Rune abr Fricai - Os Versos do Amigo escrita por Dan Achard


Capítulo 7
Mistérios


Notas iniciais do capítulo

HI! Antes de tudo, quero me desculpar. Sim, EU TENTEI. Tentei fazer um capítulo com, no máximo, 3.500 palavras. Mas NÃO DEU. Sorry ;; Ia dividir esse como o outro que ficou grande, mas não teve jeito também. Seja como for, espero que gostem e boa leitura!



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Ismira abriu os olhos lentamente, espremendo-os ao deparar-se com a incômoda luminosidade do ambiente. Sentiu um gosto amargo na boca, com a garganta seca e ardendo, e seus braços recusaram-se a obedecê-la quando tentou levantá-los para proteger o rosto da luz. Uma dor pulsante atormentava-lhe as têmporas, fazendo-a desejar voltar a seu estado de inconsciência anterior. Seu coração parecia bater de forma instável, ao passo que sua respiração era entrecortada e inconstante.

Passados alguns minutos, suas pupilas ajustaram-se à iluminação e ela pôde finalmente abrir os olhos por completo e observar o recinto em que se encontrava. Estava deitada sobre uma cama macia, com grossas cobertas protegendo-a da brisa que entrava pela porta semiaberta. A portinha de madeira escura era a única saída do pequeno cômodo que a cercava, desprovido de janelas ou qualquer abertura visível. As paredes do lugar, assim como o teto, eram de pedra maciça, pintadas com algum pigmento laranja que dava ao lugar um aspecto aconchegante e caseiro. Uma única lâmpada sem chamas, de cor branca como a neve dos invernos na Espinha, iluminava o local, preservando as cores originais de cada objeto.

Ao lado da cama, um criado-mudo fabricado com a mesma madeira utilizada na porta era enfeitado por um vaso com flores frescas e um copo de ferro, que emanava um odor agridoce de seu conteúdo. Aos pés do leito, havia uma cadeira acolchoada de encosto alto, aparentemente deixada há pouco tempo – Ismira deduziu que, devido aos contornos de um corpo sentado no tecido macio que marcava o assento da cadeira, alguém estivera no quarto poucos minutos atrás. Apesar de estar cansada e dolorida, a jovem mulher não poderia deixar de explorar com os olhos cada detalhe do cômodo.

Esforçando-se para se lembrar do que lhe acontecera, a moça começou a catalogar mentalmente cada episódio anterior, lentamente chegando à conclusão de que não conseguiria respostas somente em suas memórias. Nada do que ocorrera nas últimas vezes em que estivera acordada fazia sentido e ainda não entendia como fora capaz de ignorar seus medos quando acordara na clareira para que pudesse encontrar ajuda. Com certeza, ela pensava, meus instintos de sobrevivência falaram mais alto e isso me salvou. Ou talvez tenha me condenado.

Em seguida, respirou fundo e tentou erguer as mãos novamente, esforçando-se como se tivesse de levantar uma árvore caída. Mesmo após um longo e tenso minuto, Ismira não obteve sucesso, desesperando-se e grunhindo de frustração. De alguma forma, fora impossibilitada de se mover por quem a levara até ali. Tentou gritar, mas mal conseguiu abrir a boca e sua voz saiu como um sussurro sufocado. A garota entrou em pânico, temendo o que estaria por vir. Fora uma tola ao confiar sua vida a um estranho, ainda mais quando não estava certa de onde estava ou o que a transportara àquele lugar.

Depois de alguns minutos em tentativas fracassadas, decidiu parar e esperar algum de seus captores surgir pela porta e revelar o motivo de tê-la enclausurado. A moça duvidava conseguir muito mais do que se aborrecer ou agravar a dor de cabeça que sentia desde que acordara caso continuasse tentando se mover. Começou a sentir a palpitação em seu peito cada vez mais arrítmica, sinal de que estava a ponto de sofrer complicações cardíacas.

Encarou a portinha à sua esquerda e, aguçando os ouvidos, tentou identificar a aproximação de alguém pelo lado de fora ou algum sinal de que não fora abandonada ali para morrer. Ismira sabia que tal pensamento parecia absurdo, dadas as características relativamente agradáveis do local em que se encontrava, mas não poderia descartar qualquer possibilidade que fosse enquanto não soubesse o que estava acontecendo.

