Segundo ato escrita por Paulinha Almeida


Capítulo 15
Intermissão XIII




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POV Ginny

 

“Ele me chamou para jantar”, era o pensamento que invadia subitamente minha mente a intervalos regulares de tempo, independente do que eu estivesse fazendo, e me arrancava um sorriso involuntário.

Eu estava acostumada a semanas sem nada que esperar, então talvez a expectativa tenha feito meus dias durarem trinta e seis horas ao invés de vinte e quatro, porque a impressão que eu tinha é que o próximo sábado não chegaria nunca.

Tentei me lembrar se na primeira vez eu havia ficado ansiosa assim, mas minha memória não tinha muitos detalhes além dos beijos que fecharam muito bem aquela noite. Pensar nisso só me deixava mais nervosa, porque me remetia a pensar se dessa vez haveriam beijos também.

A medida que os dias passavam, mais ansiosa eu ficava devido às possibilidades que se desenhavam na minha imaginação. Os cenários iam desde acordar com ele no dia seguinte em qualquer lugar, porque em qual cama seria era o de menos, até Harry esquecer e nosso jantar nunca acontecer.

Ele me disse que estaria viajando a trabalho, o que com certeza reduzia muito seu tempo livre para pensar no lugar a que iríamos, mas só faltavam dois dias para nosso encontro e não tínhamos nos falado nenhuma vez depois do convite. Convenci a mim mesma que isso era motivo suficiente para olhar ansiosa para o celular a cada vez que ele vibrava.

Quando deixei a universidade o sol já estava se pondo e eu morrendo de fome. Deixei os livros sobre o banco do passageiro e dei partida no carro para ir para casa, não sem antes dar uma última olhada na tela do meu smartphone. Antes de soltar o aparelho sobre meu material de estudo e trabalho, ele tocou.

Meu coração acelerou o dobro do normal apenas com o toque, e o triplo quando vi o nome no identificador de chamadas. Sem esperar um segundo a mais sequer, atendi a chamada e levei o aparelho ao ouvido, sem dar a mínima ao fato de que provavelmente pareceu bem desesperado.

—Alô? - Desliguei o motor outra vez e encostei no banco com a unha do dedão presa entre os dentes.

—Oi, Gin, sou eu. Tudo bem? - A voz dele também não demonstrava tanta auto confiança assim.

—Tudo bem, e você?

—Tudo ótimo. É uma boa hora? - O tom de voz me deu certeza que Harry estava passando os dedos pelos cabelos.

—Sim, acabei de sair da faculdade, estava indo para casa.

—Então não sou o único que anda trabalhando demais, acabei de chegar no hotel.

Olhei as horas no painel do carro antes de continuar a conversa.

—Se seus horários não mudaram, na verdade você está trabalhando menos se já está no hotel. - Falei em tom conspiratório e ele riu.

—É que para mim ainda não acabou, continua no jantar chato de daqui a pouco.

—Tudo bem, dessa vez você ganhou.

Nós dois sorrimos e ficamos em silêncio por um tempo. Eu queria perguntar como estava sendo a viagem, mas achei melhor não ir tão longe.

—Então, tudo certo pra sábado?

—Claro, por mim sim. A menos que…

—Não, estou ligando para confirmar e também para sugerir um lugar, já que você disse que eu poderia escolher.

—E onde vamos? - Nem tentei soar desinteressada ao perguntar.

—O que acha de comida japonesa? É algo que nós dois gostamos, então não tem como errar.

—Acho perfeito.

—Ótimo, estava pensando naquele restaurante que eu nunca lembro o nome, mas você com certeza sabe onde é.

Prendi o lábio entre os dentes para evitar rir outra vez, porque eu estava gostando demais desses comentários todos sobre coisas que sabíamos sem o outro precisar dizer.

—Adoro aquele lugar.

—Eu sei, por isso acho uma boa ideia.

—E faz um tempão que não vou lá. - Acrescentei.

—Isso eu não tinha como saber, mas é melhor ainda.

—Então acho que o lugar está decidido. - Determinei sem saber o que dizer.

