It's just a trick escrita por KCWatson


Capítulo 23
Mrs. Watson, Parte I




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Lestrade estacionou o carro a alguns metros de distância da boate e desligou o motor com um suspiro, agora vinha a pior parte.

― Eu consigo entrar sozinho ― Sherlock se adiantou.

― Nem pensar ― John o cortou imediatamente ― Você é esperto, mas sem noção do perigo. Vai acabar saindo de lá cuspindo o próprio sangue.

― Sua fé em mim é tocante ― Sherlock ironizou irritado. ― É apenas uma boate.

― John tem razão ― Lestrade concordou olhando por cima do ombro e encontrando o olhar entediado de Sherlock. ― Eu posso entrar sozinho, mas você só entra com nós dois na sua cola. E não é apenas uma boate, é um local cheio de pessoas fora do normal que com certeza não vão ser compreensíveis se você disser alguma besteira.

Sherlock bufou e cruzou os braços, parecendo uma criança birrenta novamente. John o ignorou e olhou para o Inspetor.

― Só precisamos do documento e das filmagens, não é?

― E qualquer outra coisa que o contato de Sherlock possa ter encontrado ― Lestrade respondeu erguendo os binóculos na altura dos olhos.

― Não seja ridículo Inspetor, eu já falei que isso será a única coisa que teremos ― Sherlock insistiu impaciente.

― Certo, certo ― John ignorou a raiva do amigo. ― E qual é o nome do seu bendito contato?

― Edward Hurt.

Joan imediatamente o fitou, o cenho franzido e os olhos brilhando em descrença. Não podiam ter tanta sorte, podiam?

― O que foi? ― Sherlock questionou, então sua confusão rapidamente se tornou desconfiança. ― Você o conhece?

― Bastardo, por que não me disse o nome antes? ― o médico respondeu enquanto retirava o celular do bolso e procurava o numero familiar em sua agenda.

Edward não era um simples conhecido, John mantinha com ele uma amizade que perdurara por anos e se fosse pensar bem, amizade não era exatamente a palavra certa para a relação que persistia entre eles, mesmo com distância proposital do médico. Então quando as chamadas começaram no outro lado da linha, sentiu seu coração se apertar de ansiedade e nervosismo. Havia muito mais em jogo do que gostaria de admitir.

Eu não acredito que você está finalmente me ligando ― a voz do outro lado disseram com certa diversão, mesmo que tremulasse com a mesma ansiedade de John.

― Ed... nem eu estou acreditando nisso, sendo sincero.

Compreendo John, não se preocupe com isso agora. Sei que está precisando de alguma coisa, não minta! Eu o conheço bem...

― Nem ia tentar, no momento estou muito agradecido por você me conhecer tão bem, poupa algum tempo ― John sorriu com nostalgia, fazendo Sherlock e Lestrade franzirem o cenho. ― Acabei de saber que você é o contato de um amigo meu, Sherlock Holmes.

Okay, entendi tudo ― Edward riu suavemente. ― Você já está na boate? Parece meio silencioso aí.

― Na verdade não sei como entrar, você não foi claro quanto a regra de segurança... ou as regras ― John respondeu observando a quantidade enorme de seguranças do lado de fora, sem nenhuma fila de espera.

Sinto muito, eu não esperava tanta segurança. Um milionário arrogante decidiu fazer uma visita surpresa. Espere-me, estou descendo.

Quando a linha ficou muda, John se permitiu respirar, soltando o ar que o nervosismo prendera. Se pudesse jamais teria feito aquela ligação, mesmo que não tivesse hesitado no ato, mesmo que não pudesse fugir de Edward por muito mais tempo. Bem, não tinha como voltar atrás agora. Sacudiu a cabeça tentando focar no momento e se virou para os olhos curiosos de Sherlock e Lestrade.

― Não posso explicar agora ― adiantou retirando a arma do casaco e entregando a Sherlock. ― Apenas guarde pra mim, não vá atirar em ninguém, por favor.

― Você vai entrar sozinho? ― o detetive se certificou pegando a arma.

― Sim, Ed é confiável, mas não vai abusar da sorte com aqueles armários na porta.

― Ed?

Então John finalmente notou o cenho franzido e o olhar incisivo de Sherlock. Riu suavemente.

― Ciúmes, Sherlock? Você que não me quis.

