Revelando sentimentos escrita por Pedro H Zaia


Capítulo 1
O primeiro beijo


Notas iniciais do capítulo

Capítulo único! Como isso vai ser um pedaço retirado de algo que pretendo transformar num livro, darei as descrições dos personagens aqui. Peço desculpas por começar de repente ali! Espero que gostem :)

Lian: Willian Renè Vanmar Caeldir. 16 anos, altura mediana. Seus cabelos são de um tom claro de acastanhado ou escuro de loiro, e os olhos são uma mistura de âmbar e verde-folha. Não conheceu o pai durante a infância, e perdeu a mãe aos onze anos de idade. Passou um período de um ano e meio nas ruas antes de ser resgatado por Taciana - a mestra maga mais jovem que se tem registro. Lian tem uma capacidade natural assombrosa para magia, é bem introvertido e gosta bastante de ler e estudar por conta própria. Fez o ciclo básico da Universidade em dois anos (ele geralmente dura 3).

Atan: Atan Almiren Allano. 16 anos, pouco mais alto que Lian, orelhas pontudas, cabelos negros e olhos tão escuros que, na maioria das vezes, parecem negros. Em élfico, seu nome significa "humano", que, para os mais tradicionais, signifia "caído". Filho de uma Elfa das Montanhas e um Humano, sempre se considerou órfão, uma vez que seu pai abandonou a mãe que, por sua vez, o abandonou na vila élfica antes de fugir por desgosto. Devido a estas complicações, se tornou muito aplicado desde bem jovem para que pudesse se provar para seu próprio povo. É mais extrovertido que Lian, apesar de isso não significar que ele seja o ser mais sociável do mundo. É o primeiro aprendiz sob a tutoria de Taciana, e demonstra ser bem talentoso para a magia.

Marian: 15 anos. Sua pele tem cor de chocolate, e seus cabelos formam cachos muito interessantes que emolduram o rosto. É a dupla de Lian em algumas matérias, e tem o hábito (Irritante, segundo o próprio) de tomar algumas liberdades com exatamente TODO MUNDO. É uma boa pessoa, e aparenta estar no caminho para virar uma maga normal - nem muito poderosa nem fraca.

Gerald: Colega de quarto de Lian, foi o responsavel por apresentá-lo à Universidade quando Lian entrou. É um cara legal, apesar do nariz impinado.

A Universidade: Tem esse nome mas os alunos geralmente entram aos 12 anos para estudar magia ou aos 18 para estudar os mais diversos campos. A formação da magia é extensiva, começando aos 12 e terminado aos 18 para que se obtenha o título oficial de Mago. Pode-se estudar mais o Ciclo Avançado, obtendo-se então o título de Mestre Mago.



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— Mas, Marian... E se ele. Sei lá. Achar estranho ou...

— Achar estranho claro que ele vai, Will. - Marian disse com simplicidade - Mas ele também gosta de você. A estranheza não vai ser maior que isso. E vocês dois não parecem ser do tipo que se importa muito com a sociedade. Quer dizer, é claro que não. Olha pra mestra de vocês! Eu tenho inveja dela. Queria ter dez por cento da genialidade dela.

 Lian assentiu, e continuou olhando para o nada. Notou que estava bebericando seu suco a tempo demais enquanto Marian o olhava com olhos apressados, como que esperando a resposta.

— Ahn, obrigado pelo conselho, Marian… - Respondeu, mal tirando a boca do copo. Estava se sentindo mais tímido que o de costume.

— Não foi nada! Eu já disse, tá na cara que vocês se gostam. Chega a ser irritante. Eu precisava dar esse empurrão! Agora vai lá, Will, e conte pra ele seus sentimentos.  E vê se beija ele de uma vez!

E, com esta declaração, ela virou as costas para um Lian engasgado com suco de uva. Às vezes Marina tomava liberdades demais. Mas ela tinha razão, pensou, enquanto assoava o resto de suco em seu nariz. Pensando bem, ele e Atan sempre haviam protegido um ao outro. E desde que se lembrava, sempre sentia algo diferente em seu peito quando revia Atan. Mas… Ele era um garoto! Isso era errado, não? Sentindo o estômago arder e revirar, Lian deu um resmungo baixo. As palavras de Marian ecoaram em sua mente. Se eram magos e podiam mudar até mesmo a realidade, um estigma social não seria nada.

