Mente de Coordenadora Pokémon escrita por Kevin


Capítulo 4
Viver com medo


Notas iniciais do capítulo

Fala galerinha!

Este é o último capítulo antes do bloco ir pra rua.
Vamos ver os últimos rastros do que veremos na fic e finalmente começar a quebradeira.



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Mente de Coordenadora Pokémon
Episódio 04: Viver com medo

 

<><> Prisão Juvenil Feminina de Alta Periculosidade - Dois meses atrás <><>

 

Passos lentos e duvidosos eram dados por Mirian, apesar da agente penitenciária tentar apressá-la. Era sempre um incomodo ser retirada de sua cela para uma visita, já que o defensor público que a representava, o único que a visitava, nunca demonstrava avançar na sua defesa. Mas, naquele dia ela sentia-se mais incomodada que o normal ao fazer aquele percurso. Não era dia de visitas, ou mesmo horário comum para aquilo, quatro da tarde. Mas, agradecia por não ser tarde da noite ou teria certeza que a visita seria dolorosa.

No geral, guardas não eram amistosas ou simpáticas. No entanto, não exigiam pressa em nenhum procedimento ou claramente apresentavam mau humor e nervosismo. Aquela que a levava estava com todos os traços que aquilo estava bem fora da normalidade, ou a pessoa que requisitou a visita a deixava nervosa.

Ao parar junto a uma porta Mirian franziu o cenho vendo que não conversaria com sua visita no local das visitas. Normalmente uma ala aberta que muito lembrava um refeitório. Ela estava sendo encaminhada para a sala de interrogatório a qual ela por vezes foi levada. Arrepiou-se de imediato. Nenhuma lembrança boa vinha daquela sala.

 

— Quanto tempo? -

 

Mirian questionou temendo o que viria a seguir. Quando se tratava de pokémon ela não tinha grandes habilidades, quando se tratava enfrentar perigos ela era pior ainda. Mas, queria ser escritora e por isso observava as coisas de uma forma mais analítica e sabia quando algo estava errado, mesmo que fosse incompetente para fazer algo a respeito. A pergunta era necessária para saber o quanto precisaria resistir ali dentro, já que não era seu advogado que estaria ali e estaria longe da visão de qualquer um.

A porta se abriu e ela foi empurrada para dentro, sem que as algemas tivessem sido tiradas. Ela quase caiu, mas apoiou-se na mesa que havia na sala. O material de metal gelado da mesa a fez arrepiar-se ainda mais. Odiava aquele lugar. Seu olhar se elevou e viu um par de olhos azuis e uma cabeleira loira olhando-a sentado com um sorriso bobo no rosto.

Mirian olhou para trás e viu que a porta havia se fechado. Olhou a câmera e viu que a luz de gravação estava desligada e percebeu que o vidro fume que certamente escondia quem estava do outro lado durante os interrogatórios estava transparente mostrando que não havia ninguém do outro lado para presenciar o que aconteceria ali, sabe-se lá por quanto tempo.

Além da mesa metálica de dois de comprimento por um de largura haviam duas cadeiras. O chão de concreto cinza e paredes do mesmo material deixava o local com um ar esquisito. Ela olhou para o loiro sem saber se o encarava ou não, afinal ele estava com uma camisa social preta aberta mostrando um belo cordão dourado com o pingente K nele e podia ver o peitoral definido a mostra, apesar de não ser exatamente uma pessoa musculosa.

 

— Sempre gostei dessa sua falta de jeito. - Ele comentou. - Você fica inquieta e acaba saindo das perguntas óbvias, deixando de lado as perguntas corretas e importantes, indo direto as coisas que satisfarão questionamentos que ninguém teria. -

 

Mirian ensaiou umas duas ou três palavras, mas acabou apenas sentando-se na cadeira que sobrava, bem à frente dele, com a mesa os separando. Ela não sabia o que dizer ou o que pensar naquele momento. Nunca imaginou que de todas as pessoas que conheceu o campeão da Liga Pokémon de Kanto a visitaria na cadeia, três meses depois de já ter desistido de alguém realmente aparecer e se importar com ela. Somado a isso, a visita dele na sala de interrogatório também a chocava.

