Inquebrável escrita por Larissa Carvalho, MorangoeChocolate


Capítulo 14
I'm sick


Notas iniciais do capítulo

Oie, pessoal! Estamos desenferrujando ainda, mas esperamos que estejam curtindo ler essa história, tanto como estamos curtindo escrevê-la. Se preparem, pois o capítulo está longo!



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Eu continuei olhando para Dimitri como se tivesse levado um soco. Um daqueles bem bons, com direito a uma concussão. Ele tinha uma expressão séria, sustentava firmemente meu olhar, sem vacilar em um minuto sequer.

Eu mordi a boca, ainda assustada com aquela proposta.

— Eu entendo que não é algo muito normal. - disse ele. - Mas também não gostaria que você fosse embora. Eu gosto de ter você por perto.

Meu coração acelerou.

Ele gosta de me ter por perto. Ai meu Deus. Meu bom Deus! Eu nem acredito em você, mas muito obrigada por essas palavras. Deixou meu coração quentinho e OH... Outra coisa também ficou quente. Engoli o resto da rosquinha ainda na minha boca devagar, com medo que ele tivesse percebido a empolgação no meu olhar.

Mesmo com pouco tempo de convivência, Dimitri parecia me estudar milimetricamente, parecia que realmente me conhecia, ele me trouxe rosquinhas. Boas rosquinhas. Doces e com chocolate.

— Bom... - comecei. - Eu sou desajustada e bagunceira. Tenho meu próprio ritmo e só sei trabalhar.

Dimitri sorriu.

— Eu lidaria bem com isso, se ficasse longe da cozinha e dos meus livros.

Eu dei de ombros. Eu não deixaria de zoar ele por aqueles livros.

Dimitri ainda tinha seus braços em cima da mesa e me olhava fixa e profundamente. Estudando cautelosamente minha expressão.

— Podemos pensar sobre essa possibilidade. - falei. Vi um brilho em seus olhos e depois um meio sorriso. - Mas, como você... - eu me interrompi.

Como continuar uma pergunta estupidamente íntima, Rose?

— Você sabe... - comecei. - Como você traria garotas para casa?

Dimitri corou, por alguns segundos.

— Não tenho esse costume, Roza.

— Bom, você me trouxe ontem. - falei. Dimitri olhou-me com uma expressão um tanto curiosa. Depois sorriu abertamente. Daquele jeito raro que fazia meu coração errar o compasso.

 Estou, sinceramente, começando a cogitar uma arritmia...  – Me repreendi mentalmente.

— Não tinha segundas intenções com você. - falou.

Essa não era bem a resposta que eu estava esperando.

— Estou oficialmente magoada. - falei. Dimitri gargalhou. - Mas eu teria que ficar com o sofá, certo?

Dimitri pensou por uns segundos.

— Não. Eu poderia ficar com ele. Tenho alguns problemas para dormir. Acho que você poderia ficar bem mais confortável no quarto até pensarmos em algo melhor.

Eu sorri, fraco.

— Ficaria feliz no sofá. - disse, por fim. Ele me olhou torto. - Gosto muito dele e com sono, eu apago alegremente em qualquer lugar.

Dimitri sorriu.

— Podemos conversar sobre isso.

— Podemos. - falei.

Por alguns segundos, eu e Dimitri ficamos em uma bolha. Nossos olhos se estudavam, como se nunca tivéssemos nos visto. Claro, eu nunca imaginei dividir apartamento com um cara sem qualquer relacionamento amoroso.

Mas Dimitri tem aquela coisa, sabe?! Uma aura de segurança e imponência, junto a olhos que eram como chocolate derretido, quente e afetuoso, quase hipnótico... Algo naqueles olhos me deixa segura para qualquer coisa, o que pode ser perigoso, pois me parecem como lar. Sei que com esse turbilhão de sentimentos que tem sido a minha vida essa certamente seria uma má ideia, afinal, eu ainda sentia muito a falta da minha mãe e agora com a partida de Lissa para uma nova fase da vida, provavelmente eu estava muito carente. Mas, mesmo consciente de todos esses fatos, um lado meu que estava adormecido há alguns anos queria muito ter motivos para aceitar essa proposta.

Dimitri também pareceu perdido em pensamentos, enquanto nos olhávamos. Ele também estava sentindo aquela atmosfera diferente, apesar de suas expressões serem difíceis de decifrar. Eu abri a minha boca para perguntar o porquê de ter acordado sozinha, apesar de saber que ele tinha ido comprar coisas para comer.

Mas algo me parou. Ouvi três batidas suaves na porta de Dimitri e aquela conexão foi quebrada entre nós. Droga de porta. - pensei.

