Paparazzi escrita por Kyra_Spring


Capítulo 12
Capítulo 11: Poema pelas almas de todos


Notas iniciais do capítulo

N/A: dessa vez, a formatação será um pouquinho diferente. As partes em itálico serão flashbacks em terceira pessoa, e as partes sem itálico serão narradas por Axel e Roxas, em primeira pessoa, alternadamente.



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            Confesso que aquela decisão repentina do Roxas me pegou desprevenido.

            Eu sempre fiquei me perguntando que tipo de segredos ele guardava de mim. Algum trauma, talvez? Alguma história escabrosa que ele queria manter escondida de todos? A curiosidade que eu tinha chegava a ser até meio mórbida. Mas, droga, não era da minha conta, o que quer que fosse.

            Mas... ele confiava em mim. Isso era reconfortante.

            A conversa com a diretora demorou um pouco mais do que eu gostaria. E foi bem desagradável. Eu fui eleito como porta-voz da Scherzo para pedir que pelo menos a nossa sala pudesse ser dispensada das aulas para assistir nossa apresentação no Stairway, que seria exibida pela internet. Mas ela não quis nem ouvir. Claro, provavelmente foi porque os outros foram idiotas de mandar a mim, e não ao Zexion, pedir a ela. Mas a verdade é que ela não autorizou, dizendo que isso atrasaria as matérias e que era algo que não tinha nada a ver com a escola.

            Bruxa... Todos haviam ficado tão empolgados com a nossa apresentação...

            Quando saí do colégio, Roxas me esperava no portão. Ele sorriu, amistoso. Eu gostava daquele sorriso. Mas havia apreensão no olhar dele. E eu não iria perturbá-lo com perguntas estúpidas. Daria tempo a ele, e ele contaria da forma que se sentisse mais confortável. Fomos até o parque a pé, conversando trivialidades, até chegarmos ao lago. Era um ritual para mim: chegar ao lago, comprar sorvete, sentar no gramado e olhar para a água. Um ritual ao qual, aparentemente, Roxas havia aderido, porque foi exatamente o que ele fez.

- Você disse que precisava falar comigo – eu comecei, tentando parecer receptivo o suficiente e dar confiança a ele – O que houve?

            Ele hesitou, mordiscando nervosamente o sorvete, como se procurasse as palavras certas.

- Bem... é uma coisa que eu quero te contar – ele disse, incerto – Somos amigos já há algum tempo, não é? E... sei lá, acho que você deveria saber isso.

- Sabe que pode me contar qualquer coisa – eu disse – Você já sabe mais da minha vida do que eu mesmo, então acho que posso retribuir o favor, se você quiser.

- É verdade... – ele deu uma risadinha nervosa – Sabe... aconteceu uma coisa, há alguns anos atrás... uma coisa que eu venho tentando esquecer desde sempre, mas nunca consegui...

            Era isso. Algo havia acontecido a ele. Evitei encará-lo, pensando que, no lugar dele, eu ficaria ainda mais apavorado se alguém ficasse com os olhos fixos em mim.

- E, toda noite, eu revivo aquele dia... – a voz dele foi se tornando frágil e sussurrante – É como se a pessoa nos meus pesadelos voltasse para me assombrar, noite após noite... E... eu tenho medo... como se ele estivesse escondido, nas sombras, só esperando pela chance de me pegar...

- Nada mais vai te fazer mal, Roxas – eu respondi, sem pensar – Não comigo aqui.

- Eu sei... – juro que não era essa a resposta que eu esperava. Mas, mesmo em meio ao nervosismo estampado em seu rosto, ele sorriu quando disse isso – E é por isso que estou lhe contando, agora. Porque quero que você também saiba mais sobre mim do que eu mesmo.

            Quando eu penso no que ele disse naquele dia, imagino que o normal seria eu achar aquela frase muito estranha. Mas jamais me esquecerei da sensação que tive ao ouvi-la. Era uma sensação de vitória, como se eu finalmente tivesse conquistado algo que estava buscando há muito tempo. Roxas já era parte da minha vida. Era quase como se fôssemos irmãos e pudéssemos sentir os sentimentos um do outro, de certa forma. Ou, pelo menos, era o que eu pensava. Ele era meu irmãozinho mais novo, a quem eu devia proteger e cuidar.

