A Marca do Pecado escrita por Kyra_Spring


Capítulo 9
Aquroya




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“My heart is beating from me

I’m standing all alone

Please call me only if you are coming home

Waste another year flies by

Waste a night or two

You taught me how to live...”

 

            Alphonse Elric era uma pessoa cuja história poderia fornecer um livro completo. Ele tinha quatorze anos, quase quinze, mas seu rosto ainda tinha um pouco daquele ar infantil que fora sua característica por tanto tempo. Os cabelos, um pouco mais claros do que na infância, cobriam seus olhos, e ele teimava em tentar jogá-los para um lado do rosto. Mas os olhos ainda eram iguais, tinham a mesma chama de sempre. A mesma chama que brilhava nos olhos de todos os Elric.

            Um belo dia, ele despertara e descobrira que mais de três anos haviam se passado. A alma dele fora selada a uma armadura durante todo esse tempo, e ele e o irmão saíram pelo país em busca de uma maneira de fazer tudo voltar à normalidade. O irmão dele, Edward Elric, ficou conhecido como Alquimista de Aço, amado por uns, odiado por muitos outros. Alphonse havia se tornado uma Pedra Filosofal, um composto poderoso de almas humanas capaz de criar qualquer coisa. E no fim, Ed sacrificou a si mesmo para unir a alma de Alphonse a um corpo vivo outra vez. Al não se lembrava de nada disso: ele apenas sabia o que as pessoas haviam lhe contado. Mas, de alguma forma, ele sentia que se lembrava, ele conhecia cada sensação, cada experiência pela qual os dois passaram.

            A princípio, Al pensou que Ed estava morto. Pela história que ouvira, parecia ser impossível outro desfecho menos trágico para o irmão, mas o que Izumi Curtis, sua professora, lhe explicara sobre a Porta e o seu significado, outra hipótese se formou. Ele estava em algum lugar do outro lado da Porta, esperando, tentando voltar de algum jeito sem conseguir, e a função do caçula era tentar descobrir uma maneira de ajudá-lo. Os anos seguintes foram dedicados à pesquisa. Al era extremamente dedicado e disciplinado, e aprendia tudo com uma rapidez imensa. Além do mais, descobriu mais tarde que ele mesmo havia cruzado a Porta, por alguns instantes, e havia adquirido conhecimentos ocultos e um extraordinário poder: o uso da alquimia sem círculos de transmutação. Com o tempo, foi se aprimorando, e fazer transmutações tornou-se cada vez mais fácil.        Mas nada que descobria parecia útil para abrir novamente a Porta sem que tivesse que sacrificar algo para isso. Não poderia lançar mão da Pedra Filosofal, pois além de ela ser perigosa, ele nunca seria capaz de sacrificar almas inocentes, por mais decidido que estivesse a resgatar Ed. Em seu coração, algo dizia que ele estava tentando, que ele nunca desistira, mas que o outro lado da Porta não permitia o seu retorno.

            Decidiu-se, então, a prestar o exame para alquimista federal. Izumi o censurara o quanto pôde, mas ele bateu pé e decidiu que seguiria em frente. Nisso, pelo menos, era parecido com o irmão: nenhuma proibição era forte o bastante para derrubar um desejo profundo. Antes disso, conhecera a doce, porém misteriosa Marion Hughes. Ela não sabia do seu segredo. Na verdade, pouquíssimas pessoas sabiam: Roy Mustang, Riza Hawkeye, Izumi e Gracia Hughes, que o acolhera gentilmente na Cidade Central enquanto esperava pelo teste, além das boas amigas de Rizenbul, Pinako e Winry Rockbell. Nem mesmo Elysia sabia, e ele preferia que continuasse assim.

            Marion oferecera a ele uma chance em mil: a oportunidade de participar de uma investigação de verdade, e logo com o caso mais complicado dos últimos anos. Ela disse que queria ajudá-lo a passar no exame de alquimista federal, e ele acreditava nela, mas parecia que tinha algo mais... Outra seqüela que Alphonse trouxe de sua época de armadura foi uma incrível sensibilidade a qualquer coisa fora do comum, provavelmente surgida a partir do momento em que se tornou a Pedra Filosofal. Foi dessa forma que conseguiu detectar os sinais de Pedra Filosofal da rosa de ônix. Assim que a tocou, ele sentiu algo diferente, como se algo dentro dela gritasse em desespero, e se assustou. Aquela sensação era familiar, assustadoramente familiar. Parecia que ele já havia ouvido aquele grito antes, dentro dele mesmo. E também sentia algo muito fora do normal quando estava perto de Marion. Não era maldade, ele podia ver que ela tinha um bom coração, mas era uma sombra densa, quase viva, que havia dentro dela. Na certa, ela também já havia enfrentado muita coisa no mundo.

