A garota estava escorada contra a parede fria de sua sala de aula vendo, através da embaçada janela de vidro, as folhas amareladas e amarronzadas de outono caindo com leveza. A paisagem alaranjada lhe confortava como um belo pôr do sol em um dia de verão.

Podia escutar o professor discursar sobre a importância da química no dia a dia e como as moléculas de carbono eram o foco principal de muitos estudos. Entretanto, June não conseguia se concentrar em nada além do que estava fora de seu pequeno mundo.

Um sorriso pequeno escapou de seus lábios ao ver um esquilo escalar com rapidez uma das árvores.

Seu pai estava cada vez pior, nada sendo o bastante para fazê-lo melhorar. Os médicos diziam que fora a mudança do estilo de vida. Os membros da família Silver costumavam ser tratados como reis e agora viviam como toda a plebe. Apesar de June saber que eles ainda possuíam muito mais do que a maioria das pessoas, comparado com o que eles costumavam ter, o que tinham era nada. O que possuíam agora era o que muitas vezes davam de bônus para seus sócios em dias de bom humor, um milésimo de um milhão.

June não sentia tanta falta do dinheiro. Conhecer Dimitri a fez viver acreditando em uma outra ideologia, em que muitos de seus valores eram opostos ao da grande parte dos indivíduos que vivem sob o viés de uma sociedade capitalista.

Seu pai, infelizmente, não conseguia observar o mundo com outros olhos e estava sendo devorado pelo poder que uma vez tivera.

—Silver. -murmurou Connor, que estava sentado atrás de sua cadeira -Onde está seu celular?

A garota se afastou da parede para se virar com descrição a fim de olhar para Christian.

—O que? -perguntou confusa, uma vez que estivera perdida em seus próprios pensamentos durante toda a aula.

—O seu celular! -disse entredentes, porque se elevasse o seu tom de voz em mais uma nota, o professor iria chamar sua atenção- Onde está?

—Na minha bolsa.

—Pois pegue ele! -pediu, sem paciência- Dimitri está tentando falar contigo e veio encher meu saco. Responde logo, porque não vou conseguir me concentrar com o meu celular vibrando no bolso.

June revirou os olhos ao ver a expressão irritada no rosto de Christian, uma vez que sabia que ele nunca prestava atenção nas aulas. Vendo-o de tal forma, o jovem a lembrava uma pantera, com seus fios negros despenteados e suas orbes azuis brilhantes. Se vivessem em algum filme de época, ele provavelmente interpretaria o papel do anti-herói. Mocinhos não tinham uma boca como aquela, que parecia ser capaz de levar qualquer santa a cometer pecado, ou um maxilar que pedia para ser percorrido com mordidas.

Se eles vivessem em um filme de época, June continuou pensando, ela seria a filha de um reconhecido nobre que abandona o lar para virar uma guerreira. O tipo de garota que parecia ser a esposa perfeita de qualquer homem, sendo pura, recatada e do lar. Entretanto, um dos servos de seu pai, no caso Dimitri, seria capaz de conhecer a sua verdadeira natureza. Ela era selvagem, nascera para viver livre, ter suas próprias crenças e costumes. Não seriam as amarras de uma aristocrática burguesia que a conteriam, a fera seria liberada e June, provavelmente, passaria a lutar em favor da causa dos camponeses, daqueles que viviam para trabalhar e trabalhavam para morrer. Dos que tinham uma vida pela metade, a vida sofrida. Não vivida.

Pegou seu celular, por fim, vendo que deixara de ler inúmeras mensagens, dentre elas, três de Christian.

June franziu as sobrancelhas, estranhando a situação.

[texto] Asshole: Nada.

Era a resposta da pergunta que June nem estava mais se lembrando que fizera. Logo depois, outra.

[texto] Asshole: Você está bem?

Dez minutos depois.

[texto] Asshole: Mensagem para a pessoa errada. Ignore.

June automaticamente se virou para poder encarar o garoto, porém, antes que pudesse fazer contato visual, ele ergueu ainda mais o rosto, fingindo prestar atenção na aula.