—As oito está bom?

—Por mim ótimo.

—Quer que eu te busque em casa?

—Não precisa. - Neguei por impulso e me arrependi na mesma hora, mas fiquei sem graça de voltar atrás. - Te encontro lá no horário marcado.

—Tudo bem, como você achar melhor.

Nenhum de nós dois soube mais o que dizer depois disso, mas ele não deixou o silêncio se alongar.

—Gin, preciso desligar agora e tomar um banho rápido antes de sair outra vez.

—Claro, não tem problema. Bom jantar pra você.

—Obrigado, boa noite.

—Pra você também. Até sábado.

—Até, beijos.

Antes que eu pudesse mandar outro, a chamada foi encerrada. Deixei meu telefone sobre o banco ao meu lado e fui para casa com um sorriso que não parecia tatuado no meu rosto.

Abri a porta e me joguei no sofá com a mesma leveza de espírito que me acometia sempre que eu fazia qualquer coisa muito bem feita, embora dessa vez eu achasse que estava mais para sorte do que para mérito. Sorte por tê-lo encontrado inesperadamente, e um pouquinho de mérito por ter tido coragem de falar com ele.

Agora que já tinha dia, hora e local, minha preocupação de no fim nada acontecer pareceu boba, afinal Harry nunca havia feito um convite ou algo assim para depois simplesmente esquecer. Mas o fato é que essa preocupação existia, e depois foi completamente substituída pela ansiedade e vontade de que as oito da noite de sábado chegasse o quanto antes.

Enquanto eu deixava meu pensamento vagar entre as possibilidades de acontecimentos que me aguardavam e todas as peças de roupa do meu armário, tentando pensar em uma combinação apropriada para a ocasião, meu celular tocou de novo. Agora sem a mesma ansiedade da primeira vez, puxei o aparelho da mesa de centro e atendi assim que vi o nome da Luna ilustrando a tela.

—Oi, Lu.

—Hey, Gin, já está em casa? - Perguntou, direta como sempre.

—Sim, acabei de chegar.

—Vem jantar com a gente, o Nev fez nachos.

Ela nem precisaria ter dito o cardápio, eu estava estranhamente animada e aceitaria de qualquer jeito.

—Vou, estou saindo de casa e já chego aí.

—Ok, estamos esperando.

—Tenho que levar algo? - Perguntei já com a chave do carro na mão, a caminho da porta.

—Acho que não, ele disse que tinha comprado tudo.

—Até daqui a pouco, então.

—Até.

O caminho até a casa deles foi rápido, embora eu não estivesse com pressa. O trânsito e ajudou a tocar a campainha apenas vinte minutos depois de receber a ligação de Luna. Ela me recebeu com o sorriso contagiante de sempre,

—Oi, Lu.

—Ei, sumida, se não convidarmos você não vem? - Abri a boca para responder, mas ela me interrompeu. - E nem adianta me dizer que você viu o Nev essa semana, ele não é meu correspondente direto!

Ri enquanto ela fechava a porta atrás de nós.

—Tudo bem, desculpa, melhor eu não falar nada.

—Você está bem? Como estão as aulas?

—Estou bem sim, e as aulas aquela loucura que você já sabe, as do doutorado piores do que as que eu dou pela manhã.

—Nem me lembre, se do mestrado eu já quase enlouquecia.

—Eu estou gostando, é bom fazer algo útil outra vez.

—Algo útil? Já estão falando de mim? - Nev interrompeu a conversa quando entramos na cozinha.

—Claro que sim, quem mais poderia ser útil aqui que não você? - Lancei mão de todo meu sarcasmo enquanto me esticava para alcançar seu rosto.

—E ai, tudo bem? Amor, pega o molho pra mim, por favor?

Notei que ele estava ainda terminando de preparar o jantar.

—Não está pronto ainda? Achei que meu prato estaria até servido.

—Por isso eu não a convido nunca. - Ele justificou para a esposa, que lhe passava o molho que pediu.

