Free Fallin escrita por Elizabeth Stark


Capítulo 2
Part II




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"Há uma parte de mim leve e feliz que foi embora com você e sinto que é para sempre. Peço a Deus quando sinto meu rosto molhado de tanto chorar que leve essa dor embora, mesmo que seja a última coisa que tenho de você."

 

***

Todos os vampiros caminhando pelo vale

Indo para o oeste de Ventura Boulevard
E todos os caras maus permanecem nas sombras
Todas as boas garotas estão em casa com seus corações partidos

 

Havia três mil famílias Mckinnon na lista telefônica da casa de Sirius. Já tinha eliminado pelo menos umas trezentas, procurando sempre pelo nome Marlene, alegando ser um ex-colega de classe da escola estadual, convidando para a reunião de ex - alunos. A procura virara um hábito e não mais uma necessidade real que tinha certeza que levaria a um fim. Em sua cabeça não tinha mais espaço para imaginar o dia que a encontraria, mas sim a sensação reconfortante de que estava fazendo sua parte. Seus amigos também procuravam de vez em quando para ajuda-lo, principalmente o mais próximo, James Potter.

Fazia com a caneta um ponto minúsculo ao lado dos nomes descartados para o caso de sua mãe olhar a lista e somar dois mais dois. Nunca falaram sobre a partida escandalosa de Marlene e Sirius sabia o por que. Há muitos anos seus pais abriram mão de seu futuro, classificando-o como um caso perdido. Nunca se relacionaram bem e a rebeldia de Sirius era o problema, como justificavam.

Talvez estivessem certos, mas sabia que jamais faria isso com os próprios filhos.

Olhou para o relógio velho de seu quarto. Eram oito horas. Se não tivesse cancelado o jantar com Lia poderia estar com a barriga cheia nesse momento, mas teria pagado a comida com que dinheiro? Se revirou inquieto na cama. Toda a cerveja da geladeira tinha acabado. Trabalhar como mecânico em uma oficina caindo aos pedaços, e com o filho mais novo do patrão administrando o negócio, tinhas suas consequências. O lado bom era que podia faltar sempre que quisesse ou ler revistas pornôs no escritório que ninguém se importaria o bastante para falar alguma coisa.

O “salário” mal dava para pagar o aluguel de casa, que Sirius se encarregou desde que o irmão morrera. Não que desse a mínima de prover todo seu dinheiro suado para os pais, mas morar sozinho traria o dobro de despesas. O irmão, Regulo, trazia pilhas de dinheiro para casa quando começou a se envolver com tráfico. Os pais de Sirius foram acobertados por uma súbita cegueira em relação aos envolvimentos do filho mais novo e comentavam com os vizinhos o quanto Regulo era dedicado em qualquer trabalho que se envolvesse.

Regulo, não seja burro. Uma vez que entra para o tráfico não tem como sair, Sirius dizia.

Regulo aparecia com mais frequência machucado e drogado em casa. Em longas noites acordado, Sirius o consolava, dando-lhe banho e preparando-lhe algo para comer. Ele se lamentava da situação perigosa que vivia, chorando, as lágrimas molhando a face branca e os olhos assustados.

Sirius queria ter mais propriedade para ajudar o irmão. Vingá-lo. Protegê-lo. Queria ir embora com Regulo, achar um novo lar seguro para ambos, longe dos pais mesquinhos que faziam crescer tantas ervas daninha ao redor de suas vidas.

Mas à medida que o tempo passava, avistava cada vez menos Regulo chegando à soleira da porta de casa. Quando se encontravam, longas discussões que progrediam para agressão preenchiam o tempo. Ele deveria largar o tráfico e fugir, era muito simples. Mas Regulo era teimoso. Pensava que se afastasse e tivesse uma conversa franca com as pessoas que o acolherem, daria tudo certo.

Não pensou duas vezes, e foi morto. Jogaram o corpo no meio do quintal da família Black de madrugada. Sirius acordou com os gritos da mãe e as luzes das casas vizinhas sendo acesas. Lembrou-se do quanto seu peito se torceu em um nó gigantesco e ficou dolorido por anos. Abriu um buraco em sua vida, que cada vez mais era preenchido com tristeza, impotência e saudade.

A justiça não veio. O senhor e a senhora Black não quiseram ter a casa e o nome revirados pela polícia.

O luto proveu ao filho mais velho da família uma camada de proteção quanto ao modo venenoso que a família vivia. Regulo estava morto e não havia uma única alma viva que Sirius se importava dentro da casa.

Nada mais lhe afetava.

Não deixava sua mente vagar para aquele dia trágico com muita frequência. Tinha vinte anos quando aconteceu e o tempo levou muito da sua dor embora. E era melhor que continuasse assim.

De seu quarto pequeno, com cama de solteiro e um armário de madeira com as portas caindo, ouvia a mãe assistindo a novela. Sirius suspeitava que ela tivesse um fervor grandioso pelo vilão.

