suas mãos antes de finalmente colocá-la dentro da garrafa. Ele havia levado quase a noite inteira para escrevê-la, mas enfim havia conseguido. O loiro sabia que as chances de uma pessoa encontrá-la eram mínimas, já que a maioria das garrafas jogadas ao mar acabavam dando a volta ao mundo sem tocar a terra. Mas apesar do tempo e das tempestades, aconteciam casos surpreendentes e documentados pela história de pessoas que encontravam mensagens em garrafas anos após serem lançadas ao oceano. Então, por mais que fossem mínimas as esperanças, ele ainda sim as mantinha.

Após respirara fundo e contar até três, Peeta finalmente lançou a garrafa ao mar com toda a sua força, vendo a mesma ser levada pelas ondas em questão se segundos.

— Você acha que alguém, em algum lugar do globo terrestre um dia irá encontrá-la? — perguntou a Katniss no exato instante em que a morena se aconchegou em seus braços devido ao frio. Era dezembro e a aquela altura do campeonato Vancouver já estava coberta pela neve, deixando a cidade ainda mais bela e encantadora do que o seu habitual.

— Sim, eu acho. Uma garrafa bem fechada é um dos objetos mais “marinheiros” do mundo. — respondeu intensificando o aperto de seus braços em torno da cintura de Peeta.

— Mas... e se ela afundar? — perguntou novamente um pouco nervoso e Katniss soltou uma risadinha.

— Os furacões e as tempestades podem afundar grandes barcos, mas não há quem afunde a maioria dos recipientes de vidro. Então fica tranquilo amor, sua garrafa encontrará seu destino. — Peeta sorriu com as palavras da morena e logo tratou de colar seus lábios nos dela.

— Esse seu amplo conhecimento me fascina, sabia? — murmurou encantado.

— Agradeça as tardes livres que eu tinha na Inglaterra. — sorriu e Peeta lhe roubou mais um beijo — Bom, agora todas as tarefas da sua lista já estão concluídas. — observou ao passar os braços pelos ombros do loiro.

— Hmm... Não exatamente... — Katniss elevou uma sobrancelha de modo inquisidor e Peeta logo continuou — É que ainda tem uma tarefa, uma tarefa bônus eu diria, da qual eu não coloquei na lista.

— E que tarefa seria essa? — indagou curiosa.

— A de aproveitar cada segundo desse meu último natal. — respondeu, e as palavras saíram de sua boca com um peso muito maior do que ele imaginava.

Ambos sabiam que a tão temida hora estava cada vez mais próxima, e por mais que Katniss tentasse encobrir, Peeta podia enxergar perfeitamente o temor através das orbes acinzentadas da morena. Ela sabia que se envolver com Peeta lhe machucaria profundamente, mas preferia mil vezes terminar o dia com o coração quebrado após dizer o tão doloroso adeus, do que passar o resto de sua vida se arrependendo por não ter tentado, por não ter arriscado. E o que seriam algumas lágrimas perto de todas as memórias felizes que ela havia construído ao lado de Peeta? Eles tinham o seu próprio infinito e sabiam que ele duraria uma eternidade.

— Não se preocupe meu amor. Eu farei desse natal o melhor de nossas vidas. — a morena lançou a Peeta o seu melhor sorriso e aquilo bastou para ele saber que, de alguma forma, tudo ficaria bem.

[...]

Era noite de natal e as ruas de Vancouver estavam cobertas pela neve, dando a cidade um verdadeiro espírito natalino. Peeta estava apoiado no parapeito da varanda observando atentamente os piscas-piscas ao redor das inúmeras casas espalhadas pela rua, soltando um logo e pesado suspiro vez ou outra. Aquele cenário era lindo de se ver, uma cena típica de filme natalino, contudo, ele não estava nem um pouco animado ou no clima de comemoração. Desde que acordara aquela manhã Peeta vinha se sentindo um pouco estranho, um pouco fora de orbita. Ele andava, falava, interagia, mas era como se parte de seu corpo não estivesse ali, como se de algum modo ele estivesse se vendo por fora, como se estivesse flutuando e observando tudo de longe, do alto. Era uma sensação angustiante, incomum e completamente inexplicável, mas que ele sabia exatamente o significado. Aquilo era somente a maneira que o desdito havia encontrado para lhe avisar que a próxima estação era a sua, e que uma hora ou outra, o trem seguiria sua jornada sem ter Peeta Mellark como seu passageiro.