            O ponto alto, porém, aconteceu numa noite que parecia ser normal. Ele voltava para a casa de Gracia, quando percebeu algo diferente no céu. Parou um pouco para olhar, e sentiu-se hipnotizado pelo que viu. Não sabia explicar o que era, não estava enxergando nada fisicamente, mas estava sentindo. De certa forma, sentiu a presença de Edward tão próximo, e mesmo assim tão distante... Não conseguiu parar de olhar. Ele pensava que, talvez, se não desviasse o olhar, podia ajudar o irmão a chegar até ele. Era uma sensação que às vezes ficava mais forte, outras vezes mais fraca, mas que se interrompeu de uma hora para outra. Al não parou de olhar, mesmo assim, tentando desesperadamente restabelecer contato, mas nada aconteceu. Marion o encontrou, e tentou questioná-lo, mas nem ele mesmo sabia o que estava acontecendo.

            Dias depois, escreveu para a professora Curtis sobre o acontecido. Ela explicou que, na certa, houve uma perturbação na Porta, e que Alphonse havia se tornado tão sensível a manifestações alquímicas que havia sentido-a de forma tão intensa. A questão era saber de que lado da Porta a tal perturbação ocorrera. Se fosse do outro, era muito provável que fora uma tentativa mais ou menos bem-sucedida de Ed para voltar para Amestris. A carta da sensei encheu o coração de Al de esperança. Ele sentira alguma coisa, violenta, concreta, real, e não deixaria que  aquilo se perdesse.

            Duas semanas depois daquela noite, Marion disse a ele que o levaria com ela para Aquroya, onde interrogariam a ex-ladra Psiren. Al não entendeu muito bem o motivo de ele também ter sido escalado, mas como Roy, que liderava a equipe, não fez objeções, nada disse. Já no dia seguinte, eles embarcaram no trem. Elysia fizera questão de pedir um balde cheio de conchas e uma bandana bordada, um dos suvenires mais famosos de Aquroya. Al só conseguiu sorrir e acenar afirmativamente. Um dos seus defeitos era sempre ser incapaz de dizer não à garota.

            A viagem foi longa e cansativa. Era um caminho tortuoso e cheio de curvas e de escalas. A viagem foi feita toda em silêncio, que era quebrado apenas pela música vinda de uma caixinha de som no canto da cabine. A música que tocava parecia ser feita diretamente para Al, uma canção triste, que parecia ter sido escrita em homenagem a alguém que há muito se fora. “Por favor, só me chame se você estiver voltando para casa... Você me ensinou a viver...”

            Tarde da noite o trem chegou ao seu destino final. Aquroya havia crescido muito desde a época de Psiren: ela atraiu atenção para o drama da cidade, que afundava lentamente. O caso foi estudado por geólogos, que concluíram que era possível fazer alguma coisa com um pouco de sorte e de inteligência. A ação conjunta de construtores, engenheiros, geólogos e alquimistas federais conseguiu reforçar a estrutura da cidade e impedir o seu naufrágio iminente. Além do mais, turistas do país todo começaram a procurar os palcos dos roubos dela. “Na certa ela se orgulha do que fez...”, pensou Al, com uma risadinha discreta. “Isso confirma o que as pessoas querem dizer com ‘os fins justificam os meios...’”.

            Eles se estabeleceram num hotel próximo à estação, e já no dia seguinte foram até a prisão. Era uma prisão de segurança máxima, feita para que ninguém conseguisse sair de lá de forma alguma. Eles passaram por várias revistas, tiveram que dizer seus nomes várias vezes, apresentar autorizações e assinaturas, até poderem por fim chegar até a sala de visitas.

            Em uma das cabines, havia uma mulher loura e miúda, com uma expressão facial que parecia a da satisfação. Ela ainda tinha o mesmo sorriso debochado da ladra mascarada, mas agora parecia bem mais feliz com a vida que levava. Marion começou a falar com ela, através de um telefone que levava o som pelos dois lados de um vidro divisor.

–Olá, Clara – a investigadora cumprimentou-a educadamente – E então, como tem passado?

–Bem – respondeu ela – mas não sei mesmo o que vocês, da Cidade Central, poderiam querer comigo.