― Não seja tão cheio de si ― Sherlock revirou os olhos. ― E não vamos ter essa discussão novamente.

― Não vou discutir nada, estou apenas expondo os fatos ― John respondeu sarcástico. ― E hoje você vai descobrir que não deduziu tudo sobre mim.

Saiu do carro e ainda com um sorriso de canto, virou-se para um ultimo recado.

― Não tentem entrar e não me liguem sem uma emergência. Isso pode demorar.

Fechou a porta com força e tentou ignorar o estranho tremular de seu estomago ao atravessar a rua. Oh Edward... não dificulte nada... Engoliu em seco e encostou-se à parede, esperando. Não voltou a olhar para o carro de Lestrade, mas sabia que estava sob a mira perita de Sherlock e pediu internamente para não estar tão perdido aos olhos dele quanto imaginava, sabia que era em vão, Sherlock já deveria ter visto tudo em seus olhos, sua postura, suas mãos escondidas nos bolsos do casaco, lido cada sentimento e dúvida que quase nublavam os olhos azuis do médico, até mesmo – e talvez principalmente – aqueles que lutava em negar.

Seu celular tremeu e o alcançou com um peso novo no coração, ainda não estava pronto psicologicamente para aquele reencontro.

“No beco.”

Apagou a mensagem, voltou a guardar o celular no bolso e olhou para o carro uma ultima vez antes de caminhar até o beco ao lado da boate, parcialmente iluminado pela luz da calçada. Ofegou quando sentiu um puxão em seu braço e bruscamente foi prensado contra a parede, um corpo quente e firme impedindo seus movimentos. Automaticamente ergueu as mãos e finalmente encarou os olhos castanhos, saudosamente brilhantes.

Antes que pudesse falar algo sentiu os lábios do homem esmagando os seus, imediatamente apoiou as mãos no tórax dele e o deixou aprofundar o beijo. As bocas se abriram em sincronia e as línguas iniciaram uma dança a muito deixada para trás, quase esquecida entre a nostalgia e o medo consequente. John tentou não reagir, mas seu corpo inteiro ficou tenso quando sentiu as mãos firmes apertando sua cintura e uma delas, sutilmente invadiu seu espaço, subindo sua blusa e acariciando sua pele quente. Involuntariamente a imagem de Sherlock invadiu sua mente, seus olhos claros e tristes o acertando com força.

Reuniu sua pouca coragem e o afastou, completamente ofegante.

― Ed...

― John... ― o outro ofegou, voltando a selar seus lábios brevemente ― Senti tanto a sua falta. Oh Deus.

― Ed... ― o médico o alertou com o olhar ― Vai com calma.

― Eu sei, eu sei, desculpa ― Edward disse rapidamente se afastando ― Desculpa.

John finalmente conseguiu respirar e corou, sem o corpo de Edward contra o seu lhe deixando nervoso, agora estava consciente de que os olhos de Sherlock e Lestrade ainda deviam estar vidrados na sua direção. Oh Inferno...

― Então, veio em nome de Sherlock Holmes ― Edward anunciou com um pequeno sorriso, arqueando uma sobrancelha. ― Só um amigo?

O médico riu e o observou. Edward não mudara muito, só estava um pouco mais forte e arrumado, possíveis consequências da ausência da bebida alcoólica em sua vida – ou assim esperava. Os cabelos continuavam curtos e castanhos, como seus olhos, e o sorriso maroto ainda não abandonara seus lábios.

― Então? Só amigo? ― Edward insistiu com um pouco mais de firmeza, colocando um braço de cada lado de John, mantendo-o ali.

O homem era um pouco mais baixo que Sherlock e apesar de ser mais direto em suas duvidas, John não se deixou intimidar e riu, cruzando os braços.

― Sem ciúmes, não tem mais esse direito.

― Na verdade, se formos considerar a parte legal da história...

― Não, vamos focar no trabalho ― John cortou gentilmente.

― Tá bom ― Edward concordou. ― Você vai entrar comigo, mas antes...

John o viu se afastar e o olhar de cima baixo, uma analise intensa e minuciosa que o fez corar novamente. Edward mordeu o lábio inferior, pouco preocupado em esconder seus pensamentos impróprios, e voltou a se aproximar em passos rápidos, retirando o casaco de John às pressas.

― Ed?

― Calma, não vou fazer nada que você não queira.

― Ed...

