Karen escrita por Lostanny


Capítulo 1
Capítulo 1


Notas iniciais do capítulo

Espero que gostem!



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Tudo havia começado na coleção de quadros de bonecas de porcelana de sua família. As aparências realistas, os olhos que pareciam ver através dele, lhe causavam um mal-estar imenso de forma que, quando criança, não era difícil vê-lo chorar. Com isso, ao descobrirem o motivo de sua infelicidade, os pais doaram a herança da família para um grupo de colecionadores.

Anos passaram e Igor evitou tanto os museus que poderiam ter essa temática como as lojas de brinquedos e amigos que aderiam a diversões dessa natureza. Muito simples em teoria. Contudo, haviam os trabalhos em grupo que seus professores passavam, o que tornava a distância dos outros mais complicada. Acabou por fazer uma amiga chamada Melissa que, diferente dos outros, não fazia brincadeiras a respeito de seu medo intenso e era realmente grato por isso.

Também, a garota sofria de uma fobia como ele, só que com relação a casamentos. Igor a tinha ajudado um dia quando as antigas “amigas” de Melissa tentaram colocar nela um vestido de noiva. Desde esse acontecimento, não se desgrudaram mais. Igor não precisaria de mais nenhuma amizade quando tinha aquela que valia por tantas outras.

Se eles ao menos não tivessem cruzado o caminho com Karen, seus dias continuariam em um cotidiano sem muitos terrores. A menina tinha ficado em sua sala no último ano do ensino médio e trouxe nada menos que um pesadelo que pensava ter enterrado no fundo de seu ser. Igor havia conseguido desviar de sua fobia tão bem para se deparar aquela tarde com uma encarnação dela.

Karen era linda, seus cabelos cacheados perfeitos que terminavam na cintura eram pretos como um buraco profundo na terra. Os olhos violeta combinavam com o tom da roupa, que era perfeitamente alinhada ao corpo, como se tivessem feito o vestido sob medidas precisas. No entanto, a ansiedade que Igor sentiu, pela imagem da garota lhe parecer tão errada, atingiu seu estômago a ponto de uma ânsia de vômito surgir.

Melissa foi rápida em notar os sinais. Dessa forma, levantou a mão para a professora e disse:

— Professora, o Igor não está se sentindo bem, vou levá-lo para a diretoria para conseguir um remédio.

Os alunos do fundo da sala começaram as suas fofocas, mas tanto Melissa como Igor já estavam acostumados. A professora deu um olhar repreensivo aos dois amigos antes de dizer:

— Tudo bem. Mas voltem imediatamente quando o Igor estiver se sentindo melhor.  

— Sim, senhora. — Melissa disse sem pensar duas vezes, ajudando o amigo se levantar da cadeira.

Melissa sentiu um olhar em especial neles quando estavam próximos a saída. Uma virada rápida foi o suficiente para ver que era de Karen.

 

Quando Igor teve uma noção melhor de seus arredores viu que estava em seu quarto. Melissa estava próxima dele com um celular nas mãos, provavelmente lendo uma fanfic em uma plataforma de histórias na internet. Deve ter sentido seu olhar nela, a garota era muito observadora nesse tipo de coisa, pois levantou os olhos da tela do aparelho e lhe falou:

— Temos sorte de pelo menos a diretora ser compreensiva, porque senão a gente ainda ia ficar lá.

—... eu não diria isso. — Igor disse, mais acordado, cruzando os braços. — Foi ela que causou toda essa situação então tinha mesmo que fazer algo.

— Acha mesmo que ela deixaria de matricular alguém por causa do medo de um aluno? — Melissa arqueou uma sobrancelha.

— Bem, se ela pelo menos tivesse me avisado eu podia ter me transferido antes!

— Não faria isso. — Melissa disse em um tom horrorizado. — Eu não poderia te seguir. Essa é a única escola barata da cidade, sabia?

— A gente não precisa estudar junto para continuar amigo, não é? — Igor disse, tentando confortá-la.

— É verdade, mas não sei se aguentaria a formatura sem ter você lá. — Melissa disse em um tom mais baixo que o normal, a expressão pensativa. — Não consigo tirar essa ideia da cabeça do meu pai. E só de lembrar que já está tudo pago com antecedência... ele até mesmo já estava combinando o tipo de cabelo que eu usaria no dia!

Igor analisou Melissa por um momento, depois deu um suspiro desanimado. Por ele, já estaria fazendo as malas para se mudar para outro estado para não ter que encontrar Karen nas ruas. Contudo, apesar de todo o medo e mal-estar, Igor também não queria ficar longe de Melissa tão cedo. Era uma pessoa muito importante para ele para sequer considerar realmente a possibilidade de fazer o que tinha pretendido.

— Certo, não vou pedir transferência. Mas vai ter que me ajudar, tem que haver algum jeito...