–A princípio, queria dizer que achava você o máximo, mas não diga a ninguém que eu falei isso – disse a primeira, em tom de confidência – Por que você simplesmente se entregou à polícia?

–Acabei me cansando – respondeu Clara, num tom indiferente – Além do mais, quando fiquei sabendo que conseguiram impedir a cidade de afundar, vi que o que eu fazia estava começando a passar dos limites. A gota d’água foi quando vi que tinha pessoas que queriam fazer o mesmo que eu.

–Andamos investigando seu passado – Marion resolveu ir direto ao ponto – E descobrimos que você tem uma ligação com a Black Rose. Poderia explicar o que é isso?

–Black Rose? Um capítulo infeliz da minha história – a ex-ladra respondeu, pesarosa – Eu era muito jovem, e na época não havia quase nenhum dos membros que há hoje. Aprendi tudo o que sei sobre roubos com eles. Quando começamos, Black Rose não era uma sociedade de assassinatos. Roubávamos, seqüestrávamos, mas não éramos sanguinários como eles são hoje. As coisas mudaram quando a direção da gangue mudou.

–Quem era o líder antes do Drake?

–Era Sovereign, conhecida como a primeira-dama do crime amestriano. Quando eles entraram, logo conseguiram manipular a maior parte dos membros para aceitar o Drake como líder, mas poucos eram tolos de desobedecer, não com guarda-costas como Quasar e Eclipse.

–Fale sobre elas.

–Quasar é totalmente maníaca. É obcecada pela própria beleza, e uma vez por mês retocava aquela maldita tinta rosa nos cabelos. Além do mais, irritava-se com facilidade, e sempre que não gostava de alguém dava um jeito de humilhar essa pessoa. Mas o grande problema é que ela é a pessoa mais sanguinária que já conheci em toda a minha vida. Ela foi educada em Xing, e por isso conhece todas as técnicas deles de combate desarmado e com armas brancas. É a guerreira mais implacável da organização, e não se sabe de nenhum sobrevivente dela.

–E quanto a Eclipse?

–Eclipse era um mistério até para nós. Ela quase nunca falava, e quando falava a gente percebia um sotaque estranho na voz dela, como se ela fosse estrangeira.

–De Xing? Ou Drachma, talvez?

–Não... Era mais para o sotaque das Ilhas do Leste. Mas ela era inteligente, inteligente até demais, se é que vocês me entendem. Sempre estava em seu laboratório de alquimia, alheia ao resto do mundo. Às vezes, Drake passava horas com ela, e parece que os dois estavam planejando qualquer coisa muito séria lá. Tenho que admitir que ela me fascinava... Ela era albina, sabe? O cabelo era branco, a pele também, mas os olhos eram de um azul quase irreal. Ela nunca me dirigiu a palavra...

–E quanto ao Drake, como ele era?

–Um perfeito imbecil! Ele era arrogante e ingrato, e criticava tudo o que fazíamos. Ele é alquimista também, e muito poderoso, pelo que disseram, mas ninguém nunca o viu entrar em ação. Ele mandava e a gente obedecia. A situação ficou tão insustentável que eu resolvi me mandar e seguir sozinha. Depois, fiquei sabendo que colocaram o irmão da Quasar, Skipp, no meu lugar.

–Você usou os codinomes deles o tempo todo, mas... e os nomes verdadeiros? – foi a primeira vez que Alphonse falou – Eles não os revelavam a vocês?

–Claro que não, rapaz! – ela riu, divertida – Entre ladrões não há heróis. Era uma sociedade de trabalho, o que não quer dizer que confiávamos uns nos outros. Uma das regras é que cada um guardava para si seu nome verdadeiro. Psiren foi meu codinome nos tempos da Black Rose, e eu o mantive apenas porque não tinha criatividade o bastante para inventar outro.

–E onde era a sede de vocês? – Al não desistia – Você disse que Eclipse dispunha de um laboratório alquímico, então não deve ser um lugar pequeno.

–Era uma fábrica desativada, bem no centro da cidade, mas assim que eu saí muitos fizeram a mesma coisa – respondeu ela – Depois, fiquei sabendo que eles expulsaram vários outros membros considerados ineficientes e mudaram de sede. De qualquer forma – ela rabiscou alguma coisa num papel de embrulho de doce – este é o endereço antigo. Talvez vocês encontrem algo útil.

–Aconteceu algum assassinato na época em que você estava com eles? – perguntou Marion.

