Meiko

Bocejei uma vez mais ao descer as escadas. Estava tão cansada. Pensar na prova que teria naquela tarde deixou-me acordada a noite inteira, interrogando-me sobre como seria e o que o treinador Kudou pensava a respeito sobre aquilo que demonstrei no último jogo. Sei bem de quem sou filha, mas não tenho nem metade das habilidades dos meus pais, sou apenas rápida e ligeira, mas nem isso sei usar para beneficiar o meu jogo.

—Bom dia.- Sentei-me à mesa vendo o meu irmão a comer um pedaço de bolo completamente queimado. Sabia que ele gostava da comida assim, mas aquilo era um exagero- Foi a tia que fez?- engoliu o bolo que tinha na boca e sorriu.

—Bom dia. E sim. Fê-lo esta manhã antes de sair para ir comprar coisas para o jantar.- Suspiramos. Que bom que ambos almoçávamos na escola. Olhei para o bolo e vi que uma parte dele estava bem queimada, tal como a Atsushi gostava, outra parecia a mais normal possível, e a outra perguntava se só estaria fixa, porque parecia um pouco crua. Os cozinhados da minha tia eram algo realmente misterioso.

Terminei de comer e saí com o meu irmão. Felizmente o nosso avô deu luz verde para ele poder ir para a escola sem qualquer problema. Claro que já tinha faltado um dia, mas certifiquei-me de que levava a justificação médica para a sua ausência na cerimónia. Despedimo-nos a meio do caminho, deixando-me a vê-lo descer a rua até encontrar alguns colegas pelo caminho. Fiquei mais aliviada. Não gostava de o deixar sozinho, sabia a força do meu irmão, mas deixava-me sempre receosa o perigo que do mundo exterior. E assim que o vi desaparecer, continuei o meu caminho até Raimon. Bocejei várias vezes e repreendi-me por estar sempre a fazer o mesmo; o meu maxilar começava a doer. Lembrei-me de retirar o telemóvel da mala e distrair-me um pouco para ver se parava, mas foi então, ao olhar para as horas, que desatei a correr no mesmo instante. Não porque estava atrasada para escola, longe disso, estava bastante adiantada até, mas no dia anterior combinei com o Tenma e o Shinzuke encontra-los no parque junto ao rio para treinarmos um pouco antes das aulas, e eu estava extremamente atrasada! E ainda ao longe, antes de chegar às escadas, vi que já estavam prontos para começar sem mim.

—Ei! Seus traidores! Não comecem sem mim!- desci as escadas à pressa para me despachar.

—Bom dia!

—Bom dia!- o Tenma atirou-me logo a bola, a qual recebi com o peito- Estás atrasada.

—É defeito de família.- Tirei a mala do ombro e atirei-a para junto das deles. Lembrei-me só depois que tinha lá o telemóvel, mas, sinceramente, nunca lhe dei muita importância.

Decidimos começar por fazer passes entre nós como treino básico. Também num local onde há muito sobre o futebol, as hipóteses são mínimas. Cheguei a ver uma fotografia que os meus pais e o meu tio, com a equipa da Raimon, tiraram aqui, e realmente, em vinte anos, mudou muito.

—Sabes, Shinzuke, na verdade esta é a segunda vez que vou a uma prova.

—A sério?- e o mesmo passou-me a bola antes de eu a devolver ao Tenma, sempre assim na mesma ordem.

—Sim.- Só então me lembrei.

—Ah! Pois é! Foi nessa altura que nos conhecemos, não foi?!

—Sim!- lembrei-me logo que nessa altura tinha acabado de sair da minha fase depressiva- Foi na primeira. Quis juntar-me a um clube de futebol, mas não consegui passar.

—Mas desta vez vais conseguir. Aliás, os três.- Recebi uma vez mais a bola, parando-a.

—Claro que sim!