 

— Pelo seu rosto o negócio aqui dentro tem estado difícil. - Era um jovem que aparentava seus 19 anos e exibia o tempo todo um sorriso encantador, mas não parecia querer seduzir ou ganhar a simpatia com aquilo. - Mas, o que você queria? Se o Lado Sombrio da Coordenação Pokémon te colocou aqui, tenha certeza que não foi apenas para aviso. -

 

— Como assim? - Mirian questionou, finalmente dizendo algo. - Por que está aqui Kenan? Como conseguiu que liberassem uma visita fora do horário e dia de visitas, sem nenhuma vigilância, pessoas acompanhando ou monitoramento? Que tipo de visita é essa? -

 

— Quebraram seu espírito. - O jovem suspirou e pareceu desanimar. - Eu esperava tantas perguntas vindas de você, como quem está na frente nos concursos ou talvez o que quer para me tirar daqui? - Ele realmente pareceu desanimado. - Enfim, como sabe sou um campeão que as pessoas chamam de multi campeão. Eu acabo conseguindo um favor ou outro onde eu vou em troca de um favor ou outro. -

 

Mirian tentou coçar a cabeça, mas acabou desistindo ao ver que as algemas que a prendiam não deixavam que ela se mexe-se corretamente. Sentiu-se boba naquele macacão laranja, presa e conversando com um Campeão de Liga Pokémon que mostrava um estranho interesse por ela. Ainda assim, ela reconhecia que ele era uma pessoa confiável ou a conversa estaria sendo outra. O problema era entender o que ele estava fazendo ali, gastando favores para falar com ela secretamente sobre coisas que ela não entendia.

 

— O que lhe foi proposto e por que recusou? -

 

A pergunta foi simples, curta e direta. No entanto, parecia que o jovem campeão de liga, Kenan Kornox, esperava uma resposta mais detalhada que a pergunta. O que não receberia já que Mirian não tinha ideia do que ele estava falando.

 

— Do que você está falando? - Questionou Mirian sem compreender. - Afinal, o que veio fazer aqui? O que quer comigo? -

 

Kenan a encarou por alguns instantes sem dizer nada. Então levantou-se pegando sua cadeira com as mãos e a levou até o lado de Mirian. A menina viu o que foi feito, mas não conseguiu fazer algo antes que o campeão sentasse ao lado dela e inclinasse-se sobre ela.

 

— O q... q... -

 

Gaguejando Mirian pensou em se afastar, mas não conseguiu e viu que a boca dele aproximar de sua orelha direita e congelou.

 

— Vou perguntar bem pertinho de seu ouvido - Os lábios dele quase tocavam a orelha dela. - Em um surdo murmúrio para que se sinta mais segura. - Kenan pousou a mão direita sob as mãos algemadas de Mirian. - Vou até explicar, evitando que qualquer dúvida fique em sua cabeça. -

 

Mirian apenas mexeu com a cabeça para cima e para baixo, num gesto tímido e quase que imperceptível. Tentava manter a respiração controlada, mas sentia o coração palpitar forte e rápido.

 

— Armaram para você. Não possui as habilidades necessárias para falsificar e muito menos a coragem para caçar. No entanto, tem algo dentro de você que faz você mexer com as pessoas, especialmente nas apresentações pokémon. - Kenan pareceu chegar mais perto o que Mirian não acreditava ser possível. - Isso atraiu o interesse do Lado Sombrio da Coordenação Pokémon e por isso veio parar aqui, pois se recusou a estar com eles. -

 

— Do que está falando? -

 

Mirian virou o rosto farta de ouvir ele falar sobre o Lado Sombrio da Coordenação, sem entender o que era aquilo. Desde que conhecera o Campeão, em seu primeiro concurso, escutava-o falar disso sem que ele explicasse corretamente o que era. Iria questioná-lo de forma mais firme. Mas, o rosto dele estava tão próximo que ela voltou a congelar, olhando direto nos olhos dele, completamente sem jeito por agora sentir a respiração dele em seu rosto.

Encarando-a nos olhos Kenan ficou ali parado por alguns instantes. A respiração dizia, os batimentos do coração diziam, o jeito de portar dizia, os olhos diziam e agora ele sabia. Ele fechou os olhos e Mirian sentiu que a respiração dele mudou e temeu pelo que viria a seguir e fechou seus próprios olhos.

Um minuto, dez segundos ou talvez menos do que um instante. Mirian não sabia dizer quanto tempo esteve com os olhos fechados. Mas, escutou a porta se abrir e abriu os olhos por impulso, não viu Kenan ali e a guarda de mau humor havia voltado.

 

— Espero que sua visita intima tenha sido satisfatória e lembre-se que se falar algo, posso ter sido o último com quem passou um momento agradável. -

 

Mirian piscou aturdida tentando reagir ao fato de que um campeão de liga sabia sobre as visitas íntimas clandestinas daquele lugar.