—Mas eu também estou achando que você deveria ser mais rápido, vai me desconvidar também?

Ele a encarou sério por um minuto enquanto nós duas ríamos.

—Já pro quarto, está de castigo.

Luna rolou os olhos e o ignorou com sucesso, enquanto se acomodava no banco ao meu lado. Meu amigo terminou de preparar o jantar em poucos minutos, enquanto nos dispersávamos entre assuntos aleatórios.

Os molhos foram colocados entre nós, que nos dividimos para saborear as guloseimas que ele tinha preparado. Passar um tempo com os dois era sempre muito legal e me deixava completamente confortável, Nev e Luna sem dúvida nenhuma faziam parte da família que eu escolhi ter. Contar as novidades a eles era uma coisa que eu fazia naturalmente e por livre e espontânea vontade, e eu estava aflita para contar a alguém com quem iria jantar no final de semana.

—Adivinhem com quem vou jantar no sábado? - Falei quando Luna deu uma pausa no assunto.

Ele me olhou curiosa, Nev ergueu a sobrancelha para mim e disse brincalhão:

—Por isso esse monte de risadinha o tempo todo, então?

O comentário me fez rir, e Luna nos olhou confusa.

—Com quem, Gin?

—Pra estar com essa cara enquanto dá a notícia, só pode ser com o Harry. - Nev respondeu por mim.

—Sério? - Luna me olhou com os olhos arregalados. - Vocês voltaram?

—Não, e…

—Mas estão voltando? - Insistiu, ansiosa por informaçõe.

—Amor, é só um jantar. - Nev interveio, rolando os olhos.

—Eu sei, mas tudo começa de algum lugar, né?

—Ele só me convidou pra jantar, Lu, nada demais.

Meu amigo soltou uma risadinha sarcástica que me fez olhar de canto para ele.

—Nada demais, sei, olha sua cara de felicidade, de quem já criou todas as expectativas possíveis.

Não dava pra negar que ele me conhecia muito bem, mas fiz minha expressão de superioridade mesmo assim.

—Me conta, como foi? Ele que convidou? - Luna voltou o assunto para perguntas que eu sabia como responder.

—Sim, nós nos encontramos na semana passada em um restaurante perto de casa e trocamos umas duas palavrinhas, depois disso ele me ligou e convidou para jantar. - Não consegui evitar o sorriso de satisfação que estampou meu rosto ao fim da frase.

—O cara ainda é doidinho por você, não vai foder tudo de novo. - Nev aconselhou despreocupado, bebendo um gole da sua cerveja mexicana.

Luna e eu o encaramos com os olhos cerrados.

—Desnecessário, amor.

—Não senhora, com essa aí é muito necessário. - Ele teimou.

—Cala a boca, cara. - Mandei, mas não consegui me manter séria. - De qualquer forma obrigada pelo conselho.

Luna rolou os olhos para nós dois, ela mesma dizia que não valia a pena se colocar nas nossas pequenas discussões amigáveis.

—Espero que dê tudo certo, Gin, vocês pareciam ser bem felizes juntos. - Luna voltou ao assunto de forma normal.

—Sinceramente eu nem sei o que esperar. Passei de fase de esperar algo concreto disso, sabe? Só quero que eu e ele fiquemos bem, se vai ser juntos ou separados, não sei. - Era a mais pura verdade, embora não fosse tão fácil assim dizer.

Os dois me encararam por algum tempo, mas não disseram mais nada sobre o assunto. Terminamos nosso jantar falando de coisas que passaram longe disso, e por um momento consegui me distrair com meus amigos e pensar em outras coisas.

Quando cheguei em casa, horas depois, não consegui manter meu foco longe do assunto mais. Eu não conseguia negar a mim mesma uma boa dose de ansiedade pelo que aconteceria nesse jantar. Embora minha estratégia fosse não esperar nada além de uma conversa amigável, uma parte considerável de mim, a que ainda imaginava uma vida com ele, não se refreou em criar expectativas que iam muito além disso.