O loiro suspirou pela sétima vez naquela noite e apoiou a cabeça na coluna de madeira ao seu lado, sentindo a garganta fechar e os olhos arderem pelas lágrimas que desde cedo insistiam em lhe fazer companhia. A morte era realmente surpreendente, não? Sempre nos pegava desprevenidos. Uma hora você estava com a pessoa, brincando, conversando, fazendo planos para o futuro e segundos, minutos ou até mesmo horas depois você se encontrava em cima de um caixão lamentando pela partida daquele que tanto significou para você, já em outra ocasião, você era o próprio corpo dentro do caixão. Flores, velas, algodões enfiados no nariz e o corpo sendo pressionado em um pedaço de madeira para meses depois virar pó. Apenas pó enterrado no pó. Era torturante pensar na morte daquele jeito, porque a enxergávamos sempre como sendo o fim de tudo, como a grande vilã que estava sempre disposta a acabar com a vida. Mas a verdade não era aquela. Peeta haviam aprendido que - diferente do que ele pensava - a vida e a morte não eram opostas, muito menos rivais, na verdade elas eram amigas, quase como irmãs, e que após viver, amar, sonhar, desapegar e delirar, a morte era aquela que fecharia o show da vida após aplaudi-la de pé. Ela era aquela que daria início a um novo começo, o começo da eternidade. Não havia um final, não havia uma linha de chegada, havia apenas um caminho diferente. A morte nada mais era do que o saguão de uma vida sem dores, sem medo, sem destruição, sem ódio e muito menos sem crueldade. Ela era a porta para o tão sonhado paraíso. E naquele momento Peeta finalmente aceitou a sua sentença de que, em uma hora inevitável, mas não menos fatídica, ele morreria com a alegria de saber que deixou para trás alguém que o amou, que se preocupou e que iria querer vê-lo novamente algum dia. Então, quando o seu corpo desse o último suspiro e o seu coração a última batida, ele apenas acolheria a morte como uma velha amiga.

Peeta despertou de seus pensamentos ao sentir o vento gelado tocar sua pela e apenas fechou os olhos, permitindo que as lágrimas escorressem livremente por suas bochechas, levando consigo toda e qualquer dor que um dia ele chegou a sentir.

— E no final das contas, a vida acabou se revelando a imperfeição mais perfeita. — disse com um sorriso e por fim abriu os olhos, vendo que a neve caia sobre a rua novamente. O loiro respirou fundo e enxugou suas lágrimas, apagando os vestígios daquelas que foram suas fieis companheiras, mas que agora teriam o seu merecido descanso.

— Parece que encontrou um lugar para se esconder. — Peeta rapidamente se virou e viu Katniss se aproximando com um pequeno sorriso e um cobertor em mãos — Está muito frio aqui fora, coloque isso ou vai acabar pegando um resfriado. — ela lhe entregou o cobertor da qual ele rapidamente jogou sobre os ombros.

— Obrigado. — sorriu dando um passo a frente, enlaçando a cintura da morena com seus braços.

— Porque está aqui sozinho e não lá dentro com o resto do pessoal? — questionou acariciando as bochechas do loiro que haviam adquirido um tom mais rosado por conta do frio.

— Eu só precisava... pensar um pouco. — respondeu, sua voz saindo mais baixa do que pretendia e Katniss logo notou que havia algo errado.

— Está tudo bem? — a preocupação em seu tom de voz era visível e Peeta apenas sorriu.

— Está sim, não se preocupe. — beijou a testa da morena e logo em seguida acariciou o nariz dela com o seu. Seus olhos se encontraram e assim como todas as outras vezes, Peeta se viu perdido naquela pequena tempestade que eram as orbes acinzentadas de Katniss. Ele amava aquela coloração completamente única que os olhos da morena possuíam. Lindos, profundos, e que o deixava completamente inerte.

— O que foi? — perguntou estranhando o fato de Peeta a estar encarando tanto tempo sem pronunciar uma única palavra.

— Nada, só estou feliz por ter te conhecido. — respondeu com sinceridade e os lábios da morena se ergueram em um belo sorriso, aquele de covinhas que ele tanto amava — Sabe? Muitas coisas bonitas não podem ser vistas ou tocadas, apenas sentidas dentro do coração. E o que você fez por mim é uma delas, Katniss. Por isso, obrigado. Obrigado por nunca ter desistido de mim, por ter ficado ao meu lado mesmo eu sendo um chato às vezes.

— Só às vezes? — elevou uma sobrancelha de modo sugestivo e Peeta riu — Você não tem que me agradecer por nada, loirinho. Eu só queria que você fosse feliz.

— E eu sou... Posso te garantir que sou o cara mais feliz desse mundo inteiro! — exclamou abrindo os braços e Katniss riu, agarrando-o pela gola do casaco para poder beijá-lo com todo o seu amor.

Assim como Peeta, ela também poderia garantir que era a pessoa mais feliz do mundo. Nunca passou pela cabeça da morena que a sua ida para Vancouver pudesse lhe trazer o grande amor da sua vida. Katniss já havia se apaixonado, já havia se machucado, mas no exato momento em que seus olhos se cruzaram com os de Peeta, ela soube que seria eterno.

— Agora vamos entrar, estão todos nos esperando. — murmurou com a respiração entrecortada e Peeta apenas assentiu, não muito diferente dela.

Os dois seguiram até a sala de jantar onde todos já se encontravam prontos para dar inicio a tão aguardada ceia de natal. Peeta sorriu ao encarar cada um ao redor daquela mesa. Seus pais, seus tios, seus primos, Clara, Johanna, seus amigos com suas namoradas. Aquele era o seu último natal e ele poderia afirmar com todas as letras que era o mais completo também, o único em que ele realmente sentiu toda a magia e todo o amor que aquela data tão especial representava.

