Les Marcheé escrita por Marurishi


Capítulo 16
Naquela mesma manhã




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Naquela mesma manhã, Lady Hestea se voltou para o litoral novamente e sem nenhum pudor, lançou sua maldição nas águas, que refletiram sua maldade e malícia. Foi rápida e certeira, porém, a resposta veio imediata. Não era como o planejado, pois quem a afrontava não era aquele que ela desejava encontrar.

Ela novamente fracassou vergonhosamente, pois incrivelmente, sua maldição foi quebrada em poucos minutos, antes mesmo que os Lordes Lynzeths se movessem em auxilio de Boandis.

Isso a deixou perplexa e completamente irritada. Sua ira era tão grande que seus gritos foram ouvidos por toda a ala oeste do Castelo. O que chamou atenção de muitas veilanas e também de suas filhas.

Procurou saber quem era aquele, e não teve dúvidas, se tratava de Lorde Shaido. Agora o novo governador de Boandis estava em sua lista, como um dos que poderiam atrapalhar seus planos futuros. Certamente deveria ser cautelosa com ele, pois havia tido provas suficientes de sua ineficiência diante dele. Continuava a questão sem resposta, por que suas afrontas nunca eram repelidas pela pessoa certa?

Uma luz brilhou em sua mente escura, talvez, o motivo fosse uma privação involuntária. Talvez, a pessoa não estivesse em Boandis e não pudesse ir até lá, mesmo que quisesse.

Acalmou sua fúria e colocou sua mente a trabalhar, dessa possibilidade lhe veio a ideia de que, talvez, estivesse procurando no lugar errado e decidiu refazer seu roteiro. Traçou uma nova linha de tempo, iniciando no momento em que Pannastovik havia dado o aviso do despertar do novo poder e as possíveis pessoas de Boandis que haviam se destacado.

Lorde Shaido certamente era uma dessas pessoas, porém, não era ele o seu alvo, por mais poderoso e esplêndido que fosse, não se tratava dele; isso ela tinha certeza.

Com mais tranquilidade conseguiu enxergar o que até o momento parecia lhe cegar: o nome Protheroi. Ela sempre soubera que não havia forma do selo ser quebrado se não por magia de sangue, então, como foi que não pensou nisso antes? Havia sim, cidadãos de Boandis que ganharam grande destaque em magia e inteligência após o aviso de Pannastovik, eram ambos de nome Protheroi e estavam em Imperah, já fazia bom tempo. Pela primeira vez, Lady Hestea se sentiu uma completa idiota por não ter percebido antes.

Furiosa, foi até seus Mestres, os Kailes, contou-lhes de sua nova teoria e pediu ajuda para encontrar imediatamente os Protherois de Boandis. Desejava saber como eram seus rostos para se aproximar de forma carismática, sem chamar atenção, do contrário, poderia não ser bem recebida.

Ela descobriu seus nomes, viu seus rostos e soube de tudo sobre eles. Agora seria fácil iniciar investidas de amizades sem levantar suspeitas em suas maldades.

 

Já era tarde quando Codhe retornava ao palácio de Isle após assistir uma palestra de pirotecnia. Aguardava os resultados dos exames finais para sua formatura.

Entrou no seu apartamento e assim que fechou a porta atrás de si, sentiu uma presença estranha, como se alguém estivesse ali. Alguém muito poderoso, cuja aura emanava um calor como o fogo. Se tivesse um invasor em seu quarto, deveria se defender; invocou seu fogo mágico e através das fagulhas procurou o invasor.

Caminhou a passos lentos, olhando atentamente para todos os lados. A presença estava mais forte na medida que se aproximava do seu quarto. Começou a ficar irritado e seu sangue fluiu rapidamente. Apressou os passos e adentrou o quarto abrindo a porta com magia e violência, fazendo grande estrondo e derrubando alguns quadros da parede.

Ficou terrivelmente irritado ao se deparar com o livro aberto no chão ao lado da cama. Do livro emanava grande poder e Codhe quase podia ver o dragão saindo daquelas páginas e tomando forma física, engolindo com chamas tudo ao seu redor.

Uma cena catastrófica. Não sabia o porquê daquilo estar acontecendo, mas sentiu que algo lhe chamava e isso o enfureceu porque não conseguia saber que tipo de chamado era aquele.

— Você quer sair, não é mesmo, maldito! — Codhe falava com o livro, que agora lançava labaredas para todos os lados. — Você quer que eu o liberte!? É pra isso que você me chama? Quem é você?

Codhe se aproximava criando, com seus poderes, um escuro mágico para se proteger do fogo que parecia ficar mais raivoso à medida que era questionado.

Tinha vida própria, era visível e estava furioso, mas Codhe não tinha mais medo ou receio, estava exaurido com tanto mistério e perseguição. Se era liberdade que aquele dragão queria, ele daria, mas não seria de graça, queria respostas.

