Paparazzi escrita por Kyra_Spring


Capítulo 11
Capítulo 10: Eleanor Rigby (All the Lonely People)




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/72440/chapter/11

            Saí do hospital alguns dias depois. E foi mais ou menos aí que as ameaças começaram.

            Fui meio que tratado como um herói, quando voltei para a escola. Claro, todos os que eram ameaçados por Uehara tinham seus motivos para expressar alguma gratidão, mas... tantos assim? E, claro, todos perguntavam, todos queriam saber qual era a sensação de ser espancado por quatro brutamontes e sobreviver para contar a história.

            Eu só podia responder uma coisa. “Dolorosa.” As equimoses em meu corpo ainda doíam.

            Depois daquilo, porém, nada mais poderia nos parar. O Stairway to Heaven estava muito próximo. Se havia uma coisa pela qual eu parecia estar esperando por toda a minha vida, era por aquilo. Nossa grande chance. E seria a minha música ali. Isso era o mais inacreditável. Quando a ensaiamos pela primeira vez, senti uma coisa tão intensa, tão... surreal.

            Mas foi nesse dia em que encontrei meu pai na rua.

            O ensaio tinha terminado, e minha mãe me pediu para comprar algumas coisas para ela no mercado. E lá fui eu, de bicicleta, cantarolando e pedalando despreocupado. Ainda estava sob uma nuvem de felicidade depois de ouvir Slip Out com a banda completa pela primeira vez (o que era muito diferente de ouvir apenas a mim mesmo, com meu violão desafinado e minha voz mais desafinada ainda), e por isso estava um pouco distraído.

            Mas algo me trouxe de volta para a realidade...

_Ei, Axel! – aquela voz... eu não sei como não fiz a bicicleta capotar naquela hora, só sei que apertei os freios com força e quase fui jogado longe.

            Kazuo... pai... droga, o que ele queria agora?

            Ele parou de carro, ao meu lado. Eu não o encarei.

- Eu soube que você andou brigando – o tom dele era severo – O que aconteceu? Você está bem?

- Se eu não avisei a você quando isso aconteceu, deve haver um motivo – respondi. Ali eu não precisava de falsa cortesia – Talvez seja porque eu não queira saber do que você pensa sobre isso, e porque eu não queira te dar satisfação de nada. Agora, se me dá licença, estou com pressa.

            Eu já estava me preparando para sair, mas ele me segurou pelo ombro. Engoli em seco. Aquele gesto me despertou uma espécie de pavor profundo e antigo. Era como quando eu era criança. Sempre começava assim, e eu sempre terminava sangrando ou com algum hematoma novo para a minha coleção.

- É melhor você passar a me respeitar, Axel – ele sibilou – Estou me esforçando para que vocês me aceitem outra vez, mas é melhor que vocês façam o mesmo também. Ou, então...

- Está me ameaçando, papai? – cortei – Que bela forma de tentar uma reaproximação.

- Você não mudou nada mesmo – ele rosnou – Continua tentando me tirar do sério.

            Não respondi. Em vez disso, olhei para a rua, me preparando para continuar.

- Eu pensei que as coisas seriam diferentes... – ele disse – Mas sabe de uma coisa? Eu não preciso de você ou da sua mãe me contarem o que está acontecendo. Eu sei. E, se eu souber que você está fazendo esse tipo de coisa de novo, eu...

- Você está bancando o stalker, agora? – eu disse, numa tentativa de parecer sarcástico e esconder o pavor que aquela idéia me trazia – Se tentar qualquer coisa... se pisar na bola comigo ou com a minha mãe mais uma vez... pode ter certeza que eu vou acabar com a sua raça. Não sou mais uma criança de 11 anos com medo de você. E pode ter certeza que os caras que fizeram essas marcas em mim têm duas vezes mais do que isso.

            Minha voz não estava cheia de ódio. Pelo contrário, ela estava baixa e controlada. Eu estava falando muito sério naquela hora.

- Ora, Axel... – então, ele deu um sorrisinho nervoso – Olhe só para nós, acabamos brigando outra vez. Me desculpe, eu me descontrolei. Bem, eu preciso ir. Até mais.

            Então, ele saiu com o carro. Aquele era um motivo para eu não acreditar nas desculpas dele.

            Fiquei por alguns instantes parado no meio da rua, até que um motorista buzinou para mim e eu voltei a pedalar na direção do mercado. Agora, porém, a nuvem de felicidade tinha dado lugar a uma torrente de preocupação. O que aquilo havia significado? A máscara havia caído tão rápido assim?

