Encontros, Acasos e Amores escrita por Bell Fraser, Sany, Gabriella Oliveira, Ester, Yasmin, Paty Everllark, IsabelaThorntonDarcyMellark, RêEvansDarcy, deboradb, Ellen Freitas, Cupcake de Brigadeiro, DiandrabyDi


Capítulo 22
Por vocês


Notas iniciais do capítulo

coé rapaziada
Coé Rapaziada
COé RAPAziada
COÉ RAPAZIADA
COOOOOOOOOOOOEEEEEEEEEEEEEEEE RRRRRAAAAAAAAAPAAAAAAAZIAAAAAAADAAAAAAAAAAAAAAAA! *Sorrindo, depois de berrar*
OI, GENTE? TUDO BEM COM VCS? AAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAA NEM TO ACREDITANDO QUE EU TO POSTANDO EM UMA OUTRA COLETÂNEA AAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAA MUITO FELIZ
Pois bem, então, né, meu nome é cupcake de brigadeiro aqui no site, mas Adriany fora dessas telas *me apresentando com um sorrisão* Fui desafiada pela PODEROSA Diandra né amores, empoderada ela, divosa essa que postou anteriormente o Forte Everllark né, e eu fui convidada a participar pela RAINHA SUPREMA Bel, que já me chamava, mas antes eu não estava me sentindo preparada para entrar e pegar um rojão desses, mas acabei entrando - e admito ainda não me sentir a nível das ones, porque francamente, vocês leram todas as anteriores? Jesus Cristo é o Senhor, que bagulho boladão cara -, mas a vida que segue kkkkkkkkkkkk e eu to MUITO feliz em poder estar aqui, e ter sido convidada para fazer parte desse projeto fascinante.Aqui TODAS as escritoras são MAGNAS, ARRASADORAS, e é um prazer enorme fazer parte disso tudo ♥
Bem, meu desafio, pela Di, foi escrever um casal em conflito no pós-segunda guerra mundial, e eu amei esse tema, porque em 2018 se assim o Senhor permitir eu vou postar uma sobre a alemanha nazista, e com o Peeta e Katniss como os protagonistas, porém essa não é um prefácio ou algo assim, é totalmente uma One-Shot, onde eu acrescentei um bônus + epílogo, apenas para quem se sentir à vontade para ler.
Mas bem, sem mais delongas, vamos para a nossa One, 110% PeetNiss!
SINOPSE (fiz agora, me perdoem): Peeta Mellark se alistou para o exército militar dos Estados Unidos logo após o ataque japonês à Pearl Harbor, por se ver no dever de defender seu País e sua família. Porém, a guerra se estendeu por mais do que o esperado, e ele conseguiu finalmente voltar para casa após o final da guerra, após quase três anos, rever sua esposa que tanto ama, apenas não esperava pela forma da qual foi recebido, tampouco pela criança de dois anos e meio na barra da saia da jovem que ele deixou e se tornara mulher, por conta das responsabilidades.
E tudo é como ele esperava que fosse. Pouco após partir, Katniss descobriu estar grávida, enfrentando também uma guerra. Mas agora, ambos teriam que lutar na batalha final: o casamento.
Depois de driblarem o racismo e o preconceito juntos, vem agora outro desafio, maior do que tudo o que já viveram. Ambos muito fragilizados, com a ausência um do outro, e depois de tanto tempo, acostumados a viverem sozinhos, enfrentarão os desafios da convivência, entre mágoas e saudade, mas será que conseguirão ir em frente?

Classificação: + 13

Gênero: Drama/Romance

Olhar da Katniss: http://25.media.tumblr.com/tumblr_m8m7d8As9f1qenmvro1_500.gif

Sobre a cor da pele e cabelo da Katniss: https://pmchollywoodlife.files.wordpress.com/2017/08/zendaya-coleman-bio.jpg?w=620

Sim, a Katniss aqui é negra sim, e tem o cabelo cacheado sim, não houve qualquer erro aqui! ♥ ♥ ♥

Quem eu vejo interpretando a Katniss é a Demi Lovato, no que se diz a corpo e personalidade, mas cabe a imaginação de cada um! Eu acho a Demi bem "pá, é nós, cheguei", e se encaixa mais ou menos no corpo da personagem, sem contar o sorriso e tudo mais, acho que ela é perfeita para o "papel". Imagino essa Demi aqui >>>>> http://24.media.tumblr.com/8feedb8fdfb1b71d5e6a0a2caa38a706/tumblr_mjlyp1SVtv1rrzgdoo1_500.gif

Para o Peeta, eu sepre imagino o Evan Peters, e agora não está diferente! O Charlie pode ficar ao critério de vocês, dentro das descrições do Peeta.

https://i.pinimg.com/564x/81/34/e5/8134e59809c4258289f090939522b862--even-peters-bowties.jpg

OBS.: Se puderem escutar as duas músicas será bolado, mas sintam-se a vontade. O vvídeo legendado da música é muito sobre o Peeta e sobre o que eu acredito ser o verdadeiro espírito de médico https://www.youtube.com/watch?v=AgdcmU7bqdA esse é o link caso não pegue

OBS 2.: A capa foi produzida pela tremenda Silvia, e eu só tenho a agradecer ♥ ♥ ♥ A capa tem exatamente o espírito da one!!! OBRIGADA CARA TÁ MUITO TOP



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Quando seu dia é longo

E a noite, a noite é somente sua

Quando você tem certeza de que já teve o bastante desta vida

Aguente firme

 

Não desista de si mesmo

Pois todo mundo chora

E todo mundo se machuca, às vezes

Às vezes tudo está errado

Agora é hora de cantar sozinho

Quando seu dia é uma noite solitária (aguente firme, aguente firme)

Se você tiver vontade de desistir (aguente firme)

Se você achar que teve demais desta vida

Para prosseguir

 

Pois todo mundo se machuca

Consiga conforto em seus amigos

Todo mundo se machuca

Não se entregue, oh, não

Não se entregue

Quando você sentir como se estivesse sozinho

Não, não, não, você não está sozinho

 

Se você está sozinho nessa vida

Os dias e noites são longos

Quando você sentir que teve demais dessa vida

Para prosseguir

— Everybody Hurts,  REM.

 

 

Tomo mais um gole da minha Coca-Cola gelada, enquanto observo Charlie gritando e rindo com as outras crianças, brincando animado. Como algumas batatas fritas. Seus cabelos são curtos, mas se balançam no vento gelado. Me faz abrir um pequeno sorriso cansado.

Por um instante, observo alguns jovens de mãos dadas e sorrindo, entre beijinhos, e do outro lado do Central Park, solteiros gargalhando e enchendo a cara de refrigerante como eu estou fazendo agora, mas sem a parte do riso e do solteiro.

Casado, há alguns anos, com uma garota que eu passei noites, dias, meses, para poder conquistar, e que continuei fazendo isso mesmo depois que nos casamos, até que então eu tive que servir na Segunda Guerra, fiquei anos longe, amargos três anos, e diferente de todas as esposas, ela deu um tapa cheio bem na minha cara quando eu apareci na sua frente com um buquê de flores.

Ela me bateu, xingou, gritou, humilhou, entre algumas outras coisas, entre lágrimas, até que então alguém atrás dela apareceu, como minha cópia, de dois anos e sete meses, loiro acobreado, de pele parda, mesmo que a minha seja branca, Katniss é morena Coca-Cola de olhos cinzas e cabelos ondulados, e dois olhos azuis cheios de curiosidade, na barra do vestido da mãe. A pele dos dois se lembra em saúde. Ela é da cor de um chocolate ao leite, e ele um meio a meio de nós dois.

Descobri que sou pai com a esposa que eu mais amo, e não é porque é a única, e eu não sabia de absolutamente nada.

Antes eu desejava ter alguém, hoje eu só queria ser um zero à esquerda, sem ninguém, pois é destruidor ser um estranho dentro de sua própria casa, com as duas pessoas que você mais ama, mesmo que uma dessas você tenha aprendido a amar incondicionalmente em menos de um minuto.

Quero dizer, sozinho mas com Charles.

— Charlie! Charlie! — Me levantei correndo, e fui até meu filho, que tinha caído de um banco, onde estava de pé. Ele caiu feito jaca madura! Céus! — Você está bem? Se machucou? Doeu?!

Assentiu, se sentando, confuso, enquanto eu procurava machucado em seu corpo pequeno, tendo como reflexo ter sido médico durante a guerra.

— Opa, acho que tropecei — disse rindo. — Vamos para casa, Peeta? Mamãe disse que ia fazer bolo, e eu estou com fome. Essas pessoas já me estressaram.

Assenti, ignorando o fato de que para ele eu sou Peeta, e não pai. Voltei há dois meses, e não posso pedir muito dele, mesmo que doa, ainda é bizarro olhar para ele, me ver, e não ter acompanhado absolutamente nada. Somos estranhos um para o outro, por mais que passemos muito tempo juntos, ainda é estranho.

— Dê tchau para seus amigos, Charlie — aconselhei, rindo, ao notar no quão desencalhado ele é de amizades, mesmo tão jovem.

— Ah, é verdade! Tchau, gente! — Apenas se virou e disse, então correndo veio segurar minha mão, como se eles fossem seus fãs ou algo do tipo, me fazendo rir mais. Pelo menos eu o tenho por perto.

Não sou fã de crianças, mas agora que sou pai, posso perceber que se ele não tivesse nascido, Katniss não estaria aqui, e nem eu.

Fomos para casa, e ele me contando mais uma de suas infindáveis histórias sobre o mundo em seu ponto de vista, me fazendo sorrir. Eu só não queria mais ser casado, porque é desencorajador chegar em casa e a sua própria esposa te ignorar, fazendo-o dormir no quarto de Charlie ou na sala. Com sorte eu durmo com Charlie e recebo um boa noite dela.

— Eu também tinha parado para me perguntar sobre como as abelhas fazem mel, mas nunca parei para pesquisar! — Comentei, enquanto saíamos do carro, e ele bebia o que sobrou da minha garrafa de Coca-Cola.

— Será que a mamãe sabe? — perguntou, curioso, em meu colo enquanto eu procurava a chave de casa. Começou a balançar a garrafa de vidro como se fosse um chocalho. Sorri de sua infantilidade.

— Ela é uma professora incrível, com certeza deve saber! Eu que não sei muito, apenas como defender vocês! — Ele abriu um sorrisão depois que entramos e comecei a lhe fazer cócegas.

— Ela sabe tudo! — exclamou, e eu continuei com ele em meus braços. — MAMÃÃE!

Ele gritou com todo o seu ar, me dando um susto, no mesmo momento que Katniss apareceu da cozinha, com um sorriso e cheiro de bolo, mas diretamente para ele, com os braços abertos.

— Oi meu amor, como foi o seu dia? — perguntou para ele, como se eu nem existisse. A desejei boa tarde, passando-o dos meus braços para os dela.

— Foi muito bom! Muito! Eu brinquei, até que eu sem querer caí — ele disse rindo. Claro que troca muitas letras, mas conforme ele fala eu vou traduzindo em minha mente.  — Tinha que ver a cara do Peeta. Saiu correndo pra me buscar. Parecia que eu tinha morrido, mamãe, do jeito que ele veio! Pisquei e bum!

— Charlie, mas eu já te disse que você precisa ter cuidado, cabeçudo  — ele riu, e ela simplesmente se virou, como se eu nem existisse mesmo, e foi para a cozinha. Suspirei profundamente. — Pode fazer alguma coisa de útil, Peeta, e ir comprar carne para o jantar!

Gritou ela da cozinha.

Suspirei mais uma vez, e disse que já voltava.

Saí, colocando uma toca na cabeça, porque está mais frio do que quando saí com Charles.

O mercado não fica muito longe daqui, vivemos em um bairro que poucos gostam, o Brooklin. É um lugar de população majoritariamente negra, mas eu nem ligo. Cresci por aqui, assim como Katniss. A criminalidade realmente é grande, porém nós vivemos em paz quanto a isto.

Tenho planos de nos mudarmos para a Virginia ou Califórnia, mas são apenas planos, pensamentos que me forço a ter para não ficar imobilizado por todos meus pesadelos por causa da guerra. Muitos pesadelos.

— Olá, senhor Jones — cumprimentei o senhor no balcão, depois de pegar a carne.

— Olá, Suco de Laranja — ri, assim como ele, que continua com esse apelido, que me dera desde que sou da idade de Charlie. — Ainda é uma grande surpresa vê-lo por aqui depois da guerra.

— Ah, senhor, ainda é uma surpresa para mim e não acordar nas trincheiras mas com o Charlie me acordando. Katniss ainda não me perdoou, então isso quebra a bolha de paz, mas é maravilhoso estar por aqui.

Ele me deu o troco, e franziu o cenho.