— Quem é você... QUEM É VOCÊ? — deixou-se levar pela raiva e atacou o livro com magia e violência.

Foi um ato impensado, que resultou em grandes estragos no seu quarto. O livro revidou e as chamas ultrapassaram as paredes se expandindo para a sala. Codhe se assustou, porque se deu conta das proporções de seu ato, estava colocando em risco o palácio inteiro. Vidas corriam risco, pois uma magia daquele nível faria o fogo consumir tudo rapidamente.

Imediatamente tratou de acalmar as chamas, com domínio e precisão, coragem e poder; chamou o fogo de volta para si e aprisionou-o, silenciou aquele grande escarcéu em poucos segundos, inclusive as chamas que provinham daquele livro. Quando percebeu o que havia acabado de fazer, se surpreendeu. Era nesses momentos que se dava conta da verdade nos elogios que recebia de seus Mestres.

Olhou para o livro chamuscado jogado no chão. Caminhou até ele ainda com ira e surpresa em seus pensamentos, olhou as páginas no chão, as que continham a xilogravura do dragão haviam se soltado. Juntou as páginas e sentiu certo remorso por estragar tão bela gravura, agora somente metade do dragão estava ali, o resto havia se queimado. Juntou então o livro, mais queimado que antes e viu algo surpreendente, diferente de antes, as páginas estavam escritas.

"E doógucen bi ennerje, obe doógucen bi ennerje, gadi sea ni ribmle ce esjuve phalbe? (A dúvida me assalta, uma dúvida me assalta. Você não se lembra da antiga forma?)

E doógucen bi ennerje, obe doógucen bi ennerje,  sea inphila buniludaálcue. (A dúvida me assalta, uma dúvida me assalta. Não espero misericórdia.)

Jio dasnara í koi nao Ventura." ( Teu consolo é que sou Ventura.)

Leu pausadamente aquela língua tão estranha, mas estranhamente entendeu o que estava lendo. Ao terminar pronunciou em voz alta aquele nome tão magnificamente poderoso.

—  Ventura...

Seu olhar ficou perdido por alguns instantes até se achar com a visão daquele nome escrito no livro: "Ventura".

Não era um nome estranho, pelo contrário, era o nome que em sua casa mais se ouvia falar, Ventura, a Musa que não escondia o destino e revelava a verdade para ser feita a justiça. Folheou mais algumas páginas, todas agora com o mesmo texto, e na última folha, uma última escrita que lhe soava como uma canção antiga e poética; não conteve o intuito de ler em voz alta novamente:

"Das dúvidas, cante a Ventura. Quando cair deverá chorar, quando se perder na ilusão, deverá saber que nada se eterniza.

Quando estiver cego pelo medo e ódio, não morrerá.

Eu estarei aqui, sou justiça, musa e beldade.

Quando estiver perdido nessa nuvem escura, será inverno novamente e isso será a diferença entre você e os outros.

Nessa nuvem fria você não se perderá. Eu vou estar perto.

Olhe para mim, sou como o fogo e falo a verdade...

Olhe para minha justiça."

Codhe fechou os olhos, meditando naquelas palavras. Sentiu que algo dentro de si havia mudado, ao ler e pronunciar aquelas palavras em alto e claro tom lhe fizeram mudar, era como o rito final de um encantamento lhe dando novo poder. Era uma promessa, um destino. Era Ventura, a Musa que lhe dava uma nova magia, uma nova verdade, um novo desafio, ela o estava chamando e dando-lhe algo precioso: um propósito.

Ele sabia que não era de graça, ela falava de lembranças, de tempos antigos, de justiça, de outras formas e sobre não ter misericórdia. Era isso que Codhe precisava entender para dominar por completo o poder que acabara de receber.  

"E doógucen bi ennerje."  (A dúvida me assalta.)

De que dúvida Ventura lhe falava? Tinha dúvidas de que ele seria capaz de realizar os objetivos propostos por ela?

"Gadi sea ni ribmle ce esjuve phalbe? " (Você não se lembra da antiga forma?)

De qual forma ela se referia? Codhe olhou para as páginas soltas em sua mão, aquelas com a figura que agora estava deformada pelo fogo. Sim, ele agora sabia da antiga forma, da ruína de Les Marcheé, do inimigo que foi derrotado pelas Musas e selado para sempre. O dragão de fogo, aquela forma bestial de chamas escarlate. Isso não era um memória, era uma lembrança vinda direta de Ventura.

"E doógucen bi ennerje, obe doógucen bi ennerje. Sea inphila buniludaálcue". (A dúvida me assalta, uma dúvida me assalta. Não espero misericórdia.)