— Bom, antes de darmos início à ceia eu queria propor um brinde... — começou James, atraindo para si os olhares dos demais presentes — Um brinde a todos os fracassos e a todas as vitórias. Um brinde aos dias de chuva e frio que nos encheram de nostalgia e desanimo. Um brinde aos sorrisos, aos amores, as dores... Um brinde a todas essas coisas que nos aconteceram, pois foi graças a elas que aprendemos a dar valor àquilo que temos de mais precioso: a família. — ele sorriu — Então, um brinde a nós. Um brinde ao amor. — todos ergueram suas taças e brindaram.

O jantar decorreu animadamente, com todos compartilhando histórias engraçadas e afetuosas, sorrisos compreensíveis e olhares complexos. Enquanto isso, Peeta apenas observava tudo atentamente, sorrindo sempre que via alguém sorrir. E foi naquele momento que o loiro se deu conta de que não fazia a menor ideia de como iria se despedir de todas aquelas pessoas quando sua hora enfim chegasse. Ele não fazia ideia do que fazer ou de que palavras dizer. Talvez o melhor fosse somente ficar em silêncio, deixar que o destino fizesse o seu trabalho. Seria doloroso, infinitamente doloroso, mas ele sabia que o tempo iria amenizar sua partida, tornar o aperto no peito menos angustiante e quem sabe até arrancar das memórias mais sorrisos.

Peeta soltou um longo suspirou e voltou a dar atenção às pessoas ali presentes, torcendo para que Katniss não tenha notado seu pequeno momento de torpor, o que não deu muito certo, já que a morena estava sempre atenta a cada movimento do loiro. Entretanto, Katniss decidiu não comentar nada e assim como ele, voltou a dar atenção para as demais pessoas.

Quando a ceia natalina chegou ao fim, todos se dirigiram até a parte externa da casa onde a chuva de fogos começou a banhar o céu com toda a sua beleza e intensidade, fazendo assim, a noite se tornar ainda mais mágica e perfeita. Katniss passou seus braços ao redor da cintura de Peeta e repousou sua cabeça no ombro do loiro, enquanto isso, uma a uma as pessoas iam saindo de suas casas para apreciarem tamanha beleza que eram aquelas centenas de faíscas coloridas iluminando o céu acima de suas cabeças. Peeta sorriu e intensificou o aperto de seus braços em torno dos ombros de Katniss, tentando aquecer seus corpos por conta do frio enquanto pensava no quanto as pessoas eram parecidas com os fogos de artifício. Ambos cresciam, brilhavam, se dispersavam e depois se distanciavam. Mas ao invés de serem apagadas como os fogos, de alguma forma as pessoas continuavam brilhando... para sempre

— Vem comigo. — murmurou no ouvido de Katniss e a mesma o encarou confusa.

— O quê? Para onde?

— Só vem. — foi o que ele disse antes de sair puxando-a pela mão em direção a sua casa. Apesar de estar um pouco perdida, Katniss não protestou e em questão de segundos ambos já estavam dentro do quarto de Peeta.

— E então, por que você me trouxe aqui? — indagou ao retirara o casaco e as luvas.

— Porque eu queria ficar com você. Só nós dois. Comemorando o nosso natal. — respondeu com um pequeno sorriso ao se aproximar da morena.

— Isso me parece perfeito. — sorriu abertamente antes de tomar os lábios de Peeta nos seus. Não importava a quantidade de beijos que ambos já haviam trocado, cada vez que seus lábios se encontravam era como se fosse a primeira vez — O que você fez comigo, Peeta Mellark? — a voz da morena não passou de um sussurro entrecortado devido à respiração ofegante — Você apareceu e bagunçou por completo toda a minha vida.

— Uma bagunça boa ou uma bagunça ruim? — perguntou igualmente ofegante e Katniss soltou uma pequena risada.

— Uma bagunça boa. Muito boa. A melhor de todas. — respondeu com sinceridade ao cariciar a nuca de Peeta, deixando-o levemente arrepiado.

— Eu poderia dizer o mesmo de você, sabia? — o loiro elevou uma de suas mãos para afastar uma mecha de cabelo da frente dos olhos de Katniss — Eu estava tão quebrado, tão destruído... mas então você chegou e mesmo que eu tenha te implorado para se afastar, você apenas ficou.— ele a olhou profundamente — Você foi a morfina da qual eu necessitava para enfrentar todas as minhas dores e sou infinitamente grato a você por isso Katniss, mas... Eu só não entendo o porquê de você ter escolhido a mim.

— Porque você era apenas o meu tipo de cara perfeito. — a morena colou suas testas — É como a gravidade. Coisas importantes me atraem. — sorriu emocionada.

— E eu era algo importante. — concluiu.

— Você não era. Você é algo importante, Peeta... e sempre será. — aquelas palavras aqueceram o coração do loiro.