— Eu vi ela bem poucas vezes durante a gravidez do rapazinho, e ela que sempre fala feito uma repórter da BBC, mas desde que você se foi, é calada como uma bomba. Não a culpe. Eu servi na primeira guerra, e minha esposa reagiu da forma mais eufórica quando voltei, mas Kat não é como ela.

— Eu sei, mas parece que todo o nosso amor se tornou ódio nela! Tinha que ver quando eu cheguei hoje! É como se eu tivesse ido passear nesses três, e não ido para uma morte quase iminente em uma guerra fundada em vingança!

Ele riu, como se meu problema fosse insignificante.

— Suco de Laranja, Suco de Laranja... — tocou em meu ombro, depois de colocar a carne em uma sacola de papel. — O ódio e a mágoa estão mais perto do amor e da ternura do que a gente imagina. Quantos anos você tem?

— Vinte e seis... — respondi, devastado. Não por minha idade, mas pelo fato que eu já sou um derrotado tão novo.

— E eu oitenta e seis. Sei do que estou falando. E agora te pergunto: quando foi a última vez que você disse e a demonstrou que ama? Não foi culpa sua se ausentar, e ela sabe, claro que sabe. E sei porque a Madge é minha neta e melhor amiga dela. Descobri algumas coisas.

— Mas como é que eu vou fazer alguma coisa se ela não deixa? Falta cuspir na minha cara! — ele gargalhou. — É sério!

— É quase natal, Laranja! Natal! O que há de mais natalino que a família reunida em paz?! Vocês estão vivos! Há tantas famílias agora soluçando de dor, mas vocês conseguiram! Estão vivos! Demonstre isso!

Parei para pensar em um instante, desviando o foco do rosto do senhor que é como um avô para mim.

— Alguma sugestão?

— Compre uma árvore de Natal e tudo o que tem direito. Ela nunca mais teve Natal depois que você se foi. Inclusive presentes. Isso não vai comprá-la, mas é um meio se fazê-la lembrar que você quer apenas o melhor para ela.

Agradeci ao senhor Jones, e saí pensando. Realmente, isso será excelente. E já sei como fazer um pedido para um Natal assim.

Deixei a carne na cozinha, e disparei para o telefone, ainda retrógrado, mas funciona, e isso é o mais importante. Acompanhando-me veio a lista telefônica.

.•.

Depois de uma hora de ligações, fui para o quarto para buscar algumas roupas, para que pudesse me trocar, em um banho bem quente, pois começou a nevar, e estando em Nova York, tudo o que podemos fazer nessa época do ano é um bom banho quente e uma caneca borbulhante de chocolate.

Ela estava sentada, no meio da cama, com roupas frescas, lendo um livro, e Charlie montando legos aos seus pés. Céus, eles são tão lindos.

— Comprou a carne? — perguntou, sem olhar para mim, apenas presa em seu livro de alguma coisa que não me interessa, porque eu nem gosto de ler, embora saiba. Fui médico na guerra, mas porque eu gosto e não por ter um diploma, necessariamente. Sofri demais para isso, mas enfim consegui.

— Uhum... ah, Katniss, você planejou alguma coisa nesse Natal? — perguntei, com meu pijama na mão.

Ela suspirou, fechou o livro, marcando com seu indicador. Olhou para mim com seus olhos completamente cinzas, me causando um frio na barriga só por seu olhar tão intenso. Os óculos não pendentes na ponta de seu nariz bonito deixam seus olhos mais cinzas.

— Sim, ficar em casa e sossegada como eu sempre faço com o Charlie. O dia de Ação de Graças já foi demais, fomos na casa do Cato, para poder ver que ele e Clove estão muito bem, e Gale e Madge estão planejando ter onze filhos juntos.

Precisei segurar a risada, porque é verdade. Meus melhores amigos são Cato e Gale, de forma da qual fomos convidados para passar o Thanksgiving na casa de Cato, que se mudou para Manhattan, logo que voltou, e nos chamou. Ele e Clove, que diferente de eu e Katniss, que nos casamos em 1937, eles se casaram em 1942, no ano em que fomos chamados para a guerra, depois do ataque à Pearl Harbor* pelos japoneses, foi quando os Estados Unidos entrou na Segunda Guerra Mundial definitivamente. Antes éramos apoio moral e financeiro, mas após o ataque, era necessário revidar, e assim o fizemos.

Gale e Madge só tagarelavam sobre os planos que tinham de ter muitos filhos, e que estavam praticamente fazendo eles enquanto comíamos, e não estávamos só a gente, outros amigos e suas esposas e namoradas também estavam, e foi bem desconfortante.

Katniss chegou em casa, nesse dia, pôs Charlie para dormir, e passou a noite xingando a falta de respeito, e me massacrando por tê-la feito comparecer, porque ela já está de saco cheio de mim. Eu nunca ouvi ela falar tanto como nesse dia, enquanto desmanchava o cabelo perfeito, com os requisitos da nossa sociedade. E depois, me xingou feito um cão porque "eu" estraguei seu cabelo cacheado e cuidado com muito esforço. Foi um dia engraçado, no final, mas é óbvio que eu não ri na cara dela, só depois.

— Eu convidei seu irmão e Annie para virem, assim como os seus pais e suas amigas, a Prim e Madge French. Finnick prometeu trazer Theodore. Tudo para o Natal. No Ano Novo vamos ficar nós três, apenas, mas achei que seria legal... todos juntos. Meus pais moram aqui perto, e não tem telefone, mas sei que vão aceitar, já que Paul não... Paul não voltou.

E seus olhos, que estavam com certa raiva, ficaram compadecidos. Paul é meu primo que foi criado como irmão, mas infelizmente não teve a sorte que eu tive e voltar, mas logo o dissipei de pensamentos, porque eu sofro muito por causa da guerra, e quando penso no que perdi, a dor é maior ainda. Um sentimento inexprimível. Faz minha alma sangrar dor.

— Tio e vovó vão vir para o Natal? — Charlie perguntou, sorrindo, olhando para mim. Desviei meu olhar da morena e olhei para ele, abrindo um sorriso.

— Uhum, virão de Washington para o Natal, e prometeram presentes pra você — baguncei seus cabelos feitos os meus. Ele deu um gritinho animado, bem bebêzinho, e eu ri. — Mas precisa prometer que vai se comportar, viu?

— Claro que eu vou! Tia Annie não vem há muito tempo, né, Mamãe? — Nossos olhos foram para ela, que ficou com uma expressão doce feito o mel. Está emocionada. Admirei-a. Não sabe a luz que me é só por existir. Passo madrugadas acordado por causa dos pesadelos, onde envolvem me pegando e sendo morto, ou revivendo a morte dos meus amigos... daí eu silenciosamente vago pela casa, e venho até seu quarto, apenas para conferir se está bem, assim como Charlie, e isso me traz paz. Mesmo que na madrugada seguinte vá se repetir.

— Sim, nós nem conhecemos o Theo, né, amor? — Ela abriu os braços para ele, que foi engatinhando rapidamente sobre a cama até ela. — Eles vão vim mesmo?

Continuei com um sorriso torto, mantendo meus olhos aos dela. Como eu amo esses seus olhos, que me permitem encarar uma perfeita tempestade. Umas vezes é um maremoto, por causa da luz, causa a ilusão que são azuis, outras vezes é como uma campina, mas sempre é uma furiosa tempestade, umas vezes de ódio, outras de puro amor.

— Sim. Vão vim de longe, mas vão fazer isso nesse natal. Acredito que todos precisem de um pouco de paz depois e tudo, e o que é Natal a não ser família? A gente também é uma família.

O sorriso ficou doloroso, não de manter, mas tomou esse ar, naturalmente, por estarmos tão distantes um do outro, e não é assim que deveria ser. Percebi o rubor sobre suas bochechas, e notei que deu sim um meio sorriso enquanto eu a olhava nos olhos.

— Você vai então me ajudar a pintar a casa. E fazer as compras. Vai cuidar de Charlie também, porque eu tenho muita coisa para fazer. Vou precisar do livro de receitas da minha avó.

Disse tudo rapidamente, mudando o ar do quarto, que ficou triste; de repente animado, assim como Charlie, que bateu as mãozinhas, com um sorriso enorme, com seus dentes pequenos de criança mesmo.

Katniss pegou um caderno, e me mandou pegar logo as roupas de cama para forrar no quarto de Charles, mas dessa vez eu fiz feliz.

Tomei meu banho, e me deitei na cama de solteiro do quarto dele, de uma maneira diferente. Agora, eu tenho esperança.

Dormi, e diferente de todas as noites nesses últimos dois meses, não fui atormentado por memórias sangrentas da guerra. Não vi Clarkson ser mutilado e eu sem poder fazer nada, como da última vez, pois tinha me enterrado para salvar outro soldado, que perdera os braços.

Não vi Bennet ser atravessado por escombros por uma granada. Não vi Felipe ser decepado.

Nesta noite, vi apenas Katniss sorrindo para mim, e Charlie brincando ao nosso redor, em nossa casa.

.•.

Os dias foram se passando rapidamente, e o ambiente em casa ficava cada vez mais feliz, a geladeira ia ganhando coisas deliciosas a cada dia que passava, por ela estar testando receitas novas, pois nunca fizemos nada assim em casa, nem antes da guerra. Eu e Charlie pintamos toda a casa, e gargalhávamos quase toda hora. Nós temos mais do que aparência semelhante, nós somos muito parecidos. Descobrimos em comum desde cor favorita até a comida.

Pude notar ainda melhor a boa educação que Katniss o deu, em muitos sentidos. Ele tem quase três anos, e erra praticamente todas as coisas que fala, mas é adorável.

Até que percebi que faltava o essencial, já três dias antes do Natal: uma árvore.

Seguimos uma religião protestante, então acaba que nunca nos importamos muito com o fato de termos uma árvore, já que era usada, de acordo com algumas histórias, para matar cristãos, e tudo mais, mas então olhei para tudo e percebi que não é isso o que a árvore simboliza. Usaremos ela apenas para arrumar nossa sala, e escondermos os presentes.

Comprei uma pequena, de pouco menos de um metro, uma artificial, e todos os enfeites que a data pedia.

— Katniss! Pode me ajudar? — pedi, abrindo a porta com muita dificuldade. Vi ela na cozinha, como quase sempre, preocupada em acertar na receita. Eu posso fazer muita coisa melhor do que ela na cozinha, mas ela simplesmente me proibiu, pelo nosso atual momento.

— Não. — disse como se fosse nada demais, simples.

Suspirei profundamente, irritado pela sua insistência em prejudicar a minha vida, mas consegui colocar as bolsas e a árvore sem que nada fosse quebrado.

— Charlie! Charlie! — Chamei.

— Está dormindo, porque bateu o pé na escada, deixei ele mais à vontade. Está tudo bem agora.

— E por que não me disse logo? Ele é meu filho também! — Rebati, ficando aborrecido. — Katniss, a gente precisa se comunicar por causa dele!

— Tivesse então me mandando uma mensagem como muita gente fez enquanto estava na guerra, simples assim. — falou brava, desligando o fogão, indo abrir a geladeira, enquanto eu entrava na cozinha, cruzando os braços.

— Você sabe que onde eu estava, eu não podia fazer isso! Eu não podia te mandar uma carta! Acha que eu não tentei?! Se Gale conseguiu mandar para a Madge, sorte a dele que chegou! Eu tentei te enviar vinte e sete cartas nesse período, mas nenhuma chegou, e nem voltou para mim, ou eu teria te dado tudo agora!

— Mas não mandou! Nada chegou! — gritou também, me fazendo perceber que eu tinha gritado. — Me deixa em paz!

— Não! Não vou desistir de tentar de falar que eu não tive culpa! — exclamei, me aproximando. — Katniss, por favor, vamos tentar conversar sobre as coisas, sobre o que temos sentido! Nós temos um filho juntos! E não é possível que esteja revoltadinha por causa de uma carta que não chegou! Não é justo isso comigo!

— Eu sei! Sei que não é justo! — exclamou, batendo a porta da geladeira, para me encarar. — Eu sei que temos um filho juntos. E que ele é a sua cópia em tudo. E sei que não é a sua culpa! Acontece que eu tive que segurar a barra toda sozinha por dois anos e sete meses, até você brotar aqui de novo com um buquê de flores como se isso fosse apagar tudo o que eu vivi, todo bem arrumado e bonito como sempre, tudo o que eu chorei, todas as marcas que meus joelhos ganharam enquanto estavam no chão orando para que você voltasse — desmanchou-se em choro. — Ainda amo você. Amo mesmo. Amo. Não estou aqui por conveniência. E você pode até se esforçar, mas não é algo que deva partir de você, mas do meu coração. Eu quero conversar com você, é tudo o que eu mais quero nessa vida agora. Mas tem algo ainda no meu coração que vai estragar tudo. Eu estou muito abalada, ou você não pode ver?! Passo noites acordadas com medo de alguma notícia, ou do céu cair por alguma explosão nuclear ou seja lá o que esses países loucos tem guardado! E por causa de algo que eu ainda não estou pronta para falar.