            Se bem que... será que, nessa época, eu realmente ainda não havia percebido que era algo diferente disso? Não sei. E acho que nunca saberei, também.

- Bem... – ele respirou fundo – Eu tinha oito anos quando aconteceu. Na época, morávamos em Tóquio. Eu estudava numa escola muito antiga e tradicional, e gostava muito de lá. Minha mãe trabalhava lá também, dando aulas para uma turma mais velha que a minha. Aquele era um dia chuvoso... um dia chuvoso e enevoado, exatamente como o primeiro dia de aula desse ano...

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- Ah, essa não! – os garotos daquela sala de segunda série protestavam contra Deus e o mundo enquanto olhavam pela janela – Terceiro dia seguido de chuva, vamos ficar trancados aqui outra vez!

- Não, a gente não pode ficar aqui! – um outro dizia – Marcamos de jogar futebol com a 2-C hoje, não podemos deixar de aparecer só por causa de uma chuvinha à toa.

- E você acha que a professora vai nos deixar sair assim? – reclamava um terceiro – Ou a professora da 2-C? De jeito nenhum...

            Roxas também olhava pela janela desolado, perguntando-se se havia alguma forma de fazer a chuva parar, pelo menos durante o recreio. Ele odiava quando chovia. Mas não pelo mesmo motivo que os outros garotos da sua sala.

            Será que ele ainda passaria mais tempo sem ver a sua amiga da 3-A?

            Já fazia alguns dias em que ele se encontrava sob uma grande árvore do pátio com uma garota de uma turma mais avançada. Todos os dias ela estava lá, sem falta. Cabelos castanhos curtos, óculos, sempre desenhando sob a mesma árvore e observando tudo e todos com olhos interessados... Ele sempre passava reto por ela, quase sem notá-la.

            Mas um dia ele a percebeu. E, discretamente, começou a observá-la. E, num dia, os olhares deles se cruzaram.

            E ela sorriu. Era um sorriso bonito, sem dúvida.

            Aos poucos, ele foi se aproximando. E eles começaram a conversar. Começou de forma tímida, mas com o passar do tempo Roxas mal podia esperar pelo momento em que o sinal para o intervalo soava e ele podia correr para o pátio. Ela sempre chegava antes dele. E sempre estava lá, desenhando.

            Mirai. Esse era o nome dela. E ela sempre o cumprimentava da mesma forma...

            “Oi, Roxas. Quer desenhar comigo hoje?”

            Ela nunca parava de desenhar, mesmo enquanto estava com ele. E sempre mostrava os desenhos dela, também. Eles eram muito bonitos, coloridos e vivos. Ele já havia tentado desenhar com ela algumas vezes, mas era muito ruim, então por fim decidiu apenas ficar ao lado dela, observando-a. Isso já bastava.

            E ele sentia falta dela. E queria falar com ela outra vez.

            Mirai morava longe dele, e seus pais sempre vinham buscá-la de carro na escola, ao contrário dele, que ia a pé. Assim, os únicos momentos que tinham eram os intervalos de aula. E era aqueles momentos que Roxas tentava aproveitar. Ela era sua melhor amiga, sempre com palavras gentis e sorrisos cálidos.

            E ele... tímido, frágil... um pouco dependente daqueles ao seu redor... mas, ainda assim, feliz. As coisas estavam bem daquele jeito. E os dias passavam calmos e tranqüilos, da forma como deviam ser.

            Até aquele dia...

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            E, de repente, as palavras me faltaram.

            Eu havia passado tempo demais tentando reprimir a lembrança daquele dia. E, sem perceber, havia reprimido também muita coisa que era importante para mim. O rosto dela... como eu pude esquecê-lo? Mesmo agora, ele não estava tão claro quanto deveria. Faltava alguma coisa, algo que o completasse em minha lembrança. Como se fosse a arte-final de um rascunho a lápis.

- Não precisa se forçar, se não se sentir preparado – disse Axel, compreensivo – Podemos ir aos poucos, se quiser.

- Não – respondi – Eu... preciso fazer isso. Só é um pouco difícil.

            Eu podia sentir o olhar dele em mim. E, por um momento, imaginei o que ele pensava.