 

<><><><> Centro Pokémon de Vermilion – Dias Atuais <><><><>

 

Diante do perigo você corre. A regra é simples porque seres humanos têm em seu DNA o instinto de sobreviver. Existirão aqueles que se sentirão atraídos pelo perigo, impelidos a flertar com a morte pelo simples prazer da adrenalina ou se provar.

Mas, vai haver também aqueles que serão levados a se aproximar do perigo por amor a algo ou a alguém. Esses talvez sejam chamados de corajosos e nobres por uns, mas certamente no caso de Mirian Miller a palavra idiota será sempre a empregada.

Os corredores escuros do Centro Pokémon eram tão silenciosos as três da madrugada que talvez ela tivesse medo de sua própria respiração ao esgueirar-se pelos cantos, indo e vindo para que suas novas dúvidas fossem solucionadas. Primeiro até a recepção para um acesso clandestino ao computador a fim de descobrir em que quarto Kenan estava hospedado. Depois até metade do caminho ao quarto de Kenan e em seguida de volta a recepção atrás de uma chave extra.

Seu coração estava disparado ao chegar a porta e usar a chave para abrir a porta com cuidado e entrar. Nunca havia invadido um lugar antes e por mais que não quisesse fazer nada de mau, sentia-se quase criminosa ao fazer isso.

 

Será que essa minha atitude é reflexo do tempo que passei presa? Dizem que a Juanita invadia uns cinco locais por dia e eu passei até um bom tempo com ela. Não! Eu preciso falar com Kenan sozinha e não posso simplesmente chamá-lo, ou vou fazer todos saberem que ele está aqui! Mirian havia ficado inquieta na cama por horas lembrando-se da visita que ele fez a ela na prisão e a conversa de horas atrás que teve com ele e sua mãe.

Por que ela morreria ao saber sobre o Lado Sombrio? Por que Kenan dizia que o Lado Sombrio havia armado para ela ser presa? O que o Lado Sombrio fez com sua mãe?

Acabou por decidir que falaria com Kenan ainda naquela noite.

Porta fechada atrás dela e agora tudo era escuridão. Escutava uma respiração leve e entendia que era Kenan dormindo. Tentou imaginar em que posição ficaria a cama e o que aconteceria se ela o chamasse, o resultado de tudo que imaginava parecia ser desastroso, por isso resolveu que acenderia a luz. Precisava apenas dar dois passos para a sua direita e sua mão alcançaria o interruptor, caso ficasse na mesma posição que a de seu quarto. Um passo e sentiu algo apertar o pé que havia levado a frente.

Ela berrou. O apertar não a assustou, mas sentiu que tudo girava e logo sentiu que o apertão era mais forte agora na garganta. Sacudia-se batendo em tudo que era possível. As luzes se acenderam e então viu o quarto girar enquanto sentia seu corpo bater com força contra o chão e seus braços serem levados para trás com força e brutalidade.

Quando conseguiu fixar uma imagem novamente uma bola branca e vermelha estava a sua frente, possuía olhos e parecia faiscar em eletricidade estática. Ela ofegava tentava dizer algo, mas a boca só mostrava a tremedeira, como o restante do corpo.

 

— O que quer? -

 

A menina escutou a voz e arriscou olhar na direção que achava que o dono estaria, sem identificar de quem era pois nunca havia escutado voz tão sinistra. Ela procurou mas, não encontrou. Sentiu que seus braços foram levados ainda mais para trás e pensou que eles quebrariam, tentou gritar de dor, mas não conseguiu.

 

— Última chance? -

 

A voz era assustadora. Ela fechou os olhos começando a chorar compulsivamente. Sentiu um par de mãos tocar suas pernas junto ao short e a cintura, como se vasculhassem possíveis bolsos ou coisas escondidas e logo depois o apertão pareceu diminuir. E seu corpo pendeu solto no chão. Ela ficou tremendo por alguns instantes, choramingando, quase encolhendo-se em posição fetal.

 

— Está tudo bem aí? - Uma voz do corredor foi escutada seguida de algumas batidas na porta.

 

Mirian tentou gritar por socorro, mas uma voz adiantou-se a ela.

 

— Pesadelo! Está tudo tranquilo! -

 

— Achei que era uma menina. Cara, você grita como mulherzinha! - A voz reclamou enquanto se afastava de perto da porta, ganhando os corredores. Mirian pode notar a diferença no tom de voz que estava no quarto com ela, naquele momento e arriscou olhar para o lado e viu novamente a bola vermelha com eletricidade ao seu redor.

