Psi-Cullen (Sunset - pôr-do-sol) escrita por Angel Carol Platt Cullen


Capítulo 3
Capítulo 2


Notas iniciais do capítulo

fotos do capítulo 2:
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Hoje é sexta feira 9 de fevereiro de 2007 e eu estou ansiosa para conversar com a psicóloga. Meu coração está batendo cada vez mais forte à medida que as horas passam e chega o fim da manhã. ‘Calma, Carol! Fique calma!’ Eu digo para mim mesma ‘Fique tranquila, ninguém vai te morder’.

Quando o último sinal toca avisando para a saída dos alunos meu coração dá um salto, uma pirueta e quase sai pela boca. Ainda bem que ninguém parece ter percebido meu sobressalto. Fico sentada na minha carteira esperando meus colegas irem embora para eu sair depois. Não que eu esteja com vergonha, mas não quero que ninguém me veja indo naquela sala.

Enquanto espero, me concentro em não desmaiar fazendo um exercício de relaxamento, inspirando e expirando lentamente para aliviar ou ao menos diminuir um pouco a tensão. Oxigenar meu cérebro para pensar mais claramente.

 Ainda posso não ir à consulta, mesmo que semana que vem vão me chamar na diretoria de novo. Digo que meu pai não me deixou ficar (eles sabem que eu vim para aula e questionariam). E, bem, isso é verdade. Se eu dissesse que era uma consulta com a psicóloga da escola meu pai provavelmente não me deixaria ficar. Tive que falar que era para um trabalho, tive que me convencer que era melhor assim porque se eu não acreditasse na mentira eu nunca iria conseguir mentir. 

E é verdade que tem um trabalho para fazer e eu poderia ficar fazendo ele na biblioteca, pois ela fica aberta entre a manhã e a tarde. Muitos alunos aproveitam esse horário do meio-dia para trocar ou renovar livros emprestados ou devolver ou apenas ler alguma revista enquanto esperam os ônibus chegarem para levá-los para casa.

Eu sei disso porque eu sou uma frequentadora assídua de lá. Eu gosto do ambiente silencioso da biblioteca (a temperatura fresca, quase fria. Entendo  bem por que; é para conservar os livros, lá em casa os cupins fazem a festa). A atmosfera é muito calma, um contraste com as salas de aula que deveriam ser assim, mas na prática a conversa entre os alunos acontece. É tanto burburinho que às vezes o professor tem que chamar a atenção. Alguns alunos ainda ficam bravos e revoltados, ainda querem ter razão. Mas eles estão errados ao atrapalharem os outros que também tem o direito de aprender.

Querem conversar vão lá fora, a sala de aula é lugar para estudar e para isso deve ter o minimo de barulho. As conversas paralelas incomodam tanto os alunos ouvir o professor quanto também atrapalham a concentração do mestre ao explicar a matéria. E sem entender direito fica difícil para nós tirarmos boas notas nas avaliações que precisamos fazer.

Também porque meu pai poderia suspeitar se eu titubeasse. Sempre fui uma péssima mentirosa. Geralmente quando eu estou mentindo está estampado em meu rosto porque eu não sei disfarçar muito bem. Não sou dissimulada. Prefiro ser honesta que dá menos trabalho e requer menos esforço que viver sempre mentindo. Você tem de se lembrar da mentira que contou enquanto você não precisa se esforçar para lembrar da verdade porque você viveu aquilo realmente e está na sua mente facilmente.

Assim que o fluxo intenso de alunos nos corredores diminui eu pego minha mochila e caminho na direção da sala da psicóloga; eu vi onde era quando eu procurei no final da aula daquele dia em que me disseram para vir. Ela atende só nas sextas-feiras, deve trabalhar em seu consultório particular de segunda à quinta.

Bato na porta e a psicóloga me responde gentilmente:

— Pode entrar, querida – ela já estava a minha espera! Sua voz é surpreendentemente melodiosa e tão linda quanto imagino que seja a voz dos anjos.

Abro a porta e entro devagar ainda receosa por estar aqui.

— Venha querida, não tenha medo.

— O-oi – digo ainda olhando para o chão.

