Onze da manhã, a jovem Emily deu com a campainha de seu antigo lar, onde agora morava seu tio Jair. O cachorro latiu de fundo – sinal de que o dono estava em casa.

A criada provavelmente já recolhida, o próprio Jair atendeu à porta.

— Ah, querida! Entre, acabo de fazer um café – como sempre com as mãos sujas de jardinagem. – Está quentinho.

Na cozinha cintilante de branca, Emily escolheu o lugar onde costumava sentar quando era pequena, havia pouca mudança desde então, seu tio nunca trocara os móveis.

— Passava por aqui e notei um policial saindo. O quê houve?

—Ah,  sim, a detetive Gonzaga, muito da arrogante – derramou café em dois copos e numa toalha de mesa com suas mãos inquietas.

— Que desastre! Deixe-me te ajudar. – Emily limpou rapidamente, apanhou a toalha e serviu o café. –  Mas o quê a policial fazia?

— Fiz uma Ocorrência. Invasão Domiciliar.

— Roubaram alguma coisa? — Se direcionou até a lata de lixo sem espanto.

— Não.

— Então? – Emily escorregou a toalha de mesa suja para o lixo com cuidado.

— O que está fazendo? – saltou heroicamente para salvar o pano manchado.

O Velho abriu a lata e enfiou a mão sem pudor, Emily se arrepiou só de imaginar-se fazendo o mesmo.

— Presente de casamento! Boas refeições foram servidas aqui.

— Você é divorciado... – retrucou.

— Mas tem valor sentimental.

— É branco e está manchado com café, já era.

— Acharei uma utilidade para isto – insistiu.

— Certo, mas e o invasor, o que ele fez?

— Isso aqui geralmente é uma zona, e ele arrumou a casa.

— Está brincando comigo.

— A Policial Gonzaga disse o mesmo, porém ele literalmente limpou tudo, até meu cinzeiro. Quem limpa um cinzeiro?

— De vez em quando se limpa. Não teria sido tramoia da empregada, Rosa?

— Rosa me custa dinheiro, não permiti nenhuma diária, se fosse por ela, teria jogado metade da casa fora. Eu sei que foi você sugeriu ela, mas nós tínhamos muitos conflitos – salpicou vários punhados de açúcar em seu café e na mesa nua. – Quer um pouco?

Emily olhou para aquela mão com açúcar que mais parecia mascavo com a terra.

— Prefiro sem –  engoliu amargo mesmo, mas sã de que não tinha aditivos marrons. – Isso parece loucura, tio. Tem suspeita de alguém?

— Que Deus a tenha, pensei de cara na sua mãe. Ela gostava desse lugar organizado

— Talvez a vizinha, ela vive  fofocando da minha bagunça. Ou suas comadres... Quem sabe alguém tentando me impressionar. De qualquer forma, não dei procedimento à ocorrência, mesmo se quisesse, a senhorita Gonzaga, não me levou a sério. – Ele se levantou. – Eu lavo a louça. Faria o favor de escrever minha lista de compras?

A jovem pegou o papel, e seu tio ofereceu uma caneta.

— Anote aí: Grãos de café, sementes de Margarida, Tulipas Manchadas e de Botão Espanhol. Ah... – Destacou. – E uma toalha de mesa.

— Só um minuto, vou pegar outra caneta. Essa que o senhor me deu, está falha, não pude anotar a do Botão para frente.

Emily, apanhou uma de tinta azul jogada por aí, e reescreveu tudo em outro papel.

— Sabe, eu imagino o que faria alguém simplesmente deixar uma lista de compras incompleta – comentou o tio. – Um infarto, uma emergência... O invasor deixou uma lista na lata de lixo, mas a caneta parou na metade de uma palavra. Ele usou minha caneta. Quero dizer... Eu tenho estojo de canetas aqui das mais diversas cores pros meus cartazes, ele poderia simplesmente poderia ter pego uma e completado. Mas ele não o fez. Meu palpite é: ele passou a limpo, pois odiava a ideia de continuar a palavra com uma cor diferente. Ele tem TOC.

Ele riu.

— Pena que nunca saberemos quem foi, e quais foram seus motivos – ele acrescentou. – O maníaco da limpeza...

— Uma pena, tio – disse escorregando um paninho descartável com álcool em gel sobre o açúcar da mesa. – Nunca saberemos, nunca saberemos...