Nós estamos no meio da cozinha pequena de casa, menos de um braço nos separando, e com uma tensão enorme entre, sobre e sob nós, um medo latente, mas um desejo de que nos resolvamos.

Só que o que eu pude fazer foi chorar também, sem o consolo de nada, nem de seus braços.

— E tem alguma coisa que eu possa fazer? Não foi minha culpa. Você sabe que eu teria voltado. Você sabe. To me desdobrando para ser presente agora. — falei, sem nem ter o que dizer. — Tudo o que eu faço hoje é para você e por você, que inclui o Charlie. Eu sou seu. Eu vivo para você e para ele. Ter que esperar por quem amamos é difícil, e ter que te aguardar voltar a sentir o que sentia por mim me torna cativo de você, mas sinceramente, tudo bem. Só preciso saber se você está se esforçando para isso, porque eu estou. Mas se não quer que um de nós saia pela porta, é preciso saber se o outro realmente acredita que isso possa dar certo. Você quer que venhamos dar certo ainda?

Ela ficou imóvel, pensativa, com os olhos cheios de água. Quando então abaixou a cabeça.

— Katniss? — chamei ela de novo. São tantas lágrimas por meus olhos que é incontável, assim como nos dela.

— Não vai embora de novo — pediu, direcionando seus olhos para os meus. — Preciso de tempo. Esperei morrendo por você durante todos os dias que esteve em guerra — cada palavra saia trêmula por causa do choro, mas eu entendia. — Por favor, só espera por mim também. Pode não parecer, mas eu estou me esforçando. Tudo o que... — soluçou, se encostando na mesa, com as mãos no colo, sem a menor preocupação com qualquer coisa — ... eu menos quero, é que você passe por aquela porta e se vá. Você esteve dois anos e oito meses fora, e voltou há dois meses. Eu que te pergunto, se você quer e pode me esperar.

Eu não consegui dizer nada, por me compadecer com toda a sua dor, com suas lágrimas.

Depois de agora, a única coisa que eu mais quero é que o teto caia apenas sobre a minha cabeça, ou que toda esse peso sobre meus ombros me mate logo de uma vez, e eu não precise me martirizar, porque aparentemente nem todo o amor que eu possa dar, é suficiente.

Mas quem disse que amor é a única coisa que possa resolver tudo?

Ao anoitecer, depois do jantar, Charlie pediu para dormir com ela, e assim se sucedeu. Mas eu gostaria que ele dormisse comigo.

Tomei banho, repassando a conversa, me culpando inúmeras e inúmeras vezes, porque não conseguia parar de chorar. Entre os repasses da conversa me vieram outras imagens da guerra, e mais imagens e mais memórias e mais culpas.

Muitos soldados morreram bem nas minhas mãos, porque eu fui devagar demais, eu poderia ter apressado meus passos, poderia ter agilizado mais as coisas, poderia ter... poderia ter feito tantas coisas.

Me xinguei várias vezes, ainda debaixo do chuveiro. Tudo o que eu quero é compreensão. Eu juro que estou dando o meu melhor. O que mais eu posso fazer? O que mais posso fazer?

Recebo algumas cartas toda semana de pessoas me agradecendo, por ter salvado suas vidas, e eu me sinto feliz por isso. Mas é patético que não consiga salvar meu próprio casamento. Como eu não posso fazer mais nada por nós?!

Bati minha cabeça diversas vezes, com meus olhos fechados, no ladrilho do banheiro, enquanto a água caia de maneira para tentar me confortar de alguma forma.

Uma voz na minha cabeça dizia que noventa e sete pessoas foram poupadas da morte porque eu estive lá, e que meu casamento ainda tem solução, eu preciso ter paciência. Mas essa voz fala muito baixo ao lado da que acusa as vinte e nove pessoas que eu não consegui chegar a tempo de carregá-las até uma base para salvá-las, e que meu casamento é culpa minha, que sou tão desatento.

Fui deitar, e mais algumas lágrimas caíram. Não é minha culpa, mas por que eu me remou tanto? Ela disse que agora depende dela, não de mim. Por que tanta culpa em mim?

No dia seguinte, antes da véspera de Natal, ela me desejou bom dia, antes de sair para Manhattan visitar Clove, esposa do meu amigo Cato. Às vezes, sinto falta de quando nós só morávamos perto um do outro e eu, ele e Gale ficávamos conversando porcarias até de madrugada, fartos de refrigerante e pizza.

Ela foi ver Clove, levando Charlie consigo, e eu fui conversar com Gale, que me esperava com Cato no cinema, para irmos a qualquer lugar para reclamar de nossas vidas.

— Hm, Peeta, sua cara logo entrega que não tem vida de casado — Gale foi logo dizendo, tirando sarro da minha cara, abrindo um canudo para sua coca-cola. Cato riu.

— Verdade, Pertes, ta com uma cara de derrotado que só você mesmo.

Revirei os olhos de forma prolongada.

— Eu nem sei o que é que eu to fazendo aqui com vocês. Cato, Katniss foi pra sua casa hoje, delinquente. O que ta fazendo aqui?

— Fugindo, não está claro? Clove está grávida e não me deixa em paz, eu sou um... ah, nem sei mais. — Deu uma mordida em seu hambúrguer, e eu peguei as batatas fritas de Gale, que não protestou. — Eu sou o capacho dela. Mas não to tão derrotado igual você.

Gale gargalhou.

— A melhor coisa que já me aconteceu foi Madge ter decidido ter filhos. Estamos mais animados do que nunca. Vocês precisam olhar o lado positivo da coisa, irmãos.

— E quem é que ta te perguntando alguma coisa, Gale? Ninguém aqui ta te pedindo conselhos. — respondi, com um sorriso discreto. Fico feliz por eles.

— Nossa, tá mais amargo do que nunca, hein? Misericórdia... garçom, mais uma dose de refrigerante e o hambúrguer da casa, por favor! — Gale reclamou. — Mas vamos mudar o assunto, e falar sobre o jogo de ontem! Gente! O que foi aquilo?!

E assim foi minha tarde com meus melhores amigos. Nós não falamos da guerra. Nós três servimos, nós três em amplo campo de batalha, lutando para sobreviver, lutando para que voltássemos, e o máximo de pessoas conosco. Pode não parecer, mas eu e Cato não voltamos duas semanas mais cedo porque ficamos com Gale em Washington D.C em um hospital, pois ele se recusava falar qualquer coisa. Cato tem que viver com uma cicatriz profunda próximo ao coração, onde foi baleado, e eu com algumas espalhadas pelo corpo.

O assunto é proibido. E família também. Mas às vezes me pego querendo saber como eles fazem para seguir em frente. E a resposta posso sentir neles, em meio as conversas animadas: gratidão.

Simplesmente apegados à gratidão e quão grande dádiva é estarmos todos vivos. Quero um dia aprender com eles.

Voltei para casa, cumprimentando Katniss, que tinha acabado de chegar, com um Charlie adormecido em seus braços. Ela me cumprimentou com um sorriso tímido, dizendo que nosso filho aproveitou tudo o que podia, e Madge, esposa de Gale, acabou indo para Manhattan também. Ficamos em silêncio, troquei a roupa de Charlie, que de novo dormiu com ela, e cada um em seu canto.

.•.

Quando os familiares dela chegaram, e os meus pais, pensei que fosse acontecer um clima ruim e difícil, já que houve muito preconceito, por eu ser branco e ela morena, mesmo que ambos sempre tivéssemos dignidade quanto a educação, saúde e alimentação, sem nada para sobrar ou ajudar mais do que o mínimo ao próximo.

— Ah, Peeta! — Senhora Jennet exclamou, com um gentil e largo sorriso, parecendo feliz por me ver. Nunca tive problemas com ela, mas eu realmente não esperava isso, exatamente. A correspondi com um sorriso largo e verdadeiro. — Louvo ao Senhor por te ter aqui! Oramos muito na minha igreja por sua vida. É de louvar ao Senhor por tê-lo aqui.

— Amém, senhora Jennet, agradeço muito por suas orações, ela sem dúvida alguma salvaram minha vida inúmeras vezes.

Ela é uma das mulheres de oração das igrejas protestantes mais clássicas de Washington D.C. Minha mãe adorou ela de cara porque é daqui no Brooklyn. As desavenças estão mesmo entre meu pai e o pai de Katniss.

— Muito obrigada, senhora Jennet. De verdade. É um prazer revê-la de novo! — repeti, e ela então foi para abraçar Charlie, que apareceu todo engomado no colo de Katniss, que riu a um comentário de sua mãe. — Olá, senhor Steve, boa noite!

Cumprimentei o meu sogro, que também me tratou com carinho. Ele foi a maior rocha no meu caminho quando namorei Katniss, por ele ser moreno, a esposa parda, e sua filha da cor do Sol, enquanto eu e minha família somos brancos e de olhos azuis. Os Estados Unidos sabe lidar com guerras mas não com a igualdade racial e étnica, mas compreendi, depois que me casei.

Mas busco provar que Katniss é o meu troféu de amor, e não pela cor de sua pele, que é linda, aliás. Só Deus sabe a satisfação que tenho de Charlie ser o bom meio entre eu e ela.

Finnick, meu cunhado, irmão de Katniss, chegou logo depois, vindo de Chicago, com sua esposa Annie, e Theodore, filho recém-nascido deles. Eles me trataram como se eu fosse irmão deles, como de praxe. Ele estava mancando um pouco, pois perdeu sua perna esquerda em um acidente, já que fora mandado para o Havaí depois do ataque à Pearl Harbor, e na falha, um dos escombros estava pendente, caindo diretamente nele, que desequilibrou e perdeu a perna na hora.

Agora ele usa uma perna falsa, que eu não sei exatamente qual o material, estando sempre acompanhado de uma bengala, mas seu carisma e sorriso são os mesmos. Acredito que Annie e seu filho sejam os responsáveis por isso. Não sei se tem como conseguir se recuperar de uma guerra sem alguém que nos ame e vice-versa.

As melhores amigas de Katniss, Prim e Madge French, chegaram pouco depois, e foi uma gritaria que nos assustou, mas não pude conter o sorriso, enquanto já servia Charlie.

A ceia de natal foi tranquila e pacífica, cheia de conversas, e realmente não se enquadra no que é um pós-guerra, pelo menos não esta noite. Boa parte das casas estão com suas cortinas pretas, por causa do luto, e isto é horrível, mas hoje resolvemos tentar nos consertar, porque estamos vivos.

O horário que Charlie dorme é às nove da noite, então nós ceiamos às sete, para que ele fosse logo dormir, e a senhora Jennet foi colocá-lo para dormir junto com a minha mãe.

Nossa casa é confortável, porém pequena, de modo que meus pais precisaram voltar para casa, e eu os acompanhei. Meu pai falou durante todo o trajeto, sobre o quanto Katniss cuida bem de Charlie, que está a minha cara, e ele está preocupado com isso, fazendo eu e a minha mãe rirmos, então ele disse estar brincando.

— Filho, sua família é linda demais. — Minha mãe disse, quando cheguei na casa deles. Só pus um pé no primeiro degrau dos três, com um sorriso, entregando-os em casa. É bizarro pensar que eles já fizeram isso comigo por milhares e milhares de vezes.

— Obrigada, mãe. — Agradeci, lhe dando um beijo de boa noite, e ela me envolveu em um de seus abraços únicos. Fiz o mesmo com meu pai, então eles entraram, e eu refiz o trajeto de volta para casa.

Não dura mais que quinze minutos a pé, mas eu fui bem devagar, refletindo essa noite. Claro, ainda estou devastado, mas foi tão boa, tão... como se eu nunca tivesse ido embora.

Pedi em segredo para a minha mãe orar em prol de mim e Katniss, é claro, porque eu não sei muito bem o que se passa entre nós, honestamente. Mas vamos que vamos, vida que segue.

Meus pais são muito discretos, mas meu pai às vezes tende a falar demais, então não abri muito o jogo com ele, só com minha mãe, porém do modo mais simples e sem dar detalhes, apenas que estamos passando por momento atribulado e que precisamos de um apoio espiritual também.

Abri a porta devagar, e não fiquei surpreso ao ver Theodore no sofá cheio de travesseiros e Annie e Finnick perto da lareira acesa, já dormindo. Katniss disse que a arrumação seria essa, e que seus pais dormiriam no ""nosso"" quarto, do qual ela usou como dela.

Então, rumei para o quarto do Charlie, me deparando com uma das imagens que eu pedirei à Deus todos os dias para não esquecer: Charlie dormindo todo encolhido no colo de Katniss, com uma chupeta na boca e uma touca de natal, mas mesmo adormecido, era como se ela fosse o coração dele, e a abraçava o máximo possível com seus bracinhos.