Se após isso nada demais acontecesse e tudo terminasse mesmo em apenas um jantar, isso levaria de mim também uma boa dose de esperança. A vantagem da minha ansiedade, é que enquanto o sábado não chegasse, minha mente criativa poderia trilhar o caminho que quisesse, pelo menos no mundo dos meus sonhos.

 

POV Harry

 

Minhas dúvidas a respeito desse encontro, ou melhor, desse jantar como amigos, como eu falei a ela durante o convite, começaram quando saí do banheiro e não fazia a menor ideia do que vestir.

Tentei achar qualquer semelhança com a primeira vez que saímos juntos, oito anos atrás, mas não encontrei nada em que me espelhar. Naquela ocasião nenhum de nós dois tinha uma carga de chateações para desconsiderar se quiséssemos chegar ao segundo encontro. Éramos só eu, ela e um monte de expectativa por parte de ambos.

Eu ainda nem tinha acreditado que ela disse sim ao meu convite, porque se uma coisa eu podia esperar de Ginny seria sua relutância em cooperar com uma aproximação quando, em suas palavras, eu fui embora e desisti. Pelo menos da Ginny que deixei ao fechar a porta atrás de mim, mais de um ano atrás.

Era estranho não reconhecer mais completamente a mulher de quem eu conseguia prever as respostas para qualquer pergunta e até mesmo os pensamentos, mas me surpreendi positivamente com pelo menos um novo desdobramento, porque se juntar a mim naquele restaurante por livre e espontânea vontade nunca teria acontecido no cenário anterior.

Me vesti de um jeito mais casual, como ela gostava, nada do social do dia-a-dia, e me olhei no espelho umas quatro vezes antes de sair de casa. Eu nem tentava me convencer de que não estava nervoso, porque a verdade é que eu estava uma pilha e para ajudar o dia inteiro tinha se arrastado em uma lentidão que eu considerei angustiante.

Tentei não dirigir acima do limite de velocidade ao cruzar as ruas que separavam meu apartamento do local marcado e cheguei lá dez minutos antes do combinado, o que me rendeu mais uma boa dose de espera infinita depois que me acomodei na mesa para duas pessoas. A pontualidade ainda não era um forte da minha ex mulher, mas ela deve ter se esforçado muito para chegar com apenas quinze minutos de atraso.

Enquanto fiquei sentado ali sozinho pensei numa coisa que não tinha passado pela minha cabeça até então: eu a convidei para jantar e conversarmos, mas o que é que eu vou dizer, pelo amor de Deus? Usei os minutos de vantagem para criar algumas pautas de assunto, neutros e seguros o suficiente para uma conversa agradável, mas esqueci todos eles quando Ginny cumprimentou o garçom a alguns metros de mim e sorriu contida antes de caminhar em minha direção.

Com uma mistura de coração acelerado e vontade de rir me levantei e a recebi com um beijo no rosto, que me pareceu completamente errado, e a mão apoiada apenas de leve na sua cintura. Mas o contato durou pouco demais antes de nos separarmos e ela se sentar à minha frente.

—Desculpe o atraso. - Falou antes que o silêncio se instaurasse.

—Não tem problema. - Respondi sem desviar o olhar enquanto ela se virava para pendurar a bolsa no encosto da cadeira e tirava o cabelo da frente dos ombros.

Quando ela se virou me viu olhando e deu um sorriso meio sem graça, que eu retribuí da mesma forma enquanto desviava o olhar. Antes de termos a chance de dizer algo o garçom chegou perguntando se já poderia começar a nos servir e ambos confirmamos. Pedimos nossas bebidas e aos poucos as pequenas e variadas porções de comida oriental foram sendo colocadas à nossa frente.

—E então, como você está? - Quebrei o silêncio assim que ficamos sozinhos.

Ginny terminou de posicionar os hashis entre os dedos e começou a falar enquanto colocava em seu prato alguns sashimis.

—Estou bem, e você?

—Eu estou bem também. - Respondi sem saber o que acrescentar.

Seguiu-se um silêncio constrangedor enquanto mastigávamos, que ela quebrou após pousar seu copo de suco na mesa.