― Calma John, só precisa estar mais apresentável ― Edward garantiu colocando o casaco sobre o ombro e abrindo os primeiros botões da camisa do loiro, então selou seus lábios mais uma vez e devolveu o casaco.

John foi puxado para fora do beco e forçado a seguir o amigo até os homens de terno, tropeçando nos próprios pés. Edward disse algo para um dos seguranças que ele não fez questão de escutar e ambos entraram sem mais perguntas. Seu primeiro passo foi acompanhado de uma careta, a música alta invadindo seus ouvidos, o cheiro lhe causando certa repulsa. O local estava lotado, todos se espremendo um contra os outros, bêbados e até drogados, insanamente envolvidos nas sensações e nas luzes coloridas que piscavam em algum padrão louco, casais, de todos os tipos, amassavam-se em qualquer parte disponível e John podia jurar ter visto um trio de garotas tentando algo a mais perto das ultimas mesas.

― A área privada fica lá trás ― Edward gritou para que ele ouvisse. ― Minha sala fica lá em cima.

Um segundo depois os lábios dele estavam nos seus novamente, mais agressivos e sedentos, John tentou afastá-lo, mas os braços de Edward o envolveram com força e o beijo se tornou determinado, inquebrável.

Certo, não para John.

― Edward... por favor ― pediu com a respiração rasa.

― Adoro meu nome na sua voz... ― Edward sussurrou o fitando com malicia e o puxou para as escadas, onde som era mais abafado pelas paredes.

― Edward, por favor, não dificulte para mim.

― Sinto muito John, mas também é difícil pra mim.

Mais uma vez John se sentiu culpado por estar ali, aumentando de alguma forma as esperanças do amigo que tanta amava. Claro que não negava esse amor, nunca negara, mas Edward não era Sherlock, o sentimento não era o mesmo, não era o amor que o outro esperava e isso doía profundamente em ambos, por motivos e de maneiras diferentes.

― Perdoe-me por isso, por estar aqui, por não ter ligado, por... tudo ― pediu com sinceridade, seus olhos marejados.

― A culpa não é sua, amor, nunca será ― Edward garantiu afagando seu pescoço ― Entenda isso de uma vez. Eu compreendo tudo o que fez e o que ainda faz por mim, pela Julie e garanto que estaremos aqui sempre que precisar, nós sempre estaremos ao seu lado John.

― E quanto a vocês precisarem de mim?

Edward voltou a sorrir, um sorriso compreensivo e caloroso que sempre acalmava o médico.

― Você nos ajudou, também sempre esteve ao nosso lado. Quando vai parar de se culpar por isso não ser no sentido literal?

***

Sherlock observou John entrar na boate com um gosto amargo em sua boca, tão amargo que ficou tentado a sair do carro e, literalmente, cuspir o que lhe causava aquela sensação ruim. Mas era impossível. A lembrança de John beijando e se deixando ser tocado por outra pessoa parecia estar grudada debaixo de suas pálpebras, todas as vezes em que as fechava lá estava novamente, os dois corpos unidos em calor. Por um tempo tentou arrancar aquilo do seu palácio mental, mas quando sua dor de cabeça aumentou se deu por vencido e se preocupou em não deixar sua imaginação criar algo pior que a realidade vista.

Odiava-se por ter feito contato justamente com aquele Edward Hurt. Deveria ter imaginado que havia algo a mais quando o homem aceitou a proposta logo após ouvir seu nome, sem sequer saber do que se tratava especificamente, naquele momento achou que era por causa do blog de John e não por causa do próprio John. Maldita hora em que aceitou o caso de Mycroft. Muito solicito.

― Devia falar com ele.

A voz neutra de Lestrade o despertou. Arqueou uma sobrancelha pelo assunto e pela falta de diversão no tom, pensava que, depois do seu irmão, o Inspetor não perderia tempo em provoca-lo com o assunto.

― Então é isso? Não vai fazer nenhuma brincadeira? ― certificou-se enquanto se inclinava para o banco do motorista.

― Seria o momento perfeito, eu sei ― Lestrade sacudiu a cabeça com um pequeno sorriso ― Mas você está queimando de ciúmes, estou sentindo daqui. E eu realmente acho que você não deveria ter terminado tudo com o John, por isso posso repetir, devia falar com ele.

Sherlock revirou os olhos e voltou a encostar-se ao banco traseiro, deixando escapar um longo suspiro.