— Shhhhh — sussurrou ela, quando me viu. Sorri. — Pega ele no colo, que eu vou tomar um banho. Depois você vai.

Assenti, entrando o mais silencioso possível no pequeno quarto. O peguei devagar, para que não sentisse que estava mudando de lugar, e ela suspirou de alívio por ele ter apenas se mexido um pouco e ter se agarrado em mim feito um bichinho preguiça. Abri um sorriso, e ela também. Sem querer, nós olhamos um para o outro, e o sorriso não saiu do meu rosto.

E o mais surpreendente: não saiu do dela também.

Não é aquele sorrisão depois de uma gargalhada, ou depois de algo super feliz. É aquele no canto do rosto, singelo, casto, e que acelera os batimentos cardíacos.

— Katniss? — Ouvi a voz da senhora Jennet, inocente, abrindo a porta, quebrando nosso contato visual que durou exatamente dois segundos. — Oi, desculpa, meninos, mas é para trazer a roupa de vocês, como me pediu.

Ela assentiu, indo até a porta pegar a roupa, então eu pude ouvir sua mãe sussurrar algo.

— Se quiserem, Charles pode dormir comigo e seu pai para que vocês fiquem mais à vontade, está bem?

— Pelo amor, mãe! — Katniss respondeu no mesmo tom, fechando, então, a porta.

Ri, mas para não chorar.

— Peeta? — Charlie murmurou, embolado, quando eu o deitei na cama.

— Shhhh... sou eu, amor — percebi que ele queria acordar e chorar, por não estar vendo a mãe, então imediatamente afaguei seus cabelos.

— Hmmmm bom... pa... — e simplesmente se virou para o outro lado antes de completar a fala, depois de se espreguiçar como um gatinho, e apagou novamente.

Desejei que ele terminasse o que estava falando, mas seu bem-estar e sono são mais importantes que a minha curiosidade. Sorri, apaixonado por ele, e o cobri, arrumando seu travesseiro.

Forrei o chão de madeira brilhante com cobertores, e logo me deitei, depois de tirar a jaqueta. Não percebi quando Katniss chegou, porque eu já estava dormindo.

.•.

Na manhã seguinte, eu me senti aquecido, mesmo que congelasse lá fora. Charlie estava nas minhas costas, deitado, e Katniss dormindo completamente serena e em paz na minha frente, que me dava vontade de pega-la e a deitar na nossa cama, para acordá-la com beijos no rosto da forma mais casta possível.

Sinto a absurda necessidade de tocar seus lábios, e relembrar que são como as frutas do verão.

— Papai... posso abrir meus presentes já? — Ouvi sussurro preguiçosinho de Charlie. Eu precisei piscar três vezes, porque estou sonolento.

— Perdão, Tea? — Eu o chamo de Tea (chá) de vez em quando, porque ele gosta de beber o que quer que tenha na xícara de Katniss, e quase sempre é chá.

— Papai. Posso. Abrir. Meus. Presentes...? — pediu dengoso, me dando um beijo na bochecha. Meu coração foi mil por hora. Ele me chamou de pai. Pai!

O joguei sobre meus ombros, para colocá-lo em meu colo, fazendo-o gritar em uma gargalhada de neném, fazendo Katniss praticamente saltar.

— O quê? O quê?! — exclamou, ofegante, como se tivesse caído do Everest, toda descabelada, as bochechas rosadas, assustada, parecendo uma rosa que enfrentou uma chuva. Olhei para Charlie, e ele para mim, então começamos a gargalhar juntos com a cena.

Sua expressão de espanto por ter sido acordada no susto ficou brava.

— Mas de que estão rindo, seus chatos? Eu me assustei!

— Por isso! — ele exclamou, com um sorriso lindo nos lábios.

— Você está toda bagunçada — eu expliquei, feliz, pois agora pude enxergar que a raiva foi momentânea. — Mas ainda está linda.

Suas bochechas ficaram mais rosadas do que estavam, e logo suas mãos lhe cobriam o rosto, depois de arrumarem a alça de seu pijama, um vestido de seda, que é usado sem sutiã. A cor é lilás, e lhe cai muito bem.

— E vocês também estão! — resolveu revidar, então, passando as mãos do rosto para, agilmente seus fios lindos, fazendo um coque no alto de sua cabeça.

Eu e Charlie rimos, dando de ombros, sem muito importar com essas coisas. Ela sorriu.

Pude então perceber que eu não a vejo assim desde antes de eu ir servir os Estados Unidos.

— Hmmm! Que cheirinho de bolo da vovó! — Charlie exclamou, depois que o coloquei de cabeça para baixo, enquanto Katniss se levantava para pegar uma roupa para ele se trocar, já que está muito frio.

— Só vai depois que trocar de roupa! — ela disse, me dando a muda dele e a minha. — Troca ele para mim, por favor?

Assenti, tranquilo, o pegando no colo de cabeça para baixo, e ele agiu como se estivesse normal, falando como uma matraquinha que ele é, embolando tudo, e eu só assentindo em risadas, porque não entendo nada do que ele fala.

— Vamos, vamos tomar um banho para você abrir os seus presentes — aí ele gritou animadamente, batendo palmas.

Nós dois fomos tomar banho.

— Por que essa marca? — ele perguntou, inocentemente, tocando no canto da minha barriga. — Quem te cortou?

E como flashbacks, imagens da Guerra, com explosões, fogo, sangue, até que uma bala perfura minha barriga, e um soldado que eu estava ajudando cai, por minha causa, que estava ajudando-o a sair daquela zona. Fui médico.

— Por que está tremendo? Tudo bem? Oi? — ele balançou meu ombro, e eu tomei um forte susto, quase caindo, mesmo que esteja de joelhos e com as minhas calças. — Ah!

— Desculpe, é porque... — como explicar para uma criança de dois anos a cicatriz que tenho na barriga e a do meu ombro, que é ainda maior? São marcas da guerra. Não posso contá-lo. — Eu nasci com elas.

— Uhum. Elas são esquisitas e feias, papai. Mas doem? — perguntou, dando de ombros, dançando com o cabelo cheio de xampu.

— Não doem — menti, e forcei um sorriso. Que mentira descarada eu contei. São justamente elas que não me dão sono, paz e tranquilidade. São elas que me fazem buscar desesperadamente o conforto dele e Katniss.

Acabei por tomar um banho de verdade, e ele me chamou de pai duas vezes, mas às vezes me chamava de Peeta.

— Charlie... — comecei, depois de me vestir, comecei a vestir ele, ainda no banheiro. — O que eu sou para você?

Ele fechou um dos olhos azuis enigmáticos, brincalhão, me fazendo sorrir, de verdade.

— Você é o meu pai, oras! É o meu pai! Mas às vezes é estranho dizer e pensar, porque o senhor passou muito tempo sem me ver! — disse, embolando algumas letras. — Você é meu pai, não é?

Senti meus olhos se encherem de lágrimas, e uma acabou escorregando na curva de um sorriso. Eu estou pouco maior que ele, por estar arrumando-o de joelhos.

— Sim, sou sim. E eu amo você sabia? — Ele sorriu, fazendo sinal de positivo, depois que abotoei sua camisa. Katniss disse que é importante que ele se vista mais arrumado enquanto Annie estiver aqui. Sinto no coração que ela não é tão amiga da cunhada, mas não sei a razão ainda.

— Eu sei que você me ama, assim como ama a mamãe! — apontou para mim, com um sorrisão. — Agora, muito obrigada, mas estou com fome! Pode me pegar no colo?

Sorri de volta, e brincando com ele, o joguei em meus ombros, simplesmente, fazendo-o gritar de rir.

Tomamos um café agradável, e a tarde foi muito tranquila, mesmo que Finnick tenha ajudado na cozinha com o almoço, ele não salgou tudo como da última vez, o que foi um verdadeiro alívio.

Mas no final, meu cunhado me chamou para ir até o jardim, onde não tinha ninguém.

— Peeta, qual foi? Dá pra ver que você está péssimo de longe.

Suspirei, frustrado, com o copo de refrigerante em mãos.

— Finnick, eu não quero falar sobre a gue — antes que eu completasse ele me deu um tapa na cabeça, com uma expressão bem séria. — Caramba!

— Digo eu! Você está completamente diferente, nem fala mais nada. Eu odeio falar sobre isso também, mas isso não pode impedir você de viver sus vida agora!

Mordi meus lábios, com a respiração acelerada, batendo impacientemente um pé no chão. Eu não vou chorar. Eu não vou chorar. Eu não vou chorar. Eu... não vou... não...

As lágrimas caíram dos meus olhos, e eu os fechei, cobrindo com um braço.

— Satisfeito? — perguntei, sem olhar para ele. — Esse inferno de guerra. Charlie nem me chama de pai, porque eu não estive aqui quando ele nasceu. Sabe por quê?! — olhei dentro de seus olhos verdes. — Porque, inferno, eu estava revirando escombros para achar alguém vivo. Estava tentando voltar pra casa sem a culpa de perder alguém em meus braços. Mas eu perdi. Eu perdi. Perdi tudo, Finnick. Tudo.

Bati o copo cheio na mesa ali. Minhas lágrimas são infindáveis, meu coração está disparado.

— Meu filho perguntou a razão das minhas cicatrizes, e eu não tenho como explicar que são balas que quase me mataram. Cinco vezes. E quando não foram elas, um belo choque cardíaco. Fui dado como morto no meio das trincheiras. E você quer que eu converse com os seus pais e as melhores amigas da sua irmã?

E a cara dele era de compreensão, e fez um gesto vago para que eu continuasse a falar.

— Eu pensei tantas vezes em simplesmente parar tudo. Tantas vezes... — falei, me apoiando na mesa de jardim. Porém não me senti culpado em assumir isso. Não falo sobre isso com Cato e Gale, até porque eles dois ficaram em Washington, por terem faculdade, e eu estava cursando a minha de medicina, depois de tanto lutar para poder pagar.

— Se matar? — assenti, fungando. Não tenho vergonha de assumir isso para o Finnick. Meus pais são religiosos demais para eu poder me abrir sobre isso. Katniss... acho que eu poderia falar sobre isso com ela, mas não ainda, onde mal conversamos. — Sabe o que é isso?

Ele abaixou a gola da camisa, e em seu pescoço tinha uma marca muito forte.

— O que é isso? — perguntei, quase escandalizado. É uma cicatriz, quase como um corte.

— Enforcamento. Me acharam antes que eu morresse. Eu já estava desacordado... vindo para casa.

Me senti tonto. Finnick arrumou a gola, em um suspiro.

— Peeta, Katniss me contou algumas coisas, não te odeia, e nem te deseja a morte, muito pelo contrário. Acontece que vocês dois precisam lutar juntos para resolverem isso. Seus traumas são enormes, e sinceramente, nunca vão passar. Estou falando isso de verdade. Fiquei menos tempo que você, e logo fui abandonado no meio do nada que é o Havaí, perdi minha perna, quase fui capturado por japoneses malditosos até que eu não vi mais jeito a não ser me matar, deixando tudo para trás. Mas nem é para ser assim. Eu não estou só, tenho Annie, tenho Theodore. Tenho meus pais, tenho Prim e Madge, que também são minhas irmãs, praticamente. E você também. Eu tenho você, e você tem a mim, assim como tem à Charlie, que te ama incondicionalmente. Tem seus pais, seus amigos, e principalmente Katniss.

Parou por um instante antes de continuar.

— Você se sente melhor? — perguntou, com sinceridade, ao meu lado. Acabamos por nos sentar na mesa.

Assenti vagamente.

— Você consegue dormir em paz todas as noites? Eu não consigo. É muito raro.

Ele riu, sem graça, vazio.

— Dormir por quinze minutos serve? — ironizou. — Toda hora vem flashes. Como se eu estivesse lá de novo.

— Me sinto igual. É tão ruim... tão... ah! — algumas outras lágrimas escorreram dos meus olhos. — Eu só queria conversar com ela sobre isso. Me sinto tão sozinho. Parece que só eu estou me esforçando, quando não é para ser assim. Converso por horas com meus melhores amigos que viveram as mesmas coisas, mas não se abrem comigo sobre isso e vice-versa. É um assunto proibido.

Assentiu, concordando.

— Peeta, é diferente de pessoa para pessoa, mas sei que entende quando falo que é difícil dormir. Mas quando estou com Annie, quando eu olho dentro daqueles olhos, é como mergulhar em um oceano de paz, tal como com Theodore. A guerra corrompe absolutamente quem somos e quem éramos e quem iremos ser, mas não podemos deixar que isso nos ultrapasse sempre. Não é uma desculpa para descontar na vida. Você e eu não demos sorte, somos dois sobreviventes. Mas nem tem o que fazer, a não ser segurar o que nos resta e... seguir. As pessoas que se foram, serão eternamente lembradas. Também tenho amigos que se foram.

E puxou do pescoço também uma corrente, com três plaquinhas com nome e ano de nascimento, como recebemos quando nos alistamos. Toquei as duas que estão presas à minha.