[texto] Gold: Fico surpresa por saber que você é capaz de se preocupar com alguma coisa além de você mesmo.

A garota mandou em resposta, aproveitando para ler logo as mensagens desesperadas de Dimitri. Aparentemente, ele estava precisando de sua ajuda. Iria levar Winter para o apartamento naquela noite e precisava escolher o que era bom esconder para que a garota não descobrisse o passado dos dois.

[texto] Little Storm: Dimitri, você está levando essa história longe demais, não precisa se preocupar com tudo isso. Winter logo vai se apaixonar por você e não terá problema contar a verdade. Não se esforce muito, porque quando tiver que explicar, vai ser pior.

Mandou, desligando a tela do celular para fingir que ainda tentava prestar atenção na aula. Porém, não havia passado nem dois segundos e o aparelho tremeu sobre sua coxa.

[texto] Asshole: Eu não me importo. E, já disse, mandei para a pessoa errada.

[texto] Gold: E quem seria essa pessoa que é capaz de fazer Connor se preocupar com seu bem estar?

[texto] Asshole: Pra quem eu mandei não lhe interessa. Cuide da sua vida.

[texto] Gold: Será que foi para uma de suas garotas? Tenho certeza que você realmente se importa muito com elas.

[texto] Asshole: Definitivamente não me importo com você.

[texto] Gold: Vou aceitar que a mensagem foi um lapso mental de breves segundos, mas obrigada por se importar.

[texto] Asshole: Já disse, não me importo. A mensagem foi mandada para a pessoa errada. Mas, se tivesse sido para você, já tenho a resposta. Você parece mais do que bem para ficar mandando mensagem sem sentido.

[texto] Gold: Lhe irritar é uma diversão. Não posso perder oportunidades como essas.

[texto] Asshole: Tanto faz.

June soltou uma risada breve pelo nariz.

—Certo. -respondeu baixinho, mais para si mesma do que para qualquer outra pessoa. Entretanto, o professor de química, que já parecia ter notado a troca de conversa entre os colegas há alguns minutos, interrompeu a aula ao escutar a risada.

—Senhorita Silver e senhor Cooper, será que estamos atrapalhando o momento dos dois? -e a voz do professor soou tão alta e clara, que foi impossível para June, não corar.

Todos os rostos estavam direcionados em sua direção.

—Não, professor Robe-

Porém, Christian a cortou, porque era teimoso demais para abaixar a cabeça em uma situação como aquela.

—Na verdade, está.

Se antes as pessoas aparentavam choque pela fala do professor, tudo aquilo aumentou consideravelmente quando Christian cortou a frase de June.

A sala parecia ter ficado sem ar, Elle a olhava de forma acusativa, os garotos que seguiam Christian a olhavam de forma maliciosa e muitas garotas pareciam lhe invejar.

Haviam diversos motivos para aquela reação, primeiramente, porque Christian podia ser considerado o jovem mais popular e desejado daquela escola. Ele era o tipo de pessoa que até mesmo os professores respeitavam. Segundo, porque June, apesar de ser bastante bonita, não se encaixava no padrão de beleza das garotas que Chrisitan costumava ficar. Ela não era loira, nem possuía uma magreza esquelética. Além disso, June poderia ser considerada uma nerd para aqueles que possuíam como únicas atividades transar, beber e jogar vídeo game, e nerds, naquela academia, pertenciam a um sub nível ou uma subcategoria. Nerds estavam fora de periferia social.

Aqueles que eram vistos com nerds costumavam ter suas reputações manchadas. Fora por aquele motivo que Christian pedira distância de June quando percebeu que eles precisariam dividir um apartamento. Não queria que ela tivesse uma maior liberdade sobre ele por causa daquele fato.

—Professor, ignore Connor. -June implorou.

Entretanto, a expressão na cara do velho senhor evidenciava que não havia nada que June pudesse dizer que o faria esquecer as palavras de Christian.