— Quando a garota começar a se vestir com nosso uniforme talvez seu medo diminua. — Melissa disse mais positiva. — A diretora devia estar contando com isso também.

— E se isso não acontecer? — Igor questionou, arqueando uma sobrancelha.

— Bem... então, eu não poderia te obrigar a ficar. — Melissa disse, por um momento hesitante, para depois continuar decidida. — Eu não gostaria que você vomitasse muito. Dá muito trabalho fazer os bolos que eu te dou.

— Certo, com isso decidido... que horas são, hein? — Igor disse meio perdido.

— Hum... 19:00. — Melissa disse checando no celular.

— M*rda. — Igor disse, levantando da cama. — Eu tinha me programado direitinho para terminar o trabalho de matemática quando chegasse em casa.

—... ui... tinha um trabalho para fazer? — Melissa disse como se tivessem arrancado seu fígado. — Ainda bem que vim direto para cá. Qual era a página mesmo?

— 37. — Igor disse procurando sua bolsa e, quando a encontrou, o material.

— Vamos enfrentar esses caras então. — Melissa disse, estalando os dedos, o que fez Igor fazer uma careta para a ação.

 

Assim como as antigas amigas de Melissa achavam divertido aterrorizar a garota com cartões de casamento e vestidos brancos, também haviam os dias de “tragam as bonecas” para tirarem o sossego de Igor. Contudo, havia sido algo que caiu no esquecimento à medida que ele foi se tornando mais velho e seus métodos de camuflar o seu terror tinham progredido de certa forma.

Bonecas baratas, as que geralmente os garotos compravam de última hora e as garotas resgatavam de seus brinquedos velhos, ele conseguia razoavelmente se mostrar indiferente, agora ainda mais com o apoio de sua amiga. Contudo, as de porcelana eram outra história. Karen lhe lembrava delas, e elas, agora, lhe lembravam de Karen também.

E talvez essa tenha sido a intenção de seus colegas, porque todas as três bonecas que estavam presentes na sala tinha cabelos negros. Não lhe importava onde eles tinham conseguido, mas devia ter sido caro. Por que ir tão longe em uma “brincadeira”?

O professor não havia chegado ainda, por isso os alunos deviam estar agindo com mais liberdade que o normal. Melissa o tinha informado desses detalhes, com exceção da aparência das bonecas porque ele lembrava bem o suficiente, pois não demorou segundos de exposição para Igor dar meia volta e seguir para a saída da escola. Um funcionário do lugar o abordou enquanto ele tentava patética e desesperadamente abrir o portão trancado.

Foi conduzido a diretoria onde, além do medo, teve a vergonha de tentar explicar seu problema sem conseguir, mas a diretora já devia ter uma boa ideia da sua agitação. Ele foi para casa mais cedo, de novo. Quanto a própria Karen, ela tinha avisado com antecedência de que não iria comparecer as aulas aquele dia, algo que ele tinha perdido por ter ido embora antes do fim das aulas. Quem sabe essa tinha sido a razão para “aquele plano” vir a prática.

Os alunos que haviam aprontado aquela haviam ficado suspensos. Porém, a questão que realmente lhe importava era que ele não conseguiu voltar tão cedo. A única pessoa que ele interagia além dos pais era Melissa, e isso porque ela tinha decidido acampar em seu quarto enquanto persistia aquele estado deprimente.

Três semanas transcorreram com lentidão e, para a surpresa de Melissa e Igor, Karen o visitou pela primeira vez. Diferente de antes, estava com roupas mais casuais. A calça e o casaco levantaram uma suspeita paranoica em Igor de que ela devia estar escondendo as articulações de boneca. Entretanto, não fez nada além de apertar mais o lençol sobre si. Melissa, provavelmente sentindo a ansiedade do amigo, disse em um tom diplomático:

— A menos que seja algo muito importante, eu te pediria para que voltasse mais tarde.

— “Deixe a mensagem depois do “bip””, não é? — Karen disse divertida e, após ver a careta que Melissa fez ao ouvir aquilo, ela levantou as mãos em sinal de rendição para, dessa forma, continuar. — Certo, eu estou a par do caso. Vim aqui apenas para expressar meus motivos não hostis para vocês.

Vendo que os dois estavam bem atentos ao que dizia, ela falou com sua voz muito suave, dirigindo-se especialmente ao garoto:

— A diretora me enviou para a sua sala justamente para que pudéssemos trabalhar sua fobia. Era para eu tentar uma aproximação sutil, mas parece que as coisas saíram um pouco... digo, muito do controle.

— Hum, aquele vestido violeta chamativo sem dúvida contradiz o que você está dizendo. — Melissa disse desconfiada.