Pouco tempo se passou antes que a ruiva ouvisse o som de botas arrastando-se desleixadamente do lado de fora. Engoliu em seco – se é que havia algo para se engolir -, tentando manter a calma. Como imaginava ser o correto em tais ocasiões, começou a recitar em seus pensamentos a cantiga que sua mãe havia ensinado-lhe quando pequena, armando-se contra o possível inimigo que se aproximava lentamente do cômodo. Respirou fundo mais uma vez, esperando um ataque mental repentino tão logo o captor adentrasse na sala. O som dos passos ia ficando cada vez mais alto, anunciando a chegada não só de provável perigo, como de respostas, o que fazia a garota dividir-se entre expectativa e nervosismo.

A porta do quarto foi afastada lentamente, revelando um elfo de longos cabelos negros com uma expressão displicente no rosto. Ismira reconheceu-o como o sujeito que encontrara na floresta e que, certamente, levara-a até ali. Ele estava mastigando algo quando entrou, estacando e encarando a garota que o observava atentamente. Engoliu o alimento e apressou-se em pegar o copo de ferro de cima do criado-mudo e oferecer a bebida verde contida nele a Ismira, que se recusou a tragá-la, desconfiada. O elfo não dissera uma única palavra quando a viu acordada, sequer tentou explicá-la o motivo de estar ali paralisada. Entretanto, não a atacara ou tentara feri-la, como a moça acreditava ser seu objetivo como captor ao se dirigir ao recinto, o que a intrigou ainda mais. Apesar disso, talvez o líquido fosse um veneno ou alguma poção que a debilitaria para uma investida posterior - não poderia arriscar tomá-lo.

Ao perceber a hesitação da ruiva em beber o líquido esverdeado, o elfo levantou uma sobrancelha e suspirou, olhando-a nos olhos.

— É chá. – explicou ele com sua voz que parecia melancólica e embargada. – Chá de erva-do-poleiro. Corta o efeito da pimenta-dos-mortos.

Ah. Pensou Ismira, subitamente ciente do que a imobilizava. Durante a edição dos Jogos Triviais realizada em Du Weldenvarden, ouvira falar de um tipo de pimenta capaz de levar uma pessoa a um estado “entre a vida e a morte”. Curiosa, a garota correra para uma das bibliotecas de Ellesméra e pesquisou sobre a tal pimenta, ansiando constatar a veracidade de sua existência. A verdade era que essa especiaria, a pimenta-dos-mortos, diminuía as atividades normalmente realizadas no corpo dos seres vivos a ponto de serem confundidos com mortos, devido à imobilidade que causava e ao frio na pele daquele que a consumia. Suas utilidades eram inúmeras, mas a que mais interessara à ruiva fora a que provavelmente era a razão de ela estar, naquele momento, sob seus efeitos: Era eficaz para preservar a energia de alguém que não dispusesse de muita dela, preservando a vida de alguém gravemente ferido ou enfraquecido. Entretanto, poderia ser usada para matar alguém lenta e cruelmente, sendo utilizada por assassinos com sangue-frio. A parte que a intrigava era o fato de não haver esse tipo de planta na Alagaësia, o que provavelmente indicava que ela estava em algum lugar fora de sua terra natal ou que o elfo viera de lá.

Encarando a figura de orelhas pontudas para se certificar de que estava falando a verdade, desejou exigir dele que declarasse na Língua Antiga ser realmente aquela bebida o que ele afirmara. Contudo, sentia que seu coração batia em uma freqüência inapropriada para seu estado de consciência e, caso os efeitos da pimenta não fossem anulados rapidamente, morreria por insuficiência cardíaca. Não havia tempo para tentar transmitir-lhe uma mensagem eficaz, visto que não era capaz de falar.