“Quando o amor é verdadeiro, ele encontra um jeito.”

Com uma súbita determinação e o coração batendo forte contra seu esterno, Lian largou o copo sobre a mesa e caminhou com a eficiência de um Dançarino dos Ventos por entre Iniciados, formandos, professores, estudantes e garçons.

Mas onde estaria Atan? Estava próximo a ele ao fim da Solenidade, quando a mesa com os quitutes fora aberta. Os dois haviam se separado quando os colegas das respectivas turmas foram abraçá-los, e desde então Lian não o tinha mais visto. Ele estaria na pista de dança? Não, isto não era o feitio de nenhum deles. Talvez Lian o encontrasse na pista de combate frontal, ou lá fora conversando com alguémou lendo alguma coisa. A noite estava quente, afinal.

Enquanto procurava, lembranças afloraram na mente de Lian. Pensou na primeira vez que vira Atan, um garoto de cabelos e olhos negros que o escondera dentro de uma caixa para que o velho padeiro não o pegasse. Desviou-se habilmente de uma bandeja de bebidas. Lembrou das peripécias que ambos faziam pela cidade, e do medo que o recém adquirido amigo o entregasse para a mestra maga. Aquela época tinha sido muito difícil para Lian, então um recém-órfão assustado vivendo nas ruas da Capital com surtos de magia mais fortes a cada vez. Outro garçom apareceu repentinamente no caminho, e Lian usou magia nos pés pra pular sobre ele. Fazia tempo que não dava uma pirueta tão bem executada... Deu um sorriso de canto de boca e continuou em seus devaneios. Pensando bem, os únicos momentos bons que se lembrava da época em que vivera nas ruas tinham sido, justamente, aqueles que compartilhara com Atan. Suas bochechas enrubesceram ao lembrar que, após Taciana resgatá-lo das ruas fora Atan quem o dera um banho.

Lian sacudiu a cabeça, tentando, sem sucesso, afastar aquela lembrança especificamente. Não que ele não gostasse desta memória. Ah, que embaraçoso. Tentou novamente se concentrar em encontrar Atan. Alguns outros pensamentos, porém, aforaram em sua mente. Pensamentos bem mais urgentes.

Depois que o encontrasse, o que faria? Uma declaração? Não, isso soaria ridículo. Droga, talvez fosse mais simples manter tudo do jeito que estava, não? Afinal, Lian não tinha como prever a reação de Atan quando contasse.

“Eu estou apaixonado por você. Na verdade acho que sinto isso desde o dia que nos conhecemos. Sei que você é um garoto, sim. Namora comigo?”

Ahg.

Não.

Atan levaria na brincadeira. Mas ele não chegaria a se afastar de Lian né? Ainda mais depois de tantas coisas que haviam vivido juntos...

Lian parou de andar. Suspirou baixo com a frustração. Talvez Marian tivesse enganada. Talvez tudo o que Lian sentia por Atan fosse um amor fraternal. Não?

— Quem estou querendo enganar? - Resmungou para si mesmo. Ele lembrava bem do que sentia por Bia e pelo pobre Henry. Não era como o que sentia por Atan. E levara ANOS para notar a diferença. Droga, Lian era realmente muito tapado.

O jovem mago foi retirado subitamente de seus pensamentos quando, no canto de sua vista, enxergou o foco de todos eles. Atan estava ao pé das escadas do saguão (aquelas que levavam aos dormitórios) conversando com a garota dos olhos violeta, Isis. Ignorando as borboletas no estômago, Lian começou a andar até lá. Parou, contudo, muito antes de alcançá-los por conta do que se seguiu.

Isis se despediu, se aproximou, deu um abraço...

E o beijou.

E Lian sentiu como se o chão tivesse acabado de abrir sob seus pés.