Ele se levantou, ainda parecendo um pouco tonto e caminhou lentamente até a porta. Eu comecei a me levantar também. Seria estranho explicar para qualquer vizinho ou pessoa conhecida de Dimitri o que eu fazia de pijama em sua casa àquela hora da manhã, sem parecer uma situação minimamente suspeita.

— Dimka! - gritou alguém. Vi quando braços finos se jogaram ao redor de seu pescoço e unhas longas e bem feitas alcançaram sua nuca.

Olhei com mais atenção e percebi ser a mesma figura que estava no apartamento de Dimitri da última vez que dormi aqui. Ela tinha botas de couro pretas e de cano curto, com um salto que provavelmente eu torceria meu tornozelo se usasse, acompanhadas de meias-calças pretas finas, um belo vestido justo de lã grossa e de gola alta também preto, e um sobretudo off white que parecia caríssimo.

Mais uma vez, ela tinha uma bela bolsa da Chanel, lábios perfeitamente pintados de vermelho e um perfume que cheirava a pura riqueza. Pensei por um momento que aquele vestido não marcava tanto seu corpo, ela era alta e magérrima como uma modelo de passarela, não tinha tantas curvas para mostrar. Ela tinha um porte que exalava pura elegência, e um belo par de olhos azuis.

— Olá, Tasha. - disse Dimitri. Ele correspondeu ao abraço e eu apenas suspirei. Achei que tinha sido apenas para mim, mas chamou a atenção dos dois.

Eu pisquei, atônita.

— Bom dia! - murmurei, ainda sem graça por estar tão mal arrumada perto dela, pela segunda vez. Ela me estudou de forma rápida, mas não transpareceu sua opinião. Apenas sorriu para mim, enquanto ainda mantinha uma de suas mãos em Dimitri.

— Bom dia! - ela disse, parecendo animada. - Rose, certo?

Eu olhei para Dimitri, que parecia relaxado.

— Sim. - falei. Minha voz parecia tão inferior. - Você é a amiga do Dimitri, daquele dia...

Ela sorriu e Dimitri fechou a porta atrás deles.

— Sim. É um prazer te conhecer. Sou Natasha Ozera. - ela estendeu a mão para mim e eu a apertei. Parecia empolgada, mesmo comigo naqueles trajes.

— Ozera? - perguntei. - Como Christian Ozera?

Dimitri nos olhava curioso.

— Sim. - falou. - Sou a tia dele. Mas pode me chamar de Tasha. Eu apenas vim dar um oi para Dimka e chamá-lo para jantar. - ela olhou para ele, com pesar. - Não sabia que estaria ocupado. Deveria ter avisado.

Dimka? Que raio de apelido estranho era esse?

Dimitri sorriu, colocando a mão em seu ombro carinhosamente. E de repente eu queria socar os dois.

Uh, perigoso Rose. - pensei. – Será que a minha TPM resolveu chegar mais cedo?

Eu forcei um sorriso.

— Foi um prazer te conhecer, Tasha. Mas, já estou de saída. - falei, ambos me encararam.

— Não, fique! - falou Dimitri. - Eu estou de folga hoje, achei que poderia querer almoçar aqui.

Eu sorri novamente, dessa vez, feliz por seus olhos estarem apenas em mim. Eu me senti quente e fiquei na dúvida se era por Dimitri ou porque eu estava realmente quente.

— Eu acho melhor ir me deitar, preciso descansar um pouco mais. - falei. Tasha me encarou curiosa. Depois de alguns segundos eu finalmente entendi o que a tinha feito pensar. Eu apenas abri a boca. - Não, eu dormi. Q-quer dizer, não é como se o Belikov tivesse me deixado acordada a noite toda. Nós só... Eu... - estava oficialmente sem palavras.

Será que meu intelecto está regredindo drásticamente? - pensei. – Ou estou desenvolvendo um transtorno grave de fala. Péssima hora para meu cérebro resolver ir passear.

Tasha pareceu estar se divertindo, assim como Dimitri, que ainda estava me estudando e tentando entender quais seriam minhas próximas palavras.

Eu apenas suspirei e falei a verdade.

— Estou me sentindo um pouco estranha. - levei a mão à cabeça e suspirei novamente. Apoiei-me na cadeira, sentindo uma onda de tontura.

— Roza, você está bem? - perguntou Dimitri. Ele se desvencilhou de qualquer toque de Tasha gentilmente e deu um passo em minha direção. Sua expressão estava séria.