— Não podemos tudo. Não foi nossa culpa. Não foi. Se ficarmos revivendo esses momentos, vamos nos matar, porque sempre poderíamos ser melhor. Mas já foi, amigo. Não se permita se isolar. Não é a melhor escolha. Te garanto... eu não falei nada por um mês depois que voltei. Só falei quando descobri da gravidez de Katniss, e que Charlie estava enfermo. Então vim de Chicago, para falar pela primeira vez. Não te julgo. Foi quando eu desabafei, e as coisas não se resolveram, mas fui mais compreendido, afinal.

— Finn? Finn! Peeta! — Prim, a amiga mais velha de Katniss exclamou, com um sorriso enorme. Ela é a irmã mais velha dela e de Finn, mesmo com um ano de diferença. — Mad! O loirinho e o Peeta estão aqui!

E aí as crianças acabaram vindo pra cá, interrompendo nossa conversa. Madge perguntou logo o motivo para estarmos assim, mas Finnick mudou o assunto por mim, que entrei nessa jogada. Prim tem duas filhas gêmeas de três anos, e Madge (que não é a esposa de Gale, mas a neta do senhor Jones) um menino de um ano e quatro meses. Seus respectivos maridos vieram também, e os cumprimentei sinceramente. Carlos, esposo de Prim, ficou na administração, e Ralf, de Madge, serviu na Inglaterra.

Não dormiram aqui noite passada porque estão em um hotel.

Consegui escapar para voltar para dentro, esbarrando com Katniss, que estava vermelha.

— Uau, nossa... você está bem?! Está super febril! — exclamei, pondo uma mão em sua testa. — Amor, o que houve?!

Sem querer, notei que a chamei de amor, mas não me arrependi. Tomei um susto com suas bochechas super vermelhas.

— Eu... eu... — ela parecia que ia explodir, seus olhos estavam transbordando lágrimas, e estava realmente sem saber o que fazer. — Me tira daqui. Me tira daqui.

Pediu, desesperada, apertando minhas mãos. Carrega angústia em suas mãos.

— Levo Charlie ou... — assentiu freneticamente.

Em questão de um minuto estávamos andando sem rumo pelas ruas nevadas.

— Peeta, para onde estamos indo? — perguntou o bebê em meus braços. — Mama?

— Silêncio, Charlie. — Ela pediu, e vi sua expressão triste.

Seguimos andando, até uma área de lazer para crianças, e ele correu, gritando o nome de um de seus amigos.

Fiquei sozinho com ela. Indiquei a beira do rio, onde dava para sentarmos tranquilamente sobre o parapeito, onde nos sentamos. Passou uma moça vendendo algodão-doce, mesmo que seja natal.

— Suas cartas. — disse ela, girando o algodão-doce em suas mãos, de maneira nervosa. Não me olhava. — Li uma. A número 13. Você contando de Okinawa.

Suspirei, balançando a cabeça, fechando meus olhos. Okinawa foi um lugar terrível.

— Você contando sobre o medo que tinha de nunca mais voltar, sobre as pessoas... — soluçou. — E eu aqui culpando Deus e o mundo por não te ter em casa.

— Katniss... — murmurei, tocando sua mão. Ela não me afastou dessa vez, porém não deixava que eu falasse.

— E aí você diz que me ama, sob aquele ar horrível que deve ter sido aquele lugar asqueroso! Você diz que se lembra dos meus olhos, e que eu te motivei para voltar e arriscar sua vida. Mas que idiota eu fui! Você não entende o quão culpada eu me sinto nesse momento.

Olhou para mim, com seus olhos feito furacões. Com as lágrimas, na escala de furacão, está em número 6.

— Sempre te respeitei, e aceito seu tempo. Foi difícil para mim, mas também para você.

Ela balançou a cabeça milhares de vezes, chorando como nunca.

— Não! Você assistiu seu amigo morrer! E tantos outros! E ainda sobrou sentimentos para agradecer ao Senhor por minha existência! Como acha que eu deva reagir?! Como?!

Não falei nada, apenas me pus de pé com um pulo, e a abracei apertado.

— Só fica aqui. É tudo o que eu preciso — pedi, apertando-a contra mim, e ela devolveu da mesma forma. Quase chorei em tê-la aqui. Escondi-me em seu pescoço, sentindo seu perfume. — Ainda agradeço à Deus por sua existência e por você estar ao meu lado, e não outra mulher. Nenhuma é você.

— Me perdoe. Por favor. Me perdoe — pediu em soluços. — Eu te imploro. Me perdoe pela forma como te tratei. Não era pela falta de notícias, mas por falta de aceitar o que você fez, me abandonar grávida, mas sei que não foi sua culpa.

— Não posso perdoá-la pelo que nunca houve mágoas de verdade. Eu faria tudo de novo para poder saber que está viva.

Afastei-nos um pouco para poder olhar em seus olhos.

— Eu amo você. Eu não tenho o que te perdoar. Sou feliz com você.

— Ah, Peeta... — e simplesmente me abraçou de novo, nos mantendo aquecidos por alguns minutos, que não pareceram o bastante. Meus olhos permaneceram fechados, e meus dedos só queriam sentir seus cabelos e suas mãos.

Nos separamos porque Charlie nos chamou, porque seu sapato tinha molhado na neve, então precisamos voltar.

Desta vez, ela tinha um braço entrelaçado ao meu, e conversávamos animadamente com nosso filho.

Ao chegarmos em casa, Prim e Madge se entreolharam, com uma certa tensão, provavelmente sabendo de tudo o que estava acontecendo.

— Céus, eu estava preocupada com vocês! — Exclamou a senhora Jennet, vindo apressada, em um salto do sofá. Abraçou Katniss de modo quase sufocante. — Por onde andaram?! Não sabem que é perigoso sair assim? Estamos em Nova Iorque!

Senti minhas bochechas ficarem vermelhas de vergonha. Cá estou eu e Katniss, pais aos 25 anos de idade, casados há quase seis anos, e nem pensamos em absolutamente nada, apenas saímos vagando igual dois desnorteados em pleno feriado de Natal. Mas esse nem é o constrangimento, a questão está que todos em nossa casa agora estão brigando conosco porque saímos com Charlie nesse perigo todo e não comunicamos ninguém.

— Céus digo eu e Peeta, mamãe, precisamos sair para conversar, está tudo bem conosco, principalmente com Charles, não é? — Nosso bebê sorriu e assentiu, fazendo um positivo com as mãozinhas, e foi difícil segurar a risada.

— Tudo bem! — ele disse, e eu tirei um pouco de algodão-doce do canto de sua boca. — Tô com fome, vovó!

E aí o clima pesado se dissipou tranquilamente.

Por fim, Katniss acabou se afastando um pouco de mim para ficar com suas amigas, Prim veio da Carolina do Norte, e Madge é de Los Angeles, ou seja, bem distante, mas teve um selinho, o que me deixou mais tranquilo, com o coração a mil por hora, pois realmente não estava esperando por isso, não agora. Ela sorriu, notando seu efeito sobre mim. Parecia tímida, mas sorriu, e foi o suficiente para mim.

A tarde de passou, e eu joguei xadrez com o pai de Katniss e Finnick, conversando amenidades com Carlos e Ralf. As crianças fizeram bagunça a tarde toda, mas ninguém realmente se incomodou.

Mal deu para acreditar quando todos se despediram na manhã seguinte. Lamentei a ida de Finnick, mas o fiz jurar que ele voltaria logo com sua família. Katniss chorou muito, mas logo abriu um sorriso quando fomos finalmente abrir os presentes de Natal.

— Charlie, mais um para você, mas esse é meu — falei, sorrindo para meu filho, depois que abriu a última embalagem com presente. Ganhou muitos brinquedos, e mais um de mim. Ele deu um grito animado de excitação.

— Obrigado, papai! — agradeceu, com um sorrisão, me envolvendo em um abraço apertado.

— De nada, Tea — respondi, com um sorriso. Parece que agora ele realmente decidiu me chamar de pai, e é absurdamente estranho escutar alguém me chamar assim. — Quer que eu te coloque para dormir?

Assentiu, enquanto Katniss fazia chocolate quente para nós bebermos, já que os termômetros marcam bem abaixo de zero. Sinto minhas mãos congelarem, praticamente, mesmo sob luvas. O nariz de Charlie está todo avermelhado, de resfriado, me deixando preocupado, mas Katniss pediu paciência, e dar um bom banho quente que passa.

Dito e feito, ele se deitou, tagarelando como sempre, empolgado, mas logo foi perdendo as forças por causa do sono, me fazendo rir.

— Boa noite, papai — desejou, com os olhos pesados, me permitindo ver apenas seus cílios loiros.

— Boa noite, Charlie... — beijei o alto de sua cabeça, carinhosamente, e minha mão que estava na sua, ficou. Ele a segurou, mesmo dormindo. Sorri.

Dois toques foram dados na porta, então Katniss apareceu, com duas canecas fumegantes de chocolate.

Entregou-me uma, se sentando ao meu lado na cama de Charlie, observando-o dormir.

— Charles é a sua cópia mais fiel, até dormindo. — Ri, pois é verdade. Geralmente eu sou péssimo assimilando, mas Charlie verdadeiramente se parece comigo. — Peeta... lembra que tinha algo para te contar que eu ainda não estava pronta?

Perguntou, parecendo um pouco receosa, e estranhamente tímida, coisa que ela nunca foi muito bem.

— Uhum — respondi, assentindo. — Você não precisa me contar se não quiser.

— Mas a questão não de eu querer ou não. É que você deve saber... — falou, em um suspiro, e lágrimas lhe vieram aos olhos, mas ela não as derramou. — Pouco depois que você foi, eu descobri estar grávida... e disso você já sabe, todo mundo sabe, é óbvio. Mas...

Ela parecia que ia soluçar a qualquer momento. Segurei em sua mão.

— Eu estava grávida de gêmeos. — contou, e foi como se uma bomba caísse sobre a minha cabeça. Foi como se naquele momento eu fosse ela, e ela eu, os dois como uma só pessoa, absorvendo toda aquela dor.

Meu peito se apertou de aflição e agonia.

— Katniss... — murmurei, para consolá-la, e dizer que estou aqui.

— Não... — ela balançou a cabeça, já chorando. — Tudo deu certo, até o final. Estava tudo bem. Sua mãe estava aqui, Prim, Madge do Gale, Clove, Madge minha amiga... o parto correu bem também. O problema foi que uma vez eu estava em casa, com Charlie e Diana, logo no primeiro mês, quando depois de uma rotina normal, eu fui no quarto, e...

Ela deu um soluço, cobrindo o rosto com as mãos, se encolhendo. Charlie se mexeu na cama, quase acordando. Peguei ela no colo, e a levei para o nosso quarto.

Fiquei de joelhos na sua frente, pegando suas mãos. Eu já chorava também, só por ela chorar, mas saber ainda mais essa razão, é sufocante. Só quero fazer tudo isso parar.

— Amor, não foi sua culpa — falei, tentando fazer ela se acalmar. Eu a amo tanto, que é forte demais para mim vê-la sofrer tanto assim.

Depois de uns cinco ou dez minutos, não sei, ela finalmente conseguiu se acalmar, com a cabeça em meu peito, em nossa cama.

— Eu poderia ter percebido que ela não estava respirando. Eu poderia ter sido mais atenta. Eu poderia ter sido melhor. Eu poderia. Poderia. Agora eu não posso mais nada. Ela se foi tão serena quanto veio. Não te aceitei no começo porque eu não consegui superar o acontecido. Queria que estivesse aqui, e fizesse alguma coisa. Talvez você pudesse ter notado algo.

Ela falou, baixo, ainda um pouco trêmula.

Meu coração bate descompassado no peito, sem ordem, sem rumo, desesperado. Todas as minhas memórias da guerra vieram me visitar, e agora a de uma filha que eu nunca conheci. Minha mente é um turbilhão.

— Mas... — ela se sentou em meu colo de modo casto. Fica muito bonita sob a luz da lua, que ilumina o quarto. Seus olhos adquirem tom de diamante. — Agora eu aceitei que você não teve nada com isso. Você estava me protegendo. Protegendo Charlie. E a Diana. O seu alistamento na guerra, eu posso ver melhor agora, foi para um bem maior do que você, do que eu, e até do que nossos filhos. — Uma lágrima escorreu por seu olho esquerdo, que está mais cinza do que nunca. — Meu coração largou o egoísmo. Mesmo que eu não tivesse recebido suas cartas, um dia eu enxergaria isso. Aliás, elas foram apenas uma desculpa esfarrapada. Eu... — mais algumas lágrimas caíram de seus olhos. — eu não queria aceitar que as coisas podem ficar bem depois de tudo. Sua volta para casa simboliza isso. Que a vida pode seguir. E ela vai, independentemente de nós. Dá para entender? Peeta, eu estou me sentindo horrivelmente culpada. A culpa no final foi toda minha mesmo, mas eu joguei para cima de você, na tentativa de... ah eu nem mais. Eu amo tanto você, Peeta. Tanto. Eu só te peço perdão por ser tão ruim assim.