–Não. Na verdade, muito tempo se passou entre a minha saída e o primeiro assassinato noticiado. Mas querem saber a minha opinião? Acho que eles não seriam burros de fazer alarde de todos os assassinatos. Algo me diz que eles mataram pelo menos duas ou três vezes mais pessoas do que avisaram. As tais rosas de ônix foram idéia da Quasar, para criar uma identidade para a gangue.

–Duas ou três vezes mais, você disse? – Alphonse dizia lentamente, como que para assimilar o que ela havia dito – E teria alguma razão em especial para matar tantas pessoas?

–Sei tanto quanto vocês... – disse ela, observando-o atentamente – Olha, eu conheço você de algum lugar... Você se parece com... com... Ah, sim, com aquele tampinha chato, o Edward Elric! O que você é dele, um primo? A semelhança é muito grande.

–Na verdade, eu sou o irmão do tampinha chato, Alphonse – respondeu Al, sem se alterar.

–Hum, sei... Agora me lembro de você – ela riu mais – Você era aquele cara da armadura, não era? E você me defendia e me protegia o tempo todo...

–É? Ah, é sim... – ele desconversava – Acho que sim. Era engraçado, não?

–Vamos providenciar proteção especial para você, Clara – disse Marion, se levantando – Esta é uma das vantagens de você estar na prisão: pelo menos, a Black Rose não pode te alcançar.

–A vida na prisão é boa, apesar do que as más línguas possam dizer – ela deu de ombros – Temos proteção, o lugar é bem aquecido, a comida não é tão ruim... além do mais, companheiras de infortúnio geralmente se mantém amigas a vida inteira – e, mais baixo – Espero ter ajudado. Tem uma amiga minha que ainda está lá, e eu gostaria de saber se vocês sabem algo sobre ela.

–E qual é o nome dela? – Marion ergueu uma sobrancelha.

–Terpsícore. Ela escolheu o nome, não eu – acrescentou rápido, ao ver que os outros dois nada entenderam daquele nome – Ela me contou algo sobre isso... parece que essa tal de Terpsícore era a musa da dança e da música. A minha amiga era praticamente uma dançarina, e sabia ser sutil. Juntas, éramos imbatíveis. Se ela estiver presa, estará segura. Podem me ajudar.

–Se encontrarmos algo, diremos – a investigadora concordou prontamente – E obrigada pela ajuda, o que você nos disse vai ser muito útil.

            Os dois se levantaram, e a cumprimentaram mais uma vez, antes de dar as costas e sair, sem olhar para trás nenhuma vez. Quando já estavam do outro lado dos muros da prisão, Al não pôde se conter mais e perguntou, ansioso:

–Olha, o que ela disse... ela tava falando sério?

–Sobre os assassinatos? Bem, eu realmente já estava pensando nisso – respondeu Marion, pensativa, o olhar distante – E aquela história do laboratório alquímico, talvez tenha algo a ver com aquela história da Pedra Filosofal. O endereço tá aqui, a gente podia passar lá e ver se tem alguma coisa útil. Você disse que dá para descobrir tudo sobre uma transmutação...

–Se eles tiverem deixado alguma coisa para trás, com certeza – concordou Alphonse – Mas não dá pra garantir nada... De qualquer forma, uma pedra filosofal seria agora a última coisa que a gente precisa.

–O que exatamente você quer dizer com isso, Al? – ela o encarou, os olhos castanhos faiscando intensamente.

–A Pedra Filosofal tem um poder muito violento, Marion – ele se esquivou, tentando dizer o mínimo possível – Nas mãos erradas, pode provocar estragos inimagináveis, e acho que nós dois concordamos quando falamos que essas são mãos bem erradas para algo desse tipo cair.

–Você sabe que não é só isso – Marion se exasperou – Se sabe de alguma coisa, conte-me logo!

–Não dá, tá bem? – ele também subiu o tom de voz – Não dá pra contar certas coisas, pelo menos não ainda! Por favor, pelo menos confie em mim. Na hora certa, explico tudo, mas agora tem muita coisa em que preciso pensar.

–Tudo bem, eu confio em você, mas um dia precisarei de uma resposta – ela suspirou, acenando afirmativamente com a cabeça – Até lá, vou ajudando você em sua pesquisa.

            Al voltou para o hotel, e trancou-se no quarto. Marion chegava cada vez mais perto... Ela sabia que ele escondia alguma coisa séria, mas não podia dizer, pelo menos não ainda. Ele confiava nela, e muito, mas não sabia como a investigadora lidaria com isso. Mesmo para ele, era difícil demais lidar com tudo aquilo, e ficava apavorado só de pensar na Black Rose com uma Pedra Filosofal.