Abrindo vagarosamente a boca e tomando um gole do líquido, fez uma careta com o sabor doce e amargo do chá. À medida que o tomava, sentia seu corpo aquecendo-se e seu coração regulando a pulsação, ouvindo um zumbido baixo nos ouvidos. Sua língua começou a formigar e controlar o fluxo da bebida que descia em sua garganta torrencialmente. Sua respiração tornou-se mais fácil e sua visão clareou por alguns segundos, voltando ao normal e revelando-lhe um elfo satisfeito e aliviado a pairar sobre a cama.

— Bendita seja a botânica! – exclamou o sujeito, animosamente. – Simples e prática! Eu disse-lhes que magia não seria necessária. Eu disse!

Ismira tossiu e tentou levantar um dos braços novamente, ansiando por voltar a governar o próprio corpo. Quando se certificou de que era senhora de seus movimentos e viu que seu braço já não pesava tanto quanto antes, a garota apoiou-se sobre os cotovelos e se levantou, sentindo seus braços fraquejarem com o esforço. Tombou para o lado, sentindo o elfo segurar-lhe com firmeza e deitá-la na cama mais uma vez.

— Imagino que seria melhor se você descansasse. – disse ele, sorrindo. – Acabou de acordar e os efeitos da pimenta não a deixaram por completo. Vou chamar o Mestre agora, ele deve querer vê-la.

— Espere! – pediu a moça fracamente, segurando o braço do elfo. – O que aconteceu? Por que estou aqui?

— Eu trouxe-a quando desmaiou. – respondeu ele. – Não sei o que fazia na Floresta dos Seixos, mas estava à beira da morte. Precisei fazê-la engolir a pimenta-dos-mortos para mantê-la viva. – o elfo baixou o olhar, parecendo constrangido. - O Mestre disse que eu fui impulsivo ao fazer isso, pois poderia matá-la caso seu corpo não reagisse bem à diminuição súbita de atividade... Mas era o único jeito que eu conhecia de salvá-la e eu tinha erva-do-poleiro comigo. Não poderia ser tão arriscado assim, poderia?

A ruiva observou-o com mais atenção. Ele parecia inseguro demais para um elfo, provavelmente jovem demais tanto para os padrões élficos quanto para os humanos. Agia de forma diferente se comparada à polidez usual da raça, e parecia tão cheio de energia quanto uma lebre do Vale Palancar. Era alto e possuía músculos bem definidos, mas movia-se com a incerteza de um menino que ainda não se acostumara ao corpo de um adulto. A moça precisou fazer um esforço sobre-humano para não rir da expressão aflita que o elfo lhe lançou.

— Acredito que fez o que deveria ser feito, dadas as circunstâncias. – disse Ismira. – E, para o bem ou para o mal, estou viva, certo?

O elfo assentiu, dirigindo-se à porta e parando com a mão na maçaneta. Virou-se para olhar mais uma vez a garota de cabelos acobreados.

— Preciso ir agora, mas foi bom poder ajudá-la. – disse ele, sorrindo gentilmente. – Creio que deseje ver Mestre Matador de Rei tanto quanto ele deseja vê-la.

Matador de Rei? Perguntou-se Ismira, confusa. Contudo, antes que pudesse indagar-lhe alguma coisa, o elfo de cabelos lustrosos e negros saiu do aposento, fechando a porta atrás de si.

♦♦◊♦♦

— Algum sinal de Ismira? – indagou abruptamente Roran tão logo sua imagem surgiu no espelho. – Blödhgarm e os outros identificaram algum vestígio de magia no Talita? Encontraram-na? Ela está com vocês? Ela...

— Acalme-se, homem! – interrompeu-o Eragon, sacudindo a cabeça e reprimindo um sorriso. – Pergunto-me se isso tudo é esperança ou puro desespero.

— Ambos. – respondeu o primo, tenso. Pela forma como encarava o Cavaleiro e mantinha a cabeça levemente inclinada, parecia estar a ponto de saltar no espelho e tentar atravessá-lo até onde Eragon estava. – Você incomoda-me a essa hora da noite com a desculpa de que tem novidades sobre minha filha e quer a minha calma?