— Eu te amo. — declarou e os olhos de Katniss se tornaram marejados tamanha intensidade com que aquelas três palavrinhas saíram dos lábios de Peeta.

— Eu também te amo... — murmurou contra os lábios do loiro — E isso já basta para me fazer feliz.

Ambos sorriram em meio às lágrimas e novamente se beijaram, transmitindo através daquele pequeno, porém tão significativo gesto o quão importantes eram um para o outro, e assim, deixaram que seus corpos dançassem em um ritmo perfeito, único e somente deles. Todos aqueles sentimentos a flor da pele, todos aqueles toques singelos, aqueles sorrisos abertos e a troca de olhares tão intensa e significativa. Aqueles corações acelerados, aquelas borboletas no estomago, aquelas respirações descompassadas, os corpos suados e em chamas devido ao fogo flamejante da paixão. Eles não trocaram palavras, pois estas um dia seriam esquecidas pelo tempo. Eles apenas trocaram sensações, desejos, temores, amores... Eles não precisavam gritar ao vento tudo o que sentiam um pelo outro, para isso bastava apenas se amarem, pois era exatamente aquele amor que reinaria eternamente perante todo o infinito.

Katniss havia sido a melhor surpresa que acontecera na vida de Peeta durante aqueles últimos meses. Normalmente diziam que as melhores coisas da vida chegavam sem avisar, e havia sido exatamente assim com a morena. Tudo havia acontecido de modo tão natural, tão intenso, tão complexo e extraordinário, como se o encontro dos dois já houvesse sido planejado pelo destino, com dia e hora marcada para acontecer. Ela havia simplesmente aparecido e feito dos dias mórbidos e nocivos de Peeta bem mais alegres e saudáveis. Ela estava lá, sempre a postos para ajudá-lo, dedicando boa parte de suas noites a ficar velando o sono do loiro, sempre sussurrando palavras de conforto todas às vezes que ele começava a se debater por conta de um pesadelo. Katniss era o seu porto seguro, o farol que iluminava e acalmava as tempestades em seu interior. Peeta a amava tanto. Amava acordar mais cedo todos os dias somente para observá-la dormindo. Amava admirar a forma como os cabelos da morena caiam em perfeita ordem sobre o travesseiro. Amava a forma como seus lábios se entreabriam minimamente para permitir a passagem de ar. Amava a forma como suas bochechas coravam levemente sempre que acordava e dava de cara com ele a fitando, ou então na forma que os lábios da morena sempre se erguiam em um belo sorriso após cumprimentá-lo com um beijo de bom dia. Ele amava todas aquelas pequenas coisas e as levaria consigo para muito além da vida.

A chuva de fogos do lado de fora da janela continuava intensa enquanto iluminava seus corpos suados e em completo êxtase sobre aquela cama bagunçada. Ambos se encaravam de forma intensa e até mesmo com um certo ar de luxuria, enquanto isso Katniss tentava guardar em sua mente cada mínimo detalhe da face tão bela do loiro. Ele era tão lindo que se dependesse da morena, ela passaria horas, até mesmo dias somente o observando. Ela amava tudo nele, seus defeitos, suas qualidades, a forma como ele ficava tão compenetrado pintando seus belíssimos quadros. Era quase que uma tarefa impossível conhecer Peeta Mellark e não se apaixonar. Ele era único e ela sentiria tanta falta de acordar todos os dias com aquelas belas orbes azuis a fitando com tanto carinho e intensidade. Sentiria falta de seus lábios, de seus braços, de ter o corpo dele colado ao seu. Ela ainda não estava preparada para lhe dizer adeus, mas sabia que não existia vida sem despedidas.

[...]

Peeta acordara no meio da madrugada sentindo fortes dores em sua cabeça, como se estivesse sendo acertado diversas vezes por um martelo ou algo do tipo. Uma dor tão intensa que o mesmo se encolheu sobre a cama, a cabeça entre as pernas, tentando se acalmar. Aquela posição fez com que seu estomago se revirasse de diversas maneiras em seu interior, enquanto cada mínimo pedaço de seu corpo parecia estar sendo rasgado ao meio. Sentindo-se completamente agoniado em relação a todas aquelas dores, Peeta tentou se levantar para jogar um pouco de água no rosto já que aquilo sempre o ajudava. Entretanto, naquele momento ele se deu conta de que, mesmo que houvesse tentado, nada no mundo havia lhe preparado para o que estava por vir. Ao por os pés no chão o loiro sentiu como se todos os seus ossos estivessem se quebrando, um a um, tudo ao mesmo tempo. A dor era tanta que gritos desesperados e agonizantes escaparam de seus lábios enquanto o mesmo enfiava suas unhas com força no colchão.

Katniss acordou em um sobressalto ao ouvir os gritos de Peeta, e mesmo que um pouco atordoada, em um movimento rápido a morena se levantou e foi até o loiro. Seu coração estava completamente descompassado e ela se perguntava se ele havia tido mais um de seus torturantes pesadelos, mas o que seus olhos captaram a seguir foi completamente aterrorizante.