— Sim. - murmurei, ainda tentando abrir melhor os olhos. A luz me incomodava. - Eu estou bem. Estou ótima. Sabe como é, né? Plantões, agitação... eu só preciso me deitar. - olhei para Natasha, que também me analisava com cuidado. – Como eu disse, foi um prazer finalmente te conhecer, Tasha.

Ela sorriu, condescendente.

— Digo o mesmo, Rose.

Ela era muito bonita mesmo. Seus olhos azuis brilhavam, seu sorriso lindo contornado por lábios avermelhados junto de seu porte elegante eram de parar o trânsito. Fiquei pensando por alguns segundos, como uma mulher dessas não era modelo ou coisa assim. Natasha era de fato, uma mulher linda.

Passei por Dimitri, ainda apertando minhas têmporas e me perguntando se era TPM ou apenas alguma nova doença que ia me atingir. Naquele momento, minhas faculdades mentais estavam sendo atrapalhadas pelo toque das mãos de Dimitri nos pulsos de Natasha.

Apenas continuei caminhando lentamente até o elevador e senti uma mão quente puxar meu braço e envolve-lo gentilmente. Olhei para Dimitri com dificuldade e engoli todo o mal humor.

— Rose, você não parece bem. - disse, finalmente.

— Eu só estou cansada. - murmurei, pressionando minha outra mão na minha têmpora. - Eu trabalhei muito essa semana, o corpo sente de certa forma.

— Mas você está quente. - falou, ainda parecendo nervoso. - Volta para casa, vou cuidar de você.

Eu olhei para ele, sentindo borboletas no estômago. Seja racional, Rose. Dimitri é sete anos mais velho, é policial, responsável e organizado. Além de ser taciturno, e ter uma tendência a histórias de faroeste.

Eu... sou apenas eu. Uma ex-adolescente rebelde que enlouquecia a mãe, e agora é médica e totalmente dedicada a plantões longos, por só ter esses plantões longos para fazer.

Eu e ele éramos diferentes. E, pensando bem, morar com alguém, por mais lindo e tentador que seja, sem nenhum relacionamento romântico não era uma boa ideia.

Eu apenas respirei fundo. Senti meu corpo ainda mais cansado e um leve incomodo na garganta. Eu estava começando a me preocupar sériamente com aqueles sintomas.

—  Não vai dar certo. Eu não posso estar de pijamas toda vez que alguém vier te visitar de surpresa. - falei. Dimitri pareceu não entender a princípio, mas aos poucos ele foi conseguindo compreender. - Ela parece gostar de você, e ser uma boa pessoa. –Meu coração se apertou. - Deveria aceitar jantar com ela, ao invés de ir à um encontro as cegas com alguém que pode ser um saco.

— Ela é uma amiga. - disse ele, ainda estudando-me cuidadosamente. Sua mão ainda segurava meu braço e eu mal tinha percebido que ele tinha me puxado para ele. Nossos olhos fixos um no outro e minha cabeça inclinava para olhá-lo. Senti meu estômago se agitar.

— É assim que começa, certo? - perguntei. Dimitri apenas continuou me olhando, enquanto eu me desvencilhava gentilmente dando dois tapinhas leves em sua mão.

Meu corpo pediu para que eu recebesse mais toques como aquele, mas eu lutei contra isso e andei em passos largos ao elevador.

Ao entrar no apartamento, eu queria saber apenas uma coisa: Que raios de sensação esquisita era essa no meu estômago?

Eu não comi nada que pudesse me dar alguma indigestão, afinal eu sou uma consumidora assídua de chocolate desde que me entendo por gente, mas acho que não teria resposta no Google para uma pergunta estúpida como “Insetos voando no meu estômago”. Será que eu deveria perguntar ao Google quais seriam as possibilidades de eu estar terrivelmente encrencada?

                                                               ***

Depois de um longo banho e uma troca de roupa, eu ainda não me sentia melhor que antes. Resolvi pedir comida em um restaurante italiano ali pertinho, mas meu corpo tinha preguiça até mesmo de discar os números.

Eu tinha escolhido uma calça jogger de moletom cinza e um body preto, justo e confortável de mangas cumpridas com uma fileira de cinco pequenos botões em frente ao busto. Lembrei de ligar a calefação assim que entrei no apartamento, mas ainda me sentia com frio e trêmula.

Pelos sintomas, eu estava quase jurando que tinha sido sortuda por pegar um resfriado nos meus únicos dias de folga, mas ainda me sentia chateada por não estar na rotina louca do hospital. Já estava tão habituada em todos os plantões, que ficar em casa era estranho.

Ainda mais sem a Lissa. Aqui me parece tão frio e... vazio.