O homem era apenas um ano mais velho que o Mestre dos Cavaleiros, mas aparentava ter, pelo menos, uma década a mais. Vários fatores poderiam contribuir para isso, como a imortalidade do Cavaleiro ou a barba que cobria as faces de Roran, porém a provável razão de tal distância ser tão evidente naquele momento era as noites de insônia e preocupação que o primo do Matador de Espectros passara desde o desaparecimento da filha. Eragon também não conseguira descansar nos últimos dias, passando horas no navio branco onde a sobrinha desaparecera e tentando encontrar qualquer rastro que fosse de seu paradeiro. Entretanto, sua preocupação, ele sabia, jamais poderia ser comparada à do pai da garota. O lorde do Palancar era famoso por seu cuidado ferrenho com a segurança dos filhos e da esposa, reagindo a qualquer ameaça que intimidasse sua família.

— Tem de se acalmar, Roran. – advertiu-o Eragon, seriamente. - Você sabe tão bem quanto eu que, nessas horas, nenhum ato de nervosismo ajudaria a encontrar sua filha.

— Fácil de falar. – resmungou Roran, mal-humorado. – É a minha única filha, Eragon! Amo a todos os meus filhos, você sabe, mas Ismira é... Bem, foi ela quem nasceu logo depois da guerra. Minha primeira criança. E ela é imprudente demais para andar por aí sozinha.

— Eu não diria isso. – rebateu o Mestre dos Cavaleiros, sorrindo ao ver a expressão incrédula do primo. – Ora, vamos! A garota pode ter sido tola ao aceitar a ajuda de um estranho, mas por sorte esse estranho era Lanrí.

Martelo Forte pareceu confuso, como se tentando compreender as implicações implícitas na sentença pronunciada pelo Cavaleiro.

— O que disse? – indagou cautelosamente o homem barbado. – Aceitar a ajuda de Lanrí? Quem é ele e do que está falando? Não conheço nenhum Lanrí.

— Claro que não, duvido até que Arya o conheça. – concordou o Matador de Rei. – Roran, eu preciso que ouça com atenção e não faça perguntas, pois duvido que haja respostas para muitas delas.

O primo hesitou, parecendo inseguro. O Cavaleiro esperava poder acalmar os ânimos do homem no espelho, mas duvidava que a conversa fosse calma. Roran estava tenso como uma corda de arco e Eragon sabia que, caso não tivesse cuidado, poderia ferir o braço ao tentar lançar a flecha. Após alguns instantes, Martelo Forte assentiu resignado.

Remexendo-se na cadeira em que estava sentado, o homem de feições élficas tentou reunir as palavras adequadas à situação. Respirou fundo e olhou a figura do conde à sua frente nos olhos.

— Encontramos Ismira algumas horas depois do pôr do sol. – declarou, fazendo uma pausa para se assegurar de que suas palavras surtiriam efeito. Levantou uma das mãos para impedir que o primo irrompesse em novas perguntas. – Não, não está ferida. Faminta e cansada, mas não ferida. Neste momento, está descansando em um de nossos quartos de hóspedes. Suponho que poderá vê-la ao amanhecer.

— Como? – irrompeu Roran, incapaz de se conter. – Onde? No Talita ou em outro lugar? Como ela foi parar...

— Pensei que tivesse concordado em colaborar. – interrompeu-o o Cavaleiro em tom severo. – Apenas deixe-me contar o que sabemos e o que não sabemos pode ser discutido depois.

Martelo Forte levantou uma sobrancelha, intrigado.

— Você realmente mudou muito desde que nos vimos. – resmungou o lorde em tom seco. – Perdeu a noção de respeito pelos mais velhos.

Eragon sorriu, divertindo-se. Inclinou a cabeça em um gesto de fingido arrependimento.

— Que presunção a minha. – disse. – Peço perdão pela minha negligência quanto à nossa diferença de um ano de vida, irmão. Asseguro-lhe de que não se repetirá tal descaso.

Roran retribuiu o sorriso, recuperando parte de sua juventude desgastada com os últimos acontecimentos.

— Desculpas aceitas. – respondeu o conde. – Não poderia culpá-lo por passar tanto tempo longe de mim e esquecer-se de quem é o mais hábil entre nós no combate.

— Ainda estamos em empate. – injuriou-se o Matador de Espectros. – Aquela vez na fazenda em que eu tropecei na tora não conta como derrota.