— Peeta! Meu deus! — exclamou pondo as mãos sobre a boca, assustada ao ver a quantidade de sangue que saia do nariz do namorado, e em completo desespero a morena correu até o banheiro para pegar algumas toalhas.

Peeta tinha sua visão inteiramente distorcida, mas só veio entender o sobressalto de Katniss quando sentiu algo quente molhar sua camisa. Um pouco relutante o loiro abaixou os olhos e viu que boa parte de seu corpo estava coberto por sangue, inclusive a cama. Ele então se viu completamente apavorado, principalmente pelo fato de que ainda saia sangue em um fluxo relativamente forte de seu nariz. Katniss voltou às pressas para o quarto e se ajoelhou ao seu lado com o rosto banhado pelas lágrimas, tão assustada quanto ele, e rapidamente lhe entregou uma toalha na intenção de conter o sangramento, tudo em vão, pois em questão de segundos a toalha já se encontrava completamente encharcada. Peeta sentia todo o ar ser drenado de seus pulmões, e então as grossas lágrimas começaram a rolar livremente por suas bochechas, misturando-se ao sangue enquanto seu coração batia tão rápido em seu peito que talvez fosse até capaz de danificar sua caixa torácica.

— P-Peeta... Meu amor... — as palavras saíram entrecortadas dos lábios de Katniss, não passando de um sussurro. A morena estava sem chão, completamente apavorada e desnorteada ao ver seu amado naquele estado.

— Eu... Eu estou b-bem... — tentou falar, mas sua voz saiu tão rouca que ele nem mesmo a reconheceu.

— Não está não... — a morena passou as mãos pelo rosto enxugando as lágrimas enquanto tentava pensar em algo coerente para fazer perante aquela situação — Você tem que ir para um hospital... Agora! — entregou a ele mais uma toalha e a mesma não ficou muito diferente da outra.

— Céus! — a exclamação saiu dos lábios de James no exato instante em que ele abriu a porta do quarto e se deparou com Peeta naquele estado — Fiquem aqui com ele e tentem conter o sangramento, enquanto eu vou chamar a emergência! — avisou um pouco amedrontado antes de sair a toda velocidade em direção à sala.

— Peeta... — murmurou Evelyn apavorada ao se aproximar de forma cambaleante. Ela estava completamente sem chão ao vê-lo naquele estado — Oh, meu filho. — desabou em lágrimas sentando-se ao lado de Peeta e o abraçou apertado, sem se importar em ser sujada pelo sangue.

— Não foi n-nada, mãe... eu estou... eu v-vou... — ele não chegou a concluir suas palavras, pois os enjoos vieram com força total e o loiro se viu despejando todo o seu jantar no chão. O gosto ruim logo invadiu sua boca enquanto a ânsia se tornava cada vez mais forte.

— Vai ficar tudo bem, meu amor. Eles já estão chegando. — Katniss tentou sorrir enquanto ajudava Peeta a pressionar mais uma toalha contra o seu nariz, mas os soluços que escaparam por seus lábios a impediu de tal ato.

As dores de Peeta estavam aumentando de maneiras inigualáveis conforme os minutos iam se passando, assim como a quantidade de toalhas ensopadas pelo líquido vermelho e pegajoso também. O loiro já podia até sentir a leveza tomar conta de seu corpo devido à quantidade de sangue que estava perdendo, e aquilo só contribuiu ainda mais para o desespero de Katniss e Evelyn, que pediam a todo custo para ele permanecer consciente, mas aquela era uma tarefa bem difícil já que os olhos do loiro pareciam pesar uma tonelada. Peeta sentia-se cansado, esgotado, sem forças nem mesmo para respirar, e tudo o que seus ouvidos captaram antes de ele ser levado pela completa escuridão, foram às sirenes da ambulância juntamente com os apelos de Katniss para que ele não a deixasse. Mas ambos sabiam que a aquela altura do campeonato ir ou ficar já não dependia mais dele.

[...]

— E então doutor, o quão grave é o estado do meu filho? — perguntou Evelyn tentando conter as lágrimas que a todo custo banhavam suas bochechas.

— Bom... desde a última vez em que Peeta esteve aqui seus exames mostraram que o seu aneurisma já havia se agravado bastante, e com isso os riscos de ele se romper foram de 60%... para 90%... — ele encarou cada um presente naquela sala, todos agoniados e com expressões de tristeza, ansiando por boas notícias da qual ele não possuía — O que Peeta teve é conhecido como hemorragia subaracnóidea. Esse sangramento irrita as artérias e pode causar vários estrangulamentos vasculares, conhecidos por vasoespasmos. Isso faz com que o paciente fique sem irrigação em um setor do cérebro, provocando inchaço cerebral e falta de circulação. — Haymitch soltou um longo e pesado suspiro antes de prosseguir — Em outras palavras... o aneurisma do Peeta se rompeu. — concluiu.