—Comecei o doutorado. - Informou, me deixando surpreso.

—Chegou o momento, então? - Perguntei, usando como referência o que ela sempre dizia quando justificava o motivo de ainda não ter voltado a estudar.

—Acho que sim, estava sentindo falta de fazer alguma coisa diferente, empolgante.

—E as aulas, como ficaram?

—Normais, só tenho turmas no período da manhã e as minhas aulas são de tarde. - Se deteve um minuto para que o temaki escolhido fosse colocado em seu prato por uma garçonete simpática. - Obrigada. Assumi alguns cursos diferentes esse ano, também.

—Está gostando? - Perguntei interessado.

—Sim, está sendo um pouco diferente de matemática pura. Tenho uma turma de estatística e uma de economia.

—Nas suas aulas, no doutorado, os cálculos ainda tem algum número ou só letras agora? - Terminei a frase com um sorriso, porque eu sabia que ela iria revirar os olhos para mim, exatamente como fez.

—Ainda restam alguns números. - Respondeu no mesmo tom. - E o que você está fazendo de diferente?

—Assumi alguns clientes bem maiores agora.

—Aqueles que você queria? - Questionou interessada.

Foi boa a sensação de vê-la se lembrar de coisas que eu contei tanto tempo atrás.

—Uhum. - Confirmei com um sorriso.

—Parabéns. - Cumprimentou me olhando.

Por um segundo pensei tê-la visto estender a mão por reflexo na direção do meu rosto, mas desistiu no meio do ato e apontou o próprio queixo.

—Tem uma sujeirinha. - Informou sem jeito.

Tirar o que quer que seja que tenha ali é o que ela teria feito sem rodeios, e eu gostaria que tivesse feito dessa vez também.

—Obrigado. - Agradeci ao tirar dali um fio minúsculo que provavelmente se soltou da minha roupa.

Nenhum de nós dois soube o que dizer depois disso, e mais uma vez o serviço do restaurante veio nos tirar daquele silêncio constrangedor.

—Desejam pedir mais alguma coisa? - Perguntou a garçonete que estava atendendo nossa mesa.

Olhei interrogativamente para Ginny e deixei que ela respondesse primeiro.

—Nada para mim também, obrigado. Pode nos trazer a conta? - Pedi e ela assentiu antes de se afastar.

Não havia nenhum outro motivo para alongar esse jantar, mas meu cérebro estava incessantemente procurando um pretexto sequer para não ir embora ainda. Demorou tempo demais para que eu estivesse frente a frente com ela de novo, me parecia tão injusto acabar rápido demais e sem nenhuma perspectiva de avanço.

Se ainda restava em mim alguma dúvida de que eu a amo tanto quanto no dia em que a pedi em casamento, se dissipou ao mesmo tempo em que começamos a conversar, porque com mais ninguém eu me sentia tão em casa mesmo estando fisicamente em qualquer outro lugar. No entanto, na nossa primeira tentativa também nunca faltou amor e ela nos provou que só ele não basta.

Por mais que eu sinta falta de Ginny, nós dois precisaríamos querer ficar juntos novamente, antes de tudo, e estar dispostos a ser diferentes em algumas coisas. Eu estou, e gostaria mais do que tudo de ter uma maneira de perguntar isso a ela sem parecer tão desesperado.

Antes que qualquer um de nós falasse alguma coisa ouvi meu nome ser chamado por trás da sua cadeira, por uma voz familiar que me fez pensar grande e claramente: Fodeu! Ginny olhou primeiro para mim, flagrando meu sorriso amarelo, depois para trás, a tempo de ver minha colega de trabalho acenar sorridente para nós e caminhar em nossa direção mais lenta do que o normal devido ao tamanho de sua barriga de todos os meses gestação.

—Que coincidência! - Comentou assim que parou ao lado da nossa mesa.

—Oi, Helen, tudo bem? - Cumprimentei tentando parecer casual quando ela se abaixou para me cumprimentar.