— Você deveria analisar o campo de batalha antes de lutar. – retrucou o primo, determinado.

— Que seja. – cedeu com má vontade o Cavaleiro. – Mas espero que não me atrapalhe a cada frase pronunciada, preciso descansar.

Martelo Forte pareceu falsamente indignado, levantando as sobrancelhas.

— E eu não? – soltou ele, deliciando-se com a expressão exasperada de Eragon.

— É claro. – concordou o homem de orelhas pontudas. – Por isso, espero que colabore para que possamos terminar com isso rapidamente. – fez uma pausa, encarando o lorde significativamente. Tanto ele quanto Martelo Forte apreciavam a oportunidade de conversar mais uma vez um com o outro, mas as provocações feitas entre si eram indispensáveis nas conversas dos irmãos não só de criação, mas de batalhas, vitórias e derrotas. – Enfim, encontramo-la em uma floresta que segue o curso do rio Edda cerca de três quilômetros daqui. Ou melhor, um dos elfos encontrou-a. – acrescentou ele, voltando a falar seriamente.

— Lanrí. – disse Roran como se para confirmar.

— Lanrí. – concordou Eragon. – Ele é um jovem elfo que nasceu aqui na montanha. Tem apenas quinze anos, mas é habilidoso com ervas e magia. Inexperiente, sim, porém competente. Ele relatou-me que a encontrou nas fronteiras do bosque e tentou invadir sua mente para identificar sua identidade e medir o perigo apresentado por ela, mas foi barrado por uma defesa praticamente impenetrável para ele. Decidiu interrogá-la pessoalmente, mesmo que isso fosse arriscado e tolo. Antes que ele pudesse obter qualquer resposta, contudo, ela desmaiou e ele foi obrigado a trazê-la até aqui sob os efeitos de pimenta-dos-mortos.

— Pimenta de quê? – perguntou o lorde do Palancar, confuso.

— Uma pimenta que poderia tanto mantê-la viva quanto matá-la. – esclareceu o Mestre dos Cavaleiros, erguendo novamente a mão para interromper o primo de perguntar mais. – Imagino que você não esteja interessado em saber o passo a passo de como ela é digerida e de que forma afeta os órgãos. Entretanto, limito-me a dizer que as intenções de Lanrí eram boas, pois a pimenta é capaz de preservar as últimas reservas energéticas do corpo, apesar de também matar com o tempo. De qualquer forma, ele a trouxe aqui e, não se preocupe, eu o repreendi severamente sobre os riscos do uso da pimenta-dos-mortos. Ele demonstrou-se arrependido, mas todos nós compreendemos que não havia outra forma de trazer Ismira ainda respirando para cá. O jovem desconhece encantamentos mais eficazes ou meios de transferir energia.

“Quando acordou, Ismira tomou um chá para anular os efeitos da pimenta e eu fui chamado para vê-la. Confesso que estava pálida e trêmula, mas não apresentou febre ou outros sintomas alarmantes. Ela contou-me o que aconteceu enquanto estivera consciente, mas isso apenas fez as respostas que buscamos ainda mais difíceis de encontrar.”

Quando o Matador de Espectros terminou, Roran permaneceu imóvel, como se aguardando que o Cavaleiro contasse-lhe o que a filha dissera. Passados alguns instantes de silêncio, remexeu-se onde estava sentado e suspirou.

— E o que aconteceu, exatamente? – inquiriu ele. – Não vá me dizer que isso é secreto demais para mim. Ela é minha filha, tenho o direito de saber o que está acontecendo com ela.

— Tem razão. – assentiu Eragon, desculpando-se. – Eu estava apenas tentando reunir as palavras corretas para isso. Seja como for, a garota disse-me que ouviu o tal rugido de Fírnen na cabine e deu um passo para acompanhar Ki’dáin até a saída quando sentiu seus membros enfraquecerem e seu cabelo sendo puxado por algo, então desmaiou. Ela afirma ter sentido uma pressão estranha na base do crânio enquanto estava desacordada, mas não conseguiu medir o tempo transcorrido ou ter noção do que a cercava. Quando acordou, estava em uma clareira na floresta em que foi encontrada. Caminhou até a saída dela à procura de ajuda e encontrou-se com Lanrí. Estava fraca demais para apresentar resistência à ajuda do elfo, então decidiu deixá-lo guiá-la até aqui, mesmo que não soubesse que aqui é Argetfell. Então, desmaiou antes de sair do bosque e foi trazida para cá pelo garoto.