            Estava sendo um momento estranho, sem dúvida. Axel fazia parecer tão fácil abrir o coração para alguém... Ele não escondeu suas fraquezas e tristezas em nenhum momento. Mas eu, quando tentava fazer o mesmo, ficava totalmente travado. E as palavras sumiam, e eu não sabia o que dizer. Éramos mesmo diferentes como água e vinho.

- Você está parecendo eu, quando fui pedir a Larx em namoro – ele disse, de repente – Fiquei quase dez minutos encarando-a e gaguejando feito um palhaço, até que ela me encarou e disse – e, então, ele afinou a voz e disse – “Vai ficar aí feito o idiota de sempre ou vai me chamar logo para sair?”.

            E riu. E eu ri junto com ele. Era essa a forma dele de tornar as coisas mais fáceis.

- O pior de tudo é que consigo imaginá-la claramente dizendo isso – eu disse – E eu simplesmente não consigo entender o que você viu nela.

- Pra ser honesto, nem eu entendo – ele respondeu, dando de ombros – Mas... bem, ela tem o seu charme, quando não está sendo maldosa. Mas, depois de um tempo com ela, percebi que gosto de garotas gentis e carinhosas, ou seja, o exato oposto dela.

            Ele riu mais um pouco. Era bom ver que ele achava graça naquilo.

- Mas o assunto aqui não sou eu – então, ele disse – Pode continuar contando a história, por favor?

- Sim, claro – respondi, respirando fundo. Agora, parecia mais fácil continuar revendo aquela cena. E eu precisava que fosse mais fácil, mesmo. Porque, agora, chegaria a parte da qual eu mais tentava fugir naqueles anos...

            A parte que mostrou o quanto eu era fraco. E o que isso me fez perder.

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            Roxas decidiu ir até a sala de Mirai para encontrá-la, durante o recreio.

            Ele não sabia se a encontraria lá. Quando o intervalo começou, ele lançou um olhar rápido à janela, na direção da árvore sob a qual ela sempre ficava. Claro, não havia ninguém lá, a chuva estava ficando mais e mais forte com o passar do dia. Então, o primeiro lugar no qual ele pensou foi a sala dela. E torceu para estar certo, porque se não estivesse não teria mais idéias de onde procurar.

            Felizmente, ela estava lá, desenhando como sempre. Ele entrou timidamente, levemente receoso de as pessoas da turma dela não gostarem da presença dele lá, mas Mirai, quando o viu à porta, abriu um grande sorriso. E o chamou para perto dela, dizendo, como sempre:

- Oi, Roxas. Quer desenhar comigo hoje?

- Quero, sim – ele respondeu, e ela deu uma folha de papel e alguns lápis a ele – A gente acabou se desencontrando esses dois dias... Alguma novidade?

- Nenhuma – ela disse, dando de ombros – Quer dizer, minha mãe disse que vamos nos mudar, mas é para perto daqui, então não vou mudar de escola. Fora isso, nada. E você?

- Eu consegui fazer três cestas de três pontos no último jogo de basquete! – ele respondeu, orgulhoso – Ninguém da sala conseguiu isso até hoje!

            E os dois seguiram conversando amenidades. Era bom estar com Mirai outra vez.

            Mas, mesmo assim, algo ainda incomodava Roxas. Algo como um... pressentimento.

            De repente, eles começaram a ouvir um barulho vindo do portão, e foram até a janela.

- Aquele não é o Yoshiki, o zelador? – ela perguntou – Ele não tinha sido demitido há umas semanas por dormir no trabalho?

- É, eu acho que sim – ele respondeu – Ele parece irritado, sei lá...

            Ele pareceu discutir com os porteiros por um instante, e entrar depois. Algum tempo depois, sumiu da vista dos dois. Na certa, não seria nada muito importante. E eles continuaram conversando e desenhando, até que...

            Um grito de mulher foi ouvido no corredor. E, então, logo depois, o som de algo pesado batendo no chão. O pânico cresceu no coração de Roxas. Ele lançou um olhar a Mirai, que estava paralisada, os olhos arregalados e fixos em algum ponto qualquer da parede. E, então, outro grito, e vozes alteradas, e mais uma vez o som de algo caindo no chão.