            E eu sabia do que ele era capaz. Ele já havia nos seguido, antes. Minha mãe havia arranjado até uma ordem judicial contra ele, alguns meses depois de irmos embora.

            A minha felicidade foi encontrar Xion no mercado, porque de outra forma provavelmente teria até me esquecido do que fui fazer lá. Ela percebeu o meu estado de espírito e, assim que me viu, já foi logo perguntando o que havia acontecido. Então, contei tudo. Ela já sabia de toda a história anterior porque eu havia contado no hospital, num dos dias em que ela ficou comigo.

- Se esse cara começar a ameaçá-los, chame a polícia – ela disse – E fale sobre isso com a sua mãe.

- Não posso – respondi – Isso só vai preocupá-la ainda mais. E... ah, droga, eu levo o de frango ou o de vegetais? Por que ela não especificou na lista?

- Leve o de frango, o de vegetais tem gosto de capim seco – ela pegou uma caixa da prateleira e jogou na minha cesta – Mesmo assim, Axel, isso é perigoso. Pessoas assim são capazes de qualquer coisa. Ah, dá um tempo, essa marca é horrível! Leve essa outra aqui, é muito melhor!

- Mas é quase duas vezes mais cara... bem, você deve estar certa, de qualquer forma – dei de ombros. Sim, Xion estar comigo naquela hora estava se mostrando algo muito bom, em vários aspectos – Eu não quero preocupar a minha mãe. Ela está completamente atolada de trabalho, agora. Vou tentar lidar com isso sozinho, na medida do possível.

- Espero que você saiba o que está fazendo... – o tom de voz dela estava cheio de preocupação.

- Não se preocupe comigo – sorri – Eu já disse, vou ser um menino muito comportado. Além do mais, estou cheio de coisas sérias com que me preocupar, ao invés de ficar dando atenção a isso.

            É claro que eu falava isso mais para me convencer do que para convencer a Xion. E é claro que ela percebeu isso, também. Por isso, ela continuou comigo até terminar minhas compras, e foi comigo quase até a porta de casa. E, quando nos separamos, ela disse:

- Axel, por favor, tome cuidado – havia tristeza nos olhos dela – Não quero que nada te aconteça.

            O olhar dela me fez engolir em seco, enquanto uma súbita sensação de vergonha tomava conta de mim. Droga, o que eu estava fazendo? Eu só conseguia preocupar as pessoas ao meu redor! E isso me magoava. Era exatamente por isso que eu teria que resolver aquilo sozinho. Mesmo assim, respondi, tentando ser sincero em minhas palavras:

_Nada vai me acontecer. Eu juro. Não se preocupe.

            E, da mesma forma, tentei ser sincero ao sorrir para minha mãe, quando entrei em casa e disse que havia me atrasado porque encontrei Xion no mercado e perdi a noção do tempo conversando com ela. Mas, mesmo tentando ser sincero, eu sabia que estava mentindo para as duas. Mentindo para preservá-las, talvez, eu não sei ao certo. Mas isso me magoava.

            Será que eu teria que mentir para todos os que quisesse proteger?

            E será que minhas mentiras seriam o suficiente para isso?

------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------

            Acabei ganhando uma câmera nova de presente do meu pai.

            Demorou muito para fazer a minha mãe entender o que realmente aconteceu no dia da briga. No fim, porém, ela pareceu finalmente se convencer de que Axel e o pessoal da Scherzo não teve nada a ver com isso. Mas, mesmo assim, decidimos não contar nada ao meu pai. Só dissemos que aconteceu um pequeno acidente com a minha antiga câmera, e ele resolveu adiantar o presente de aniversário e me mandou dinheiro para comprar uma nova.

            Agora, sem Uehara no meu pescoço, eu podia tirar fotos livremente na escola. Agora, enquanto aguardávamos o resultado do concurso, a missão do clube de fotografia era outra: preparar fotos especiais para o anuário. Isso pareceu agradar muita gente que já estava cansada de tirar fotos de pé em frente ao quadro-negro todo ano.

            E, pelo visto, eu teria projetos pessoais, também...

- Gente, resolvi começar um blog para a Scherzo! – num almoço, Demyx anunciou para todos nós, cheio de orgulho. As reações variaram entre um “tá, e daí?” de Zexion até um “não dou três meses pra gente esquecer de atualizar isso e ignorá-lo completamente” de Larxene. Marluxia, porém, disse:

- Qual é, gente, é uma forma de divulgação! Mas precisamos de fotos boas...