Não chegou a ser um beijo longo; os dois juntaram os lábios por um momento antes de Isis virar as costas e correr escada acima, deixando Atan para trás. Lian sentia o jantar voltando por sua garganta, e as extremidades de seu corpo formigavam. De repente, suas pernas eram gelatina e sua boca parecia ter areia. Atan se virou, e Lian finalmente viu seu semblante. Num relance, parecia pensativo. Lian não saberia precisar, pois logo que seus olhares se cruzaram Atan abriu um sorriso genuíno. Lian não sabia como se sentir sobre isso.

—  Oi, Lian! Eu te procurei por toda a parte! - Atan se aproximou, e o sorriso logo virou um olhar preocupado. - Pela Deusa Mãe, Lian, você está ficando verde.

O mestiço fez menção de tocar o Centro da Verdade de Lian, mas este segurou a mão do amigo. Não queria correr o risco de ter seus pensamentos superficiais compartilhados com Atan, não agora.

— Eu só, huh… Eu preciso de ar, só isso. Tá muito abafado aqui. Vamos lá fora?

            Atan assentiu. Fez menção de perguntar alguma coisa, mas desistiu antes de falar. E, em silêncio, os dois caminharam para fora. A música ainda tocava alta na festa; formandos no Ciclo Básico, outros estudantes e professores conversavam animadamente, todos vestidos em roupas elegantes ou belas túnicas e capas cerimoniais, no caso dos formandos.

Mesmo com todo o barulho em volta, o mais audível para Lian era o silêncio entre ele e Atan. Um silêncio tenso, esperando para ser quebrado, mas que nenhum dos dois tinha coragem para tal. Ou assim parecia a Lian. Continuaram caminhando entre as pessoas, Lian com os olhos fixos em frente. E eles ardiam, assim como sua garganta. Ela parecia apertada... O garoto tinha consciência de Atan caminhando ao seu lado, parecendo preocupado e pensativo. Lian se perguntou se estava tão pálido quanto sua tontura fazia parecer que estava.

Quando saíram do prédio, passando pelas esplendorosas portas de vidro, a brisa suave da noite fez as capas de ambos esvoaçarem. Lá fora as estrelas cintilavam no céu, e algumas poucas nuvens eram iluminadas pelas Luas, ambas quase cheias, assim como as copas imponentes das árvores ao longe.

Uma belíssima noite de verão.

Respirando o ar puro da noite, Lian começou a se sentir um pouco melhor. Quase desejou que Atan não estivesse ao seu lado. Precisava pensar. Mesmo assim, não reclamou. Não estava bravo com Atan. Só… Precisava pensar. E estava claro que o outro percebera isto. Como que por costume, os dois continuaram caminhando até o mesmo ponto à margem do lago onde geralmente almoçavam. As luzes dos lampiões mágicos se refletiam nas ondulações da superfície, assim como a luz da lua e das estrelas. Lá no meio, as frutas da Árvore de Cristal brilhavam alegremente e multicoloridas como em todo o verão. Grilos e corujas enchiam o ar da noite de sons.

            Mesmo assim, o silêncio entre os dois garotos perdurava. Silenciosamente os dois sentaram à beira da lagoa, e sem uma só palavra Lian observou as ondulações do lago. Se prestasse atenção conseguia ouvir, mais baixo que os barulhos da festa de formatura, a cachoeira dos bosques da Universidade, ao longe. Aquele barulho sempre o acalmava. Lian fechou os olhos, tentando se concentrar apenas no barulho das águas e das corujas, ao longe. Ao passo que respirava fundo, um pouco mais daquela sensação estranha passava. Em algum momento, sentiu Atan mudando de posição e sentando-se atrás dele, fazendo as costas de um servirem de apoio para o outro. Lian ficou calmo o bastante para perder a noção de quanto tempo passou meditando. Foi Atan quem finalmente interrompeu o silêncio.

            - Lian?... Melhorou?