- O que... foi isso? – a voz dela saiu num sussurro desesperado.

            As outras crianças da sala também gritavam, com medo, e alguns choravam. Roxas, porém, estava completamente estático, e o choque, de alguma forma, entorpeceu qualquer outro sentimento. Ele só sabia de uma coisa. Precisava tirar Mirai dali e precisava buscar ajuda, de alguma forma. O que quer que estivesse acontecendo, era muito grave.

- Fique aqui – ele sussurrou, tentando esconder o tremor da voz – Eu vou ali ver o que está acontecendo e já volto.

- Não, fique aqui comigo! – ela protestou, quase às lágrimas – Não me deixe aqui sozinha.

- Não vou sair da sala – ele insistiu – Só vou até a porta.

            Ele começou a andar em silêncio na direção da porta. Naquele momento, todos da sala estavam em silêncio, também, buscando lugares para se esconder e observando Roxas com olhos arregalados e assustados. Quando chegou à porta, olhou para o corredor. Tudo estava em silêncio, ali. Mas o que viu só não o fez gritar porque ele tapou a boca com as mãos.

            Era a senhorita Tashigi, ali no chão. Caída. E, em volta dela, uma grande poça de sangue.

            Ele começou a recuar lentamente, as pernas quase cedendo para a paralisia. Aquilo não estava acontecendo. Não, não era possível, aquilo não podia estar acontecendo. Era um pesadelo. Isso, só podia ser. Um pesadelo. Era só desejar intensamente acordar, e ele acordaria em sua cama, seguro e protegido.

            Mas, então, ele percebeu. Não era um pesadelo. Era real demais.

            Porque, no instante seguinte, com olhos demoníacos e sangue nas mãos, o zelador irrompeu pela porta. Na sua mão direita, uma faca pingando sangue. E, nos lábios, um sorriso cruel e enlouquecido.

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            De repente, algo foi me ocorrendo.

            Eu me lembrava vagamente de ter ouvido algo como aquilo, em algum momento. Era uma história antiga, parece que havia saído no jornal alguns anos antes. Eu não era muito mais velho que Roxas, então não podia me lembrar dos detalhes com tanta clareza, mas... sabia que conhecia pelo menos parte da história.

            E ele parou, mais uma vez, mordendo o lábio. Agora, sim, eu tinha certeza. Era algo triste e grave. E, na certa, doloroso demais para se lembrar. E eu começava a me sentir um canalha por ter insistido tanto para ele me contar.

- Sabe, eu ainda tenho uma marca daquele dia – ele disse, acabrunhado, e então puxou a gola da camisa até ela mostrar o ombro. Lá, havia uma grande e antiga cicatriz do que parecia ser um ferimento a faca. Engoli em seco.

- Eu... eu me lembro das notícias – gaguejei – Era uma escola parecida com a que eu estudava, na época. Todos ficaram com medo... até minha mãe chegou perto da paranóia com isso.

- Eu queria esquecer... – ele murmurou, com o olhar desorientado pela dor – Eu sempre tento esquecer... mas, não consigo. Toda noite... toda noite... eu vejo aquilo de novo...

- Não precisa dizer mais nada, se não quiser – ver o estado dele estava partindo meu coração em pedaços – Sério. Se for difícil demais, não precisa dizer mais nada...

- Por favor! – ele retrucou – Não... se eu não fizer isso, se eu continuar sendo covarde... nunca vou me livrar disso. Acho que... já fugi de tudo isso por tempo demais.

            Eu não soube o que dizer. Apenas fiquei lá, encarando-o. Os olhos dele faiscavam.

- Continue – respondi então, por fim – Continue... eu quero terminar de ouvir.

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            Assim que ele apareceu, os gritos e o choro da sala voltaram a ser ouvidos, enquanto as crianças buscavam se esconder e se proteger umas atrás das outras. Apenas Roxas estava ali, em frente à porta, congelado. Algo naqueles olhos o impedia de sair do lugar.

            Yoshiki se aproximou dele, lentamente, encarando-o com malícia no olhar e dizendo:

- Você será o meu escudo, moleque – então, ele percebeu que, além da faca, o homem também tinha uma arma na cintura – É melhor não fazer nenhuma besteira, ou vou te deixar igual àquela bibliotecária vadia. Então, fique quietinho. Fique quietinho e ficará tudo bem... É só uma lição, uma lição que as pessoas daqui têm que aprender.