Katniss, que até então tentava segurar suas lágrimas, simplesmente desabou nos braços de Finnick sentindo seu coração ser comprimido em seu peito, como se alguém o estivesse esmagando com as próprias mãos. Já Evelyn, por outro lado, tinha o seu choro abafado pela camisa de James que se via completamente estático, incrédulo e sem chão.

— Quanto... Quanto tempo ele ainda tem? — quem perguntou foi Cato, sua voz saindo tremula devido à emoção.

— Não muito. — aquelas palavras foram como facas acertando em cheio o coração de cada um ali presente — Eu aconselharia vocês a se despedirem agora, os próximos minutos podem ser os últimos dele. — Haymitch avisou antes de deixar a sala, sentindo-se extremamente mal com tudo aquilo.

E então eles foram, um a um, caminhando em direção à sala onde o loiro se encontrava internado. Evelyn e James foram os primeiros a entrarem no quarto, vendo Peeta sobre aquela cama com os olhos fechados, a pele pálida e com inúmeros fios ligados ao seu corpo. E aquela imagem fora a responsável por acabar com qualquer resquício de alto controle que Evelyn poderia ter. Era torturante ver seu filho naquele estado, preso a pequena linha tênue entre a vida e a morte. James a abraçou pelos os ombros, impedindo que a mesma fosse de encontro ao chão antes de guiarem seus passos até Peeta. Era surreal a forma como o tempo passava tão rápido, em como pessoas entravam e saiam constantemente de nossas vidas. Era tudo tão delicado, semelhando-se a aquela florzinha do mato chamada de dente-de-leão. Bastava um soprinho à toa, em qualquer direção, e tudo se desmanchava. Por isso nunca deveríamos perder a oportunidade de dizer para aqueles que amamos o quanto significavam para nós, pois em um único segundo tudo poderia mudar, e então ser tarde demais.

— Hey, campeão... — James sentou-se ao lado de Peeta e apertou levemente a mão do loiro, porém o mesmo permaneceu inerte sobre a cama — Estamos todos aqui, filho, e nós te amamos muito... — sua voz saiu embargada — Você mandou muito bem campeão, e eu quero que saiba que, você sempre estará conosco, em cada recordação de cada momento que passos juntos ao longo desses 18 anos... — sorriu de forma melancólica — Eu não prometo uma vida sem lágrimas, porque haverá momentos em que a saudade será tanta que simplesmente escorrerá por nossos olhos. Mas eu prometo que continuaremos vivendo, por você, sempre. — ele beijou a bochecha de Peeta, sentindo na pele aquela dor tão dilacerante que era ter que dizer adeus ao próprio filho.

— Nós não queremos perder você, meu amor... — Evelyn acariciou os fios loiros de Peeta com delicadeza, do mesmo jeito que fazia quando ele era somente um bebê — Mas sabemos que partir não é uma escolha sua, porque se fosse, tenho absoluta certeza de que você escolheria ficar. — fungou — Você foi a melhor coisa que nos aconteceu. Foi o presente mais lindo e gracioso que a vida poderia nos dar. Você mudou a nossa forma de pensar, a nossa forma de agir e colocou em nossos sonhos os seus sonhos também. — sorriu em meio às lágrimas e James a abraçou — Eu quero que saiba que, você foi e sempre será a melhor parte de nós, filho. — ela beijou de forma demorada a testa de Peeta — Nós te amamos querido, e jamais nos esquecemos de você.

E então eles saíram do quarto, tristes e quebrados após o terrível adeus. As lágrimas grudadas nos olhos, a cada instante forçando o caminho por seus rostos. Com a melancolia apertando o peito. Com a saudade rasgando ambos os corações, mas ainda sim com a promessa de serem felizes. Se despedir era uma tarefa realmente difícil, às vezes até impossível. Mas o adeus seria sempre algo provisório, pois a presença daqueles que amamos sempre seria eterna em nossos corações.

— O que nós iremos fazer sem você, cara? — perguntou Cato ao adentrar o quarto e dar de cara com o amigo desacordado sobre aquela cama, sua voz saindo carregada de angústia e tristeza.

— Foram tantas as lembranças, tantas as brincadeiras, tantos momentos bons da nossa infância que deixarão saudades... — Finnick suspirou e repousou a mão sobre o ombro do amigo — Você foi especial de tal forma que, deixará até mesmo o pôr do sol sentindo a sua falta. — os olhos verdes do loiro se tornaram marejados, e naquele momento Cato apenas lhe deu as costas e começou a se afastar com o rosto banhado pelas lágrimas — Cato? — chamou um pouco confuso com a atitude do amigo.

— Desculpa cara, mas eu não consigo me despedir. — falou sem olhá-lo — Eu achei que poderia lidar com isso, mas dizer adeus para quem à gente ama é doloroso demais...

— Então não encare isso cosmo um adeus. Encare apenas como um até logo. — argumentou.

— Eu... — balançou a cabeça negativamente — Não dá... E-Eu sinto muito. — e então ele saiu, sentindo o coração ser comprimido no peito pela angústia. Cato não estava preparado para dizer adeus ao seu melhor amigo, e talvez nunca estivesse. Finnick suspirou profundamente e voltou seus olhos para Peeta.