 

— Este é o Voltorb! Elétrico com habilidade de paralisar por meio de descargas elétricas. Raivoso e com tendências a explodir se for ameaçado. - A voz riu. - Feche os olhos, encarar é ameaçar na opinião dele. -

 

Mirian fechou os olhos no mesmo instante. Virou o rosto rapidamente e abriu-os novamente. Viu um homem verde musculoso. Fechou os olhos rapidamente, com medo de encarar a pessoa, tinha certeza que aquele era o cara da voz sinistra e que tinha a derrubado no chão e quase quebrado seus braços.

 

— Este é o Machoke. Pokémon em formato humanoide, com grandes músculos e pele esverdeada, do tipo lutador. É meu segurança noturno! - A voz riu. - Ele é eficiente, né? -

 

Mirian tentou se acalmar. A voz diante dela estava calma e aparentemente parecia tentar acalmá-la também. Respirou fundo e sentou-se, saindo da posição que ela sabia ser vergonhosa, mas sabia ter mais com o que se preocupar naquele momento. Finalmente, em sua nova procura encontrou um rapaz loiro sentado à sua frente.

Kenan estava sentado no puff, apenas com uma bermuda. Sorria um pouco para ela, mas tinha certeza que aquele sorriso não era encantador. Ainda assim, ela não conseguia deixar de olhá-lo quase desnudo. Depois de todo aquele terror, parecia até que estava sonhando. Talvez estivesse e nunca saíra da cama, de fininho, para ver Kenan.

 

— Veio me seduzir ou me matar? -

 

Mirian franziu o cenho por alguns instantes. Eram opções realmente estranhas, a julgar que se ela estivesse tentando matá-lo ela seria uma péssima assassina. Pensou que era sonho e tentou se mover até ele, mas escutou os pokémon ao lado rugir.

 

— Achando que é sonho, né? - Ele falou sem necessidade que ela respondesse. - Então, vou considerar que não veio aqui me matar a mando do Lado Sombrio. - Ele ficou de pé e começou a caminhar até ela. - Mas, vai ter que me confirmar que não veio me seduzir... -

 

Mirian ficou olhando para Kenan por alguns instantes tentando entender a fala dele, até perceber o olhar. Não safado, mas genuinamente de um homem diante a uma mulher bonita. Abaixou o olhar, inicialmente envergonhada. Mas, acabou olhando para si mesma e ficando completamente constrangida. Não havia trocado de roupas quando resolveu esgueirar-se pelo centro para falar com ele e com isso ainda usava roupas curtas e razoavelmente folgadas. Após ser girada e lançada de um lado para o outro pelo pokémon lutador, seu short estava a revelar toda sua calcinha, enquanto a blusa parecia ter perdido a alça direita, revelando bastante de seu seio.

Tentou se endireitar, mas levando rosnados irritados dos pokémon que a ameaçavam a cada movimento acabou por pouco poder fazer. Olhou para o loiro pedindo socorro e o encontrou rindo da situação.

Ele andou pelo quarto e pegou um roupão que estava pendurado próximo ao que parecia ser o banheiro. Retornando ele fez sinal para os pokémon que estava tudo bem e então segurou o roupão esticado e aberto para que ela levantasse-se e viesse vesti-lo.

Tremendo a menina olhou para os pokémon que se afastaram dela e então ela conseguiu endireitar-se com as roupas que usava e só então tentou levantar. As pernas tremeram e a queda era certa, mas sentiu, um braço a envolver, amparando-a da queda. Olhou para cima e viu que Kenan estava ali junto a ela.

Ele nada disse, apenas a ajudou a ficar de pé e certificou-se que ela podia fazer sozinha. Kenan foi para suas cosas e a ajudou a passar os braços pelo roupão. O toque de suas mãos pelo seu corpo a arrepiava e fazia-a esquecer, por alguns instantes, o terror de minutos atrás. Sentiu Kenan mexer em seus cabeços, ajeitando-o para fora do roupão e logo se afastando, retornando ao puff. Após fechar o roupão o viu indicar para sentar na cama. Ela deu dois passos em direção a cama e caiu no terceiro.

 

— Acho que o efeito do Ataque Submissão de Machoke ainda não passou. - Disse Kenan enquanto via a menina se apoiar na cama e erguer-se.

 

Mirian olhou-o por alguns instantes, mas acabou por desviar o olhar, sem conseguir continuar olhando-o daquela forma. Ele era belo e vestido com uma bermuda que pouco escondia, ela sentia-se mais constrangida do que imaginava poder ficar após os instantes de terror que passou.

Tateou a cama e alcançou um lençol. Enrolou-o rápido e jogou para ele que o pegou sem entender bem o que ela queria, até perceber era ele quem também precisava se cobrir.