Claro que não esperaria misericórdia com o mal, as Musas eram as dádivas para o povo, Ventura era a justiça. Codhe entendeu seu destino e a incumbência que lhe fora dada, e que não deveria ter misericórdia com o mal, era isso que Ventura queria.

"Jio dasnara í koi nao Ventura." (Teu consolo é que sou Ventura.)

Codhe entendeu e aceitou, foi lhe dado aquele tempo, o selo estava ali, novamente nas mãos de um Protheroi. Porém, agora com a graça das musas, esperando que ele o dominasse e subjugasse, sem misericórdia e com justiça. Ventura estava ao seu lado e para o bem deveria fazê-lo, imediatamente, enquanto ainda podia olhar para a Musa.

Ventura...

Ela estava ali, não em forma física visível, mas era parte da vida, da mente e do coração, era como as chamas, calor ardente, era um novo poder que dava razão e separava luz de trevas. Codhe podia senti-la, como em um abraço terno e revigorante. Ventura era parte daquele selo.

E aquele selo foi quebrado, aquela porta foi aberta, aquele destino foi talhado e aquele quarto ficou pequeno para tamanho poder que se fez presente. O Palácio de Isle era pequeno, assim como Imperah inteira parecia se tornar mínima diante do poder de Ventura, que se expandiu por todo o reino, mostrando que havia entrado.

Pannastovik sentiu, não apenas emitiu seu aviso como também, inesperadamente, cumprimentou com uma onda poderosa àquele novo Tione, que Codhe recebeu de imediato. Os Imperadores sentiram, Lorde Thwar procurou em sua mente a personificação selada do poder para tentar deter, percebeu uma presença ínfima que prosperava junto aquele abertura e se tornando-se presente e dominante, ganhando forma e personalidade.

Foi por esse poder que Lorde Thwar se tranquilizou e apenas observou o desenvolver daquele episódio. Ele reconheceu aquele poder mais antigo que os céus, era a Justiça de Proustita: Ventura, uma Musa.

Codhe soube que não poderia voltar atrás, sua escolha havia sido destinada e concretizada. Porém, o preço seria alto e sentiu na pele aquele poder que lhe doía mais que qualquer ferimento, era como fogo lhe dilacerando as entranhas tomando conta de todo o seu ser. Não havia misericórdia, como Ventura havia dito, o mal estava sendo queimado para ser dominado.

Ele achou que não suportaria, gritou em desespero, dor e angústia. Era por demais pesado e doloroso para si, sabia que enlouqueceria e morreria, mas não teria arrependimentos. Sentiu medo pelo que estava agora livre sobre a terra. Aceitou seu destino, confiou em Ventura e mesmo sob a mais inimaginável agonia, ainda assim, não blasfemou contra a Musa que lhe convocou.

Os Lordes Lynzeths se moveram, mas foram parados e repreendidos, uma ordem suprema lhes fez parar e se acalmar, Imperatriz Beriune lhes proibiu de interferir, pois afinal, ela sabia que naquele livro estava um selo Tione.

Desde o princípio era a intenção que Codhe abrisse e o dominasse. Lady Beriune precisava que aquele poder viesse novamente ao mundo, porque era inferior ao que estava por vir, mas se unido com os outros Tiones, era forte o bastante para fazer afronta.

A Tríade se moveu, em espanto e indignação, também foram detidos pela Imperatriz que parecia aguardar ansiosa pelo final. Ao ver que estava próximo e que, provavelmente, Codhe não era suficientemente forte para suportar tanto poder, que talvez tenha se precipitado em seu plano, ela deu o sinal para a Tríade avançar e conter. Tarefa ampla e árdua, uma vez que demorou tempo demais, tempo suficiente para o selo Tione ser totalmente aberto.

Ao invés do esperado, o que ganhou forma e personalidade não foi um dragão de fúria e fogo. Era magia e chamas luminosas, e ao invés de destruir, pareciam dar vida e conforto. Esta foi a última visão que Codhe teve antes de sucumbir a dor, sendo amparado pela forma disforme que o envolveu em labaredas escarlates, protegendo-o da gloriosa imensidão fria e congelante que se fez a seguir.

Codhe se perdeu naquela nuvem fria que lhe pareceu tão escura. Porém, havia essas palavras na profecia:

"Koesca injugil philcuca sinne sogib indole, nileé usgilsa sagebisji i unna nileé e cuphilisñe ci ju i as aojlan. Sinne sogib phue gadi sea ni philcileé, io gao injel phal philja. Arhi phele bub..." ( Quando estiver perdido nessa nuvem escura, será inverno novamente e isso será a diferença entre você e os outros. Nessa nuvem fria você não se perderá, eu vou estar perto. Olhe para mim...)


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Notas finais do capítulo

Grata por chegarem até aqui.
Até breve!



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