— Obrigada por tudo, cara. Você foi o melhor amigo e irmão que poderíamos ter. — sorriu emocionado — E não se preocupe, eu prometo cuidar da Katniss, sempre. Nunca deixarei que nada de mal aconteça a ela. — afagou os cabelos de Peeta enquanto as lágrimas faziam caminho por suas bochechas, indo de encontro ao colchão — Dizer-lhe adeus é doloroso demais, mas me consola saber que para sempre terei nossas lembranças para reviver na memória... Até a próxima, amigo. — disse, e aquelas palavras saíram tão amargas de seus lábios quanto o ferro.

Após a saída abalada de Finnick do quarto, Katniss respirou fundo e finalmente entrou. A morena sentia suas pernas fraquejarem devido ao compilado de sentimentos que a embalava naquele momento, por isso foi necessário que a mesma se apoiasse na porta para não ir de encontro ao chão. Com o coração acelerado e um pouco relutante, Katniss enfim ergueu o olhar e encarou Peeta. A visão do loiro deitado sobre aquela cama, com inúmeros fios e tubos ligados ao seu corpo enquanto seus olhos encontravam-se fechados fez com que os pulmões da morena simplesmente parassem de bombear o ar, tornando a simples tarefa que era respirara quase impossível.

Com passos incertos e cambaleantes, Katniss se aproximou até estar parada ao lado de Peeta. Com a mão um pouco tremula ela tocou-lhe o rosto, rememorando os traços tão bem desenhados do loiro. Ele, por outro lado, permaneceu inerte, sem mover um único músculo. Aos poucos o corpo da morena começou a tremer devido ao choro e ela levou as mãos até a boca, com o intuito de abafar os soluços. Já sem forças nem mesmo para permanecer de pé, Katniss sentou-se na cama ao lado de Peeta e segurou em sua mão, notando que a pele do loiro estava pálida e fria.

— Oi, amor... — suas palavras não passaram de um sussurro — Vai ficar tudo bem. Eu estou aqui com você, sempre. — ela inclinou o corpo um pouco para frente e colou seus lábios nos de Peeta, em um breve, porém significativo selinho.

— É sempre bom acordar assim. — a voz um pouco falha e extremamente rouca do loiro ecoou pelo quarto, fazendo os olhos de Katniss se arregalarem levemente. — Oi. — ele sorriu para a morena após abrir os olhos, tendo sua visão levemente distorcida por alguns segundos antes de enfim acostumar-se com a luz.

— Oi. — ela sorriu mais abertamente e enxugou os resquícios de lágrimas em suas bochechas — Como você se sente?

— Dolorido, mas respirando. — brincou tentando se ajeitar na cama, porém a dor em sua cabeça o impediu.

— Shh, fica quietinho, não faça esforço. — pediu preocupada.

— Eu só queria dar espaço para você se deitar aqui ao meu lado. — ele se moveu com mais cuidado desta vez — Vem. — abriu os braços e Katniss não pensou duas vezes antes de se deitar ao lado do amado, repousando a cabeça em seu peito, tendo o prazer de ouvir o som ritmado de seu coração. Ambos ficaram ali abraços e em completo silêncio por incontáveis minutos, apenas apreciando a sensação de estarem na presença um do outro, até que Katniss resolveu quebrar o silêncio.

— Você sabia, não era? — questionou com a voz embargada — Sabia que hoje era o seu último dia.

— Sim, eu sabia. — Peeta soltou um suspiro pesado e a morena ergueu o rosto para poder encará-lo — Não sei bem ao certo como, mas de alguma forma eu sabia.

— E por que não me contou? — voltou a questionar, sentindo os olhos arderem mais uma vez por conta das lágrimas.

— Porque eu não queria que você sofresse. — respondeu acariciando as bochechas rosadas da morena. Naquele momento Peeta descobrira o quanto odiava ver Katniss chorando, ainda mais sendo por sua causa.

— Eu já estou sofrendo, Peeta... — um bolo se formou em sua garganta — E eu não quero ter que me despedir de você, por isso, apenas lhe agradeço por ter feito parte da minha vida.

— Nossa despedida nunca acontecerá, meu amor. Duas almas não podem ser separadas, jamais! — ele sorriu e a olhou profundamente — E eu tenho uma solução perfeita para isso.

— Ah, é? E qual solução seria essa? — perguntou, perdida no pequeno oceano que eram os olhos de Peeta.

— Em uma outra vida, eu voltarei como outra pessoa. Talvez um roqueiro maluco que se joga na plateia a cada final de show...

— E eu estarei lá, te assistindo. — completou com um sorriso um tanto quanto melancólico — E será amor à primeira vista.

— E será amor à primeira vista. — o loiro repetiu, vendo a imagem de Katniss se tornar embaçada conforme a dor em sua cabeça aumentava.

Estava perto. Muito perto.