― Por que é errado Lestrade? John me enganou por meses, trabalhou com Moriarty às escondidas, conspirou com meu irmão, escondeu informações cruciais dos casos e quase matou a mim e a si mesmo nesse meio tempo. E eu não terminei nada, nós não tínhamos algo para ser terminado. Então por que é errado não querer arriscar mais?

― Porque você mesmo já fez algumas dessas coisas e nem por isso John desistiu de você, como está desistindo dele ― Lestrade respondeu e se virou para olhá-lo com seriedade.

― Como?

― É exatamente disso que estou falando Sherlock. Você é preguiçoso, rude, insensato, insensível e John convive com isso todos os dias, não? Quantas vezes você já o arrastou para casos perigosos? Quantas vezes escondeu informações importantes e quase colocou tudo a perder? Quantas vezes ele esteve em perigo por sua causa ou por algo que você fez propositalmente? E nem vou falar na ridícula quantidade de vezes que você se colocou em perigo ― Lestrade respirou fundo e olhou superficialmente a boate, continuando ― A questão Sherlock, é que você faz um monte dessas besteiras o tempo todo, só está chateado porque John provou que pode fazer o mesmo e você sequer notou isso.

O detetive consultor piscou os olhos, incrédulo. Cada palavra do Inspetor lhe acertou como um tapa, porque eram sinceras e extremamente verdadeiras, porque Sherlock não havia pensado nesse ponto. O que fazia diariamente e como John se sentia sobre isso nunca fora realmente uma preocupação sua, mesmo depois de se envolverem romanticamente... bem, quase isso. John lhe garantiu, mesmo como parceiros, que mudar seus hábitos não era necessário, porque já estava acostumado e não via problema até certo ponto, o limite sempre seria lembrado, mas Sherlock não se ateve ao fato de que a convivência deles não era separada em domestica e profissional, era algo único que geralmente funcionava perfeitamente para ambos. Não parou para pensar, nem uma única vez, que a convivência faria John evoluir, como acontecera com ele próprio e perdera a chance de prever o momento em que o médico poderia ser tão esperto quanto ele.

No entanto, John não fora só mais esperto como também foi capaz de derrubar completamente as suas barreiras emocionais e logo depois do primeiro momento de clareza entre eles, um olhar bastou para inicia-lo, Sherlock se deixou naquele desconhecido mar de emoções e não se preocupou em se aprofundar nas mudanças que surgiram no loiro. Diferenças que foram anotadas em seu Palácio Mental e justificadas precipitadamente quando o viu ao lado de Moriarty. Então novamente perdeu a chance, dessa vez a chance de aceitar que John Watson tinha capacidade de enganá-lo e o faria por Sherlock.

Para complementar aquele momento onde poderia se auto proclamar estupido, sem esquecer o inacreditável fato de que recebeu duras verdades do Lestrade – supostamente idiota aos seus olhos, havia suas ultimas lembranças de John. E hoje você vai descobrir que não deduziu tudo sobre mim, foi o que dissera momentos antes de sair do carro e atravessar a rua. Obviamente que Sherlock poderia concordar com aquela frase sem os momentos posteriores, mas ainda teve o maldito Edward Hurt para tornar a verdade sua dor.

O que infernos Hurt e John eram? Ex-amantes? Bom, aquele beijo no beco o fazia discordar. Um casal? John claramente conhecia o homem há um considerável tempo, mas Sherlock não notou nenhum indicio de que estava em um relacionamento e procurava por isso todos os dias. Então o que eram?

Um granido de frustação escapou de sua garganta e em seguida voltou a se inclinar para frente, apoiando sua cabeça com as mãos.

― Percebeu que foi um idiota? ― Lestrade questionou no mesmo tom estranho e neutro.

― Deixe-o ser feliz com Edward Hurt ― Sherlock respondeu com desprezo, sua voz sendo abafada por suas mãos.

Fazia parte do seu plano, não era? Fingir que nada daquilo importava no momento.

― Ora, não seja dramático. Foi só um beijo, se eu fosse John estaria fazendo muito mais dentro daquela boate.

― Oh Gravin, não está ajudando!

― É Greg e quem disse que quero ajudar? John já tem a própria cota de sofrimento com romances, é a sua vez. Aproveite e encontre uma ótima maneira de pedir perdão.

― Inferno ― Sherlock praguejou irritado ― Não sei nem pedir desculpas, muito menos pedir perdão!