— Uh, o que? - A voz do meio-elfo retirou Lian de seu estado meditativo. Seu coração bateu um pouco mais rápido no peito. Abrindo os olhos, reparou que as constelações haviam andado um bom tanto nos céus, e as luas já estavam se ponto atrás das montanhas a Oeste. Quase não se ouvia mais barulho vindo do saguão principal. - Ah, nossa. Há quanto tempo estamos meditando?

— Umas três, quatro horas. - Lian sentiu Atan dando de ombros às suas costas - Não cheguei a prestar atenção.

— Uhum…

            - Posso vir do seu lado?

Atan não esperou a resposta para desencostar de Lian e sentar ao seu lado. Lian ficou mais alguns segundos em silêncio enquanto pensava no que dizer.

            - Então… Você e Isis estão, ah… - No momento em que lembrou do que havia visto, Lian esqueceu como falar. Foi até bom; era provável que sua voz falhasse caso continuasse no assunto.

            - Ah, aquilo? Bom, ela era minha dupla nas aulas de Alquimia Básica e Preparos Medicinais. - Colocou a mão no queixo, pensativo. - Acho que ela confundiu um pouco as coisas. Espero que não fiquemos na mesma turma agora no Círculo Avançado. Bom, quando você foi tirar as fotos com a sua turma e eu me perdi de você ela me achou hoje. Ela falou umas coisas, mas eu não sabia como dizer não sem magoar, sabe? Ela é uma menina bacana no fim, você conhece. Inteligente e tudo... Mas não é como se eu gostasse dela. Não desse jeito. Aí quando eu ia dizer, ela me deu um beijo e saiu correndo. - Atan levantou uma sobrancelha, sacudindo a cabeça numa mistura de confusão e surpresa. - Vê se pode?

            Ouvir àquelas palavras encheu Lian de alívio e de medo. Medo de revelar seus sentimentos, e alívio porque… Bom, Lian sabia que deveria se sentir feliz caso Atan começasse a namorar com uma garota legal, só que saber o contrário o deixava mais feliz. E agora ele sabia bem por que.

            - Por que você tá sorrindo desse jeito? Parece bobo, Lian.

            - Ah, eu tava sorrindo? - Lian definitivamente não tinha notado. Tratou de colocar um semblante mais neutro no rosto. - E-eu achei divertido. Quer dizer, a situação. Mas assim, foi ruim ela ter te beijado?

            - De certa forma. Eu nunca tinha beijado ninguém... - Atan levantou o rosto e olhou para o céu. - Sei lá, ela é legal, mas eu não gosto dela. Quer dizer, gosto, mas não desse jeito. Eu já disse isso. Tô ficando repetitivo.

            - Eu não ligo. - Respondeu, baixinho. - Quer dizer, de você ser repetitivo.

Lian não pode deixar de reparar na maneira como suas orelhas levemente pontudas mexiam um pouquinho quando ele ficava pensativo, nem no modo que a luz das estrelas e dos lampiões se refletiam nos olhos do amigo. Olhos que pareciam negros, mas que Lian sabia serem do verde mais escuro que jamais vira. Notava agora todos os pequenos detalhes que sempre havia visto, mas nunca prestara atenção. De repente, seu coração batia mais rápido, mas não era uma sensação ruim. Respirando fundo, disse o que passava em sua cabeça.

— E você gosta de alguém? Desse jeito? - Perguntou, muito consciente do ombro de Atan, encostado ao seu. Sentiu Atan se remexendo, como se estivesse desconfortável.

— Na verdade… - Atan respirou fundo. - Acho que sim. - Ele abaixou os olhos para Lian, que sustentou o olhar. - Eu acho não faz muito tempo, mas… Bom. Talvez essa pessoa goste de mim um pouquinho também. - Seus rostos estavam tão próximos que Lian podia sentiar a respiração do outro. Os dois se encararam por alguns momentos. Lian sentia que poderia cair na escuridão do olhar de Atan, mas não era uma sensação ruim. Era como se pudesse sentar ali e ficar, para sempre, em um local seguro. Perdido na negritude daquele olhar, Lian sentiu a mão do meio elfo em seu rosto. Num daqueles singelos momentos em que não se precisavam palavras ou magia mental para se comunicar, Lian também estendeu a sua, acariciando a bochecha daquele menino que amava há tanto tempo sem se dar conta. Estava tão quente quanto a cor avermelhada indicava.