Fez-se um silêncio reflexivo entre ambos. Eragon tentara incontáveis vezes formular uma hipótese plausível sobre o que teria acontecido a Ismira e como fora chegar ali, mas nenhuma resposta viera-lhe à mente. Conversara com Saphira, Blödhgarm, Glaedr e diversos dos eldunarí, porém todos pareciam tão confusos quanto ele. Nenhum encantamento ou precedente conhecido poderia explicar o desaparecimento de sua sobrinha nos limites da Alagaësia e o ressurgimento justamente ali, nas cercanias da montanha prateada.

— Vocês não conseguiram obter qualquer pista sobre isso? – perguntou Martelo Forte, encarando algum ponto acima do espelho usado na comunicação.

— Não. – admitiu Eragon. – Nem mesmo os mais velhos eldunarí puderam dizer algo a respeito. Há coisas que jamais compreenderemos, Roran.

O lorde assentiu, ainda olhando para cima. Com um suspiro cansado, inclinou-se sobre o espelho e olhou o primo nos olhos.

— O mais importante é que ela foi encontrada e está viva, suponho. – disse ele. – Quando voltará?

A parte complicada, pensou o Mestre dos Cavaleiros. Temia a reação de Roran quando soubesse que não veria a filha tão cedo quanto desejava. Esperava que seu receio fosse infundado e o conde aceitasse bem a notícia, caso contrário, temia um confronto com um dos poucos de sua família ainda vivos ou as tolices que o homem poderia fazer para viajar até ali para ver Ismira.

— Como falei – começou ele, pensando bem cada palavra antes de dizer. – Nada pôde ser descoberto até o momento. Enviei um grupo de elfos à clareira que Ismira citou e outro ao Talita. Deve haver conexão entre os dois locais. Amanhã, contatarei Arya Dröttning e explicarei a situação para que ela possa examinar com os de sua raça ou em seus vários livros esse caso. Talvez haja registros sobre algum conjunto de palavras capaz de transportar uma pessoa de tal forma. Entretanto, usar o navio pode ser perigoso até lá.

— Como? – indagou o lorde com uma risada sem graça. – Terei de esperar um tempo indeterminado para rever minha filha? É isso ou não ouvi bem?

— Sinto muito, Roran, mas não há muito que fazer nesse caso. Os novos Cavaleiros acabaram de iniciar os estudos e preciso acompanhá-los de perto, por mais que quisesse levar Ismira em Saphira caso fosse possível. – explicou o Matador de Rei, desculpando-se. – O navio Talita seria perigoso e duvido que existam outros meios. Cuidarei para que ela sinta-se confortável e segura enquanto estiver aqui, não se preocupe. Sei que será difícil para você, mas tenha em mente que ela está bem e que logo retornará para seus braços.

O primo do Cavaleiro continuou encarando-o intensamente, com a mandíbula cerrada. Eragon sustentou seu olhar, apesar de recear uma explosão nervosa de Martelo Forte a qualquer instante. Passados alguns segundos, o homem barbado recostou-se em seu assento e suspirou exasperado.

— Creio que nada do que eu fizer ou disser vai gerar uma solução milagrosa, vai? – disse ele, cansado. Sua reação surpreendeu ao Mestre dos Cavaleiros, visto que Roran era conhecido por seu temperamento forte e determinado. Os anos transcorridos pareciam refletir-se em amadurecimento no modo de pensar do primo. – Minha Ismira está viva e em boas mãos. É o que importa por agora. Eu e Katrina poderemos falar com ela amanhã, certo?

— Talvez umas três horas após o amanhecer. – concordou Eragon. – Até lá, ela terá se recuperado de tudo isso.