 

— Certo. - Disse ele enrolando-se no lençol. - O que a fez invadir meu quarto? –

 

— Não quero morrer. - Disse Mirian.

 

— Não deveria invadir quartos nesse caso. - Disse Kenan que após alguns instantes olhou para seus pokémon que ainda observavam atentamente a menina invasora. - Eles não vão te matar. -

 

— Falo do Lado Sombrio. - Disse Mirian que viu no mesmo instante Kenan estreitar os olhos. - Eu não sei o que é isso. Se quer sabia que existia o Lado Sombrio na Coordenação Pokémon até você falar e achei que fosse apenas as coisas ruins que aconteciam as pessoas nesse mundo da coordenação. Até ir para a prisão e escutar boatos de que não eram acontecimentos e sim parecia uma entidade. Não liguei, mas você apareceu dizendo que eles me colocaram lá. Agora tem minha mãe achando que eles vão me matar se eu souber mais e você diz que eles fizeram mal a ela, além de que realmente querem te matar! - Mirian começou a ofegar. - O que é o lado Sombrio da Coordenação Pokémon? -

 

— Algo com o qual não deve se meter se quiser continuar viva e não for mais se envolver com concursos. - Diz Kenan tranquilamente. - Então não vou te dizer nada sobre isso a não ser que esteja planejando voltar aos palcos, neste caso seria justo saber com o que lidará. -

 

— Eu... -

 

Mirian parou por alguns instantes. Ela não pretendia voltar. Claramente sua mãe não queria que ela voltasse, ela não queria e sequer tinha habilidade para isso e visivelmente se voltasse correria perigo de vida. No entanto, o Grupo Olimpo se beneficiaria com sua volta e devia muito a eles, havia pessoas que torceram por ela e reconheceram suas poucas habilidades e talvez seus pokémon quisessem fazer aquilo.

 

— Tenho o direito de saber o que ameaça minha vida e o que fizeram com minha mãe. - Disse Mirian. - Tenho o direito de saber o que fiz para que me perseguissem. -

 

— Convença-me! – Disse Kenan sorrindo.

 

Mirian abriu a boca para dizer algo, mas acabou por desistir de repente. Não por não saber o que dizer, ou por achar que talvez ele apenas estivesse jogando com ela, mas lembrou-se do ocorrido em seu quarto horas antes. Ele ia falar e a mãe o impediu.

Levantou-se indo até o chão e pegando a chave que usara para entrar ali, que havia caído em meio a toda aquela confusão e dirigiu-se a porta. Percebeu que os pokémon ainda acompanhavam-na com o olhar, exatamente como seu treinador. Abriu a porta e saiu virando-se para ele.

 

— Não tem nada que eu possa te dizer que te convença, já que você vai respeitar o trato com minha mãe. -

 

— Você sempre me surpreende. - Disse Kenan. - Pode ser que diga algo que me faça quebrar o trato. -

 

Ele olhava para ela com um seu costumeiro sorriso bobo, esperando que ela voltasse para o quarto ou fosse de uma vez embora. E foi a segunda opção que ela fez, não sem antes dizer algo a ele.

 

— Não posso fazer você quebrar um trato com minha mãe, pois seria desrespeitar a vontade dela. Acho que seria o mesmo que pedir que você desrespeitasse a memória da sua. -

 

<><><><>

 

Vermilion era uma cidade que madrugava. Cidade litorânea que possuía muitos pontos turísticos, com um ginásio pokémon que estava sempre de portas abertas além de um porto que parecia não fechar a nenhum instante.

Era nesse porto que diziam ter uma das melhores cenas de nascer do sol que existia em Kanto e Mirian podia comprovar aquilo. Era um colorido fantástico, em um silêncio momentâneo de toda a atividade portuária que permitia ser apenas você, o barulho das ondas e do vento. As vezes, nem mesmo o pensamento conseguia ficar revolto diante a cena e era isso que Mirian agradecia naquele momento.

Não conseguiu voltar para seu quarto e dormir como queria, passado trinta minutos rodando na cama, apenas trocou de roupa, o mais silenciosa que pode, e se pôs a caminhar pela cidade a procura do que diziam ser a cena mais linda para um início de manhã revigorante. Não tinha ideia de quanto tempo levou para chegar lá ou quanto levou para que o sol nascesse, mas valia sentia que aquela cena valia a pena.