Quase sem querer, Lian aproximou ainda mais o rosto, muito lentamente. Seus olhos fitavam os te Atan, captando cada reflexo, cada detalhe... O único som que ouvia agora era de seu próprio coração, martelando as costelas. Lian fechou os olhos.

E pela primeira vez, seus lábios se tocaram.

Foi algo suave como uma brisa carinhosa de outono, e ainda assim Lian sentiu um arrepio subir por todo seu corpo. Um arrepio bom. Sentia a pressão suave dos lábios de Atan sobre os seus e os braços dele envolvendo seu tronco. Aproximou o corpo mais um pouco, abraçando o outro garoto, e deixando-se ser abraçado. Naquele momento, nada mais importava. Sentia seus narizes se tocando, e passeava com suas mãos pelas costas da túnica de formatura do outro, achando graça em como os dois corações do meio elfo batiam em compasso perfeito com seu único coração humano. Lian podia sentir Atan tremendo, e na verdade também tremia um pouco. Mesmo assim, sentia que poderia continuar beijando Atan para sempre...

Não saberia dizer quanto tempo durou. Nem exatamente como haviam se separado do beijo. Continuavam abraçados, no entanto, e Lian se permitiu afundar o rosto no pescoço do menino que amava tanto.

Sabia estar sorrindo feito um bobo, mas alguma força mística o impedia de controlar os músculos do rosto. Não ligou para isto, entretanto. Sem conseguir se conter, Lian começou a gargalhar. Não soube bem porque, mas começou. Após alguns momentos Atan também o acompanhou, e os dois caíram na grama. Era uma risada gostosa, sem motivo claro. Talvez isso a tornasse tão boa. Ou talvez fosse a companhia. Ou ambos.

            - É… Eu também acho que gosto de alguém… - Lian finalmente falou.

Atan não conteve um riso leve.

— E pelo jeito você não gosta nem um pouquinho da grama, já que congelou ela todinha.

Lian virou o rosto, finalmente notando o acontecido. Atrás deles e por todos os lados, a grama a até três metros estava basicamente congelada. Pedras solitárias de gelo flutuam na margem do lago e uma bruma se formara próxima ao chão.

— Pela Deusa, Atan! Você tava tremendo de frio?  Desculpa! - Lian estava envergonhado. Fazia tempo desde a última vez que sua Força Natural Regente se descontrolara deste modo. Começou logo um sinal de mão para um feitiço de aquecimento, mas Atan o segurou.

— Não, seu bobo. Eu não tô tremendo de frio. Mas vem cá. - O mestiço aproximou ainda amais o abraço. Ainda que não fosse de frio, Atan continuava tremendo. - Sempre gostei de ficar perto de você… - Admitiu Atan, baixinho.

As brisas da noite de verão eram até mornas, mas Lian não se afastou nem um centímetro de Atan. O silêncio voltou a pairar entre os dois, mas de uma maneira muito menos estranha que a anterior. Ou pelo menos assim pareceu para Lian. Talvez o silêncio anterior não tivesse sido nada estranho para Atan; talvez este estivesse sendo. Afinal, não era exatamente normal que seu melhor amigo virasse seu… Namorado. Namorado?

Atan era seu namorado agora? Era uma boa questão. Uma boa questão que Lian resolveu adiar. Achava bom dar um pouco de tempo pras coisas se acertarem. Passaram mais algum tempo deitados juntos, observando as estrelas. Sentir o tronco de Atan expandindo e retraindo com a respiração era tão relaxante… Lian fechou os olhos por alguns momentos. Quando os abriu, reparou que o saguão lá ao longe já estava praticamente vazio. Por quanto tempo havia dormido?

— Atan? - Lian acariciou de leve seus cabelos negros, a fala prejudicada pelo sono. - você dormiu?

Atan esfregou os olhos.

— O que?...

