Black Annis: A Coisa que Nos Uniu escrita por Van Vet


Capítulo 15
O Chamado com Duas Décadas de Espera


Notas iniciais do capítulo

Olá, queridos!
Capítulo novo na parada, ótima leitura para todos. Beijão!



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Harry Potter saiu do elevador particular para moradores e caminhou pelo amplo corredor espelhado em direção a porta de seu apartamento. Com quatro dígitos selecionados mais sua digital do polegar prensada no detector, a fechadura tecnológica permitiu ao promotor público entrar em seu refúgio.

A primeira coisa que fez, depois de acender as luzes principais que iluminaram uma sala bem decorada e confortável, foi percorrer a distância interminável até o sofá onde esparramou-se sobre o estofado e pôde tirar o peso do joelho ruim. Ele nem sempre incomodava daquele modo, Harry aprendeu a viver bem com a prótese, mas naquele momento a articulação latejava em protesto aos abusos do dia. Permaneceu nesta posição, curtindo o incômodo, por algum tempo. Embora ele procurasse viver bem com o problema e nunca retornar a ele na mente, algumas coisas ficaram impressas em sua história desde o fatídico dia no qual o acertaram na perna.

Seus pais, dia a dia, nunca mais foram os mesmos. James e Lily passaram o primeiro ano após o ocorrido se culpando sobre quem havia dado tanta liberdade ao menino. Fora um longo, um longo ano aquele de 1996 em Twinbook, e só terminou para os Potter quando eles decidiram se mudar com o filho precisando de uma placa de aço no joelho.

Ele era o querido filho único daquele casal e, mesmo com Lily segurando as pontas e tentando ser a mais otimistas das mães, James vivia amargurado sobre a manqueira incurável de Harry. Diferente do pai, o rapaz se esforçou para nunca fazer sua vida girar em torno daquilo, no fim era apenas um detalhe. Mas a coisa não mudou para James Potter, que tinha esperanças peculiares de que o garoto míope e franzino poderia se tornar um atleta na faculdade. A primeira vez que ele ouviu alguém chamando Harry de manco na Corte, a cor escapuliu de sua tez e ele quis machucar para valer o autor do apelido. No caso, esta pessoa era um grande amigo advogado de Harry e ele ficou bastante constrangido pela atitude eloquente do pai.

“Por que você deixa que eles o chamem assim?” James perguntara horrorizado, minutos depois, sentados dentro do carro dele no estacionamento.

“Qual é o problema, pai? Eu não ligo e não me sinto humilhado. E… afinal, eu sou manco mesmo” respondeu com franqueza.

“Você não é manco, não diga isso!”

“Não. Eu sou manco sim e você tem que começar a aceitar isso em algum momento”.

Depois dessa conversa, a relação de pai e filho se tornou sutilmente mais fria. Lily pegou sua aposentadoria, mas também não parecia disposta a estar ao lado de uma pessoa tão pessimista todos os seus dias livres, logo eles se divorciaram. Então, há quatro verões, James acabou falecendo de ataque cardíaco. Harry estranhamente viu um peso indo embora, mesmo amando muito seu pai, aquele olhar penalizado nunca mais seria avistado nos almoços familiares.

Mas aquele era o tipo de coisa que, no fundo, bem lá traz, Harry pensava ser seu presente agourento do verão de 1996, afinal foi ali que ele se apaixonou mais e mais por Ginevra Wood. Ele nunca esquecera os terríveis resultados para Rony e Gina e, tantos outros dos seus amigos que sofreram em cima da Coisa. Contudo, Harry parecia ileso da influência Daquilo, mesmo depois de seu suposto fim…

Após sua meditação latejante, o homem procurou um modo prático e adulto de acabar com o incômodo. Primeiro arrastou-se para a cozinha onde tomou dois analgésicos relaxantes. A seguir pegou a pomada fitoterápica, que alguém da Corte havia dito funcionar muito bem nesses casos, e ele fingia funcionar, e retornou para o sofá. Novamente sentado, retirou os sapatos europeus, o paletó caro e afrouxou a gravata de seda.

Sobre como mandar os comprimidos para dentro, a mesinha com bebidas ficava numa posição muito favorecida ao passo que ele só teve de erguer o braço para se servir de uísque e misturá-lo na boca junto com os analgésicos.

E pronto. Seu fim de semana estava apenas começando.

