It's just a trick escrita por KCWatson


Capítulo 22
What should I do?




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Sherlock não costumava sentir raiva. Sentia irritação, perdia a paciência, ficava entediado, agitava-se em seu próprio mundo montando e desmontando enigmas, mas raiva? Não. Era um sentimento forte e inútil demais para ocupar sua mente tão preciosa e ocupada.

Mas é claro que John Watson mudaria isso de algum jeito.

A revelação de que o médico corria perigo ao seu lado e com o silencioso consentimento de Mycroft borbulhava sob a pele do Detetive. Não bastava a dolorosa admissão do seu descontrole, ainda era forçado a aceitar que tal fato era uma realidade bem conhecida para o seu irmão e, quem sabe, até mesmo para o próprio John.

E para confirmar toda a situação, sentia que ia explodir a qualquer momento. A raiva só aumentava a cada passo, mas precisava se controlar. Respire, não faça de Moriarty um profeta.

A realidade era difícil de engolir, outra confissão. Precisava aceitar que Moriarty havia jogado muito bem, usara o mais obvio e simples dos motivos, e o fizera se desdobrar em busca de um plano perfeito e muito bem elaborado. Suspeitos, segredos, desconfiança, conexões entre pessoas e informações, informações nas entrelinhas de um caso ou dois... tudo estava grudado e organizado nas paredes do seu Palácio Mental. No entanto, no final e acima de tudo, Moriarty queria apenas descontrolá-lo, simples e brutalmente.

 Sherlock não negava a gravidade da situação. Tinha plena consciência do que poderia fazer fora de controle e para onde a culpa o levaria no final. E por isso parte da raiva estava sendo destinada a si próprio, porque a resposta sempre esteve ali. Moriarty não atirou na própria boca porque percebeu que se importava demais com John e pelo mesmo motivo não o matou quando o acordo foi quebrado.

Mas também havia raiva o suficiente para outra pessoa.

Por isso Sherlock desviou dos seguranças como uma criança desvia dos pais para continuar a brincar e chutou a porta escura e maciça com a mesma força que chutaria a cabeça de Moriarty se tivesse a chance.

Dentro da sala Mycroft se ergueu em um sobressalto e encarou sua porta recém arrombada com os olhos arregalados.

― Você acabou de quebrar a minha porta, Sherlock? ― questionou sem acreditar.

Sherlock não respondeu, escapou de mais dois seguranças e se aproximou do irmão com a mesma raiva, agarrando seu pescoço e o prendendo contra a parede. Imediatamente armas foram apontadas em sua direção.

― Por que fez isso? ― rosnou contra o rosto do irmão.

― Abaixem... abaixem as armas ― Mycroft ordenou com dificuldade. ― Saiam... Agora!

Os seguranças se entreolharam confusos, mas obedeceram. Recolhendo as armas e saindo logo em seguida.

― Solte-me ― pediu no mesmo tom.

― Estou esperando você me responder... ou ficar sem ar, o que vier primeiro ― Sherlock respondeu bruto.

Mycroft tentou respirar fundo e agarrou a mão de Sherlock, tentando afastá-la.

― Mas... o que quer saber? Diga de uma vez.

Sherlock bufou enraivecido e aumentou a pressão sobre o pescoço do outro.

―  Quero saber o motivo para ter permitido que esse plano continuasse. Sabia que eu estava perdendo o controle, que John estava em perigo e que Moriarty quer justamente a junção desses dois fatores ― exigiu saber antes de soltá-lo e se afastar, atordoado. ― Você assistiu enquanto eu me afundava em informações inúteis. Por que não me parou?

― Acho que você é bem grandinho para se cuidar sem minha ajuda ― Mycroft respondeu com a voz falha, massageando o pescoço.

― Você nunca pensou assim antes! ― Sherlock rebateu de imediato. ― E se eu tivesse voltado a usar? Voltado aos meus vícios! O que eu faria com o John? Pensei que se importava com ele!

― Eu me importo! ― Mycroft retorquiu alterado. Então respirou fundo antes de continuar. ― Você precisa se acalmar, Sherlock. Essa situação só alimenta o plano de Moriarty.

Sherlock não respirou fundo ou tentou se acalmar, simplesmente não conseguia. Em vez disso agarrou os próprios cabelos e permaneceu andando de um lado para o outro, como um animal enjaulado.

― Por que não me disse nada, Mycroft? Deveria ter me dito. É a segurança de John em jogo!

― Nunca acreditei que o machucaria.

Subitamente Sherlock parou e o encarou.

― O que disse?

Mycroft pigarreou e ajeitou sua gravata, logo colocando as mãos nos bolsos da calça e voltando a falar, como se nada tivesse acontecido:

― Você nunca machucaria e nem nunca machucará John Watson, não da maneira como Moriarty espera. É até ridículo pensar o contrário e me surpreende que esteja fazendo isso.

― Mas eu já o machuquei antes!

― Em situações isoladas e incomuns que foram propositalmente exageradas por mim.