—Tudo bem. Como vai, Ginny? Há quanto tempo! - Se virou para minha companhia e deu um beijo em seu resto também.

Agora era quando vinham as respostas monossilábicas, a cara fechada, a grosseria pautada por palavras escolhidas a dedo para insinuar sem dizer nada claramente. Olhei para baixo para esperar que elas tivessem a conversa mais estranha do mundo, onde um lado seria realmente amável e o outro, infelizmente minha ex mulher, somente irônica.

Mas fui totalmente surpreendido por sua resposta normal, quase como se fosse Hermione nos interrompendo.

—Muito bem, obrigada. E vocês? - Perguntou olhando para a barriga dela. - Nem preciso perguntar as novidades.

Olhei para ela ao ouvir a resposta, sem conseguir esconder totalmente minha surpresa com a conversa que se seguia e os sorrisos trocados.

—Estamos bem, obrigada. - Helen falou alisando a própria barriga, um sorriso enorme no rosto. - Ansiosa para essa mocinha sair logo, não aguento mais.

—Parabéns. - Ela parabenizou mesmo, sincera e sorrindo.

—Obrigada. Bem, David já deve ter estacionado o carro, não vou mais atrapalhar vocês. - Sorriu para mim se despedindo e eu retribuí, depois se virou para o outro lado. - Foi um prazer, Ginny.

—O prazer foi meu. - Respondeu antes de se virar para mim novamente.

Tentei como pude não demonstrar que aquilo tinha sido estranho e que eu estava esperando um show sem motivo, não uma demonstração sincera de cordialidade e educação. Disfarcei pegando o copo em cima da mesa e terminando meu suco de um gole só.

—Ela está grávida? - Ginny comentou, puxando assunto.

—Sim, já está quase nascendo. Nem está indo mais ao trabalho. - Informei e fiquei em silêncio. - E eu não sou o pai. - Acrescentei por força do hábito.

A vi morder um lábio tentando se segurar, mas acabou rindo. Sem entender se aquilo era um bom sinal ou não, mas para fazer alguma coisa também, ri junto.

—Você não tem muita vocação mesmo para ser pai, não é? - Falou brincando, sem nada de ironia ou deboche.

—Não dos filhos dela. - Afirmei sincero.

Ginny olhou para as próprias mãos por um tempo, de um jeito bem característico de quando queria dizer algo e não sabia como, e depois me olhou um tanto sem graça.

—Nunca teve nada, não é? - Seu tom variava entre a pergunta e a afirmação.

—Não. Nem a sombra de uma ideia. - Confirmei tentando soar tão sincero quanto eu estava sendo.

—Eu sei. - Assumiu desviando o olhar.

Ali estava o mesmo orgulho que eu já tanto conhecia e que a fazia nem querer ser vista quando admite que errou em alguma coisa, mas agora acompanhando tudo o que eu queria ouvir. Não me fazia diferença se Ginny não era pontual nunca, se era teimosa que até irritava, se as vezes tinha o ego maior do que ela e se achava difícil pedir desculpas, sem o ciúme insuportável de antes ela era perfeita.

—Aqui está. - Fomos interrompidos com a pasta preta contendo nossa conta sendo estendida entre nós.

Nos viramos ao mesmo com os cartões estendidos e eu segurei sua mão enquanto entregava o meu e dizia para passar integralmente o valor ali.

—Por favor. - Pedi ainda com sua mão presa na minha e ela começou a protestar, como eu sabia que protestaria. - Você paga o próximo. - Sugeri, já deixando implícito que por mim aquele encontro não seria único.

—Tudo bem. - Concordou com um sorriso que fez meu estômago se agitar de novo.

—Obrigado. - Falei para a moça que nos atendeu e me levantei para sairmos. - Vamos?

—Sim. - Confirmou com a bolsa novamente no ombro e andando à minha frente.

Tomei a liberdade de apoiar a mão em suas costas ao acompanhá-la por entre as mesas em direção à saída e não notei nenhum sinal de desconforto com isso. Caminhamos em silêncio pelo estacionamento em direção ao veículo dela, ocupando uma vaga próxima ao meu.