- Oras, e pra que é que nós temos o Roxas aqui? – disse Naminé, animada – As fotos dele para o anuário estão ficando lindas, tenho certeza de que ele poderia fazer boas fotos para um blog!

- O quê? – engasguei – N-n-nada disso, m-minhas fotos nem são t-tão boas assim!

- Nada de falsa modéstia, pequeno gafanhoto, eu sei que você é bom – Axel riu – É, boa idéia.

- Bem, a gente podia começar hoje, então – sugeriu Larxene – Eu, pelo menos, estou livre.

- Eu também – eu disse – Se vocês quiserem, hoje é um bom dia.

- Esqueçam, hoje eu não posso – disse Axel – Tenho que estudar.

            Nessa hora, Demyx cuspiu longe o refrigerante da boca, Zexion largou o garfo, paralisado, e Larxene e Marluxia o encararam com os olhos mais arregalados que já vi na minha vida. Ela mesma disse, em choque:

- Você... estudar? – então, aumentou a voz – Quem é você e o que fez com o meu baterista?

- Seu baterista uma ova, Larxie! – ele estreitou os olhos – Não sei por que todo esse choque! Acho que vocês se lembram que eu também tenho vestibular no fim do ano.

            Havia algo diferente nos olhos de Axel. Teimosia, talvez. Aquela súbita mudança de comportamento não havia acontecido de graça, sem dúvida.

- Tá, eu não vou questionar isso – disse Zexion, por fim – Mas você pode pelo menos explicar o porquê disso agora?

            Ele hesitou por um instante, antes de responder:

- Eu só... quero ir embora daqui o mais rápido possível. Quero ir para uma cidade grande, mas não quero fazer isso sem planos ou metas. Se eu puder sair de casa para estudar, vai ser ótimo.

            Naquele momento, foi como se algo em meu coração tivesse sido feito em pedaços.

            Ele não ficaria ali para sempre. Isso era tão óbvio, mas ainda assim... doloroso.

            Não sei se alguém percebeu como fiquei quando ouvi isso. Espero que não.

- Bem, vamos nos concentrar em coisas mais próximas – ele disse, mudando de assunto – O Stairway. Estamos ficando sem tempo, então temos que fazer valer os ensaios. E acho que já seria legal montarmos um setlist...

            Mas eu não estava mais ouvindo. Estava longe, muito longe...

            Axel iria embora. E, agora que eu parava e pensava, os outros também iriam, com ele. Só me restaria Naminé, e mesmo ela iria embora logo no ano seguinte. Eu seria o último, eu ficaria para trás. E não queria mais ficar sozinho.

- Roxas, tá tudo bem? – perguntou Naminé, preocupada – Tá sentindo alguma coisa?

- Ahn? Ah, não, nada não – respondi – Só uma dorzinha de cabeça, nada sério. Eu vou indo para a sala, até mais.

            Se eu continuasse lá, todos iriam perceber, e eu não podia deixar. Havia prometido não dar mais preocupações aos outros, havia prometido não ser mais tão dependente de Axel... isso já havia custado caro demais a ele, antes. Eu precisava pensar numa forma de dissimular aquele sentimento, disfarçá-lo, sufocá-lo, aprender a aceitar aquilo como parte da vida e...

            Droga, não! Eu não queria aceitar aquilo! Eu não queria mais ficar sozinho!

            O pânico e a dor de cabeça começavam a querer tomar conta de mim. Eu havia passado tanto tempo sem aquelas crises que quase me esqueci da sensação. Mas, agora... era como se minha cabeça estivesse sendo prensada por um rolo compressor. Eu me sentia acuado, cercado... queria fugir, mas minhas pernas não se moviam. E, mesmo que parte da minha mente dissesse que não havia nada, que não podia haver nada, o pavor ainda me consumia...

            Era como se eu fosse morrer, ali. Como daquela vez. As lembranças ardiam como fogo.

            Geralmente, não era preciso de muita coisa para desencadear minhas crises de pânico. Na verdade, na imensa maioria das vezes elas surgiam do nada. Será que aquele era o caso? Será que foi apenas uma terrível coincidência? Eu não sabia, e de qualquer forma nem sequer conseguia pensar nisso, naquela hora. Tudo isso só foi me ocorrer depois.

- Roxas! ROXAS! Alguém, por favor, traga a enfermeira aqui! – ouvi uma voz, ela parecia distante... era parecida com a voz da professora de gramática.