Caminhei lentamente até a sala, arrastando qualquer manta do quarto de Lissa, por serem mais quentes e lembrei de tirar as pantufas de coelhinho, antes de me jogar no imenso e confortável sofá creme e me cobrir até o queixo. Liguei a TV para ouvir algum barulho. Lissa tinha me mandando mensagens falando para que eu me agasalhasse e não ficasse com poucas roupas.

Mas já era tarde!

Provavelmente esse era o motivo da minha leve gripe. Suspirei ainda me sentindo quente e depois de me automedicar, eu apenas fechei meus olhos e apaguei. Acordei um tempo depois com a campainha e me senti forte o suficiente para abrir a porta e comer minha refeição.

Depois de o que pareceram ser horas, o toque do telefone me despertou novamente, me senti ainda pior. Meu corpo estava dolorido e minha garganta ardia. Peguei meu celular ainda em cima da mesinha de centro.

Era uma chamada de vídeo de Alberta, atendi com um muxoxo de desgosto pela luz em meus olhos semicerrados.

— Rose? - perguntou, parecendo preocupada com um leve vinco em sua testa.

— Aconteceu algo? - perguntei, nem mesmo reconhecendo minha voz fanha e dolosa. Minhas vias aéreas queimavam terrivelmente.

— Sim, mas queria saber se você estava bem antes de falar. Nem preciso contar que está tendo um surto de gripe por aqui.

Eu sorri, fraca após fungar e coçar o meu nariz que mesmo iluminado apenas pela luz da TV e do celular, parecia como uma beterraba.

— O que me denunciou? - perguntei, percebendo que ela imaginou que eu estava bem mal.

— Rose, já se olhou no espelho? E também a maioria dos teus pacientes dessa semana ficaram gripados. – Disse-me ela. Veja só, não precisava ofender. Pela sensação que estou em minha garganta eu não devo estar lá essas coisas, mas...— Fora que não há outra explicação para você não ter me ligado hoje implorando para voltar para o hospital.

Eu suspirei, ainda sentindo meu olhos doerem com a luz da TV que passava algum filme com o Adam Sandler. Desculpe, Adam! Desliguei.

De fato, eu queria muito ter ligado para ela hoje implorando para que eu voltasse sem bater ponto, ou coisas do tipo. Mas eu precisava muito mesmo ficar em silencio e debaixo de cobertas quentes.

— Tudo bem! - murmurei. - Eu não fico doente há anos. Eu nunca fico doente.

Ela gargalhou. Eu podia jurar que ela estava no meio de um plantão alucinante e mesmo assim, se preocupando comigo. Mesmo sendo uma bela de uma desaforada as vezes, ela me conhecia muito bem.

— Acontece, Rose. Nós somos expostos a todo tipo de situação o tempo todo. É o que nós fazemos. Salvamos vidas, mas às vezes, precisamos cuidar da nossa também. - ela suspirou. - Vou te enviar uma receita por e-mail com remédios que te façam melhorar ainda mais rápido. É o que os médicos que pegaram essa gripe estão tomando. Beba bastante água e não me apareça por aqui enquanto não estiver melhor. Não quero esse hospital mais cheio do que já está.

Eu tive que sorrir com essa. Ela sabia que eu provavelmente ia tentar ir comprar um café ou coisas do tipo. Ela me conhecia bem mesmo.

— Obrigada.

— Se cuida. - falou, parecendo rígida. – Estou falando sério, Rose. Se eu te pegar nesse hospital deste jeito sem ser como paciente em caso de piora, eu mesma te ponho para fora aos ponta pés! Vou te ligar novamente em algumas horas, e eu realmente espero que você siga os cuidados à risca, Rose.

Eu sorri. Ela sempre alisa depois de dar o coice, mais delicada eu nunca vi!

— Ok, ok Alberta. Eu vou. - murmurei. - Boa noite! - falei, olhando pela janela. Já estava escuro.

— Boa noite, querida. - ela disse dando um tchauzinho antes de desligar.

Eu respirei fundo novamente fechando os olhos e sentindo minha testa pulsar, enquanto aguardava o e-mail de Alberta. Meu corpo parecia ainda mais quente, provavelmente eu estaria com febre de novo.

Minha barriga roncou, junto ao soar da campainha. Fiquei na dúvida, em qual das duas coisas eu daria prioridade. Sentei no sofá constatando que meus cabelos viraram um ninho de fios grossos e macios que batia na metade do meu quadril, inclusive necessito cortá-los. Penteando os fios desajeitadamente com os dedos, me enrolei na manta vinho de Lissa, enrolando também a minha cabeça ficando apenas com o rosto de fora, calcei as pantufas, respirei fundo e desisti da ideia de acalmar meu estômago com o que sobrou da maravilhosa lasanha aos quatro queijos. Levantei e usei o restante de forças que tinha para caminhar vagarosamente até a porta, quem quer que seja, tem muita sorte de eu não ter energias o suficiente para dar um soco.