— Você deve ser a Caroline – ela diz como se já me conhecesse não com dúvida, mas demonstrando educação e um certo toque de satisfação em me ver pessoalmente.

— Sim, sou eu – quando levanto a cabeça vejo a mulher mais linda que eu jamais havia visto em toda a minha vida. Ela parecia uma deusa sentada no sofá diligentemente e me sorrindo suavemente.

Imediatamente percebi que era ela que ficava me observando de longe como se soubesse que iriamos nos conhecer. Mas não sabia quando, e esperava o dia em que isso fosse acontecer. Ela estava ansiosa para me ver pessoalmente! Ninguém nunca sentiu isso por mim. Já estou emocionada por esse gesto.

Seus olhos eram de uma cor extremamente bonita apesar de diferente, não eram castanhos claros, pois eu já havia visto pessoas com essa cor de olhos. Eram diferentes, porém muito atraentes quase hipnotizantes de uma cor incrível, eram dourados como ouro derretido ou como a luz do sol ao meio dia em seu pleno fulgor. Eles brilhavam demonstrando que ela estava verdadeiramente satisfeita ao me ver.

— Que bom finalmente conhecer você! – ela disse com a sua voz mais melodiosa que a mais perfeita sinfonia que algum ser humano poderia jamais compor.

— Também é um prazer conhecer você Dra. Esme – não me atrevo a falar o sobrenome porque acho que vou falar errado e complemento sussurrando. – Eu acho que eu não deveria ter vindo...

Ela deixa isso passar. Agora eu sei que ela com certeza ouviu, mas não fez qualquer comentário.

— Não precisa me chamar de Dra. Me chame apenas de Esme.

— 'Tá' bem.

Sento na cadeira que ela me indicou na sua frente. Olho ao redor e não vejo nenhum divã. Eu estranho que a sala de atendimento de uma psicóloga não tenha esse móvel, o mais próximo disso é o sofá em que ela está. Ela parece esperar que eu diga algo:

— Não sei por que eu estou aqui – começo, insegura.

— Seus professores disseram que você tinha que falar comigo.

— Mas por quê? Eu não causo nenhum problema, sou uma boa aluna...

— Exatamente por isso, querida. Eles perceberam que não é normal seu comportamento. Você é muito retraída.

— Isso não é o que eu deveria fazer? – pergunto confusa.

— Os adolescentes geralmente são mais indisciplinados, você é muito certinha e isso provocou o alerta. Mas se você não tiver nenhum problema... Não estou dizendo que você deveria começar a fazer bagunça na sala de aula. Seu comportamento é excelente e por não ser a norma e sim a exceção, chama a atenção.

— Então, posso continuar sendo assim como sou?

— Claro que sim; não creio que você mudaria se alguém dissesse, isso parece algo mais profundo. Os seus professores não têm nenhuma queixa disso. Na verdade, se a maioria dos alunos fosse como você eles teriam muito menos problemas em sala de aula com indisciplina.

— Só isso?! Não faço mal a ninguém, não precisava estar aqui – não preciso dizer, mas Esme sente que eu estou pouco à vontade, como se fizesse algo por obrigação e fosse humilhada. – Há outros que precisam mais do que eu.

— Sua atitude demonstra o quanto você precisa de minha ajuda, querida. Não importa como a mandaram para mim, eu sou sua amiga e vou ajudar você a lidar com seu problema. Você pode não fazer mal a ninguém como você diz, mas prejudica a você mesma. Você é alguém. Você é um ser humano e merece ser tratada bem. Não se auto despreze. Você sabe que o que eu estou dizendo é verdade – começo a chorar ao ouvir as palavras dela; ela está vendo a verdade profunda que eu trago dentro de mim.

Eu fico muda e ela prossegue quebrando o silêncio:

— Como é sua vida em casa, sua relação com seus pais e seus irmãos? – ela pergunta e me estende um lenço de papel para eu enxugar os olhos.

— Não quero falar disso. Por favor - imploro. Não é um tema agradável nem fácil para mim. Família de verdade é algo que eu nunca tive. somos apenas parentes que vivem na mesma casa. Só relação biológica, nada mais. nada de afeto nem carinho ou respeito. Nada.