            Agora, o que aconteceu depois... eu não sei.

------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------

- Senpai! Ei, senpai! – depois do almoço, voltei para a sala, mas logo percebi que alguém havia vindo atrás de mim. Não precisei pensar muito para descobrir que era Naminé.

- Naminé, pela última vez, não me chame de senpai! – reclamei – O que foi?

- Você... você percebeu como o Roxas ficou, não é? – ela disse. Engoli em seco. Sim, eu tinha percebido, mas tive que fingir o contrário – Quando você disse que iria embora...

- Eu sei, mas... não posso fazer nada quanto a isso – dei de ombros – De qualquer forma, é meu último ano aqui. Eu sei que ele vai entender. E eu também ficaria muito triste se qualquer um de vocês partisse. Mas... eu preciso ir.

- Sei disso – ela disse – Mas... você sabe, Roxas é muito solitário. Eu percebo isso. Não estou dizendo que você está errado em querer partir nem nada, mas... fale com ele.

- Eu sei... – Naminé o entendia melhor do que eu – Além do mais, ainda está muito longe. Temos até o ano que vem para aproveitar, não é?

            Então, percebemos uma movimentação estranha na sala de Roxas. E, para meu choque completo, ele estava saindo da sala amparado, na direção da enfermaria.

- Mas o que... – minha voz morreu aí. No segundo seguinte, eu fui atrás de uma menina da sala dele e perguntei – O que aconteceu?

- A gente não sabe – respondeu a garota – De repente, ele começou a se contorcer, e ficou encolhido no canto da sala, pálido e trêmulo como um pudim de leite. E ele parecia não ouvir ninguém, e ter medo de todos. Ele deve ter síndrome do pânico, ou algo assim...

            Fiquei sem reação. Aquilo havia sido... culpa minha?

- Eu tenho uma tia que tem crises assim – murmurou Naminé, pálida – Elas vêm sem razão nenhuma, sem aviso nenhum. É melhor não irmos vê-lo agora, vamos deixá-lo se acalmar.

- Você... você deve estar certa... – murmurei – Acho que... vou voltar para a sala.

            Em pouco tempo, a notícia do garoto do primeiro ano surtando na sala correu a escola. Eu passei a aula seguinte toda encolhido na minha carteira, estalando os dedos, nervoso, querendo vê-lo, querendo saber o que houve... querendo saber se aquilo tinha sido culpa minha...

            Quando a aula acabou, corri até a enfermaria. E, para meu alívio, Roxas parecia bem melhor. Agora, ele estava sentado na maca, conversando com a enfermeira. Assim que ele me viu, abriu um sorriso fraco, e acenou para mim, dizendo:

- Você não tem aula com o Tsuchi agora? Vá para a sala, eu estou bem.

- O Tsuchi que vá para o inferno! – eu disse, mais alto do que deveria. A enfermeira me lançou um olhar venenoso, e eu baixei o tom de voz – Fiquei preocupado com você! O que houve?

- É um problema que tenho – ele respondeu – Uma espécie de síndrome do pânico. Acabei descuidando um pouco dos remédios e deu no que deu. Me desculpe, não queria preocupá-lo.

- Por que você está pedindo desculpas? – o nervosismo estava me fazendo falar alto e ficar agitado, e eu sabia que aquilo me fazia parecer um idiota – E como assim você descuidou dos remédios? Se fizer isso de novo comigo, vou te dar um motivo pra ir pra enfermaria, estou avisando!

- Shimomura, quer falar baixo? Isso é uma enfermaria! – a enfermeira ralhou comigo, e isso me fez prestar atenção no que eu estava fazendo – Respeite os outros pacientes.

            Senti meu rosto queimar. Roxas me encarou. E, então, começou a rir.

            E, meio sem querer, acabei começando a rir também.

- Me desculpe por isso – eu disse – Mas... sério, tome cuidado. Saúde é uma coisa da qual não dá pra descuidar.

- Está bem – ele respondeu – Isso não vai se repetir – e, para a enfermeira – Eu já estou melhor, posso voltar para a sala?

- Pode, mas se voltar a se sentir mal, venha para cá imediatamente.

            Nós dois saímos juntos da enfermaria. Havia alguma coisa em Roxas que eu simplesmente não conseguia traduzir. Eu sabia que ele estava agindo como sempre, mas... por que alguma coisa parecia simplesmente não se encaixar?

            Eu sentia que... devia desculpas a ele. Por alguma coisa.