— Imagino que sim. – assentiu Roran, visivelmente mais relaxado do que estivera nos últimos dez dias, desde que sua filha desaparecera. – Bem, sei que precisa descansar. Não mais do que eu, acredito, mas não tomarei mais de seu tempo.

— É sempre um prazer revê-lo. – disse o homem de feições élficas.

— Verá meu rosto em breve, asseguro-lhe. – garantiu-lhe o lorde com um sorriso perverso. – E com uma frequência perturbadora.

— Está incrivelmente disposto a proporcionar-me alegria com a distração de suas conversas, não é mesmo? – comentou o Cavaleiro, fazendo ambos rirem.

— Se for incômodo o suficiente para você, por que não? – indagou o primo, com um brilho maldoso no olhar.

Após isso, o encantamento que ligava os dois espelhos foi encerrado e Eragon viu-se sozinho na pequena salinha de estudos mais uma vez, encarando o próprio reflexo. Não mudara muito nos últimos anos, talvez apenas o suficiente para aparentar encontrar-se na casa dos vinte. Contudo, Saphira certificara-o de que ele havia mudado, não fisicamente, mas psicologicamente. Segundo ela, as decisões do Mestre dos Cavaleiros estavam menos impensadas e ele estava mais maduro.  Não completamente sábio, ela dissera, porém menos tolo que de costume.

Olhou ao redor, observando a sala e tentando decidir o que faria a seguir. Desde que chegara à montanha onde agora habitava com os elfos que o acompanharam, o Matador de Espectros decidira que precisaria de um casebre para morar que possuísse pelo menos uma sala onde pudesse guardar seus bens mais valiosos, como o pergaminho que seu mestre, Oromis, escrevera há tanto tempo ou a fairth de Selena, sua mãe. O cômodo era mobiliado somente por algumas prateleiras, uma mesa com gavetas e uma cadeira de encosto alto As prateleiras estavam repletas de livros, como seu exemplar do Domia abr Wyrda, e outros objetos de valor. Acima da mesa, o pequeno espelho que ele usava para se comunicar com a Alagaësia repousava em um suporte de ferro, que ganhara de Orik antes de partir.

O Matador de Espectros permaneceu sentado por alguns minutos, refletindo sobre os acontecimentos da última semana. Ainda não conseguia imaginar uma hipótese, por mais absurda que fosse, sobre o que ocorrera a Ismira e como ela fora transportada até ali.

Você deveria descansar, pequenino. Eragon ouviu Saphira dizer. Como você mesmo disse, há coisas que jamais compreenderemos.

Eu queria estar tão satisfeito com isso quanto fiz parecer. Queixou-se o Cavaleiro, esgotado.

O tempo trará as respostas de que precisa.

Mas quanto tempo, Saphira? Não pretendo manter Ismira aqui por mais de uma semana, isso apenas aborrecerá a ela e a Roran.

Isso eu não sei dizer, mas sei que arranjará um jeito. Veio a resposta tranquilizadora do dragão, que descansava ao lado do chalé.

Espero que esteja certa. Disse o homem, levantando-se da cadeira e dirigindo-se à porta da pequena sala, a fim de sair e atravessar o corredor em direção à porta que dava para o lado de fora. Espero que não se incomode com uma companhia esta noite.

De forma alguma, contanto que não volte a chutar meu dorso enquanto sonha.

Prometo que não o farei de novo, assegurou-lhe Eragon, sorrindo.

Atravessou o corredor e abriu a porta, saindo da casa e caminhando até o dragão azul-safira. Deitou-se ao lado da enorme criatura, que o cobriu com uma das enormes asas. Embalado pelo ronronar da parceira de coração e mente, o Cavaleiro mergulhou em seu sonhar desperto.


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Notas finais do capítulo

E então, o que acharam? O ERAGON ESTÁ DE VOLTA COM A SAPHIRA, AMIGOS! Eu sei que não descrevi tanto Argetfell, a tal montanha, quanto seria aceitável. Não especifiquei como acharam a montanha, onde vivem, etc. Mas calma que as respostas de que precisam virão com o tempo, para usar as palavras de Saphira!
Next week: Sentimentos Imutáveis.
Vejo vocês lá, pessoal!



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