 

— Você tirou o meu sono. -

 

A voz foi casual e calma o suficiente para que Mirian apenas olhasse para o lado, sem se assustar. Ela estava sentada em um banco do porto, apreciando o colorido e não notou que alguém sentou ao lado dela, até o momento que a voz se fez presente. De certo, Mirian tinha aquele defeito de ser distraída para muitas coisas, mas o cansaço mental ali estava falando bem mais do que sua mania de distrair-se.

 

— Toda garota gostaria de escutar isso de alguém como você. -

 

Mirian disse sem dar muita atenção a Kenan que estava ao seu lado. Vestido com roupas de quem faria exercícios matinais ele não parecia preocupado em ser reconhecido naquele momento, mas talvez quem o reconhecesse e o visse exercitando-se não o interromperia.

 

— Uma pessoa normal acharia que você está flertando comigo. - Disse Kenan. - Mas, isso ficará para nosso próximo encontro, pois tenho que acabar minha corrida. - Ele disse levantando-se.

 

— Eu tenho medo! - Disse Mirian encarando o nascer do sol fazendo Kenan não iniciar sua corrida e ficar olhando para ela. - Minha mãe tem medo. Você tem medo. Como podem viver com medo? -

 

Kenan não disse nada. Apesar de Mirian claramente ser vaga e omitindo muita coisa em suas falas, entendia que o medo dela era do Lado Sombrio. Só mesmo depois de um tempo o Campeão pode perceber que ela tremia de medo, inicialmente achava que era apenas devido ao vento.

 

— Eu não quero viver com medo. - Disse Mirian levantando-se e virando para ele. - Me ajuda, por favor! -

 

— A melhor coisa a se fazer é ir para casa. - Disse Kenan. - Isso lhe dá chances de noventa por cento de segurança. -

 

Os dois se encararam por alguns instantes, sem sorrir. Mirian estava quase iniciando um choro amedrontado enquanto o campeão estava sério.

 

— E os outros dez? - Questionou ela.

 

— Bem… - Ele pareceu vacilar por alguns instantes. - Se realmente armaram para você ser presa, sem nem tentarem uma abordagem, talvez noventa por cento seja o suficiente. -

 

— E se não for? - Questionou Mirian sem ao menos deixá-lo acabar de falar. - Como vou lutar contra o que não desconheço? -

 

— Minha mãe lutou contra sem saber o tamanho do poder que possuíam. - Disse Kenan abaixando a cabeça.

 

Mirian ficou perplexa por alguns instantes. A mãe de Kenan Kornox chamava-se Kelly Kornox, uma Top-Coordenadora renomada e talvez a mais famosa daquela parte do mundo. Se ela sofreu nas mãos do Lado Sombrio que chances ela tinha? O que teriam feito a mãe de Kenan? O que teriam feito a sua mãe?

 

— Se ganhar uma fita de concurso você pode ir até Celadon e conversar com Erika e falar que eu te mandei lá para saber sobre o Concurso de Sucessão de Kelly Kornox. - Disse Kenan de repente.

 

Ele se aproximou-se envolvendo-a num abraço carinhoso e bem intimo para qualquer um que olhasse a até para a própria Mirian que era abraçada.

 

— Uma fita e poderá saber o que aconteceu com sua mãe. Se chegar ao Grande Festival eu pessoalmente te conto o que é o Lado Sombrio. - Era um balbuciar ao pé do ouvido que Mirian não entendia. Ela tinha certeza não haver ninguém em volta, por outro lado era distraída e aprendeu na prisão que nunca se está totalmente sozinho, mesmo que não haja ninguém. - Mas, nunca deve ganhar fitas em concursos grandes ou derrotando qualquer pessoa que carregue com ele algo dourado ou usando um macacão de cor quase única. Se fizer isso você vai morrer pelas mãos deles ou das minhas. -

 

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— Isso é fabuloso! -

 

—Perdeu o juízo? Eu te proíbo! -

 

Era um almoço tão complicado quanto o do dia anterior para Mirian. Tendo almoçado com sua mãe e Angel, ela sentia-se pressionada a ter uma conversar que não queria ter porque ainda não estava pronta para alguns assuntos e mostrar como estava se sentindo. O resultado era nenhuma das três conseguindo se entender ou manter uma conversa. No entanto, um dia depois estavam novamente as três almoçando e ainda não conseguindo se entender.

Era para ser apenas um almoço de despedida. Angel zarparia no próximo navio, pois seus assuntos em Kanto já estavam resolvidos e a família Miller, pelo que a mãe acreditava, faria o mesmo no dia seguinte, quando Farfetch’d receberia alta. Mas, Mirian não compartilhava de nenhuma das visões já que estava disposta a voltar aos palcos.