E chorou, sem se importar, me deixando completamente estranho. Estranho, no que se diz a que eu não sei como reagir.

Mas quando eu vi, já estava falando.

— Não tem problema. Eu não vou mentir que fiquei muito magoado com você, muito aborrecido, porque se você tivesse conversado comigo sobre isso no começo, nem eu e nem você teríamos passado por todos esses dois meses de angústia. É insuportável te ver e não poder conversar com você. Eu tenho meus medos e pesadelos também, assim como você. Eu passei pela guerra, e não foi qualquer uma, foi por uma guerra mundial, fui para campos abertos, e com apenas meu corpo como defesa. Tudo o que eu mais queria era voltar, com o máximo de pessoas que eu pudesse carregar comigo, e você era o que Deus me lembrava de continuar lutando e seguindo e vindo adiante. Katniss, isso mostra que você duvidou do que o amor é capaz de fazer. Já passamos por tantas coisas juntos, tantas dificuldades, tantos preconceitos, porque agora nós não conseguiríamos? Eu sou seu. Eu sou seu marido, e seu amigo. Você não tinha o direito de me excluir da sua vida como fez nos últimos meses, mas Katniss... — suspirei, antes que eu começasse a gaguejar de tão rápido que meu coração está batendo por causa de nervosismo. — Já passou. Eu estou aqui, e te perdoo. Não tem com o que se remoer. Não foi nossa culpa. Estou tão devastado quanto você sobre o bebê, e você sabe disso, não sabe? — assentiu, com as bochechas coradas de vergonha. — O importante é não permitirmos isso acontecer de novo. Independentemente do que aconteça, vamos ser sinceros. Pode ser? Eu sinto sua falta.

Ela então olhou nos meus olhos, e sei que ela pôde ver meu coração batendo forte. E eu posso ver sua alma, e sentir que está da mesma forma que eu.

Antes que qualquer um de nós percebesse, nossos lábios se tocaram, e meus olhos automaticamente se fecharam, tal como ela, e uma de minhas mãos seguiu para a nuca dela, e outra para a cintura, aproximando-nos o máximo possível.

E depois de muito tempo, anos, na verdade, tendo sido o último beijo assim no dia em que entrei em um ônibus diretamente para o treinamento e então o campo de guerra, pude sentir que não há quem mais possa me fazer sentir como Katniss faz.

Seus lábios são como o verão nova-iorquino, soam sempre novos, como a Times Square que vai se tomando forma sorrateiramente pelas avenidas principais do estado e da cidade.

Até que nossos corpos verdadeiramente protestassem, nós continuamos.

— Pensei que eu nunca mais poderia te beijar — sussurrei, de forma confidencial. Senti seu sorriso, por ainda estarmos com os rostos muito próximos um do outro, quase que encostados.

— Não vai mais precisar ter esse medo. Eu prometo. Me certificarei de não te fazer temer isso de novo, porque era o meu medo também.

E me beijou de novo, como se fosse da primeira vez, quando éramos dois adolescentes no baile de formatura, indo contra todos os preconceitos da sociedade. Não há cor aqui, nem raça, nem nada além do nosso amor. Não há palavras para descrevê-la, não há expressões para demonstrar o quanto eu a amo, o quanto agradeço ao Senhor por tê-la em meus braços.

— Você é simplesmente tão linda — murmurei, notando as proporções que aquilo tomava. Minha blusa já estava na metade desabotoada, e seu vestido na cintura.

— Ah, Peeta... — ela disse, baixo, e eu senti suas bochechas corarem de vergonha. A beijei mais uma vez, enquanto nos deitávamos na cama.

Com certeza nós teríamos continuado, se não fosse por Charlie ter começado a chorar a plenos pulmões de seu quarto.

Simplesmente nos entreolhamos, e no instante seguinte íamos correndo para o quarto ao lado, mesmo que aos tropeços.

— O que foi, Charlie? — ela perguntou, o pegando agilmente, de uma forma tão delicada como uma margarida. — Está machucado?

A criança em seus braços negou, com o rosto avermelhado de choro.

— Papai tinha ido embora no meu sonho — disse, chorando mais forte, esticando seus braços para mim. — Não vai embora de novo, papai!

Senti suas roupas úmidas, mas não me incomodei com isso. Simplesmente o abracei. Meu coração acelerou tanto, que quase jurei que fosse ter uma parada cardíaca. O choro engasgou na minha garganta, e eu não consegui dizer nada.

— Papai não vai ir embora, Tea. Não vai mais. Nunca mais, ok? — assentiu, enquanto eu afagava seus cabelos. — Quer tomar banho?

Negou.

— Só se for com o senhor, papai — assenti, e peguei das mãos de Katniss, claramente abalada, roupas limpas para ele.

O banho foi rápido, mesmo que na banheira. Ele me disse que no sonho eu tinha ido embora sem me despedir, sem dizer um tchau, abandonando-o.

— Não conte com isso, ok? Foi apenas um sonho ruim, meu anjo. Eu estou aqui.

— Mas onde esteve enquanto eu crescia?

A pergunta fez minha pressão despencar. Mas é uma hora eu sabia que seria questionado disso.

— Hm... meu bem, tem algumas coisas que ainda não é hora de você saber. Mas saiba que um dia você vai saber de tudo, ok? — assentiu, sonolento, já.

Katniss colocou outra fralda nele, rapidamente, e o ninou até que dormisse mais uma vez, mas no nosso quarto. Nesse meio tempo, peguei roupa de cama e forrei o sofá da sala, que ao menos é espaçoso.

— Peeta? Peeta? — Ouvi a voz dela me chamar, e eu disse que estou na sala. — Mas o que faz aqui?

— Dormir. — respondi, como se não fosse nada demais.

Ela revirou os olhos, e me puxou pelo braço.

— Faça me o favor, Mellark, e vamos para o nosso quarto. Não entendeu que todos nossos conflitos se resolveram? — Mesmo depois do ocorrido com Tea, abri um sorriso.

— Ainda é estranho. Ainda é estranho estar em casa. — admiti, em um murmúrio. Ela escutou, se virando calma para mim. Esta é a Katniss com a qual eu me casei.

— Mas agora você está em casa. Tem eu e Charlie. E prometo que a partir de agora... — me deu um beijo rápido. — vai ser como se nunca tivesse ido embora.

— Vou cobrar de você.

Ela riu, me abraçando, e logo estávamos deitados na cama do nosso quarto, e Charlie mesmo dormindo se agarrou a mim, como se fosse tudo. Me senti em casa.

.•. Bônus .•.

Uma semana se passou, e chegou o ano novo, que demos boas vindas em Manhattan na casa de Cato. Orei para que 1946 fosse melhor do que 1945, mas com certeza será, a julgar pelo fato que não comemorei em um bunker ou orando em fortes petições para Deus me deixar voltar para casa e com o máximo de pessoas possível.

— Como vocês estão? — Gale perguntou, pouco depois da meia-noite. Katniss foi colocar Charlie para dormir, e Clove e Madge a seguiram, pois queriam aprender mais sobre a vida de mãe.

— A gente está melhorando cada dia — respondi, com um sorriso. — Acho que aquele seu conselho de olhar as coisas por um lado positivo surtiram algum efeito.

Meu amigo riu.

— Foi o que eu falei pro Cato. A gente não pode estagnar, mesmo que pareça ser o único caminho. Nós não temos esse direito, por causa deles — bebericou sua coca-cola, e eu minha garrafa de pepsi. — A vida ainda tem muita coisa com o que nos presentear.

Concordei.

— Sinto que esse ano vai ser melhor — confidenciei. — Eu e Katniss nos resolvemos semana passada, e é como se voltássemos a namorar de novo, e Charlie me chama integralmente de pai. E bem, não há mais guerra. Somos vencedores, estamos vivos. Que honra maior que essa? — sorriu para mim, como se eu finalmente tivesse entendido o que ele queria dizer. — Olha lá o Cato. Deus que me livre, ele não tem vergonha na cara mesmo, hein?

Gale se inclinou no parapeito da sacada da casa do nosso amigo, e gargalhou, ao ver Cato seguindo Clove com uma cara de bobo, enquanto ela discutia com ele, que aparentemente colocou uva-passa na comida dela, e agora está muito enjoada.

— Tudo bem, amor. Desculpe. — O tom dele é absolutamente submisso a ela, de modo que eu também ri. Quase que ele caiu agora na piscina, por estar equilibrando duas garrafas de vidro de refrigerante, três hambúrgueres e um prato de pizza, possivelmente o que ela solicitara.

— Esse daí não tem jeito mesmo — Gale falou, balançando a cabeça. — Mas ai, Peeta, feliz por você. — Tocou minha garrafa com a sua. — Eu vou ir dormir, porque tem uma mulher incrível me esperando lá na sala. E você também.

Nos desejamos outra vez um feliz ano novo, e eu fiquei um pouco mais na sacada, refletindo, até sentir dois braços ao redor da minha cintura. Abrir um sorriso é inevitável. E que sorriso eu dei. Passamos desde o natal de forma doce, como quando tínhamos 17 anos. Não vivíamos colados, mas nós aproveitávamos os momentos mais simples juntos, como ficar no balanço observando Charlie brincar, mesmo que em silêncio, dividir o sorvete ou a garrafa do refrigerante. Fomos também para o culto de domingo de mãos entrelaçadas, de modo muito sincero. Charlie mesmo notou nossa aproximação, confidenciando que era assim que deveríamos fazer mesmo.

— Um beijo por seus pensamentos? — brincou, quando me virei, beijando suas mãos, depois a trazendo para mais perto, puxando sua cintura.

— Acho que preciso de dois — ela riu, balançando a cabeça, e eu a beijei, de verdade, como se ninguém pudesse nos alcançar naquele momento. Ainda é um luxo poder senti-la tão perto de mim. Seu perfume adocicado é como uma fruta da primavera. Não usa vestido, como o costume da nossa década, mas uma calça branca, e uma blusa feminina amarela, e continua estonteante e perfeita. Seus cabelos cacheados estão presos no alto da cabeça, e está deslumbrante. Vale à pena cada olhar que recebi quando ela entrou na igreja com sua cor de guaraná.

— Vamos dormir… Antes que alguém venha, e a gente não pare — ri, concordando. Mas continuei abraçado a ela, escorado ma sacada, admirando a paisagem linda daqui. Pode-se ver a rua e muitas casas, com muitas luzes acesas ainda, por ser uma da manhã.

— O que acha de nos mudarmos pra cá? — sugeri, em um sussurro, apoiando minha cabeça sobre a sua.

— Clove está grávida, então está mais sincera do que um dia jamais esteve. Ela disse que é ótimo morar por aqui. E podemos pagar. Gale e Madge estão querendo vir pra cá também, sabe?

A beijei mais uma vez.

— Só quero estar onde você e Charlie estiverem. Por onde você for, eu quero ir também. — Senti ela corar fortemente, pois ainda estarmos, por incrível que pareça, tentando não estranhar um ao outro, depois de tanto tempo. Ainda é diferente tê-la em meus braços, e para ela me escutar dizendo algo assim, mas aos poucos vamos quebrando essas barreiras. Ficamos em silêncio em quase todos nossos passeios, mas muito satisfeitos.

— Você é ridículo, gosta de me deixar sem palavras — ri, beijando sua bochecha, arrastando-a para o quarto de hóspedes.

Como sempre faço, esperei que ela dormisse primeiro, para que eu dormisse, e não passar mal de pesadelo ao lado dela. É normal eu ter pesadelos, desde que eu voltei da guerra.

Charlie dormia na cama já, bem no canto junto da parede, então ela se deitou, e depois que troquei de roupa, fui para lá, mas eu estou tão cansado, por tanto dormir somente pouco mas fazer várias coisas durante o dia.

Queria não ter dormido hoje.

Meus passos são pesados. Arrasto um homem, outro em minhas costas. O medo acelera meu coração desesperadamente.

— Médico, por favor! — Alguém grita, chorando desesperadamente. — Eu estou cego! Um médico! Um médico!

— Segurem-se um pouco aqui — eu falei, com a voz em um fio, pelo tempo que não sei mais que estou sem beber água ou comer alguma coisa.

Preparei a minha arma, depois de colocar os dois em um canto escondido. Um perdeu as duas pernas, e o outro o braço. Apliquei um pouco mais de morfina.

A pessoa sabe onde estamos, então parou de gritar, mas mesmo aqui sendo um lugar diferente e horrível, o encontrei logo. Seu corpo estava coberto de sangue, inclusive o rosto, e tinha um grande rasgo em sua barriga, expondo um de seus órgãos vitais. Céus. Eu não sei nem qual órgão está para fora, por causa da quantidade de sangue ao redor, é impressionante. Ele é um milagre.