O resto da noite passou a transcorrer melhor. Ele ligou a televisão em algum filme bobo e antigo da sessão noturna e a bebida mais os analgésicos fizeram sua parte no corpo. A dor no joelho o abandonou rápido, os músculos se entregaram ao poder da droga e a mente já não se afligia das sombrias recordações sobre Aquilo e o sobre seu pai.

Harry não era melancólico, no fim das contas. Ele só tinha recaídas mentais, como todo mundo. Talvez se ouvisse os conselhos da mãe, arrumasse um casamento com uma mulher bacana – muitas delas já passaram por sua vida – e tivesse um casal de filhos, esses aborrecimentos seriam suplantados. O problema era que, estando num dia inspirado ou não, nenhuma delas seguia a altura da ruiva… Aquela que ficou no alvorecer de sua adolescência. As comparações eram inevitáveis.

Que tipo de cara, perto dos quarenta, se apega tanto ao seu primeiro amor?! Refletia pateticamente quando dominado por esses paralelos.

Lentamente, mesmo Gina desapareceu dos devaneios e seus olhos foram pesando, o sono o alcançando para acabar de vez com seu momento estranho. Arrastando-o para outro lugar…

Um adolescente magro e ágil, sem nenhum problema nas pernas, corria como se sua vida dependesse disto por um interminável corredor tubular. O menino tinha uma sensação perturbadora de pânico e olhava para trás constantemente, mas tudo o que via era a escuridão. Algo o seguia, mas seus olhos não tinham capacidade para enxergar e se antecipar; Primeiro devido a falta de luz e segundo por estar com as lentes do óculos rachadas.

E terceiro, ah o terceiro motivo! Como competir contra algo sobrenatural e maligno como aquilo sendo ele apenas uma criança?

Ele sentia-se cada vez mais solitário e, também, cada vez mais aterrorizado. O medo primordial de um ser vivo, o que domina há todos, desde a mais primitiva ameba ao mais inteligente ser humano, o medo de morrer. Luta ou fuga, as ações imediatas de qualquer corpo vivo e que vinham antes da fome, da sede, do frio, do calor e de que mais se possa parecer importante para manter o organismo funcional.

Harry sabia dos seus sentimentos porque estava na pele do menino e porque era o menino. Era ele aos quatorze anos. Tudo estava ali: os óculos esquisitos, o cabelo espetado, o uniforme azul-marinho da escola e, não menos importante, as duas pernas boas. Pernas que afundavam na água fétida do esgoto labiríntico de Twinbrook.

De repente, adiante, poucos metros a sua frente, algo tomou forma no assombroso corredor e partiu na direção dele. Era leve, vinha acima da linha dos seus olhos míopes e estava colorido. Vermelho. Vermelho vivo. Vermelho sangue. Vermelho palhaço. Era o balão! Aquele maldito objeto que significava Black Annis por perto. A Coisa nos esgotos que o caçaria até sua morte.

Harry jovenzinho não recuou muito embora o seu coração estivesse a milhão e o medo fosse um novelo de lã pegajoso apertando sua garganta e o sufocando. O adulto, consciente de ser um espectador do seu próprio eu, impressionou-se de como era valente no passado. Harry adulto jamais ficaria. Nunca mesmo.

Sua versão de vinte anos atrás firmou um compromisso muito sério com seus amigos, o de que mataria A Coisa… ou morreria tentando. Portanto, apertou forte o pedaço de vidro em sua mão, tão forte que cortou-se, e esperou. O sangue pingava na água imunda e o pavor assomava enquanto ele aguardava para estourar o balão. Quando o objeto maléfico estava a poucos centímetros, com um berro raivoso, ele o perfurou e, ao invés da borracha se partir, o rosto do Palhaço com seus dentes pontudos e suas escleras oculares rubras, surgiu de dentro.

─ HARRY, CHEGOU A SUA HORA DE BRINCAR!

O Harry adulto acordou atordoado, o peito sufocado e a testa empapada de suor. A experiência havia sido tão real que era como estar nos esgotos novamente. Precisou de quase um minuto inteiro para perceber onde se encontrava, seguro no sofá de casa, e porque a sensação de pânico não o abandonava mesmo se dando conta que era somente um sonho. O celular tocava loucamente ao lado.