Deusa mãe, Atan ficava tão bonito quando estava desse jeito, com sono... Sorrindo, Lian se aproximou. Sentiu as bochechas queimando e o coração tão rápido que parecia mais uma vez querer sair pela boca. Beijou Atan mais uma vez. O sono deve tê-lo deixado menos tímido, pois logo Nian sentiu a lígua do outro em sua boca. A estranheza daquela sensação quase o fez se afastar, mas Lian resistiu. Resolveu aroveitar a textura e o sabor de Atan. Era macio, ao mesmo tempo que parecia ligeiramente áspero, mas confortável. Lian tnentou copiar os movimentos do outro, sem muito sucesso. Nunca havia imaginado como era beijar de língua. Os dois separaram o beijo com um barulho engraçadinho. Uma parte de sua mente imaginou como aquela devia ter sido uma cena horrorosa pra quem via de fora. Nenhum tinha experiência nenhuma e ah, sim, eram dois garotos. Mesmo assim, pouco importava.

— Uau. Eu nunca tinha feito isso. - Atan sorriu timidamente, se levantando sobre Lian. - Desculpa, Lian, eu precisava.

Ele sorriu em resposta, e sentiu que devia dizer uma coisa. Algo muito importante...

— Eu... Eu te amo, Atan. - Falou, desistindo da timidez. - Acho que sempre te amei.

— Eu também, Lian. - Atan estendeu a mão e Lian sentiu as mechas de seu cabelo sendo acariciadas. - Desculpa ter demorado tanto pra notar, e pra contar também.

Lian levantou uma sobrancelha.

— Quando percebeu que eu gostava assim de você?

— Nunca percebi que você gostava de mim. - Atan deu de ombros. - Ou não tinha percebido até, bom… - Sorriu. - Hoje. Há umas horas, pra ser mais preciso. Mas faz um tempo que percebi que eu gostava de você... Naquele dia, ano passado, quando o Mike resgatou você da Cidade de Pedra.

— No mesmo dia que você quase morreu. - Completou Lian.

— Você também me deu um susto naquele dia, nem vem. - Disse Atan, com uma cara teimosa.

Lian não conseguiu se segurar. Deu uma risada e puxou Atan, deitando-o novamente em seus braços. Ele ficava muito fofo quando fazia aquela cara.

— Eu notei naquele dia também, acho. - Disse, fazendo cafuné em Atan - Só que me recusei a aceitar até hoje. Quer dizer, eu pensei que não queria perder mais alguém. Mas você... - A voz de Lian ficou trêmula. - É, eu notei naquela vez sim, com certeza. Acho que nós dois nos assustamos bastante aquele dia né?

— Com certeza… - Atan suspirou, abraçando Lian um pouco mais forte. - E, Lian... Como a gente vai lidar com isso? Quer dizer, eu já sofri o bastante na minha vila por não ser totalmente elfo. O que pensariam de mim por lá se soubessem que gosto de... - A última parte não foi mais que um sussurro - De um garoto? O que todo mundo diria se soubesse o que acabou de acontecer aqui?

O estômago de Lian se revirou. Primeiro, relações românticas entre alunos - quaisquer alunos - eram proibidas na Academia, embora essa regra fosse prontamente ignorada desde os tempos em que os dragões dominavam a terra. Depois... Eles eram garotos. Era errado, não era natural... Certo? Toda a relação humana deveria envolver um homem e uma mulher. Era sabido por todos, em quase todos os lugares. Lian conhecia apenas dois lugares no mundo onde a relação deles não seria ilegal: Tatsuo e as Vilas da Luz. Embora há décadas essa lei também fosse ignorada em Adelon, Hílmea e Amin, e ninguém mais tivesse sido preso em décadas, ainda era socialmente inaceitável e passível de multa. Se todos soubessem disso, na pior das hipóteses seriam expulsos, teriam a autorização para prática de magia cassada e os tentariam bloquear a capacidade mágica de ambos. O mais provável, entretanto, era que apenas separassem um deles da tutoria de Taciana e dessem um jeito de mantê-los afastados. Provavelmente seriam levados a magos especialistas psicologia e magia mental ou coisa do tipo. Ambas as opções pareciam terríveis.