De repente, dei por nós três a correr para a Raimon... Ficamos tão distraídos a jogar que nos esquecemos completamente das aulas! Felizmente chegamos ao mesmo tempo que o professor e fomos logo sentar-nos antes de começar a aula, cumprimentando a Aoi que lá estava com as nossas colegas. A primeira aula passou sem problema nenhum, exceto o facto de que tentei a todo o custo não adormecer; literatura nunca foi para mim. Na segunda já estava mais desperta, ainda que química seja o meu forte, queria estar atenta de qualquer maneira, mas começou a tornar-se difícil quando comecei a ouvir o som de algo a bater contra o metal da mesa. Levantei a cabeça o livro e vi que era o Tenma que não parava quieto com uma das pernas, balançando-a.

—Ei, Tenma.

Não me ouviu. Olhei para o Shinzuke que também tentou o mesmo, assim como a Aoi. Os três encolhemos os ombros, não valia a pena, ele não nos dava ouvidos. Porém, tivemos que agarrar logo no livro como se estivéssemos a prestar toda a nossa atenção na matéria ao ver o professor aproximar-se. E só aí, quando o professor chegou junto a ele e aclarou a voz, é que despertou e parou de fazer aquilo com a perna, assustando-se. Não consegui evitar rir com o que aconteceu.

—Senhorita Goenji, se a minha aula a diverte tanto, o que acha de ir ao quadro resolver aquela formula?- suspirei. Aquele homem era tão chato.

Após deixar o nosso professor de química de queixo caído, e sem saber como me repreender, mal tocou para a saída fomos logo para o campo exterior treinar. Os rapazes, claro, foram a correr enquanto eu e a Aoi fomos a conversar pelo caminho. Estava tão nervosa que se corresse não duvidava que caísse. E assim que chegamos lá, já estavam os dois a passar a bola entre eles, antes do Shinzuke ma passar.

—Quem me dera que acabassem já as aulas.- Se o Tenma achava que era o único que se sentia assim estava enganado. Só me apetecia abrir um buraco e esconder-me até a escola terminar, devido aos nervos.

—Vamos passar a prova de ingresso!

—Sim, vamos passa-la.- Olhei por cima do ombro e vi que uma outra rapariga de longos cabelos ruivos estava junto à Aoi. Seria mais velha? Sem querer, acabei por chutar a bola com força mais devido à minha distração.

—Vamos entrar na equipa!- sem pensar duas vezes, os Shinzuke saltou... Bastante alto! Com um corpo tão pequeno como aquele, ele saltava bem! Conseguiu chegar a bola e para-la com o corpo antes de cair no chão.

—Shinzuke!- corri também para junto dele.

—Estás bem?

—Sim. Estou bem.- Estiquei-lhe a mão, ajudando-o a levantar- E então? Continuamos?!

Sorri. Era bom ter alguém com que poder jogar futebol. Normalmente só jogava com o meu irmão, mas não passavam de passes simples enquanto ele estava sentado, na maior parte das vezes jogava com o meu tio, mas acho que ele não me levava muito a sério porque ser pequena, ou então o meu companheiro era o muro de casa. Talvez fosse por isso que queria entrar para a Raimon... Também queria companheiros com quem poder jogar futebol.

—Já acabou o intervalo!- passei uma vez a bola para o Tenma antes de ouvir a Aoi chamar-nos- A aula começa dentro de cinco minutos.

O Tenma pegou na bola e começamos a correr para sair do campo. Se chegássemos atrasados o professor ia começar a reclamar connosco e não tenho paciência para levar outro raspanete, nem queria que os professores chamassem a minha tia à escola. Porém, talvez tivessem mesmo que o fazer. Mal acabamos de subir as escadas, demos logo de caras com o Tsurugi, encostado à parede com aquela ar de quem é rei e senhor, enquanto mexia no telemóvel. A raiva que sentia voltou no instante em que vi a cara dele. Parecia nem dar por nós ou simplesmente ignorava, mas eu detestava ser ignorada. Ele ia ouvir o que eu tinha para dizer. Chamaram-me para que voltasse, mas continuei sem lhes fazer caso, e só quando parei frente a ele é que guardou aquele maldito telemóvel vermelho - igual ao meu - e me encarou como se me quisesse meter medo.