Um maravilhoso cheiro de pós-barba preencheu minha sala, me deixando ainda mais tonta. Dimitri pareceu preocupado ao me ver, mudando sua expressão instantaneamente. Ele tinha um sobretudo preto, por cima de uma camisa branca de botões e jeans. Eu sorri fraco.

Pisquei demoradamente, meu cérebro deve ter resolvido virar acrobata. Minha cabeça parece a ponto de explodir.

— Hey, camarada. Achei que você tinha um encontro. - falei, sentindo minha garganta arranhar e queimar. Minha voz estava rouca e falha. Mas não rouca como a de Dimitri.

— Você não está bem. - disse, me empurrando delicadamente – no conceito de um armário de dois metros de altura -  apartamento a dentro. Ele fechou a porta atrás de si e eu nem me importei de recepcioná-lo, me jogando desajeitadamente no sofá.

Dimitri começou a tirar seu casaco, pendurando-o perto da porta. Ele me olhava ainda preocupado, mas eu estava empenhada em encontrar a mesma posição confortável que eu estava antes de atender a porta. Ele olhou para a cozinha enquanto caminhava até mim, em passos lentos e com os olhos fixos nas embalagens que eu sabia estarem ainda em cima da pia.

Ele pareceu ofendido.

— Você pediu comida? - perguntou. Eu fitei-o com um único olho meio aberto.

— Talvez. – fiz um bico dengoso. Sou terrivelmente melosa quando fico doente. - Não fica chateado, eu realmente não sou uma boa cozinheira. Eu poderia ter ido parar no hospital com intoxicação alimentar.

Ele sorriu. Não um meio sorriso. Um sorriso completo.

Dimitri caminhou até a ponta do sofá e se sentou ali, depois de levantar meus pés embalados pela manta e colocá-los em seu colo. Ele olhou para os remédios em cima da mesinha de centro e depois para mim.

— Podia ter me ligado para ficar com você. - falou, ainda me analisando. Ele tinha cabelos molhados, como se tivesse acabado de sair do banho. - Eu viria.

— Você estava com visita e eu sou uma mocinha crescida, posso me cuidar sozinha. - falei, soando talvez um pouco rude, enquanto prensava os olhos fechados com o meu indicador e o polegar da mão direita. Dor de cabeça dos infernos. Dimitri não se importou muito com isso e continuou.

— Qual foi o último horário dos remédios? - ele se inclinou um pouco e pegou uma caixa de antitérmico.

Eu torci a boca. Estava tão lenta que não lembrava sequer a hora que Alberta tinha me ligado, pouco antes dele tocar a campainha. Suspirei dramaticamente com ar de derrota.

—  Talvez eu não me lembre. - murmurei. - Mas acho que o efeito acabou.

Dimitri me olhou com aquela típica cara de desaprovação e colocou a mão em meu rosto, inclinando-se sobre mim. Sentir o pós-barba dele mais forte me deixou atordoada, fazendo-me questionar se era o pós-barba ou a dor de cabeça que eu estava sentindo por conta da gripe.

— Não deveria ficar tão perto, eu realmente posso te passar isso, camarada. - falei, ainda sendo observada por seus olhos chocolate-derretido.

Dimitri tirou a mão do meu rosto e fitou-me.

— Eu não me importo. - falou, por fim.

Ele se levantou e começou a recolher todos os remédios que estavam ali em cima da mesinha. Eu me ajeitei para olhar enquanto Dimitri tentava arrumar a pequena bagunça que eu tinha feito e parecia preocupado.

Eu não me lembro da última vez que tinha sido cuidada por alguém. Quer dizer, eu tinha a Lissa e a Alberta, mas geralmente era eu quem cuidava delas. Era muito raro eu sequer me dar ao luxo de ficar doente com toda a correria do tratamento da minha mãe, e depois que ela se foi, era mais raro ainda deixar alguém cuidar de mim.

Sempre me orgulhei de ser independente e trabalhar. Cuidar de mim e correr atrás daquilo que eu queria. Mas Dimitri parecia ter essa necessidade de querer me proteger e eu gostava de deixar ele fazer isso.

Era bom ser cuidada por ele. Era bom estar sob sua proteção.

Ele abriu minha geladeira e xingou algo que eu identifiquei ser sua língua natal. Provavelmente eu precisava mesmo fazer compras, mas estava tão acostumada com a cantina do hospital e aplicativos de comida, que nem tinha me preocupado em fazer compras.