― Não finja que não posso ser perigoso ― Sherlock rosnou entre dentes.

― Por que eu me daria o trabalho de fingir? ― Mycroft retrucou em tom cansado. ― Nós dois sabemos o quanto sua insanidade aflora no descontrole, irmão. Sei disso mais do que qualquer um, mais até do que você mesmo, porque enquanto sempre negou o problema, eu sempre observei. Eu sempre estive lá para tirá-lo do chão, às vezes até literalmente. Você é perigoso, Sherlock.

― Então...

― A questão é que Moriarty não entende um ponto simples nessa história toda, um ponto que ele eventualmente ignora, mas que é forte o suficiente para mudar tudo.

― Que ponto?

― John, é claro, mais precisamente o amor que você sente por ele.

Sherlock riu, quase debochadamente. Foi natural, acima de qualquer pensamento. Porque mesmo que amasse John, tão profundamente quanto achava, era obvio que Moriarty já tinha adicionado isso aos planos.

― Isso! ― Mycroft anunciou repentinamente, aproximando-se do irmão. ― É exatamente isso que você precisa parar de fazer, Sherlock.

― Isso o quê? ― o Detetive questionou confuso.

― Duvidar. É nessa dúvida que Moriarty ganha o jogo.

Sherlock paralisou.

― Eu... eu não entendo, Mycroft. Onde quer chegar com isso?

― Todo mundo consegue ver que você ama John Watson, mas Moriarty sabe que você não quer e não vai admitir esse sentimento, porque é um erro humano, uma fraqueza! Ele sabe que você vai preferir fingir que nada está acontecendo, que nenhum sentimento irritante está atormentando o seu inquieto Palácio Mental. Moriarty acha, assim como muitos outros, que seu amor por John não é forte ou sólido suficiente para ultrapassar suas próprias barreiras, muito menos para impedir um descontrole seu. Mas é exatamente nisso que Moriarty erra, porque eu sei que esse sentimento é forte o suficiente para te enlouquecer e isso prova que você ia preferir morrer a ter que ferir o seu bom doutor.

Em outro momento Sherlock provavelmente absorveria aquelas palavras e meditaria sobre elas o resto do dia, mas naquele instante só um questionamento surgiu, tão urgente e enraivecido quanto sua sede anterior por respostas.

― Se você sempre soube disso... ― começou em tom sério. ― Então porque o beijou?

Mycroft piscou surpreso, definitivamente não estava esperando por essa resposta.

― Como disse?

― Exatamente o que ouviu. Por que o beijou sabendo dos meus... sentimentos?

― Não vou perder tempo falando sobre isso...

― Não é perda de tempo ― Sherlock o interrompeu. ― Não para mim.

Mycroft apoiou-se na mesa e hesitou, ato que não passou despercebido pelo Detetive e que trouxe novas incertezas para seus pensamentos.

― Mycroft... ― ele chamou, preocupado com a reação inesperada do irmão. ― Não me diga que-

― Não tire conclusões precipitadas... por favor ― Mycroft o interrompeu, fazendo-o arregalar os olhos. ― Isso é tão difícil para mim quanto é para você.

Sherlock se refreou, não porque o pedido o assustou o suficiente para impedi-lo de falar, mas porque, pela primeira vez em muito tempo, Mycroft parecia... vulnerável.

― Vai me contar um dia? ― o Detetive arriscou perguntar.

O mais velho rapidamente negou com a cabeça e ocupou as mãos com os papeis que estavam sobre a mesa, reforçando uma organização que já existia e descartando o assunto.

― Não, esqueça, não é importante.

― É importante pra você.

Mycroft engoliu em seco e respirou fundo, piscando repetidas vezes. Sherlock não ousou falar novamente, estava claro que seu irmão estava no limite e ele mesmo sabia o quanto era perigoso estar no limite. No entanto, só poderia imaginar a gravidade dos estragados que aquilo causaria se saísse do controle do irmão.

― Esses sentimentos... estranhos e confusos ― Mycroft recomeçou a falar ainda incerto. ― Você já sabe como eles podem nos deixar lentos, como eles podem interferir nos nossos pensamentos, você já compreende como ele pode ser um problema... mas confie em mim, Sherlock, quando eu digo que o problema pode ser irreversível quando tentamos suprimi-lo. Fingir que não existe não faz desaparecer.

― Então o que eu devo fazer?

― Sinta.

***

John respirou fundo antes de atender o celular pela segunda vez naquele dia. Já sabia do que se tratava.

― Então?

Precisei improvisar um momento, mas o plano deu certo ― Mycroft respondeu do outro lado da linha. Parecia mais sério do que na primeira ligação.

­― O que quer dizer com improvisar? O que aconteceu? ― John questionou se preocupando.

Nada com que precise se preocupar. Prepare-se, logo ele voltará para o apartamento.

― Mycroft...

― Confie em mim, John.