— Calma, muita calma, eu cheguei — falei, trêmulo presente esta cena. — Calma.

— Eu sei que eu vou morrer, então aplica mais alguma coisa para acabar com essa dor rápido, pelo amor de Deus — disse, desesperado. — Dá um tiro na minha cabeça, eu não vou sobreviver mesmo. Faça isso por mim. Me deixe entrar no céu.

As lágrimas alcançaram meus olhos. O que eu vou fazer aqui agora, Deus? O que o Senhor quer de mim, Pai?, olhei para os céus, azuis límpidos. É uma afronta ao que estamos passando.

Faça o que você veio fazer, Peeta, uma voz disse, como um assopro gentil em meu rosto. Eu não te dei espírito de covardia, levanta e faça o que deve ser feito, disse. Não é coisa da minha imaginação.

Assenti, fungando, limpando as lágrimas nos ombros, e apliquei duas doses de uma vez no soldado. Depois, limpei seu rosto, e ele voltou a enxergar. Seus olhos estavam com muito sangue por causa dos respingos, então aconteceu que não se abriam, mas com água conseguimos resolver a questão.

Para tirá-lo foi um sufoco.

— Junta tuas mãos, e mantenha seus pés juntos, ok? Vou te levar para casa. — assentiu, um pouco paralisada por causa da morfina, mas conseguia ir.

Improvisei um saco para puxá-lo, e mesmo sabendo das outras pessoas, eu o dei prioridade extrema.

Consegui duas pessoas que conseguiram escapar e estavam indo para o acampamento, aos pedaços elas estavam, mas estavam andando e tinham braços.

— Ajudem, ajudem! — pedi, desesperado. — Vocês conseguem carregar

Assentiram, pois todos nós estamos em um mesmo objetivo, voltar para casa.

Voltei correndo para onde eu tinha deixado os outros dois, e ainda estão vivos.

— Ok, então, vamos, força! — exclamei, jogando um sobre meus ombros, sentindo sangue escorrer pelo meu pescoço e corpo, mas não vejo razão para desistir. Segurei a cintura do outro, que está sem braço e com uma perfuração no estômago. — Vamos.

Fomos em passos largos, pois uma rodada de tiro podia ser ouvida ao longe. Não desiste, não desiste, não desiste, sussurrei para mim mesmo, vendo as coisas dobradas pela desidratação. A arma no coldre pesa, mas vai pesar muito mais a minha consciência se eu não conseguir escapar daqui sem essas vidas.

Vieram nos amparar, e os levaram, mas quando eu ia na direção de outra pessoa, alguém pulou na minha frente, e eu só senti algo extremamente afiado transpassar meu estômago. Meus olhos se fixaram nos olhos puxados do inimigo.

Ele disse algumas coisas eu não entendi. Ele correu, quando eu caí, tirando a barra que estava atravessada. Da minha boca sai sangue. Minhas mãos carregam sangue. Meu e de muitas outras pessoas.

Em um piscar de olhos, do chão imundo de Okinawa, eu estava em um oceano, vermelho, com cheiro metálico e muito forte, mais pesado que a água. É um mar de sangue.

Tentei sair, tentei me mexer, mas não consigo respirar. Desespero. Pavor. Terror.

— Peeta! — ouvi uma voz me chamar, em desespero. — Peeta!

Mas eu não consigo ver mais nada. Vou caindo, como em um abismo de sangue. Meus pulmões não me obedecem mais, não me respondem mais. Minha consciência está sendo levada para fora.

E no mar de sangue, que está escurecendo, conforme eu me afogo, sendo sugado lentamente, lágrimas saem de mim com fervor, desesperadas. Tudo fica escuro de vez.

— PEETA! — O berro de Katniss entre lágrimas me acorda do nada, e eu puxo ar com todos meus pulmões, estando trêmulo, com os olhos cheios de lágrimas.

Gale, Cato e Katniss me encaram, alarmados, juntos com Charlie, que chorava a todos os pulmões, desesperado, olhando para mim e Katniss.

— Você parou de respirar por uns cinco minutos! Seu idiota! Maldito! — Katniss gritou, em prantos, me acertando tapas e pontapés, mas eu não consegui expressar qualquer reação. — A gente pensou que você estava morto! Você não te o menor direito de morrer, seu maldito!

E me acertou um tapa forte no braço, mas eu não consegui reagir, acelerado pelo medo.

— Peeta, o que foi que aconteceu, cara? — Gale perguntou, e vi que tinha lágrimas nos olhos também. Com dificuldades, me sentei na cama.

— Guerra. — respondi, abalado, sem ter forças para absolutamente nada.

Silêncio.

— Você disse que estava tudo bem antes de voltarmos! — Cato exclamou, preocupado. — Você disse que estava tudo bem! Mas o seu doutor disse que você tem apneia do sono por causa dos pesadelos profundos. Você sabe que isso mata?! Se Katniss não tivesse acordado, você já estaria morto!

Ele chorou no final, e me deu um soco no braço também, mas fraco. Quis pedir desculpas, mas eu não conseguia olhar para outro lugar que não fosse um ponto imaginário na ponta. Minha respiração é bem ofegante, minhas mãos trêmulas.

— Clove chamou a ambulância, já estão chegando — Madge avisou, chamando Gale para contar isso, mas eu consegui escutar, mesmo que fortemente abalado por tudo o que aconteceu agora. Eu estava de volta na guerra. Meu Deus. Meu Deus.

Os paramédicos chegaram, mas não me levaram, por eu ter voltado a respirar.

— Qual o seu nome? — perguntaram com o procedimento de sempre. Cato levou Charlie para a sala, enquanto eu fiquei sozinho com uma enfermeira e um médico, com Katniss de acompanhante. Ela está mais devastada do que eu, precisando ficar um tempo na máscara de oxigênio, ao invés de mim.

— Peeta Mellark. — respondi, mas em um tom muito baixo, ainda em choque.

— Olha só, bem, nós vamos aplicar uma morfina em você.

— Morfina é para dor, e não para o que eu sinto.

— Peeta — Katniss interviu, séria, mesmo que sem a máscara, estava com as lágrimas nos olhos e a aparência abatida.

— O que foi? É verdade. Morfina é para dores corpóreas e para dar sono. Se eu dormir, vai ser pior do que um tiro.

— Mas acontece que —

— Ele serviu na Guerra, como médico — Katniss cortou. — Talvez um calmante natural seja mais apropriado.

— Sim, mas durante o sono, forçou as cicatrizes do senhor Peeta, que agora não está sentindo, pelo estado de choque, mas brevemente sentirá. O sangue está frio por causa do estado de choque. A morfina é para mobilizar essa dor e evitar que ocasione outro problema maior.

Katniss então olhou para mim, e eu, apenas por consideração a ela, dei meu braço, absurdamente a contra gosto.

Indicaram urgentemente uma ida ao psiquiatra e cardiologista, para poderem me passar as medicações adequadas para isso.

Mesmo sem querer dormir, o remédio foi fazendo efeito no meu sangue, mais rápido que eu esperava, e eu comecei a me desesperar.

— Katniss, eu não posso dormir — falei, ficando ofegante. — Katniss.

Ela ficou com os olhos cheios de lágrimas de novo, e estávamos sozinhos outra vez. Correu para o meu lado, e pôs minha cabeça em seu peito, afagando meus cabelos.

— Eu estou aqui. — disse, calma. Pude escutar seu coração acelerado. — E você vai ficar bem. Eu nunca vou te abandonar. Nunca mais.

Meus dedos buscaram os seus, e encontrando-se, entrelaçaram-se. É uma mensagem.

— Você nunca mais vai ficar sozinho, Peeta. Acalme-se. Está tudo bem agora.

Escutei ela dizer. Foi o bastante para que o remédio me afundasse em sono, mas eu consegui descansar, por estar em seus braços e sentir a verdade em suas palavras.

Charlie não se deitou conosco nesse resto de madrugada, mas pela manhã eu o veria, e foi o suficiente.

 

Epílogo.

1949.

Não há limite no céu que eu não ultrapassaria por você

Não há quantidade de lágrimas que eu não choraria por você

Ooh, não

Com cada respiro que dou

Eu quero que você compartilhe esse ar comigo

Não há nenhuma promessa que não manteria

Eu escalaria qualquer montanha, nenhuma é íngreme demais

Quando se trata de você, não há nenhum crime

Peguemos nossas almas e nos entrelacemos

Quando se trata de você, não seja cega

Veja-me falar do fundo do meu coração

Quando se trata de você, quando se trata de você

— 2U, Justin Bieber feat David Guetta.

Ah, o inverno nova-iorquino!

As luzes, brilhantes, belas e fascinantes como sempre estiveram, mas esse ano brilham mais nitidamente. Não tem como estar mais feliz. Nossa casa em Manhattan finalmente está pronta, dois meses antes que Annelise nasça, já que Stewart e Charlie entram em conflitos por dividirem o mesmo quarto. Tea completou seis anos em Junho, e Ste três em Agosto, mas se tem uma coisa que gostam é brincarem e brigarem. A filha de Cato e Clove não entra na brincadeira deles por amar estragar algo do que se divertir, diferentemente das duas meninas gêmeas idênticas de Gale e Madge, que são como Stewart e Charlie, brincam de bola, casinha ou qualquer, qualquer coisa que tiver para brincar, e é muito engraçado.

— Amor! — Katniss me chamou, estourando minha bolha. — Dá banho no Stewart para mim? Estou terminando de arrumar as roupas do Charlie!

— Tudo bem! — respondi alto, para que me possa escutar do andar de cima.

Achei meus dois filhos dormindo no sofá ainda com plástico, e os acordei, para dar banho nos dois de uma vez. Precisei pegá-los no colo, um pouco malabarista, arrancando risos de nós três.

Enquanto Charles se parece demais comigo, Stewart é a cópia de Katniss. A cor de refrigerante de guaraná, com os olhos cinzas e um sorriso marcante. A única variável está em seus cabelos que puxam mais para um castanho acobreado, e ondulados, feito os meus, que sou um loiro acobreado, quase ruivo. Ele é mais reservado do que Tea, mas não é tímido, sendo um engraçadinho, na verdade, que gosta de correr e cumprimentar todo mundo, mas depois fica no canto, perto de mim ou da mãe, comendo doces.

Gargalhei alto durante o banho deles, pois os dois são muito diferentes, mas ao mesmo tempo, tremendamente iguais. Meus filhos são simplesmente uma das melhores coisas que me aconteceu.

— Papai, papai, faz a voz do tio Cato de novo! — Stewart pediu, em seus gritos de risos de criancinha. Ri, e imitei meu amigo mais uma vez quando vê um rato.

— Mas papai, faz a mamãe quando o batom dela caiu no chão semana passada! — Charlie pediu, e eu fiz o que me pedira, e nós três gargalhamos outra vez. Não há nada mais feliz do que a risada desses meninos, acho que só quando Annelise nascer, que com certeza!

Depois do caso do Ano-Novo na casa de Cato, Charlie ficou na casa dos meus pais por dois dias, pois eu e Katniss precisávamos ficar à sós, para conversar. Mas acontece que eu e ela entramos em silêncio em casa, e eu me apoiei nas costas do sofá, pensativo. Quando aconteceu que nós ficamos juntos como um casados.

Me lembro bem daquele dia, mas não fico preso em detalhes. Me lembro de nos beijando, de sorrisos, da minha blusa na sala, junto com as bolsas, depois suas costas na porta, minha mão trancando a porta do quarto, mais peças largadas, e então só nos dois como um só, como nunca antes.

Acredito que não era necessário conversa alguma. Talvez fosse isso o que estávamos precisando, para oficializar de vez tudo. Eu não estava mais sozinho, tampouco ela. Somos um só. Literalmente.

Ela descobriu estar esperando um filho nosso pouco depois, mas sinceramente não sabemos quando ela engravidou, pois passamos a agir como um casal de verdade depois daquela tarde, e não pelo ato, mas tudo realmente pareceu mais claro, pois nós tínhamos retomado a maior intimidade possível, então voltamos a segredar, a rir pelos cantos, roubar beijos escondidos de Charlie.

Minha amizade com Gale e Cato também se estreitou, e ficamos ainda mais próximos, e nos abrimos mais para conversar do que nos atormentava, no caso, a guerra, por exemplo.

Mas não vêm sendo tão fácil assim. Passamos muitas noites acordados, chorando, gritando. Eu mesmo já tive que ser até dopado algumas vezes nesse período, mas a vida vai e vai e vai, e não espera por ninguém.

Ajudei meus filhos a se vestirem, e pedi para que ficassem brincando na sala, enquanto eu ajudava Katniss. Logo iríamos jantar.