—Sr.Connor, devo dizer que estou bastante decepcionado com a sua atitude. Estou muito decepcionado com você também, Silver. Quero ambos fora da minha sala de aula, agradeçam por essa ser a última aula, porque não vou pedir para visitarem a diretoria. -afirmou, fazendo Christian abrir um largo sorriso ao colocar a mochila nas costas- Mas preciso dizer que não quero que isso se repita.

—Com certeza, senhor. -Christian respondeu respeitosamente se encaminhando em direção a saída.

June estava tão perplexa pelo caminhar das coisas que ainda demorou alguns segundos para ajeitar o próprio material. A visão de um estiloso Christian parado na porta foi o que a fez se levantar.

—Com certeza, professor. -disse, ao colocar sua mochila de couro sintético no ombro e sair com rapidez da sala.

Christian atuou, na frente das pessoas da sala, como um perfeito cavalheiro. A deixou passar fazendo uma reverência respeitosa, antes de piscar para os seus amigos que se encontravam espantados ao fundo.

Ele era como um rei, se despedindo da corte com sua suposta nova amante.

June não gostou de estar naquela posição, principalmente porque o olhar magoado e surpreso de Elle ainda lhe machucava como facas cravadas em sua pele.

—Você ficou louco? Por que fez isso? -A garota perguntou irritada, assim que se afastaram o suficiente da porta da sala, para que ninguém pudesse vê-los através do pequeno vidro.

Christian nada respondeu, continuou recluso em sua expressão de indiferença. Entretanto, os meses de convivência com o garoto foram o bastante para June saber que ele estava se divertindo com a situação e que, de certa forma, se sentia orgulhoso pelo que fizera.

—Por que não fazer?

—Agora as pessoas vão pensar que tem alguma coisa acontecendo entre a gente.

—Tanto faz. -O garoto lhe respondeu, passando a mão pelos fios negros que começavam a cair sobre seus olhos azuis.

June se virou com a ferocidade de uma leoa antes de cravar as garras em sua presa.

—Não me venha com esse tanto faz. Você deixou bem claro, no segundo em que se mudou para o apartamento, como era importante não ser ligado a mim para manter sua maldita reputação intacta.

Se alguém estivesse assistindo a discussão de longe, poderia até pensar que se tratava de briga entre irmãos, uma vez que embora espiritualmente diferentes, tinham características físicas em comum. Ambos possuíam belos cabelos negros, olhos azuis e pele pálida. A diferença se dava porque, enquanto o cabelo de June possuía um tom carvão que às vezes era confundido com azul, a negritude dos fios de Christian era levemente acinzentada; os olhos azuis do garoto lembravam o mar da Tailândia, transparente e brilhante, enquanto o de June se assemelhava com o céu em dias de tempestade.

Uma coisa, entretanto, era inegável. Ambos eram irresistivelmente belos.

—Não há nada que possa destruir a minha reputação nesse último ano. Conquistei tudo que desejava conquistar e não é por causa de uma possível relação com alguém como você que me fará perder o posto que conquistei.

—Você é um grande idiota. Nós fomos expulsos de sala apenas porque você queria provar que era capaz disso.

—Não seja ridícula. -afirmou, vendo a garota se dirigir ao próprio armário. Se o corredor não estivesse completamente vazio, talvez não seria possível escutar os passos de June ressoando pelos corredores como batidas graves de tambores -Não foi apenas para mostrar que eu era capaz, também queria sair da aula cedo e eu sei que Dimitri encheria meu saco se eu chegasse lá sem você, principalmente porque hoje sua querida Winter irá jantar com a gente.

—Isso é sério? - June perguntou, incrédula, ignorando todas as palavras desnecessárias do garoto.

—Sim. Então, vamos logo.

—Mas será que vamos encomendar pizza ou ele irá cozinhar?- perguntou simplesmente, esquecendo grande parte da raiva que tivera por ter sido expulsa. Normalmente era assim que acontecia quando brigava com Chris, se guardasse rancor de todos os momentos em que ele a irritava, June provavelmente já teria morrido de estresse.

—Eu não sei, mas faz diferença?

Talvez fizesse.

June conteve o ciúmes que queria escapar de seu âmago.

Christian abriu um curto sorriso com aquela constatação. Ele queria dizer mais do que expressava.