— Nossa história pode não ter sido para sempre, mas foi incrível enquanto durou. E eu quero que saiba que, mesmo que eu pudesse, não mudaria nada. Não desistiria de um segundo sequer do nosso pequeno infinito juntos. — a morena declarou em meio às lágrimas, o coração se tornando cada vez mais apertado em seu peito.

— Eu também não, meu amor. — Peeta colou suas testas, sentindo as próprias lágrimas se encontrarem com as de Katniss no final de suas bochechas — Sabe? Quando eu descobri sobre a minha doença, eu passei a desejar mais tempo do que provavelmente teria. Mas então você apareceu e me deu a eternidade dentro dos nossos meros dias numerados, me mostrando que o valor das coisas não está no tempo em que elas duram, mas sim na intensidade com que elas acontecem, e não sabe o quanto sou grato a você por isso, Katniss. Eu te amo, e esse amor eu levarei comigo para muito além da vida. — declarou igualmente emocionado.

— Eu também te amo, loirinho. Sempre e para sempre.

E então eles se beijaram. Se beijaram com todo o amor, intensidade, afeto e carinho que sentiam um pelo outro. Tendo o gosto salgado de suas lágrimas se misturando ao beijo, o último beijo. Seus corações estavam acelerados, seus pulmões reclamavam por ar, mas eles não pararam, não enquanto não houvessem saboreado e aproveitado cada gota daquele último toque tão significativo e singelo. Mas quando a necessidade por ar se tornou realmente necessária, eles foram obrigados a se separarem, entretanto, suas testas permaneceram coladas enquanto seus olhos estavam igualmente hipnotizados um pelo outro. O azul no cinza. O mar e a tempestade. O desastre e a beleza. E foi ali, naquele exato momento onde Peeta sentiu aquela estanha sensação novamente, aquela leveza, como se o seu corpo não fosse seu, só que agora com muito mais intensidade. Era como se o seu corpo, ou melhor, sua alma estivesse sendo puxada por uma força muito maior. E então ele soube, há sua hora enfim havia chegado.

— Foi um prazer ter conhecido você, Srta. Everdeen. — o loiro sorriu com os olhos marejados.

— O prazer foi todo meu, Sr. Mellark. — devolveu Katniss com um sorriso triste, sentindo o vazio tomar conta de seu coração, e então ela apenas ficou observando a forma lenta e preguiçosa com que os olhos de Peeta foram se fechando, as batidas de seu coração parando e a sua respiração cessando. Era como se ele estivesse caindo no sono, de forma aconchegante e silenciosa, só que desta vez para nunca mais acordar.

Quando o bip da máquina ao seu lado se tornou ensurdecedor e continuo, ela soube o que havia acontecido. Aquele havia sido o primeiro e último natal que ela passara ao lado dele. Havia sido o último eu te amo proferido por ele. Havia sido o seu último suspiro, o último sorriso, a última vez em que ela tivera o prazer de admirar os olhos extraordinariamente azuis que o loiro possuía. A última vez em que ela ouvira a melodia doce e aveludada de sua voz. A última vez em que ela sentira a maciez dos lábios dele sobre os seus... Não havia adeus mais difícil do que aquele que sabíamos que seria para sempre, entretanto, mesmo que a despedida houvesse causando tanta dor, ela não diminuía as alegrias que haviam sido vividas até a hora do adeus. E ali, naquela manhã fria de 26 de dezembro de 2014, Peeta Mellark fora levado pelos braços da morte.

Momentos. Nossa vida é um conjunto de momentos, e cada um deles é uma jornada para o fim. Amar, desapegar, sofrer, se apaixonar... A vida não espera você parar para se lamentar das coisas que deram errado, muito pelo contrario, ela continua mesmo com a sua ausência, por isso você dever viver a cada momento, amar a cada minuto. Como Peeta, que havia partido e deixado para trás muitas lágrimas, mas também um legado de ensinamentos e de muitos sorrisos. E fazendo jus a sua promessa, Katniss não permitiu que ele fosse esquecido. Ela fez questão de por o nome dele em cada canto do mundo, assim como ele havia feito questão de lhe deixar o presente mais precioso e extraordinário de todos. O pequeno serzinho que crescia firme e forte em seu ventre. A morte havia deixado uma dor que ninguém poderia curar, mas o amor havia deixado memórias que ninguém jamais poderia apagar.

“Aqueles que amamos nunca morrem, apenas partem antes de nós.”

— Amado Nervo.


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Notas finais do capítulo

E então, gostaram? Espero que sim.

Bom pessoal, foi isso, não me matem, ok? rsrsrsrs
Eu sei que foi triste e talvez alguns de vocês tenham até chorado, mas só quis retratar a realidade. Nem sempre os final são felizes, mas apesar dos acasos, Peeta viveu intensamente e saboreou cada segundo de seus últimos dias. Ele viveu, e não apenas sobreviveu como a maioria de nós. = )

Enfim, só queria dizer obrigado, e novamente desejar um 2018 cheio de momentos inesquecíveis para todos vocês...
Então é isso, nos vemos por aí... ;-) ♥ ♥



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