― Ah, então aprenda rápido ― Lestrade brincou com malicia ― Você viu como o cara beijou o John? Aquele ali sabe muito bem o que está fazendo.

― Lestrade!

Sherlock revirou os olhos enquanto o Inspetor ria. Decidiu ficar em silêncio, em outros momentos fecharei os olhos e mergulharia em seu Palácio Mental, mas era inviável. Não queria rever aquele beijo tão vividamente em sua mente e não desviaria sua atenção até John voltar para aquele carro. Demorou até isso acontecer. Não tinha certeza quanto tempo havia se passado, mas foi o suficiente para fazê-lo tremer com a vontade de invadir o local e arrastar o médico para fora, na verdade já estava decidido a fazer isso quando a porta se abriu e John saiu.

Só que não saiu sozinho.

Notou-o cambalear levemente na calçada, com as mãos na cabeça, e ser segurado por Edward que questionou algo a ele. John logo acenou a cabeça concordando e se afastou indo até o carro, fechou ainda mais o casaco para proteger o corpo do frio e entrou, sentando ao lado de Lestrade.

― Oh, Deus. Finalmente sai daquele inferno.

Sherlock franziu o cenho, notando as diferenças. Os olhos estavam avermelhados, com certeza não era por drogas ou pela mudança de luz, então só restava um motivo emocional. John havia chorado. Havia um cheiro de álcool impregnado em sua roupa, mas seus olhos e suas mãos pareciam firmes apesar do tropeço na calçada. Provavelmente a bebida caíra em sua blusa social que, por sinal, estava com os primeiros botões abertos.

Voltou a se lembrar do beijo e sua mão voltou a tremer sutilmente.

― Conseguiu? ― Lestrade perguntou com um sorriso divertido.

― Sim, sim ― John respondeu rapidamente retirando um pen-drive do bolso e passando para o Inspetor ― Edward disse que ainda há mais, não sabe se pode ser útil, mas colocou a nossa disposição. Então vamos até a casa dele, agora.

― Todos nós? ― Sherlock perguntou ferino.

― Todos nós ― John reafirmou sem o olhar ― Podemos ir na frente, ele disse que logo chegará.

O resto do caminho foi silencioso, apenas a voz de John se anunciava algumas vezes para dizer o caminho certo. O médico nunca olhava para nada além da estrada e Sherlock lutava para parar olhá-lo. Tinha uma vontade enorme de descer do carro e voltar para Baker Street imediatamente, trancando-se no quarto e logo em seguida em sua própria mente, acompanhado de alguma substancia ilícita ou não. Não aguentava mais aquele silencio e aquela ideia gritante de romance que criava teorias nada acolhedoras.

Quando John deu o sinal para Lestrade parar diante de um portão protegido, Sherlock se viu forçado a engolir o ruidoso fato de que, por algum motivo, John sabia perfeitamente onde era a casa de Edward Hurt.

Lestrade seguiu o caminho indicado e parou diante do portão, um homem de terno logo surgindo ao lado da câmera de segurança, pedindo para abaixar a janela.

― Nome?

Em resposta John se inclinou um pouco sobre um Lestrade confuso e acenou para homem desconhecido que o saudou com um sorriso.

― Ei, Miller.

― John! Finalmente se lembrou da gente. Céus, entre de uma vez antes que mude de ideia.

John voltou ao seu lugar revirando os olhos e riu. Um novo caminho a frente, uma pequena mansão surgindo através do portão e não era necessário ser um Holmes para saber que Edward vivia muito bem, em dinheiro. E quando desceram do carro, John apenas se aproximou da porta, digitou a senha no quadro próximo, retirou as chaves do bolso e abriu a porta.

Como um ato natural e muito repetido.

― Podem entrar, fiquem à vontade ― pediu os empurrando para dentro, logo em seguida fechou a porta e voltou a digitar a senha do alarme ― Não se preocupem, Edward só é um pouco preocupado com a segurança.

― Dr. Watson ― uma mulher surgiu ao lado dele, fazendo o médico pular de susto e Sherlock franzir o cenho pela décima vez naquela noite.

― Oh pelo amor de Deus, Anna, pensei que estivesse dormindo. Está tarde.