            Finalmente, ele conseguiu recuar um passo, mas caiu. Foi a deixa para que o homem o pegasse pela gola da blusa e o prendesse com uma chave-de-pescoço, arrastando-o com ele. Roxas estava no limiar do pânico. Ele tentava resistir, mas as pernas não o obedeciam de forma alguma. Começou a procurar Mirai com o olhar. Ela estava encolhida contra um armário, chorando.

            Então, eles ouviram um som salvador. Sirenes. E carros parando. A polícia. Eles estavam salvos. Ele se permitiu respirar fundo, acreditando que, agora, ficaria tudo bem. Mas, no instante seguinte, lançou um olhar ao zelador. Ele parecia desesperado e queimando em ódio.

- VOCÊS TIRARAM TUDO O QUE EU TINHA AQUI! – ele começou a berrar – MINHA FAMÍLIA FOI EMBORA, EU ESTOU SEM EMPREGO, NÃO TENHO MAIS NADA! NADA! E AGORA... AGORA EU TAMBÉM VOU TIRAR TUDO DE VOCÊS!

- Por favor, acalme-se – então, na porta, apareceu a professora daquela sala – Fique calmo, e não machuque as crianças. Vamos conversar.

- CONVERSAR UMA OVA! – ele berrou – VOCÊS VÃO PAGAR PELO QUE FIZERAM COMIGO! EU PASSEI DEZ ANOS TRABALHANDO NESSA ESCOLA DE MERDA, AGUENTANDO ESSES PIRRALHOS, PARA DEPOIS SER DESCARTADO COMO UM TRAPO VELHO!

- Por favor. Solte o menino – a professora insistiu – As crianças não tem nada a ver com isso.

- CALE A BOCA! – então, ele berrou.

            E, depois, Roxas sentiu um líquido quente e espesso, cheirando a ferrugem, respingar em seu rosto. Todas as sensações daquele momento vieram separadamente, o som de uma pequena explosão, o som de algo pesado caindo, gotas quentes escorrendo pelo seu rosto... e os gritos... e o medo...

            E a mulher caída na sua frente. Morta.

            De repente, a cabeça dele ficou completamente vazia. Era terrível demais para ser verdade.

            E, então, continuou. E uma seqüência desconexa de sons e imagens começou a flutuar pela sua cabeça. Gotas vermelhas caindo em câmera lenta... pareciam pétalas de rosas... sim, talvez fossem pétalas de rosas... pétalas de rosa feitas de ferro, talvez. Eram rosas. Apenas rosas...

            Era como se sua mente, de repente, tivesse entrado em stand-by. Não pensava. Não sentia. Nada. Tudo parecia apenas um borrão difuso e irreal.

            Mas a realidade tratou de quebrar aquela barreira que o protegia. Porque aquela rosa que acabava de cair... aquela era real demais.

- Hora de morrer, pobres companheiros – dizia o zelador, enquanto o som dos estouros continuava e continuava – Vocês me fizeram ser o que sou.

            E então... ela... Mirai... ela também...

            Ela também caiu em meio a pétalas de rosas vermelhas.

            Eram rosas. Tinham que ser rosas. Assim, ela acordaria. Todos acordariam.

            Mas, não. Não eram. E ninguém mais se levantaria.

            Sua mente, então, começou a entrar em colapso. Sangue. Rosas. O cheiro de pólvora e ferrugem no ar. Seus amigos caídos, sem rosto, sem nome. E a chuva caindo do lado de fora, insensível a tudo. Tudo era assustador, e irreal, como um pesadelo terrivelmente vívido. E ele não conseguia expressar nenhuma reação, não conseguia chorar, não conseguia gritar, não conseguia se mover. Só conseguia ficar ali, de olhos abertos e parados, deixando aquela cena se imprimir em sua mente para sempre.

            E então, passos. O som da porta principal se abrindo bruscamente. E o homem o arrastando pelo pescoço. Aquilo era doloroso. Ele queria que tudo desaparecesse. Queria despertar.

            Ou, pelo menos... queria morrer, também. Como Mirai. E todos os outros.