Subi para nosso quarto, e a encontrei, saindo do banheiro, com os cabelos molhados, e a barriga ressaltada pela toalha. Parei bem no batente, feito um tonto apaixonado.

— Você é linda. — falei. Ela levou um susto, mas começou a rir depois. — Vim saber se precisa de ajuda. Os meninos já tomaram banho.

Ela negou, balançando a cabeça, pegando sua muda de roupas em cima da cama.

— Nem pense em entrar no chuveiro comigo, sabe que a médica proibiu — suspirei frustrado, quando ia tentar me aproximar. Ela riu gostosamente. — Céus, Peeta, você não se cansa?!

Foi a minha vez de abrir um sorriso, mas com outra conotação, enquanto ela vestida uma blusa e uma calça. Ainda gosta de ir contra o que a sociedade impõe, e isto é apaixonante nela. Maravilhosa, é o que a define. Negra, com os cabelos cacheados, porém discreta, extravagante em sua simplicidade volátil. Ela é simplesmente a combinação perfeita das imperfeições sociais, mas que me fazem amá-la.

Seu sorriso sincero, sua pele algodão, seus olhos tempestade, e seu amor verdadeiro. Tudo nela é fascinante.

— Acho que o dia que eu me cansar de você e de te ver vai ser quando eu me esquecer de como foi difícil que ficássemos juntos, e também os anos em que estive ausente.

Ela veio para o meu lado, no meio do quarto, e beijou de forma casta os meus lábios.

— Amo você. — disse ela, carinhosamente. — Mas deveria parar de ficar elogiando, porque eu nunca sei como retribuir isso.

Ri.

— Ah, mas você sabe sim… — brinquei, pegando em sua cintura, a trazendo para mais um beijo, mas um de verdade, intenso, como ela.

— Peeta… olhe a restrição médica, pode acabar machucando o bebê — ela murmurou, mas contra sua vontade e a minha, quando fui para suas bochecha e então pescoço. Sorri, sentindo sua protuberância entre nós.

— Eu sei, eu sei… por essa causa é perdoável, e aceito apenas seu beijo. Mas preciso de mais uma coisa! O que acha de irmos ao cinema na semana que vem? Li no The New York Times que há bons filmes em cartaz. Vamos?

Assentiu, pacientemente.

— Claro. Apenas me lembre, para irmos antes de viajarmos para Washington D.C.

Esse ano, passaremos o ano novo na casa de seus pais, e as crianças estão empolgadíssima, mesmo Annelise, que nem nasceu, mas se mexe em agitação sempre que comentamos sobre essa viagem.

Nos separamos antes de inflingir as medidas médicas, e fui tomar um banho, calmo e devagar. Tem sido uma semana muito corrida por causa das mudanças, e tenho que tomar cuidado, para não acabar parando mo hospital. Quando fico sob muito stress e preocupações, eu tendo a ter apneia do sono, ou espasmos ou mesmo paralisias.

Venho tendo um forte acompanhamento psicológico, por causa do pós-guerra, e hoje atuo no atendimento cirúrgico de casos, com poucos riscos, mas delicados, porque é o que eu amo fazer, é o que eu nasci para fazer, e surpreendentemente não me faz tão mal quanto todos - inclusive eu - imaginava que iria ser quando algo dá errado durante os procedimentos. Hoje eu entendo muito melhor que eu tenho que dar tudo de mim, mas simplesmente saber que não sou dono da vida de ninguém, mesmo sendo médico. Eu não sou capaz de tudo. Eu sou capaz de fazer o possível para salvar alguém, mas nem sempre isso é suficiente.

O problema são as lembranças e o medo de tudo se repetir novamente. Mas Katniss me disse que eu não estaria sozinho nunca mais, e é verdade. Ela, Charlie, agora Stewart e em breve Annelise são a prova de que eu não estou sozinho. Sem contar meus amigos, meu cunhado, e todos.

Eu também a ajudo com os seus problemas. Ela se tornou muito insegura após a minha ida, e eu não fazia ideia, mesmo sabendo que fora muito difícil para ela enfrentar tudo sozinha, eu não sabia do modo que havia ficado. Mas nós voltamos a caminhar, juntos.

— Peeta, você comprou a janta? — ela perguntou, pondo a cabeça dentro do banheiro. Abri a porta do box, por instinto, e ela corou, me fazendo rir. Então ela riu também. — Você é ridículo, meu Deus. Comprou a janta?

— Claro que sim, deixei na bancada. Mas acho também que você poderia entrar aqui e tomar outro banho comigo, não acha? — sugeri.

— Para com isso, seu doido! — exclamou, gargalhando. — Você não existe!

Me jogou uma toalha bem no rosto, me fazendo rir também.

— Ah! Ah! Ah! Não pode ser tão bonita assim e aparecer nessas horas, abençoada.

Revirou os olhos, cruzando os braços, mas com um sorriso, saiu do banheiro.

— Desce logo!

Rapidamente terminei meu banho, vestindo roupas de ficar em casa mesmo, já que seremos apenas nós, já que meus pais resolveram ir para a Flórida nesse Natal.

Como hoje ainda é dia 24, as crianças ficaram o jantar inteiro falando que queria saber o que tem dentro das caixas debaixo da grande árvore de natal em nossa sala.

— Coma a sua janta e escovem os dentes que vocês vão saber — Katniss disse, com um sorriso, dando um tapinha no bumbum de Charlie, que riu, mas ainda com um olhar curioso. É impressionante o quão grande ele já está, na escola, falando absolutamente de tudo, me deixando mais fascinado por ser seu pai a cada dia. Claro que como toda relação temos nossos altos e baixos, porém ele é impressionante. Como irmão, como filho, como criança. Tem suas pirraças, suas birras, mas qual criança não tem?

E Stewart parece disparar ainda mais, pois eu o vi nascer, acompanhei à risca cada momento da gestação de Katniss, assim como faço com a de Annelise. Eles crescem, o tempo passa, mas eu não me preocupo. Continuam sendo meus filhos, e Katniss minha esposa.

No dia seguinte, abriram os presentes, e foi a euforia de sempre, assim como nossas gargalhadas. E depois do almoço, Cato e Gale chegaram com suas respectivas esposas e filhas, para irmos todos juntos a assistir uma peça na Broadway, dirigida por um dos soldados que consegui salvar em combate.

Por sermos cristãos, e protestantes, nenhum de nós consome qualquer tipo de álcool, mas bebemos refrigerante, e assim brindamos antes mesmo de sair, rindo, três homens de quase trinta anos no meio da cozinha.

Cada um foi em seu carro. Katniss fez questão de vestir Charlie e Stewart como eu, causando uma série de discordância entre os irmãos, que acabou quando eu passei uma garrafa de pepsi para eles. Ela reclamou, mas não levei a sério, por estar com os lábios lindos cobertos por um batom vinho, e os olhos realçados por uma maquiagem justamente para ela.

— Antes de entrarem, junte-se! Uma fotografia! — pediu Joshua, o soldado resgatado, e atual diretor de peças, sendo ele o responsável pela qual vamos assistir agora.

— Seu pedido é uma ordem — brinquei, pegando Ste no colo, que deu um sorriso para mostrar todos os seus dentinhos, enquanto Charlie estava ao lado de Katniss, com um grande sorriso também, mas antes perguntou se o seu cabelo estava bonito como o meu.

Segurei na cintura de minha esposa, abraçando também sua linda barriga de sete meses, vestida por um vestido de camurça que deixava sua cor ainda mais bela, sem contar o sobretudo de pele que ganhara de presente de Prim mês passado.

A foto foi tirada, no tapete vermelho, sob o letreiro brilhante, e eu não sei se havia homem mais feliz naquele instante ao redor do planeta.

Entrei com ela, de braços entrelaçados, maravilhado com sua beleza. Ela é tão simples; porém tão original e incrível para mim. Quem mais poderia ser a mãe dos meus filhos, tão bem educados e bem cuidados? Quem mais poderia me amar como ela ama, senão Deus? E quem mais eu poderia amar se não fosse ela, a mulher cor do verão? Mesmo que nós não morássemos no mesmo bairro, cidade ou país, daríamos um jeito de nos conhecermos, e que eu me apaixonasse por ela, como faço todos os dias. Foi o próprio Senhor que a me deu uma pessoa tão incrível como ela.

Charlie quis ficar no meu colo, mesmo já um pouco crescido, e Stewart na cadeira, mas não vi problema algum.

Beijei os cabelos do meu filho, que sorriu para mim, dizendo que me ama e me chamando de papai, fazendo eu dar um sorriso ainda maior.

A peça está espetacular, impecável, mas no meio da apresentação da moça, que cantava uma canção de amor, para seu marido que estava na guerra, percebi que Katniss estava emocionada, mas com um sorriso.

Pensei em dizer alguma coisa, e elogiar mais uma vez sua beleza, ou o seu caráter, mas tudo o que eu fiz foi pegar em sua mão, entrelaçando nossos dedos, e beijando, fazendo ela olhar para mim, e nós dois nos encaramos com um sorriso. Ela sabe que não precisa mais chorar, eu estou bem aqui. E nem eu preciso mais me desesperar, pois ela está bem aqui. Linda, viva, bem diante de mim. E será assim para sempre, até que a morte nos separe, por seja lá qual forma.

E a admirando, com sua cabeça em meu ombro, o sorriso em nossos rostos, posso perceber que realmente nossas vidas não continuarão fáceis, não vem sendo, mas continuará valendo à pena, porque somos uma família. Eu, ela, Charlie, Stewart, Annelise, que nascerá em breve. E família nunca te abandona. Posso ir para uma terceira guerra mundial, e lutar, mas independentemente, sempre vou poder voltar para casa. Pois casa, não são as paredes, mas o abraço de quem amamos, e eu tenho três, em breve serão quatro. Isso sem contar com os dos meus pais, amigos…

A vida não é fácil, mas graças ao Céu, posso ver que ela vale à pena, e não há arrependimento em estar vivo, e tampouco remorsos por isso. É uma dádiva. Maior ainda, se tivermos com quem dividirmos-a, porque sucesso não é absolutamente nada se não tiver ninguém com quem compartilhar.

|Fim|


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Notas finais do capítulo

*Pearl Harbor é uma base da marinha americana no Havaí, que ficou conhecida mundialmente depois que japoneses atacaram em dezembro de 1941, e isso marcou a entrada absoluta dos Estados Unidos na guerra, e que futuramente os EUA se vingaram pessoalmente com as bombas em Hiroshima e Nagasaki em agosto de 1945.

E bem pessoal, esse foi o capítulo, desculpa qualquer erro de data (pprque eu sou fascinada pela história das Entreguerras, porém eu confundo demais anos), escrevi com muito carinho, com muito amor, e eu espero que tenha conseguido transmitir uma mensagem sobre perdão, sobre famíllia, e contra o racismo, e sobre empatia. Muita das vezes pessoas que estão dentro da nossa casa, ou nossos próprios amigos muita das vezes estão passando por problemas muito grandes, e a gente mal sabe, ou porque nos prendemos em nós ou por falta de atenção nossa mesmo, mas independentemente, é muito mais fácil carregar a própria cruz quando o peso fica dividido ♥
Escrevi com dedicação, para poder entreter vocês, fazerem se divertir, fazerem refletir, e mais do que escrever, inspirar e levar uma mensagem até vocês. Muito obrigada por ler, é um enorme prazer te ter aqui. Sinta-se completamente livre para comentar, para recomendar, para qualquer coisa, o prazer é meu, simplesmente, de ter sido convidada para participar de uma coletânea com tantas pessoas talentosas e que me receberam super bem, mas eu gostaria muito de saber também o que você achou da one! ♥
Foi um verdadeiro prazer poder escrever para vocês e no meio dessas garotas ♥
A próxima a postar é a Yasmin, que aliás está devendo atualização de Amor à Segunda Vista, né, sumida rsrsrs (aquela risada para o clima não ficar pesado), assim como de Voos de Madison rsrsrsrs... vou nem falar mais nada para não me exaltar aqui kkkkkkkkkkkkkkk e ela com certeza irá nos presentear com sua one.
E é isso. Eu acho que deveria dizer mais alguma coisa e... AH! E VOCÊ QUE CHEGOU AQUI AGORA NÃO SE ESQUEÇA DE SE INSCREVER NO MEU CANAL, e ativar o sininho das notificações, para ajudar no crescimento desse canal, e também não esquece de dar seu like aqui abaixo no vídeo, e acompanhe mais nos links no box anexo, beijos! * batendo na tela da câmera para desligar* kkkkkkkkkkk desculpem, eu só achei que seria legal falar isso, sempre foi meu sonho, fé em Deus!!! (Mas se quiser, caso, por livre vontade, você se sentiu interessado em ler mais alguma coisa minha, meu ID é Cupcake de Brigadeiro ♥)
Adios! ♥ Espero voltar logo ♥

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(um gif da Beyoncé porque é a Beyoncé, e ela é top)



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