Recuperando-se em partes daquele pesadelo, ele se ajeitou nas almofadas e tentou ler o nome do chamador.

─ Rony? ─ articulou em voz alta, confuso pela suposta coincidência. Fazia mais de um ano que ele e Rony não se falavam pelo telefone. A última vez foi quando o antigo amigo ligou para tranquilizá-lo que o ex-marido de Gina não teria sua condicional solicitada. Em outras palavras, ele estava quase disposto a não atendê-lo naquele horário, os dois nem eram mais próximos, e Rony que esperasse o dia raiar para falar o que quer que fosse. Algo, entretanto, o fez tocar na tela aceitando a ligação ─ Hã… Oi, Rony?

Harry! Harry, é você? ─ a voz do amigo de infância era tensa.

─ Isso ─ ele ainda procurava se localizar no tempo e espaço após revisitar Black Annis nos sonhos ─ Um pouco tarde, não? Eu estava dormindo…

Harry, a Coisa voltou! Ela está de novo na cidade e as mortes vão recomeçar.

O promotor se endireitou totalmente no sofá, um calafrio percorreu-lhe a espinha.

─ Você deve ter se confundido, Rony. Nós matamos Aquilo quando éramos crianças. Acabou, cara ─ Acabou para o bem da minha sanidade, por favor.

Eu queria que fosse assim ─ a voz de Rony era cada vez mais histérica ─ Acontece que eu tive de ir para os esgotos e… e… Estava lá. Aquilo. A aranha gigante! O MALDITO PALHAÇO!!

─ Será que não foi um sonho? Não andou tomando algo forte? Olha, eu acabei de sonhar com algo do tipo. Fazia uns dez anos que não me vinha isso na cabeça, mas hoje, agora na verd-

─ Não era um sonho e eu não sou um bêbado caso você ache que virei alguém desse tipo ─ Rony respondeu, frio.

─ Rony, eu não quis ofender. É q-

Ele está de volta. Tentou matar o filho da Gina, mas não conseguiu. Pelo que eu conheço desse maldito vai voltar de novo e tentar terminar seu serviço. Nós também temos um serviço a terminar, se não me falha a memória. Há quinze anos você mesmo selou o pacto, Harry Potter. Disse que teríamos de voltar e acabar com Black Annis, caso ela retornasse. Era nosso dever, foram suas palavras. Eu estou aqui, Gina está aqui, mas foram seis crianças que prometeram honrar este compromisso, não duas.

─ Você tem razão, Ron ─ ele concordou soltando o ar pesadamente pela boca. Os momentos derradeiros daquele verão ressurgiam em sua memória. Virou a palma da mão esquerda para cima e viu a cicatriz produzida por ele mesmo para selar o pacto e que não o deixaria enganar-se ─ Como está a Gina?

Eu ainda não contei que foi A Coisa. Ela está com Alvo no hospital.

─ Ele está bem?

Não sei ao certo, estava respirando quando o tirei do esgoto ─ Rony suspirou forte como Harry havia feito antes ─ Precisamos de você aqui.

─ Tá bem ─ lá se ia a promessa aos seus pais de não retornar a Twinbrook ─ Mê de um dia e estarei aí.

─ Que bom que você vai vir, Harry ─ a voz de Rony abrandou, na verdade, aliviou-se Você pode ligar para os outros? Não tenho o contato de mais ninguém.

─ Temos a droga de um pacto, não? ─ riu amargurado ─ Vou tentar encontrá-los. Reunir o máximo que conseguir.

Certo, estamos aqui esperando.

Meu Deus, ele pensou após desligar o celular. Então teria de voltar? Reencontrar sua cidade de infância? Reencontrar os antigos amigos? Reencontrar Gina? Enfrentar a Coisa do seu pesadelo de mais cedo, uma segunda vez? Se já havia sido horripilante numa recordação, como seria face a face?

Ele era um adulto pela metade agora, nada do vigor físico de outrora, e nem conseguia conceber o quão ridículo seria para um aleijado munir-se da mesma coragem de uma criança ingênua para enfrentar o inconcebível. Aquele que ganhou o primeiro round tinha todas as chances de ser massacrado no segundo.

Harry era somente um humano e, de repente, ficou com muito medo. Seja lá o que o esperava para os próximos dias, Rony estava certo. Era um acordo tácito entre eles. Todos eles. Enfrentariam esse medo, juntos.


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