Ele me olhou, ainda atrás do balcão da cozinha e eu podia jurar que ele estava pensando algo sobre eu ser médica e não estar lidando bem com a minha própria saúde.

— Você é médica, deveria mesmo ser uma boa paciente consigo mesma. - eu abri a minha boca, ainda surpresa de ter adivinhado seus pensamentos. - Deveria ter tomado os remédios na hora e comido algo mais saudável do que lasanha.

— Que, a propósito, estava ótima. – murmurei com a voz fraca. Ele levantou as sobrancelhas de forma divertida. Eu queria aprender aquilo.

— Rose. - repreendeu-me, em seu tom de mestre Zen.

— Não estou acostumada a ficar doente, camarada. - falei, finalmente. - Alberta me disse que tem vários casos de gripe no hospital, ela já ia me mandar os remédios por e-mail para garantir que eu me cuidasse.

Dimitri levou uma das mãos aos cabelos. Ele estava tão lindo com aquela expressão preocupada, que eu consegui esquecer a dor de cabeça por pouco tempo.

— Eu não saio daqui enquanto você não estiver melhor, Rose. - Disse, finalmente. Não consegui evitar minha surpresa. Dimitri voltou até mim, com dois comprimidos e um copo com água. Eu peguei ambos vagarosamente, imaginando ser antitérmicos. - Eu vou cuidar para que você tome os remédios, e eu quero essa receita para garantir que você siga à risca.

Eu lhe estendi um sorriso travesso.

— Como pretende fazer isso? Por vídeo chamada? - perguntei, com a melhor expressão de deboche que a minha cara de “atropelada por um caminhão” me permitiu. Ele apenas me encarou, com um olhar levemente cético. - Que eu saiba, você tem um encontro.

Dimitri piscou rápido e deu de ombros.

— Isso não tem importância agora. - falou, recolhendo o copo de minhas mãos. - Tome um banho e coloque roupas ainda mais quentes, vou conferir o aquecedor e tentar fazer uma sopa com as coisas que eu julgar serem nutritivas daquela geladeira.

Eu encarei-o, incrédula com seu modo mandão. Ele me olhou ainda sério. Ele não estava brincando, ele estava mesmo me dando ordens.

— Hey, eu sou a médica por aqui. - falei, levantando-me.

Ele cruzou seus braços fortes na frente do peito e ajeitou o tronco, imponente em todo seu tamanho. Eu evitei corar, que homem!

— Hoje não, Roza.

O apelido fez com que meu corpo tremesse. Eu sorri, ainda relutante em obedecer. Isso era algo que eu com certeza não tinha me empenhado em mudar nos últimos anos. Eu ainda não gostava de tal coisa e o grandão em minha frente parecia não apenas adorar me distribuir ordens, mas profundamente divertido em fazer isso.

Eu revirei os olhos e me virei, saindo da sala ainda sentindo seu olhar quente sob minhas costas. Lutei em tirar minhas roupas e mais uma vez, eu fui para o chuveiro. Deixando aquela água cair sobre meu corpo e tentar fazê-lo reagir.

Dimitri era um bom homem. Provavelmente um bom policial e filho. Como irmão, deveria ser protetor e como homem, deveria ser um bom pretendente. O sonho de qualquer sogra. Se minha mãe estivesse aqui, ela falaria: Esse sim é o cara certo para você. Ele não parece ser alguém que se incomodaria com você batalhando por seus sonhos. Parece alguém que te encorajaria e te impulsionaria a conquistá-los.

Mas, parece ser alguém que me olha apenas como uma boa amiga.

Saí do banheiro passando um pouco de leave-in nos cabelos, enrolada em meu roupão rosa iogurte felpudo, meu quarto parecia bem quentinho. Caminhei até o armário penteando os imensos cachos chocolates, e procurei a roupa mais quentinha que eu achei. Me observei no espelho, baixinha, seios medianos, cintura fina, bumbum grande e coxas grossas, resquícios das aulas de kickboxing que fazia antes de minha mãe adoecer, inevitavelmente me comparei com Tasha, apesar de seu porte elegante, me gosto assim.  Vesti outra jogger preta, calcei um par de meias brancas e quentes, e vesti um imenso e confortável casaco canguru cinza com a estampa da universidade.

Me arrastei até a cozinha, sentindo um cheiro incrível. Meu estomago roncou novamente, mas dessa vez, eu sabia que ele seria correspondido. Dimitri parecia ainda muito atraente naquela cozinha com o avental rosa de Lissa. Ele examinava as panelas e parecia orgulhoso.