            Ele havia visto fotos deles. Eclipse o havia deixado particularmente interessado. Ela parecia ser uma das líderes, alguém que talvez pudesse ser uma segunda Dante. Era como nos tempos dos homúnculos, em que eles mandavam e desmandavam. Dante era uma espécie de líder, poderosa e cínica o bastante para roubar identidades, mentir e matar, e a alquimista albina da Black Rose parecia exercer uma liderança parecida.

            Naquela noite, ele resolveu dar uma volta pela praia. Havia poucas pessoas ali, alguns esportistas praticando cooper e casais de namorados passeando, por isso ele não viu problema em tirar os sapatos e pisar, descalço, na areia. Caminhou lentamente até o mar, e deixou que a água jorrasse pelos seus pés e molhasse a barra das calças que usava. Ele gostava de água, e adorava a sensação de frescor e liberdade que ela proporcionava. Entretido com o movimento das ondas, não percebeu quando alguma coisa fez um movimento extremamente leve e veloz atrás de si.

            O ataque foi rápido, eficiente e implacável. Em um segundo, alguém o acertou com violência no queixo e o derrubou no chão. Ainda atordoado, Al não percebeu bem quem o atingia, mas viu que, fosse quem fosse, era pequeno, ágil e muito forte. Percebeu também um borrão cor-de-rosa sobre a cabeça, e sabia que aquilo significava alguma coisa, mas não soube o que era. Rapidamente, levantou-se, com um salto, e preparou-se para a briga, enquanto analisava sua oponente.

            Ela era realmente muito miúda, na verdade só um pouco mais alta que ele. Magra e leve, usava roupas negras bordadas de vermelho, e nas costas havia uma espada embainhada. O que mais chamou a atenção, porém, foi o cabelo, rosa-choque e muito longo, trançado firmemente, e um brilho nos olhos, insano, assassino. Apesar de assustado, Al se recusou a fraquejar, e disse, no tom mais ácido que foi capaz de imprimir à voz:

–Qual é o seu problema, sua maníaca?

–Ora, ora, o gatinho tem unhas! – ela riu, de uma forma assustadora – Eu vim apenas conversar com você, mas se você faz questão do jeito mais difícil... – ela desembainhou a espada, e exibiu uma lâmina reluzente, toda gravada com caracteres orientais.

–É, eu quero fazer do jeito mais difícil! – com os olhos estreitos, bateu as mãos uma contra a outra e, depois, na areia, e de lá puxou um bastão de rocha – Só não sei se você vai ter coragem de cair dentro.

            Eles passaram alguns instantes se encarando, ela com sua katana, ele com seu bastão em posição de ataque. “Marion me falou dela, a tal Quasar... Primeira-dama e assassina por excelência da Black Rose, ela disse”, o garoto pensou, sem baixar a guarda. “Por favor, faça o primeiro movimento... Deixe-me ver do que você é feita...”.

            Como se atendesse aos seus pedidos, ela atacou primeiro, um rodopio velocíssimo e muito preciso, que provavelmente teria cortado fora o pescoço dele se não tivesse defendido na hora com o bastão. Na hora, ficou claro que, naquele ritmo, ela o destroçaria em minutos, então o melhor seria atacar primeiro. Mas ela era rápida como um relâmpago, e a cada investida de Alphonse, ou se esquivava ou saltava e contra-atacava sempre. Al era um excelente lutador, muito veloz e forte, mas era impossível vencê-la. Por fim, depois de um tropeço dele, ela conseguiu fazê-lo cair e apontou a espada diretamente para a garganta do garoto.

–Tá a fim de me matar, cabeça de fósforo? – ele provocou, tentando acender a ira da moça e fazê-la perder a cabeça, abrindo assim uma brecha para um contra-ataque – Você não tem capacidade para tanto, não é? Pois, se tem, por que não me mostra?

–Pode parar, espertinho, eu não vim te matar – respondeu ela, os olhos estreitos – Só vim aqui dar um aviso: estamos todos seguindo cada passo que vocês, imbecis do exército, dão. Avise à Hughes para tirar o nariz de onde não é chamada se ela não quiser se machucar.