Paramos de frente um para o outro ao lado da porta do motorista e ela levantou a mão para colocar de novo o cabelo para trás, mas tomei a liberdade e fiz isso por ela, recebendo um olhar de expectativa em volta.

—Obrigada, Harry, estava tudo ótimo.

—Sempre que quiser. - Falei colocando as mãos no bolso, porque estava extremamente difícil mantê-las só para mim.

Ela desviou os olhos para baixo e se ocupou em procurar a chave do carro na bagunça que sempre foi sua bolsa, e por um tempo nenhum de nós dois falou nada.

Eu sabia que era hora de ir embora, mas aquela noite não podia acabar assim, simplesmente com um tchau. Estávamos tão próximos que assim que tomei a decisão só precisei esticar o braço para conseguir espalmar a mão em suas costas e trazê-la para mais perto ainda enquanto com a outra levantava seu queixo em minha direção para encostar minha boca na dela em um selinho demorado e carinhoso que foi o suficiente para me causar taquicardia.

Sem abandonar a posição em que estávamos acariciei seu queixo com o polegar, olhando mais uma vez de perto os detalhes do seu rosto ainda de olhos fechados. Quando Ginny me olhou também eu já sabia o que aconteceria apenas em ver sua expressão decidida, mas ela não me deu tempo de apreciar a expectativa e foi mais rápida em colocar a mão na minha nuca e me puxar de volta, dando dois passos para trás para se encostar na lateral do veículo e me levando junto.

Aquilo sim era um beijo, com os dedos enroscados no meu cabelo, as minhas mãos em sua cintura, as mordidas que eu já conhecia, seu corpo grudado no meu de novo sem se importar onde estamos, o gosto tão dela e aquele cheiro único que preenchia tudo em volta enquanto não disfarçávamos nossa pressa. Esse era o beijo certo. E se da parte dela também não fosse saudade, não sei mais o que seria.

Ginny se afastou depois de um tempo, mas foi cedo demais e sem pensar subi meu carinho até sua nuca e a puxei de volta, concentrado agora em despentear de novo aqueles fios compridos que se encaixavam tão perfeitamente nas minhas mãos. A roupa não me impedia de sentir o coração dela também disparado contra o meu peito, assim como suas mãos nas minhas costas demonstravam que ela também precisava daquilo.

Nos separamos com as respirações mais ofegantes do que o normal e nos encaramos por alguns segundos sem precisar dizer nada para eu saber que não fui o único a achar ótimo. Prendi seu rosto entre as mãos e roubei mais alguns selinhos, até que ela começou a rir.

—Estou me sentindo meio adolescente assim.

—Não consigo parar. - Me justifiquei sem desgrudar a boca da dela e sorri da mesma maneira.

Me afastei por fim e coloquei seu cabelo atrás da orelha enquanto a sentia organizar algumas mechas do meu também.

—Obrigado pelo jantar, adorei a companhia. - Falei e arranquei um sorriso enorme.

—Eu que agradeço, adorei tudo. - Ali tive certeza de que ela estava incluindo também o que acabamos de fazer.

Esperei comportado enquanto ela pegava a chave do carro e ouvi o som característico do alarme sendo desligado e as travas abrindo, sinal claro de que a noite tinha acabado.

—Boa noite. - Me desejou antes de se virar.

—Para você também, Gin. - Usei o apelido de antes e vi sua expressão satisfeita.

Abri a porta do carro para ela e esperei que se acomodasse no banco antes de acenar e fechá-la. Alguns segundos depois o veículo arrancou e eu só consegui desviar o olhar após perdê-lo completamente de vista. Ginny disse que estava se sentindo meio adolescente, eu me sentia por inteiro um: total e completamente bobo.


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Notas finais do capítulo

Oi, pessoal!
Eu AMO esse capítulo! Essa conversa deles no restaurante pra mim é a coisa mais significativa e fofinha entre eles até agora na história.
Não vejo a hora de saber a opinião de vocês também, então comentem!
Beijos e até o próximo.



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