— Não imaginei que mesmo o meu vestido mais simples pudesse causar esses efeitos. — Karen disse aborrecida, colocando o queixo entre o dedo polegar e o indicador. — Sabe, essas roupas são de uma menina da escola de vocês que foi muito gentil em me emprestar. Não tenho nenhuma peça de roupa desse jeito.

— Oh... — Melissa disse, olhando para Igor por um instante com o canto do olho. — Então, você só quer, hum, ser amiga da gente?

— O que mais eu poderia querer com vocês, hein? — Karen disse com um sorriso sem jeito. — Devo admitir que não era ainda um bom momento para tratar de qualquer coisa entre nós, mas também achei que me entenderiam mal se eu não dissesse nada. Bom, tendo dito o que queria, devo me retirar. Espero que se sinta bem logo, Igor Gomes.

 Karen se despediu com um sorriso antes de sair do cômodo.

— Talvez não seja tão ruim assim, Igor. — Melissa disse em um tom otimista. — Se ela quisesse mesmo te fazer mal, acho que não teria se dado todo esse trabalho de vir confortá-lo.

Igor, lembrando de como seus colegas tinha agido antes, a persistência que tinham em coisas que não faziam sentido para ele, não disse nada.

 

— O que acha? Acho que assim nosso cartaz vai chamar mais atenção. — Karen disse animada.

— Devo admitir que você tem uma letra bonita. — Melissa disse com um sorriso.

— Não vai adiantar nada se não souber se apresentar bem. — Igor disse, inclinando-se para fora da cama para também avaliar o trabalho.

— Realmente. Sou só boa mesmo para defender meus casais preferidos. — Melissa disse pensativa.

— Você não tem casais no livro? Podia falar sobre eles também. — Karen sugeriu.

— Ai... acho que não consigo fazer isso. — Melissa disse com uma careta. — Melhor uma apresentação normal e pronto.

— Ah... mas assim não vai ser divertido. — Karen deitou no chão aborrecida. — Devemos sempre fazer as coisas com um sorriso no rosto.

— Sei disso, mas nem sempre é assim, sabe? — Melissa disse pensativa.

— Concorda com ela, Igor? — Karen questionou curiosa, olhando para o garoto.

— Totalmente. E por que colocar meu nome se eu não vou apresentar nada? — Igor perguntou amargo.

— Que pergunta! — Karen disse surpresa, colocando as mãos no rosto de forma dramática.

— Porque você faz parte do nosso time, oras! — Melissa tratou de responder.

— Não gosto dessa ideia de ganhar algo sem mérito. — Igor disse, cruzando os braços.

— Então... você quer ser desafiado, hum? Para ter mérito de se juntar a nós? — Karen disse com um olhar e sorriso enigmáticos.

— Não realmente, só não coloquem meu nome e pronto. — Igor disse direto.

— Tarde demais! — Karen disse e levantou a mão animada. — Vamos dar início ao desafio! Melissa, espero que me ajude nessa!

Antes que Melissa viesse a dizer alguma coisa, Karen apontou a palma da mão levantada para a garota. Fios surgiram em seus dedos pequenos e delicados como a mão e acabaram por se ligar ao corpo de Melissa. A amiga de Igor pareceu muito surpresa a princípio, mas nenhum som saiu de seus lábios. Com horror, Igor viu como o corpo da amiga ficava mole e caía no chão enquanto Karen se erguia parecendo mais presente na realidade.

Não soube como conseguiu, mas Igor usou as mãos e os pés para se afastar das duas ao máximo, o que não era muito em seu quarto pequeno. Melissa se levantou, melhor, foi ordenada a se levantar por meio dos movimentos dos dedos de Karen. A garota tão linda como uma boneca deu uma risada feliz e disse:

— Nunca imaginei que com a sua guarda sempre tão alta pudesse te trazer para essa situação. E aí? Consegue me derrotar e trazer sua amiga de volta? Me mostre seu mérito!

Melissa avançou sobre Igor como um cão treinado avança sobre um ladrão. Igor pulou para um lado e, aos tropeços, correu com todas as forças para a saída.

Sua casa estava escura como nunca tinha visto. Chamou os pais. Nenhuma resposta. Sentiu alguém agarrar suas costas então gritou alto.

 

— Ei! — Karen disse surpresa. — Calma, garoto! Não vou arrancar nenhum pedaço não!

Igor estava suando muito, o coração batia rápido a ponto que doía respirar.

— Onde está a Melissa?

— No banheiro. Disse que tinha mais ideias quando passava um tempo sozinha lá.

— Oh...

— Você não parece nada bem. — Karen disse preocupada. — Acho que foi uma aventura e tanto hoje, hum? Podemos terminar outro dia!

Igor olhou bem para ela. Agora que a adrenalina baixava teve dúvidas se as dores que sentia vinham apenas de seu coração que estava batendo.


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Notas finais do capítulo

Nos vemos!