Quando a ligação foi encerrada John quase lançou o celular contra a parede. Sherlock havia descobertos os planos de Moriarty e agora, no mínimo, exigiria uma distância segura até tomar alguma decisão definitiva, o que só ocorreria depois de muito tempo imerso em seu Palácio Mental. Mas o médico não poderia permitir que os pensamentos de Sherlock fossem longe demais, já havia exigido demais de sua ignorância com sentimentos ou de seu problema em ver a simplicidade das situações, não poderia mais arriscar.

Mas o que deveria fazer?

Seu estomago embrulhou e suas mãos voltaram a tremer, lembrando-o de sua condição desconhecida. Precisava lembrar de fazer alguns exames para descobrir o motivo de estar tão cansado nos últimos dias, pois a indisposição estava atrapalhando até sua mente. John não queria mais pensar, planejar ou qualquer coisa que envolvesse algum esforço, ele só queria ficar na cama pelo tempo que julgasse necessário.

Guardou o celular e foi até a cozinha preparar mais um chá. Precisava estar pronto quando Sherlock chegasse.

― John!

A mão de John tremeu com o susto e o copo com chá quase caiu.

― Droga. O que aconteceu, Sherlock?

Sherlock não respondeu, permaneceu estático no meio da sala, observando-o como se o visse pela primeira vez. John engoliu em seco, pensando sobre o que acabara de ouvir de Mycroft.

Agora estava claro que Sherlock sabia do plano. Estava estampado em seu rosto.

― Sherlock? Tudo bem? ― insistiu novamente.

Talvez estivesse errado, talvez Sherlock tivesse apenas descoberto algo que considerasse importante.

― Lembra quando pediu para tentarmos? ― Sherlock questionou subitamente, ignorando a última pergunta.  ― Você disse que não custava nada tentar. Lembra o que eu disse?

John precisou de algum momento para concluir sobre o que deveria lembrar. Mas não era difícil. O beijo, é claro. O dia em que se beijaram pela primeira vez e a conversa que ocorreu logo em seguida. A conversa que ele tanto tentou, mas não conseguiu esquecer.

― Você disse... que não confiava em mim o suficiente para tentar ― respondeu a contragosto.

― E eu quero que saiba que ainda não confio.

John sentiu como se tivesse recebido um murro e literalmente recuou um passo, colocando o copo de chá sobre a mesa.

― Sherlock...

― Não ― o Detetive o interrompeu. ― Não pense que vou desconsiderar os nossos últimos dias. Conhecer sua família, estar entre vocês... foi esclarecedor, e mesmo não esperando, acabei me sentindo um pouco mais conectado com você, com a sua vida além disso que criamos aqui.

― Mas? ― John insistiu em tom sugestivo.

Sherlock suspirou e se aproximou levemente, apenas para colocar mais ênfase em suas palavras:

― Esses últimos dias também serviram para me lembrar que ainda há muito em jogo. Moriarty está brincando com a gente, pessoas estão morrendo, sua família está sob ameaça e nós precisamos nos focar em acabar com isso de uma vez por todas.

― Perdão... está me dispensando? ― John questionou um pouco incerto sobre o que estava ouvindo.

― Oficialmente.

John cerrou os olhos e o encarou com desconfiança, não apenas pela estranheza da conversa, mas principalmente porque sabia que havia algo a mais, tinha certeza de que Sherlock estava escondendo alguma coisa. Franziu o cenho.

― Oficialmente?

Subitamente Sherlock reagiu e pegou o copo que John colocara sobre a mesa, sorvendo o chá logo em seguida e se afastando para sentar em seu poltrona.

― Já que estamos de acordo, precisamos nos preparar.

― Para o quê? ― John questionou sem se mover.

― O dono da Lekarz aceitou nos ajudar.

― Lekarz? É a boate que Greg mencionou? Onde Vivian Norman estava antes de morrer?

― Ela estava próxima do local. Assim como as outras vítimas.

― Não acho que a Dra. Norman frequentava esse tipo de lugar.

― Você não está me ouvindo? Ela não frequentava.

John respirou fundo e maneou a cabeça. Aparentemente teria que esperar por um momento mais oportuno para ouvir a verdade de Sherlock, por enquanto veria até onde as ações dele iriam.

― Então essa é a ligação entre as vítimas? ― perguntou por fim. ― A mesma boate. Lekarz.

― Exato ― Sherlock forçou um sorriso satisfeito. ― Liguei para o dono no caminho para cá e ele concordou em nos ajudar. Nós o encontraremos na boate hoje à noite e ele nos dará acesso às filmagens e alguns documentos sobre os funcionários.

― Muito solicito.

― Potencialmente não confiável, admito, mas ele apenas está desesperado em não sair como o culpado disso tudo.

― Certo, só vou trocar de roupa e pegar minha arma.

Quando John deu as costas, Sherlock se permitiu sorrir. Pela primeira vez não estava em uma completa escuridão e usaria isso ao seu favor.

Ou era isso que pensava.


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