            Mas pelo que eu deveria me desculpar? Isso não soaria apenas muito hipócrita?

            Sim... era melhor não dizer nada. Era melhor fazer valer o tempo que tínhamos.

- Ei, Roxas – eu disse – Você acha que a sua mãe te deixaria ir conosco ao Festival?

- O quê? – os olhos dele brilharam – Ir com vocês? Ao Festival? Isso seria o máximo! – mas, de repente, ele murchou – Mas minha mãe nunca me deixaria ir...

- Bem, ainda temos tempo até lá – eu sorri – O que quer dizer que podemos armar uma operação de guerra para convencê-la a deixá-lo ir conosco.

            O sorriso no rosto dele... eu não consigo descrever o que senti ao vê-lo.

            Eu precisava continuar sorrindo, também. E tornar aqueles meses especiais.

            Por nós dois.

------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------

            Aquele convite de Axel me fez entender o que ele realmente pretendia.

            Era isso mesmo? Ele queria fazer o tempo que ainda nos restava valer a pena?

            Era nobre da parte dele. Nobre... e irritante.

            Mas – e pensar nisso era ainda mais irritante – não havia mais nada que ele pudesse fazer, além disso. Ele estava tentando encarar a situação de uma forma decente e madura. Amigos se separavam, aquela era a ordem natural das coisas. Os caminhos se separariam, em algum momento. E era nossa missão lidar com isso da melhor forma possível.

            Mas eu era egoísta. Muito egoísta. A idéia de voltar a ficar sozinho me deixava apavorado.

            Quando eu parava para pensar nisso, eu era como Eleanor Rigby. Sim, aquela da música dos Beatles. Vivendo em um sonho, pegando o arroz da porta da igreja onde acabou de acontecer um casamento... eu pegava fragmentos de felicidades alheias, e tentava transformá-los na minha própria felicidade. Esperando na janela com expressões falsas e vazias por alguém que viesse me salvar...

            Todas as pessoas solitárias, de onde elas vêm?

            Todas as pessoas solitárias, a que lugar elas pertencem?

            Mas Axel... sim, ele era parte da minha vida. Uma parte que eu não queria perder.

            Mesmo assim, eu aceitei. E sorri. E, como Eleanor Rigby, coloquei o rosto que eu mantinha num jarro perto da porta. Uma outra expressão falsa e vazia, mas era o que eu podia fazer. Já havia causado dor demais a Axel, até ali. Estava na hora de aceitar aquela dor, abraçá-la como minha, e tentar fazer daqueles meses os melhores da minha vida.

            Por que eu reagia daquela forma? Porque Axel era tão importante assim?

            Mas a resposta a essa pergunta veio quando eu o encarava. Desde quando o conheci, percebi que havia uma tristeza inalcançável nos olhos dele. Como se ele continuasse buscando incessantemente por algo que o completasse. Mas, mesmo assim, ele se levantava, e seguia em frente, e usava isso para ter forças para continuar. Ele queria viver, não apenas sobreviver e existir sem motivo, como eu.

            Axel era o que eu gostaria de ser. A parte que faltava em mim.

            Será que ele era tão solitário quanto eu?

            Foi por isso que, naquela hora, eu tomei uma decisão.

            Ele precisava saber. Saber quem eu era, e saber por que eu era daquela forma.

- Axel – eu disse. Minha voz estava firme – Sei que você tem coisas para fazer depois da aula, mas você se importaria em ir comigo até o parque um pouquinho, depois?

- O que foi? – ele ergueu uma sobrancelha – Mais fotos? Sorvete? Esconder um cadáver no lago?

- Se fosse o da Yamada, até poderia ser – acabei rindo, sem querer – Não é isso. É que... eu precisava conversar com você sobre uma coisa. E lá é um bom lugar.

            Ele me encarou, e de repente ergueu as sobrancelhas. Ótimo, ele entendeu.

- Claro que sim – ele deu um sorrisinho compreensivo – Me espere no portão, eu vou me atrasar uns minutinhos porque tenho que falar com a diretora, mas nada demorado.

- Está bem – acenei com a cabeça – Muito obrigado.

- Nah, não me agradeça! – ele deu de ombros – Ou melhor, agradeça sim. Hoje você paga o sorvete, porque estou completamente duro – e riu – Até mais!

            Ele foi para a sala dele, acenando. E, de alguma forma, só aquilo já me deixou aliviado.

            Estava na hora de abrir meu coração a ele. De uma forma que eu nunca havia feito para ninguém.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Paparazzi" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.