A pia tinha algumas louças, mas mesmo assim parecia tudo em ordem. Caminhei até o balcão e ele sorriu ao me ver. Eu parecia bem mais apresentável e a sala estava ainda mais quentinha. Eu também sorri por aquilo.

— Você deveria secar esses cabelos, e depois ir se deitar Roza. - falou, apontando para o sofá. Ele tinha aberto o meu sofá, o que resultou em uma cama ainda mais confortável, com uma manta devidamente forrada e um travesseiro arrumado. Eu realmente era uma negação.

— Meu cabelo já está quase seco, e eu ainda não estou com sono, dormi praticamente o dia todo. – falei ainda sentindo meu corpo mole. Dimitri balançou a cabeça negativamente e sorriu mediante a minha teimosia.

— Então, deveríamos ver algum filme enquanto você se alimenta.

— Você deveria mesmo ir ao encontro. - falei. Ele se aproximou do balcão, mantendo seus olhos nos meus.

— Você me falou sobre amizade hoje. Que era mais importante estar com alguém que você conhece, do que com alguém que poderia ser um saco. - ele enfatizou ainda mais a última palavra, com um sotaque divertido. Eu acabei sorrindo com aquilo. 

— Eu só disse que deveria sair com a Tasha. Você parece conhecê-la.

Dimitri sorriu maliciosamente e aproximou seu rosto do meu. Eu poderia dizer que ele estava com um brilho de profunda diversão no olhar, mas meu corpo todo se arrepiou em alerta com aquela falta de espaço pessoal.

— Eu já saí. - falou, baixinho para que só eu ouvisse. Ele fechou o rosto novamente e se afastou. - E eu estava querendo dizer que... - ele respirou fundo. -... Eu prefiro estar com alguém que eu conheço e que precisa de mim. Por mais durona que você seja, eu ainda acho que precisa de alguém responsável pela sua alimentação e medicamentos.

Eu sorri, tentando disfarçar qualquer indignação.

— O aplicativo de comida e o despertador do meu celular poderiam cumprir muito bem esse serviço.

— Não tenho dúvidas. - falou, divertido. - Mas eu sou muito mais persuasivo que os aplicativos.

Eu sorri, maldosa. Eu com certeza poderia concordar com isso. Ainda mais com esse cheiro e sem camisa. Dimitri era mais persuasivo que qualquer coisa.

Comecei a caminhar até o sofá antes que eu atacasse Dimitri por cima do balcão, com as únicas forças que eu ainda tinha e me enrolei ali, entre a manta e o travesseiro. Assisti ao filme sozinha até Dimitri aparecer com um prato fundo de sopa. Tinha um cheiro incrível, mas eu ainda preferia batatas fritas.

Ele sentou ao meu lado, já sem os sapatos e com dois botões da camisa branca abertos. Dimitri parecia relaxado, o que era uma surpresa. Ele sempre estava com uma postura rígida, e uma expressão séria e analítica, como o policial que é.

Acho que uma garota gripada não era tão perigosa afinal. E além disso, ele me pararia em um ataque, eu estando gripada ou inteiramente saudável. Em minha defesa, eu digo que não sem uma boa luta antes.

Ele tinha uma tigela de pipoca nas mãos e parecia interessado no filme, mesmo que estivesse pela metade. Eu arfei.

— Vou comer sopa, enquanto você fica com um pote de pipoca?

Ele me olhou divertindo.

— Você é a paciente hoje. - falou. - Eu só vou te liberar se você comer todo esse prato.

Ele levou um monte de pipoca à boca e eu semicerrei os olhos em sua direção. Abri a boca em protesto, mas acabei desistindo com um bico.

— Isso não é nada legal, camarada. - murmurei, levando a primeira colher na boca. Aquilo estava mesmo muito bom, mas não dei o braço à torcer.

Só me encolhi com seu olhar divertido e voltei-me para o filme.

                                                            ***

Dimitri já estava na metade do segundo filme, quando eu senti o peso dos remédios. Assim como uma boa médica, eu tinha me medicado com a mesma receita de Alberta, antes mesmo de vê-la. Então, Dimitri me liberou de mais remédios.

Eu estava lutando contra o sono naquele sofá, quando ele colocou a mão na minha testa pela vigésima vez desde que estávamos ali. Eu não tinha visto ele ligar para ninguém desmarcando o jantar, só o vi no telefone uma vez, mas ele estava apenas checando a escala de horários do dia seguinte. Já devia passar das uma da manhã e ele ainda estava ali.

Fechei meus olhos, sentindo todo aquele remédio já fazendo efeito. Depois senti uma mão me envolver. Meu corpo foi elevado, e então eu estava flutuando em algo quente e aconchegante.