— Precisamos falar, querida. - ela levanta e fecha a porta para que possamos ter privacidade. Eu não gosto de chorar e pior ainda se alguém me visse. Eu ficaria ainda mais envergonhada - Pode me contar o que você sentir que precisa. Só fale o que sentir que deve e confiar em mim. Estou aqui para te ouvir e ajudar. Estou do seu lado.

Eu não tento mais me segurar, não sei por que, mas sinto que com ela posso me abrir, contar o que nunca falei para ninguém. Se não for com ela, com quem mais? Se eu vou fazer isso tenho de fazer direito, penso, e me entrego totalmente. Fecho os olhos para contar a minha história de vida. Não sei por que mas é mais fácil falar sem ver sua reação. Eu sei que não é uma história de conto de fadas, parece mais uma tragédia grega. Eu talvez merecesse um Oscar pela atuação.

Mas infelizmente não é apenas um drama ou uma novela mexicana da qual eu possa sair. É a minha vida, por mais cruel que seja é a minha tragédia que eu enceno sem escapatória:

 - Meu pai ele me bateu e ainda bate muito mais do que eu acho que deveria. Penso que só conversar comigo já seria o suficiente, mas ele nunca foi desse estilo. Minha casa parece mais um quartel do exército e meu pai é o general. Tudo que ele diz devemos cumprir. Mas o pior nem é isso... eu sou obrigada a fazer o que ele manda, mas meus irmãos mais novos ele não parece ser tão severo com eles. Isso é tão injusto!

'Eu sempre fui a responsável até mesmo pelo que eles não faziam quando eu cuidava deles. Eles não queriam colaborar e faziam de propósito pois sabia que nosso pai iria me bater. Uma vez meu irmão mais novo deixou de fazer algo, não sei bem o que, não me lembro, mas, digamos que ele não lavou a louça intencionalmente, pois sabia que nosso pai iria bater em mim e enquanto ele batia em mim ele gargalhava a valer. Eu chorando e ele sorrindo. Isso foi muito revoltante pra mim. Eu me senti tão mal!

— Seu irmão era uma criança, não sabia o que estava fazendo, você não deve culpá-lo... Não estou defendendo ele, você também era uma criança e por mais que fosse a mais velha de seus irmãos também tinha o direito de ser apenas uma criança e não deveria ter responsabilidade por mais ninguém além de você mesma.

— Isso que eu penso. Eu já era responsável por mim mesma e minha ação eu posso controlar, mas o que os outros fazem eu não posso controlar. Só posso contar com boa vontade, mas isso eles não tinham. Nenhum deles dois. Ninguém em casa. Todo mundo parecia ser egoísta e só pensar em si mesmo. Ninguém podia falar desculpa, obrigado nem qualquer palavra que a boa educação diria que devemos, meu pai não permitia.

Vejo o espanto de Esme quando ela arregala os olhos e abre a boca. :o

'Ninguém nunca abraçou ou demostrou nenhum gesto de afeto nem entre os pais nem destes com os filhos. Meus pais nunca se beijaram em nossa frente. Uma vez eu tive que chorar muito, implorar mesmo por um pouco de carinho do meu pai... Nunca mais vou me rebaixar dessa forma. Amor não se implora. Ou se dá ou não tem, não vale a pena implorar, você ganha de graça não precisa pedir.

'Como meu pai queria que eu fosse aquela menina que eu era antes de ele me bater? É impossível, depois do que ele fez não podemos voltar atrás. Eu também queria que ele fosse como antes de fazer isso, mas o tempo não volta atrás. O pior é ter e depois perder. É pior do que nunca ter tido. Eu sei que parece confuso o que eu estou contando, mas é o que eu penso.

'Antes ele não tivesse mudado assim tanto. Não sei porque. Se ele estava bravo com algo que alguém fez com ele no trabalho não era justo descontar em mim. Eu não tinha culpa. Nem sabia porque apanhava, mas apanhava mesmo sem saber o motivo. Ele batia mais em mim do que em meus irmãos. Eu me sentia um bode-expiatório. Agora eu sei, mas antes eu não via.

— Por que seu pai batia em você, querida?