–Marion não dá a mínima para as suas ameaças, e se quer saber, eu dou menos ainda! – mesmo sabendo que não estava em posição de bancar o herói, Al retrucou com desprezo – É você e a sua corja de assassinos degenerados que tem que ter medo, porque vamos pegar cada um de vocês. Acho que estou certo em dizer que tem uma Pedra Filosofal em seus planos, não é? – ela não respondeu, mas Al percebeu que ela oscilou um pouco – Parece que eu estou mesmo certo... Mas vocês não estão lidando com amadores estúpidos, e sim com profissionais.

–Não me faça rir, moleque! – ela deu uma risada alta, que pareceu mais de desespero do que realmente por achar graça daquilo – Fique feliz por Drake não querer sangue para esta noite, porque senão eu já teria dado um jeito em você. Considere-se avisado: se não pararem, sangue inocente irá correr. E o seu, moleque, será o primeiro  -e, sem dizer mais nada, desapareceu nas sombras.

            Al, totalmente exaurido, não conseguiu se levantar. Por alguns minutos, ficou lá, deitado ofegante na areia, com as ondas a baterem nele o tempo todo. Então, eles estavam monitorando os passos que as investigações davam... Sempre estariam um, dois, até três passos à frente do exército, e não havia nada que pudessem fazer. Olhou para trás, e viu uma rosa de ônix, do mesmo tipo usado para marcar os assassinatos. Apanhou-a e tocou-a, e novamente sentiu a maldade e o ódio por trás daquela peça bela e delicada.

            “Preciso avisá-la...”, ele pensou, se levantando lentamente e cambaleando. “Marion tem que ser a primeira a saber... Eles queriam que fosse eu aquele a dar o recado, mas por quê? Será que eles sabem de alguma coisa? Será que sabem do meu passado com a Pedra Filosofal? Será que...” Mas percebeu que não podia ficar ali, criando conjecturas absurdas. Precisava cumprir a sua função, avisar a todos os que pudessem e deixar claro que, agora, um conflito direto começava a se insinuar. Se tivesse um pouco de sorte, talvez pudesse salvar vidas inocentes... e amadas.

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–Eles sabem, Drake! Eles sabem sobre a Pedra Filosofal! – mais tarde, naquela noite, Quasar chegou correndo ao QG da Black Rose – Aquele moleque de quem vocês me falaram, Alphonse Elric, nós o subestimamos demais!

–Eu disse que seria um erro nos revelarmos agora – retrucou um rapaz jovem, com cabelo negro e uma cicatriz que atravessava o rosto – Você acabou mostrando o seu rosto, e será questão de tempo até te identificarem.

–Skipp, cale a boca – Eclipse foi ríspida – Tudo o que sabemos é que tem alguém que sabe da Pedra Filosofal, mas o que isso muda? Só creio que foi uma imensa perda de tempo procurarmos o rapaz. Vocês sabem que Hughes nunca vai desistir da investigação, ainda mais por causa de uma simples ameaça a um moleque.

–Será que o sobrenome Elric não te lembra nada? – insistiu Skipp – O irmão dele, Edward, foi um alquimista federal muito famoso, e ele próprio tem muito talento. Fiquem espertos, ou esse cara ai vai nos causar problemas.

–Calma, cabeça de vento – disse Quasar, dando de ombros – Ele é fraco, a gente cuida dele facilmente. E não importa de quem ele seja irmão ou filho, a questão é que não vai ser ele quem vai nos impedir.

–Quasar está certa – disse Drake, a voz controlada e fria – Ele vai entregar o nosso recado. E, se mesmo assim, ela insistir em continuar, voltaremos. E, Eclipse, você sabe o que fazer.

–Sendo útil ou não, esse rapazinho pode nos ser muito útil – disse ela – Sei que vamos voltar a nos ver, e acho que será em breve. Ele e a Marion. Dessa eu quero cuidar pessoalmente.

–E os outros soldadinhos de chumbo dela? – disse Skipp – O que vão fazer a respeito deles?

–Vai ser fácil – respondeu Drake – Roy Mustang, o oficial responsável, parece ser inteligente, assim como a major Hawkeye, mas os outros, eu não sei. Clavel, o oficial da polícia, é um imbecil, e talvez possamos controlá-lo. Mas mesmo o Mustang e a Hawkeye não são ameaça por enquanto. É só ler nos jornais, nem eles sabem com o que estão lidando.

–E quando vamos agir novamente? – disse Quasar, impaciente.

–Logo, logo. E quero ir pessoalmente – respondeu Drake, sorrindo – Faz tempo que quero entrar em ação... E já tenho até uma vítima em mente.

–Quem? – os outros três o observaram, interessados, mas o líder da Black Rose se limitou a responder:

–Vocês saberão na hora certa...


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