— Qual a sua porta? - sussurrou próximo ao meu ouvido. Eu estava em seu colo.

Eu suspirei me aninhando como uma gata, ainda com meus olhos fechados.

— A última porta do corredor. - murmurei, sendo atrapalhada por um suspiro de profunda satisfação.

Senti o movimento de Dimitri e imaginei já estar perto da porta. Ele a abriu com o que pareceu ser um leve empurrão e eu nem me lembrava se meu quarto estava arrumado o suficiente. Senti meu corpo sendo posto em cima da cama macia e por um minuto, quis muito voltar para o colo de Dimitri.

Talvez não precisasse dificultar tanto as coisas. Ele era uma boa pessoa, um amigo paciente e extremamente protetor. Eu queria um tempo maior para juntar um dinheiro e morar sozinha, finalmente. E Dimitri parecia empenhado em cuidar de mim mesmo me conhecendo a pouco tempo, ele me fazia sentir como se nos conhecêssemos há anos. E eu me deixava ser cuidada por ele. Algo me fazia ficar menos resistente e eu gostava disso. Acho que, precisava também.

— Pronto. - Dimitri murmurou depois de me cobrir. - Na cama.

Eu sorri grogue e senti sua mão quente em meu rosto. Depois ele pegou minha mão, já achando que eu tinha dormido. Algo estava me embalando e eu me forcei a ficar mais um pouco acordada. Apesar dos olhos estarem fechados.

— Boa noite, Roza.

Eu apertei sua mão, quando senti que ia perdê-la. Abri meus olhos devagar e encarei-o, sob a luz do abajur. Ele pareceu em choque por eu ainda estar acordada, mas sua expressão logo foi suavizada.

— Dimitri. - murmurei. Ele voltou-se para mim. - Por que não foi ao encontro? – Essa pergunta não queria calar em meus pensamentos.

Ele pareceu confuso por um tempo, mas logo ele conseguiu entender o real sentido da pergunta.

— Eu não conseguiria me divertir com alguém sabendo que você precisava de mim. - sua voz era quase um sussurro. - Eu queria cuidar de você.

Eu sorri fraco e puxei sua mão, fazendo-o se aproximar. Ele não parecia relutante com isso e entendeu o que eu queria com meu gesto. Dimitri subiu devagar em cima da cama e se aninhou junto a mim, colocando seu braço embaixo da minha cabeça gentilmente.

Me aninhei a ele, o homem era terrivelmente confortável. Acho que deveria ter um Dimitri ao invés de um sofá.

— Talvez essa seja a última vez que fazemos isso. - sussurrei. Sua respiração dele ficou pesada em meus cabelos.

— Por que? - sua voz parecia trêmula.

— Porque se vamos morar juntos, temos que parar de dormir juntos, camarada. Pode não pegar bem para as suas visitas.

Senti seu peito vibrar em uma risada contida, enquanto ele me puxava ainda mais para si. Meus olhos fecharam-se novamente, sentindo o calor de Dimitri sobre meu corpo e aquela estranha eletricidade.

— Isso é um sim, Hathaway?

Eu suspirei.

— Isso é um sim, camarada.

Dimitri beijou minha cabeça e começou um leve carinho entre meus cabelos gentilmente.

— Espero que você não ronque hoje. – falei, respirando fundo seu pós-barba.

Sua risada ecoou pelo meu quarto, me fazendo abrir um sorriso.

— Eu não ronco, Roza. - falou, ainda com as mãos por meus cabelos. - Os remédios devem estar fazendo efeito.

Eu sorri, sem que ele visse.

— Talvez. Lembre-se disso quando eu disser agora que gosto de dormir com você. Se me perguntar sobre isso amanhã eu negarei até as últimas consequências, e continuarei dizendo que estava sob o efeito das medicações, camarada – sussurrei, ouvindo-o gargalhar. Sorri. - Obrigada por cuidar de mim, Dimitri.

Senti-o estremecer levemente, e ficar em silêncio por um tempo, provavelmente distraído com meus cabelos.

— Eu sempre vou cuidar de você, Roza. - ele suspirou e pareceu que ia continuar falando algo.

Senti o sono me puxar por completo, sem nem escutar o que Dimitri estava dizendo. Apenas sentindo seu carinho hipnotizante nos meus cabelos.

 E eu só tinha mais uma pergunta: Quanto tempo, no campo da neurologia, um indivíduo leva para se apaixonar? Oh, droga de pós-barba.


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Notas finais do capítulo

Até o próximo, pessoal!

xx
M&C



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