Mas também havia uma esperança. Ele e Atan eram magos poderosos, os dois aprendizes da mestra mais jovem da história da Academia. Haviam acabado de cursar o ciclo básico e por que era obrigatório para obterem o título oficial de Estudiosos em Magia, provavelmente fariam o Ciclo Intermediário em um ano e em breve teriam seus títulos de mestres, ainda mais jovens que Taciana.

— A gente consegue qualquer coisa juntos. - Concluiu Lian, confiante. - Não vai ser um preconceito social que vai separar a gente.

— É... Às vezes é bom ter esperança.

— Pois é... - Lian suspirou. - Vamos pra cama. Já tá tarde, e não acho que vai ser legal se acharem a gente dormindo aqui de manhã... Você pode vir pro meu quarto, o Gerald foi pra cidade dele já essa tarde e… - Lian arregalou os olhos ao compreender o que podia ser insinuado de sua fala. Sentiu seu rosto esquentando e um frio no estomago. O sono passou de imediato. - Ah, não eu nunca pediria isso! Quer dizer eu, não quero. Não, eu quero, mas não… Ah! - Suas bochechas ardiam. A expressão de Atan era suave. Lian fez menção de continuar, mas o outro o calou com um beijo nos lábios. O rosto de Lian ardeu um pouco mais. Ele devia estar mais vermelho que um pimentão.

— Não precisa ter vergonha. Já passamos por muita coisa juntos. - Atan se aproximou mais um pouco, e Lian sentiu a testa do outro garoto encostando-se à sua. Atan olhava tão fundo em seus olhos que Lian pensava poder enxergar sua alma. - Eu adoraria passar mais por isso com você.

Lian sentiu o rosto quase explodindo de tanta ardência.

— Eh, bom... - Pigarreou algumas vezes, quase engasgou e tossiu de leve. Conhecia esse lado piadista de Atan. Sempre o deixava sem graça. Envolvendo ele próprio, então... - Você não acha meio cedo?... - Mesmo sabendo que ninguém mais ouviria, Lian olhou para os lados e cochichou - E mais, como dois meninos fariam isso?

Foi a vez de Atan ficar vermelho.

— Eu, hmm... Ouvi umas coisas. Por aí.

Lian continuou o encarando, sem entender bem. Atan desviou o olhar.

— Vamos pra cama logo, seu bobo. Eu estou morrendo de sono.

Lian assentiu, achando graça de ter conseguido, de algum modo, constranger Atan. O garoto envolveu Atan um pouco mais forte em seus braços e, na velocidade de um pensamento, os sons da noite diminuíram e a direção do vento mudou. Houve a conhecida sensação de vertigem e, de repente, Lian sentiu a maciez do colchão em suas costas.

— Seus Saltos melhoraram. - Comentou Atan, com a voz repentinamente mais sonolenta. - Da última vez ainda senti o solavanco. Agora foi perfeito.

— Verdade. Eu nem tinha notado... - Lian não conseguiu segurar um bocejo. Estar numa cama macia o fez sentir todo o cansaço do dia. Ele olhou para a toalha, jogada sobre o balcão, e para a porta do banheiro. Também deu uma rápida olhada em Atan, já de olhos fechados, perfeitamente encaixado em seu peito. Dormir sem um pijama seria desconfortável, mas Lian já havia passado por coisas piores. "Só esta noite", pensou, sentindo a respiração calma de Atan. E, mais facilmente que havia pensado, deixou-se cair no sono com um sorriso nos lábios, ainda abraçado com o garoto que amava.


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Notas finais do capítulo

Achou algum erro? Tem alguma crítica, alguma sugestão? Não se acanhe, pode mandar! E caso queira saber mais sobre esse universo, só chamar no face: ADORO falar sobre. hahahahaha, beijos no coração, tenha um ótimo dia ^u^

PS: Sim, eles não têm uma, eles têm DUAS luas! Demais né?