― Sinto muito, doutor. O Sr. Watson me pediu para esperar sua chegada e pediu para avisar que estará aqui em alguns minutos ― a mulher se desculpou polidamente, em seguida ergueu uma muda de roupas e um objeto dourado que Sherlock reconheceu muito bem. ― Aqui está, precisa de algo mais?

― Apenas sirva algo para a nossas visitas e vá dormir, por favor.

― Sim, senhor.

Lentamente Sherlock viu ajeitar as roupas limpas em seu braço e colocar a aliança dourada em seu anelar esquerdo, o gosto amargo em sua boca voltara assim como o aperto em seu peito. Escutou Lestrade pedir um chá a tal Anna, mas não notou quando se sentara no sofá amplo dos Watson. Porque, oh sim, estava em uma casa dos Watson. Além da aliança, também não deixou passar o sutil vocativo usado pela Governanta. Sr. Watson. Ficou claro em suas palavras antecedentes, que sua maneira de diferenciar os dois era usando o Doutor e Senhor, o Dr. Watson estava ali e o Sr. Watson chegaria em breve para lhes passar mais informações.

Unindo tudo a naturalidade que John agira com Edward e seu conhecimento sobre a casa, Sherlock tinha uma grande e latejante dor de cabeça, a lembrança da conversa que tivera com Harriet voltando à tona.

― Nunca quis ofendê-la, Harry. Sei o quanto você é importante para o seu irmão, assim como sua família ―  Sherlock se apressou em responder.

― O engraçado é que não estou falando de mim... ou da minha família.

― Você está dizendo que...

― Sherlock?

O Detetive piscou fugindo da lembrança e o fitou magoado, mesmo sem ser o seu real proposito. Queria estar com raiva ou, na melhor das opções, aparentar indiferença. Mas não conseguia esconder a magoa. John já não usava a mesma blusa e o mesmo casaco, e o olhava com distinta tristeza e culpa.

― Alguma explicação? ― foi tudo o que conseguiu dizer sem sair do controle de suas emoções.

― Acho melhor eu os deixar sozinhos ― Lestrade se adiantou.

John logo o impediu enquanto sentava na poltrona a frente.

― Não, Greg, você tem direito de ouvir isso tanto quanto ele. Depois, se ele quiser, eu volto a entrar no assunto.

― Pois então comece ― Sherlock o apressou rude.

Viu o médico fechar os olhos e suspirar, seus dedos mexendo na aliança em um ato de nervosismo.

― Eu e Edward nos conhecemos há quase vinte anos, durante a faculdade. Ficamos amigos, mas não nos envolvemos muito na época. Ele tinha influencias que eu nunca aprovaria, mesmo assim mantemos contato e certo dia, quase oito anos atrás, ele me ligou em desespero, falando sobre algum assassinato ou tentativa. Fui o mais rápido que pude porque sabia o quão ruim ele podia agir nessas situações e acabou que a merda já estava feita ― John riu sem humor ― Edward se envolveu com as pessoas erradas e naturalmente, pessoas inocentes pagaram por isso. Naquela época eu não sabia que o responsável era Moriarty e muito menos do que ele era capaz.

Os olhos de Sherlock cresceram e momentaneamente a magoa fora empurrada para o canto.

― Responsável pelo o quê?

John piscou repetidas vezes, afastando algumas lembranças antes de responder:

― Beatrice era a amiga mais próxima de Edward, tinha um gênio forte e uma afeição por tatuagens que nunca fazia. Moriarty decidiu usá-la para ensinar alguma lição a ele, a família dela foi um... efeito colateral, como o próprio Moriarty disse. A irmã mais velha de Beatrice, Marley, estava grávida de seis meses na época.

Subitamente John se levantou e caminhou em passos rápidos até a cozinha, abrindo a geladeira e continuando a falar:

― Beatrice não tinha mais família e Edward teve certeza que se a criança entrasse num orfanato, Moriarty voltaria para terminar o trabalho. Então teve a ideia de sermos um casal, não tínhamos muitos próximos para contradizer e isso facilitaria a adoção, não seria eu a negar. Minha família nunca soube, o que pra mim é uma benção, mas sabíamos que não poderíamos enrolar para sempre e eu partiria para o Afeganistão a qualquer momento, então não podíamos perder tempo. Então... estamos casados há sete anos.

E de repente Sherlock queria estar de volta à escuridão e realmente não saber o que estava acontecendo, porque agora ele simplesmente não conseguia mais fingir.


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