Angel recebera a notícia com alegria. Isso fazia os planos dela mudar, afinal precisaria ficar mais alguns dias em Kanto para municiar a jovem para seu retorno, mas alguns dias eram um preço pequeno a pagar para que ela se saísse bem. Já Wanda estava aceitando aquilo como suicídio. Sem poder realmente expressar seus motivos, pois o Lado Sombrio era assunto proibido, ela simplesmente queria valer-se da autoridade de mãe e aquilo Mirian não aceitaria.

 

— Vou voltar para os concursos e você não pode me proibir. - Disse Mirian virando-se para mãe.

 

— Quem disse? - Questionou a mãe. - Posso e irei. Você já teve problemas demais com essa jornada maluca e como é uma menor de idade para sua licença ter valor os pais devem autorizar. Basta eu retirar a autorização que não poderá competir. -

 

— Se não me explicar o motivo, como por exemplo, sobre coisas que não quer me contar, eu vou e não é sua autorização que me impedirá. - Disse Mirian surpresa com a atitude da mãe. - Posso simplesmente pedir emancipação já que tenho 16 anos e já fui presa. -

 

— Exatamente por isso que não quero que volte aos palcos. Você sonha em ser escritora e conseguiu escrever e lançar um maravilhoso livro. Nele você conta as desventuras de sua jornada e por ele eu sei, você sofreu demais e não tem habilidade para isso. Quer motivo maior? -

 

— Eu tenho certeza que tem mais coisa ai! Diga o que quero saber e então eu volto para casa com você! -

 

A mãe se calou fuzilando a filha com os olhos. Para Wanda era claro que ela queria saber sobre o Lado Sombrio e não desistira até descobrir ou se dar mal por causa disso. Era o jeito de Mirian, um pouco desatenta com as coisas, mas caprichosa com quase tudo que fazia. Poderia não amar algo, mas se fosse fazer, daria o seu melhor. Wanda não sabia os motivos da filha sair em jornada, mas tinha certeza ela não ficaria quieta enquanto não soubesse o que era o Lado Sombrio, ainda mais agora que já tinha vencido a barreira do desgaste físico, coisa que nunca havia feito antes.

 

— Senhora Miller, eu entendo sua preocupação, mas acho que os motivos dela são muito bonitos. - Disse Angel.

 

A moça loira do Grupo Olimpo havia se calado quando o conflito entre mãe e filha tornou-se evidente. As ameaças indicavam que algo havia acontecido da conversa que elas finalmente tiveram e não sabia se devia se meter. Mas, para Angel os motivos da jornada de Mirian eram os mesmos do começo e talvez isso ajudasse a acalmar os ânimos.

 

— Motivos? - A mãe olhou para Angel por alguns instantes e depois para Mirian. - Se tem algo que eu nunca entendi, mas respeitei, foi seu súbito interesse de fazer jornada pokémon como coordenadora. Mauricio sempre implorou para fazerem isso e você sempre disse que não era sua praia. -

 

Mirian revirou os olhos por alguns instantes. Não era apenas a menção do melhor amigo que a perturbava, aquela era uma gíria própria da mãe que ela se envergonhava cada vez que ela pronunciava-a em público. Chegou a cogitar a fazer como em casa e repreender a mãe quanto a gíria antiquada, mas viu que Angel voltar a falar.

 

— Ela só está fazendo essa jornada, conforme me contou, por você! -

 

Wanda pareceu surpresa e olhou para Mirian que abaixou a cabeça sem graça. Saiu de casa para conseguir um troféu e dá-lo para a mãe e só o que havia conseguido era muita dor de cabeça e não estar presente quando a mãe precisou numa recaída da doença.

 

— Isso é verdade? - Wanda pareceu se acalmar. - Saiu por mim? –

 

Suspirar pesado. A ideia de presentear a mãe havia ficado de lado ao entender o quanto a fita era preciosa, talvez mais do que uma taça conquistada em seu nome. Nem cogitou falar para a mãe sobre isso, afinal admitir que era incompetente era complicado.

 

— Você fará outra cirurgia complicada no final do ano e os médicos estão dizendo que você tem poucas chances. Eu… Eu não consegui suportar a ideia de você morrer sem nunca ter conseguido um troféu de Grande Festival. Então eu li, estudei e planejei para sair em jornada e conquistar o Grande Festival para levar o troféu para você! -

 

Uma risada seguida de outra que pareceu ser muito mais longa e que não acabaria. Wanda ria, tentando se conter, deixando Angel e Mirian totalmente sem graça.