Um dia teria sua própria TV, a loja de Burt, sua casa, roupas novas e Marlene de volta.

***

Ela é uma boa garota, ama sua mãe
Ama Jesus e a América também
Ela é uma boa garota, louca pelo Elvis

 

Na manhã de domingo, estranhamente ensolarada, o celular de Sirius vibrava loucamente. Acordou com a cômoda se remexendo.

Esfregou os olhos e segurou o aparelho na mão, olhando a tela. Havia mensagens e chamadas perdidas de James.

Suspirou.

Provavelmente o amigo estava bravo porque faltara na noite do pôquer aos sábados. Sorriu ao lembrar da forma como prometeram fazer as noites de bebidas e jogos religiosamente cumpridas.

Levantou da cama, engoliu um pedaço de torta da geladeira bruscamente que nem percebeu o sabor e virou a garrafa de leite direto na boca. Ligou a TV e fechou as cortinas para impedir a luz do sol excessiva. Sentiu-se culpado. James deveria entender que sua atual situação financeira era mais precária que o serviço policial da cidade. Sua família não era rica como a do amigo e se um dia chegou perto de ser, era quando estavam atolados no tráfico de drogas até os cotovelos. Convenceu-se a retornar a ligação com uma chamada a cobrar.

James atendeu no segundo toque.

 Sirius. — o amigo estava ofegante e tenso, o que não era típico. Já soube associar esse tom de voz com desgraça.

 - O que? Está tudo bem?                             

 - Onde você está? Em casa?- a voz de James estava fazendo seu coração saltar impaciente para fora do peito.

 - Sim! O que aconteceu?

 - Eu vi ela, Sirius! Eu vi Marlene!

Uma onda de choque e alarme nadava pelo corpo de Sirius. Não pelas palavras exatas do amigo, mas pelo modo que James as proferiu. Não poderia ser. Não estava pronto.

— Tem certeza? – perguntou com a voz partida. – Você realmente sabe o que viu?

— Sim. Cara, eu sinto muito. Por favor, não faça nada sem pensar...

Desligou o telefone deixando o amigo falando sozinho. Sabia que James ia vim correndo para sua casa para acolhê-lo de qualquer jeito.

Seu lado racional deu um curto circuito antes de processar o que acabara de ouvir. Percebeu que estava parado no meio da cozinha com a boca ligeiramente aberta.

Marlene estava de volta. Voltou para o Alabama. Quanto tempo fazia? Por quem voltou? Se ela não tinha voltado para revê-lo, se não tinha a mínima ideia de todo o sofrimento dele durante dois longos anos, preferia que a volta dela fosse mentira.

Talvez fosse.

Mas uma parte sua reconhecia que James jamais tocaria no assunto se não fosse nessas exatas circunstâncias.

Quando pensava em tê-la de volta, jamais ocorreu na sua cabeça que seria dessa forma: largado em uma casa que odiava, em uma chamada a cobrar e com a bateria do celular ameaçando acabar.

O que diabos ela queria? Foi embora aos berros, um dia depois de terem dormido juntos, sem uma única explicação, sumiu do mapa. Agora achava que tinha o direito de mexer com a vida das pessoas? Não fez questão nem mesmo de vir procura-lo.

 

***

Sirius sabia quem era na porta antes mesmo de abri-la.

James Potter entrou na casa dos Black carregando uma caixa da cerveja mais cara e preferida dos dois – geralmente para emergências, quando o time de beisebol que Sirius torcia perdia feio ou quando ele próprio discutia com a família de sua noiva. Fazia quase uma hora que estavam sentados no sofá da sala de estar, sem tocar no assunto, com latas vazias acumulando ao redor do tapete.

Sirius percebeu que o amigo estava ali para consolá-lo e ajudá-lo a se conformar com a situação e não para impedir que fizesse alguma besteira, se fosse o caso.

Talvez James devesse conhecê-lo melhor.

Já tinha tomado sua decisão, só estava sem muita coragem para executá-la e paciência para fazer James abrir o bico.  

O sol lá fora já baixara e apenas uma singela luz adentrava pelas persianas, iluminando os cabelos escuros e os aros redondos dos óculos no rosto do amigo. Sirius estava com fome, mas não tinha a mínima energia para se levantar e ocupar sua cabeça com comida. Seus pensamentos giravam com as infinitas possibilidades da situação. Parecia que uma massa gigantesca crescia em seu crânio, pronta para explodir, caso não apelasse para uma solução prática.

Apoiou as costas no sofá velho de sua mãe. Seus pais tinham saído para almoçar na casa de sua tia sem se preocuparem em convida-lo para ir junto.

Por Sirius, tudo bem. Qualquer desculpa para evitar a cara rancorosa dos familiares era motivo de comemorações. Poderia ter aos domingos a casa inteira somente para si.

James soltou um suspiro. Provavelmente estava tão impaciente pela situação quanto o outro ao seu lado.

— Eu sei que não fui um bom amigo. – Sirius disse sem rodeios.