— Não sei. Talvez eu nasci na hora errada. Eu nasci prematura, não era para eu ter nascido naquele dia. Meu pai nunca gostou de ser acordado e acho que minha mãe acordou ele quando sentiu que eu iria nascer. Ela que se esforçou de mais e eu nasci antes do tempo...

— Carol, querida, a culpa não foi sua. Nem da sua mãe.

— Mas meu pai sempre me tratou mal depois que ele perdeu o emprego na empresa. Como se eu fosse culpada e começou a me bater. Bom, assim eu entendo. Talvez eu fosse uma criança má.

— Aposto que você não era uma criança tão difícil, seu pai não deveria bater em você, não é assim que se educa uma criança.

— Meu pai é muito antiquado. Ele não dá a mínima quando ouve algo sobre esses novos métodos de educação. Ele torce o nariz. Ele acredita que a violência educa. Talvez é porque ele cresceu no período da Ditadura Militar, um tempo muito difícil. Minha professora um dia disse que eu tinha que tentar entender...

— Nada justifica o que ele fez com você. É obvio que esse tipo de educação pela violência causa mais danos que benefício. Se traz algum benefício. Prejudica quem bate e muito mais quem apanha.

— Um dia meu pai chegou a falar que deveria me bater mais, ele não me agrediu o suficiente e por isso eu fiquei assim traumatizada.

— Discordo dele. Acho que seu pai foi longe de mais com você. Mesmo que ele tenha aprendido isso com o pai dele que aprendeu com o avô... ele deveria ter percebido que cada filho necessita de uma forma de educação, não são todos iguais mesmo os filhos dos mesmos pais.

— Enquanto eu fiquei assim, meus irmãos são uns preguiçosos e folgados.

— Claro. Tudo ficava nas suas costas porque seu pai mandava. Mas e a sua mãe?

— Ela nunca fez nada. Eu cheguei a sonhar que ela se divorciava do nosso pai, mas ela nunca protegia seus filhos e ficava sempre ao lado do marido. Acho que também ela tinha medo dele.

— Se ela que é adulta tinha medo dele, imagino você! Quantos anos ele tem a mais que você?

— Ele tem 30 anos a mais do que eu.

— Nossa! Quanta covardia! – ela fica muito chocada. – Além de ele ser homem e bater em uma menina o que já é um abuso enorme, ele ainda é muito mais velho que você. Imagino como você ficava apavorada e totalmente desprotegida porque sua mãe não a protegia.

— Não. Ela viu diversas vezes e nunca disse nada.

— Não quero dizer que se fosse a sua mãe que te batesse fosse diferente, mas seu pai! – ela põe a mão na boca.

O telefone celular dela desperta indicando o fim de nosso encontro.

— Antes de ir eu quero lhe dar uma tarefa – ela me diz.

—  Mais uma?... Já tenho as da escola, mas pode dizer - reclamo, mas não quero ser rude e deixo ela me dizer o que quer que eu faça.

— Quero que tente ser mais generosa com você mesma.

— Está bem, vou tentar.

Ela me conduz até a porta e me abraça em despedida. Eu a abraço tão forte e por tanto tempo como jamais abracei alguém em toda minha vida. Me senti tão bem! Não sei se foi por alguém ter realmente me ouvido sem me julgar, o desabafo ou o gesto. É como se tivesse tirado um fardo das costas, me sinto mais leve!

— Fique bem, querida.

— Obrigada, Esme.

— Tchau.

— Tchau – aceno para ela enquanto ela fecha a porta de sua sala e me viro para voltar para casa.

Vou andando e refletindo comigo mesma, sempre pensei muito e agora eu sinto pena dela. Eu não deveria ter contado, agora ela vai ficar com o meu problema na sua cabeça. Não devia ter feito isso.

Me lembro da tarefa que ela me deu e tento ser generosa comigo mesma e deixar que ela lide com isso. Ela deve saber como deixar tudo que os pacientes falam de lado e seguir a sua vida sem que isso crie problemas. Eu não sou a única paciente dela, então não preciso ficar me atormentando com isso.

...XXX...


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Notas finais do capítulo

trilha sonora:
https://www.youtube.com/watch?v=3YxaaGgTQYM



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