—Entrarei no clube de futebol, ouviste bem? Aquilo que eu disse ontem não foi só da boca para fora, nunca falei tão a sério.- Como assim ainda se ria.

—Faz o que tu quiseres.

Voltei-lhe as costas e pus-me a andar para dentro do prédio escolar. A aula ia começar e eu não tinha tempo para perder com aquele idiota. Porém, não consegui resistir a olhar por cima do ombro vendo-o ir embora. Só que, por muito que o odiasse, havia algo que me intrigava... Desde o jogo contra mim e o Tenma, àquele contra Raimon, ele revelou-se um excelente jogador, com habilidades fantásticas, um enorme controle de bola, poder e rapidez... Como é que alguém que é tão bom a jogar futebol podia não gostar dele?

—Não te preocupes.- A rapariga ruiva colocou-me a mão por cima do ombro, assustando-me. Sorri.

—Obrigada.

—Já agora, chamo-me Seto Midori.

—Goenji...

—Goenji Meiko, não é?- piscou-me o olhou mostrando-me um enorme sorriso. Talvez tivesse visto o jogo de ontem.

—Sim.- Nesse mesmo instante, o toque de entrada ouviu-se por toda a escola.

—Oh não! Temos que nos despachar!

—Sim, corram, corram!- a Aoi e da Midori realmente não tinham nada a ver uma com a outra.

A aula, essa, parecia que nunca mais passava. Quando mais o professor falava, mais parecia que o tempo demorava. Como queria que ele se despacha-se. Roguei tantas pragas ao professor para que sentisse mal, e no final não serviu para nada, só mesmo quando tocou, é que podemos arrumar tudo bem depressa, e mal olhei para os outros dois vendo o sorriso estampado na cara deles, é que começamos a sair da sala a correr. O professor ainda disse algo, reclamando connosco, mas não percebi nada, nem me interessava. Fomos diretos para o clube de futebol onde quem nos recebeu foi a Haruna, a qual nos deu uns fatos de treino da equipa para que pudéssemos fazer a prova para o clube. Era estranho vestir aquilo, parecia que já fazia parte do clube de futebol sem mesmo ter feito a prova. Era emocionante! E mal terminei de me vestir, saí do wc e fui andando para o campo exterior, até ouvir o Tenma e o Shinzuke chamarem-me para que esperasse por eles. E assim que chegamos ao campo, já lá estava outros três candidatos, preparados para entrar no clube. Ainda que... Nunca pensei que aparecessem tão poucos.

—Vamos começar a prova de ingresso do clube de futebol.- Mal o treinador disse aquelas palavras, senti que o coração me ia saltar pela boca- Matsukaze Tenma.

—Sim.

—Nishizono Shinzuke.

—Aqui.

—Goenji Meiko.

—Sim.- Aqueles dois pareciam tranquilos e a sorrir. Sortudos.

—Kotegawa Sakio.

—Sim.

—Oshii Tsuyoushi.

—Presente.

—Kanari Atsunori.

—Sim.- Não conhecia nenhum daqueles três. Seriam bons a jogar?

—Têm que jogar como se estivessem num jogo a sério. Passarem a prova ou não, dependerá de como jogaram.

—Sim.

Fomos cada um para os nosso lugares. Os membro do clube ficavam de um lado do campo enquanto nós ocupávamos o outro. Respirei fundo. Precisava de me acalmar.

—Lembrei-se que vocês os seis vão enfrentar-se a alunos do segundo e terceiro anos. Joguem como quiserem.- Ao menos isso!

—Vamos lá! Vamos todos conseguir passar na prova.

Esperava que os deuses do futebol estivessem connosco e tornassem real as suas palavras.