            Seria mais fácil, não é? Também desaparecer em meio a pétalas de rosa...

            E por que? Por que logo eles? O que eles haviam feito de errado? O que [b]ela[/b] havia feito de errado? Por que tinha que ser assim? Por que...

            Não adiantava perguntar. Aconteceu. E isso não mudaria.

            E, por um momento, parecia que era isso que ia acontecer. A dor lhe dizia isso. Porque, de repente, sentiu algo lhe rasgando a pele, um pouco abaixo do ombro. E, novamente, a sensação do sangue, quente, denso, com um toque estranho sobre sua pele, tingindo de vermelho o seu uniforme...

            Mas tudo parecia tão distante... como se não estivesse realmente acontecendo. Como um sonho. Um sonho terrível do qual ele queria acordar.

            Um sonho... do qual ele nunca mais despertaria.

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            Quando eu dei por mim, estava chorando e soluçando como uma criança.

            Colocar tudo aquilo em palavras foi imensamente mais doloroso do que eu imaginei. Era como jogar álcool em cima de uma enorme ferida recém-aberta. A dor era dilacerante, mas, quando eu dei por mim, percebi que há eras não me sentia tão leve assim. Senti o olhar desconcertado de Axel em mim.

- Agora você sabe – gaguejei, sem conseguir parar de chorar – E... você entende...

- Roxas... – ele murmurou – Eu... eu sinto muito. Mas, sabe... Acabou. Isso ficou pra trás. Eu imagino o quanto isso deve ter sido doloroso, e sei que não posso dizer para você esquecer, mas... não precisa ficar escravo dessas lembranças. Elas não precisam feri-lo.

            Sim... isso era verdade... E, pela primeira vez, eu aceitava aquilo como verdade.

            Aquela havia sido uma catarse completa. Uma libertação. E tudo graças a Axel.

- Tá tudo bem... – então, ele sorriu – Você está aqui, e está bem. E nada disso vai te ferir outra vez. É uma promessa. Nada mais vai te ferir enquanto seus amigos estiverem aqui.

- Sim... eu sei disso... – murmurei, sorrindo sem perceber, entre as lágrimas. Eu acreditava naquilo. E não me sentia culpado por isso.

            Ficamos em silêncio por um tempo, até que...

- Roxas... – Axel murmurou – O que houve com você, depois de... tudo?

- Fiquei um tempo no hospital – respondi – Acho que entrei em choque. O zelador tentou se matar, mas foi preso. Pelo que eu soube, ele morreu na cadeia alguns anos depois. Eu não consegui mais voltar para a escola, naquele ano, então meus pais decidiram se mudar. E... – então, baixei os olhos, engolindo em seco – Mirai foi uma das vítimas, mesmo. Outros alunos, que eu pensei que tinham morrido, sobreviveram, mas não ela...

- Sinto muito... – ele respondeu.

            Mais silêncio. Ficamos vendo o sol se pôr no lago, outra vez. Até que, de repente, ele disse:

- Eu sei que vou embora no fim do ano – o tom de voz dele era decidido – E sei que vamos nos separar, todos nós. Mas saiba de uma coisa – então, ele me encarou – Não vai mudar nada. Continuaremos amigos. Eu juro. E... eu vou fazer desse ano o melhor de todos.

            Ouvi-lo falar aquilo naquele tom era triste. Mas não tão triste quanto eu esperava.

- É por isso que você virá conosco para o festival – ele continuou – Nem que eu tenha que te seqüestrar pra isso. Eu vou fazer tudo ao meu alcance pra levá-lo, mas você tem que me jurar que também vai fazer o que puder. Posso contar com isso?

            Por um momento, encarei-o sem saber o que responder, boquiaberto. De onde havia vindo aquilo tudo?

            Mas, então... sorri. E disse:

- Pode ter certeza disso! Eu quero estar lá pra ouvir Slip Out.

- Esse é o meu garoto – ele sorriu, também – Está ficando escuro. É melhor a gente ir.

            E, sob o pôr do sol, seguimos para casa. Eu havia passado pelo meu teste. Os fantasmas poderiam até não ir embora, mas agora... eles não me impediriam mais.

            Eu seguiria em frente. E lutaria.

            Exatamente como Axel fazia.


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