 

— Eu sei. É idiota. Já me falaram isso. Mas… -

 

— Espere! - Wanda interrompeu a filha contendo o riso. - Não é idiota, é a coisa mais bonita que já escutei. Eu amo a ideia de você ser coordenadora e poder acompanhar e torcer por você. Eu torcia para quando você chegasse a idade virasse para mim e pedisse para sair em jornada. - Ela respirou fundo tentando retirar a fadiga das risadas. - Mas, que tudo isso fosse por você. Fico feliz que pensou em me dar um último agrado e que tenha se esforçado para isso. -

 

— Então… o que é tão engraçado? - Angel pareceu confusa.

 

— É engraçado minha filha pensar que sua presença e bem-estar físico seriam mais importantes que um troféu, uma jornada de problemas e uma temporada na prisão. - Wanda esticou a mão e segurou a da filha. - Só de ter visto você dar uma lição sobre humildade e vergonha na cara em mais da metade dos coordenadores esnobes de hoje em dia, com aquela Máquina de Lavar Prato, já vale o troféu. Além disso, estamos em Agosto e o Grande Festival é na última semana de novembro. Você não tem como se preparar para conquistar uma vaga até lá e ser competitiva ainda. -

 

E de repente Mirian sentiu o peso das palavras da mãe. Já estavam indo para a segunda semana de agosto e só teriam mais quatorze concursos de fim de semana e talvez mais seis de meio de semana. Ela precisaria ganhar cinco deles para ir ao Grande Festival. Sua motivação não era mais a taça, mas sim a proposta de Kenan de contar tudo se ela fosse ao festival.

No entanto, agora percebia que não estar com a mãe nessa reta final, agora que não havia nada que fosse ser lhe ofertado no final, parecia mesquinho.

 

— Vou deixar vocês conversarem a sós. Mesmo que a Mirian não volte aos concursos eu encomendei uma pokeagenda do Grupo Olimpo para ela, mas estava enviando para a casa de vocês. Vou pedir para enviarem para cá.– Angel levantou-se. - Afinal, o que ocorreu sobre não ter registro oficial foi muito inconveniente. -

 

Angel saiu enquanto Mirian permanecia de cabeça baixa sem dizer nada e a mãe olhava a filha sem saber como aquela conversa prosseguiria. Era claro que sentia a falta da filha e nunca quis questionar o porquê daquela decisão repentina. Agora que sabia sentia-se mal por não incentivá-la, mas agradecida porque não havia motivos para ela voltar ao palco se fosse apenas aquilo.

 

— Não quero viver com medo mãe. -

 

A voz saiu tão baixinha que Wanda teve dificuldades de entender que Mirian realmente falou aquilo. Viu a filha erguer os olhos marejados, mas segurando o choro.

 

— Não quero que uma noite qualquer alguém invada nossa casa e nos puna por algo que eu sequer sei o motivo. - Mirian cerrou o punho da mão direita. - É horrível sentir medo e sei que você vive com medo deles aparecerem, só não sabia quem eram eles até agora. - Wanda engoliu um seco desviando o olhar da filha. - Achava que era medo da doença, medo dos capangas que ficam atrás de meu irmão, mas na verdade era medo do seu passado que agora me ameaçou. E eu não sei se foi culpa minha ou se do seu passado. -

 

— Sinto muito filha… - Wanda fechou os olhos abaixando a cabeça. - … não tem como não viver com medo nesse caso. -

 

— Tem sim! Eu posso ir aos palcos, fazer minha parte e quem sabe mostrar que não sou uma ameaça. Ou ao menos ter ideia de que quando algo acontecer, saber que são eles. - Mirian esticou o braço e pegou na mão da mãe. - Eu não quero passar o resto da vida com medo sem saber do que estou com medo. -

 

Wanda fechou os olhos lembrando de sua vida e se perguntou se realmente vivia em meio a doenças e medos. Perguntou-se o que aconteceria com a filha após sua morte, se ela seria deixada em paz, mas mesmo assim viveria com medo da própria sombra, já que não tinha ideia do que realmente estava acontecendo. Não podia contar a filha sobre aquele mundo, era perigoso demais. Mas, podia deixa-la tentar ser livre disso tudo.

 

— Bem… - Wanda suspirou. - Só volta para os palcos se me deixar prepará-la para o próximo concurso. -

 

Wanda sorriu por fora, mas chorava por dentro temendo que aquilo viesse a ser uma das últimas coisas que faria.


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado.
Garanto a aparição de alguém importante no próximo episódio se me trouxerem se algum leitor que não comenta começar a comentar!