— Por que está dizendo isso?

— Ou uma boa pessoa.

James o olhava com uma expectativa assustada agora.

— Sirius...

— Me deixe terminar, Pontas. – usou o apelido de infância há muito tempo esquecido para fazê-lo calar. A hora para ser sincero havia chegado e não havia como adia-la. – Eu não tive coisas muito boas na vida, entende? Sei que não é desculpa, mas quando me lembro do jeito que seus pais te amavam, na pessoa decente que você se tornou, e o quanto isso fez diferença.

Virou o rosto antes de continuar.

— Dei mais mancada do que sua paciência foi capaz de aguentar. E sinto de verdade por isso. Você é a única pessoa que me importo neste planeta.

James sorriu e não do modo travesso que Sirius já presenciara múltiplas vezes. Mas de um modo terno e acolhedor.

— Até que Marlene chegou e senti que era possível largar toda magoa e a raiva e seguir em frente. Deixar de ser um caso perdido, como todo mundo comenta. Ela trouxe coisas de que eu precisava. – sentiu um aperto no peito, como se admitir cada um desses fatos abrisse uma nova ferida por cima das velhas. - E depois foi embora, levando mais de mim. Você precisa me dizer onde ela está. Não preciso dela. Preciso de uma resposta para mim mesmo. Quero entender que acabou e que ela nunca será minha de novo.

Abaixou a cabeça e seus olhos bateram na sua tatuagem saindo pela manga da blusa branca. Os contornos da tinta preta formavam furiosamente uma motocicleta. Fizera aos dezessete anos e a lembrança da agulha em sua pele e a sensação de orgulho estavam frescas em sua memória. Lembrava das exclamações de surpresa e admiração dos amigos.

O desenho era uma promessa para fugir do Alabama para sempre e largar a família.

Sobre voar para novas oportunidades.

Mas isso fora antes do corpo de Regalo ser jogado no meio do quintal, antes dele assumir o aluguel da família, antes mesmo de conhecê-la.

Se desejava voar para longe e seguir em frente, precisava liberar o caminho antes.

            Subitamente, a verdade o afogava agora.

— Eu não acho que ela veio te encontrar, Almofadinhas. Eu não queria te dizer nada porque sei o quanto isso te destruiu, mas também sei que não seria justo. – James suspirou cansado antes de continuar. – Eu estava passando de carro em frente à loja de Burt quando a vi. Estavam conversando. Achei estranho porque ninguém em sã consciência tenta puxar assunto com ele. Então lembrei que ele e o pai dela são amigos.

Sirius levantou-se abruptamente do sofá pela primeira vez em uma hora. Tinha a familiar sensação de que a cidade em que morava fazia o possível para conspirar contra ele, e tinha quase certeza de que não era coisa de sua cabeça.

Sua rebeldia e postura desinteressada se contrastavam com o conservadorismo da cidade. Tinha histórico de brigas com mais gente do que era capaz de contar.

Lembrou-se de Remus, diagnosticado com AIDS, o quanto fora renegado na igreja e no local onde trabalhava. Fora obrigado a mudar de cidade para ter condições melhores. Sirius olhava para seu futuro e o destino do amigo e não enxergava diferenças muito grandes.

— Isso não é bom. Burt me odeia. Os pais dela me odeiam. – sua boca despejava incontroláveis preocupações. – Ela foi embora e até agora não sei por quê. Tem dedo do pai dela nisso, pode ter certeza, Pontas.

— Ela é uma boa pessoa, Sirius. – lembrou James.

E estava certo. Até certo ponto.

— Mas inocente também. O quanto você acha que eles não a manipularam? Lembra-se do que fizeram com o namorado da irmã dela? Fizeram o cara ser demitido! Ameaças e tudo o mais. Ele me contou.

James balançava a cabeça de um lado para o outro em desaprovação.

— É má gente. Fique longe disso. Enterre essa história, essa mágoa. Você precisa seguir em frente ou vai acabar se ferrando. Ou endoidando.

Uma rápida olhada de lado e James Potter se calou, prometendo que não levantaria esse argumento de novo.

Era essa comunicação não verbal e silenciosa que tinha com Sirius que ao mesmo tempo fascinava e enfurecia sua noiva.

— Não sou burro, Pontas. Vou me preparar. Vou aborda-la escondido fora da aba de urubu da família dela. Vamos conversar e depois largarei essa ideia para sempre. Só quero umas poucas palavras com ela. É só.

O amigo não pareceu convencido, tampouco tranquilizado.

— Agora volte para sua casa. Lilian deve estar me xingando uma hora dessas. Vá cuidar do meu afilhado que esta a caminho.

 


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Notas finais do capítulo

Como dito antes, não está lá aquelas coisas. Apenas uma satisfação de estar escrevendo não importando a qualidade final.

Mais uma coisinha. No Pottermore, J. K Rowling disse que comparava a situação lupina de Remus com o preconceito da AIDS. Por isso está escrito assim...

Até :)