Segundo ato escrita por Paulinha Almeida


Capítulo 14
Intermissão XII




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/722691/chapter/14

POV Ginny

 

O verão já estava indo embora à medida que o mês de Setembro avançava, minhas aulas do doutorado consumiam todo meu tempo livre e o amontoado de provas que eu teria que corrigir até o fim do mês não ajudava. Mas nem tudo isso foi suficiente para manter meus pensamentos afastados da mesa da cozinha da casa da minha cunhada, nem do meu ex marido.

Não nos falamos nenhuma vez depois daquele dia e também não tive nenhuma notícia através do meu irmão ou da Mione. O único vestígio, e que demorou dias para passar, foi a sensação insistente das mãos do Harry em mim e aquele gosto tão característico do beijo mais gostoso do mundo, da boca certa. Eu estava com vontade de perguntar, saber um pouco sobre a vida dele e o que andava fazendo, mas não sabia se eu tinha direito de querer saber.

A cada vez que eu decidia ir até a casa do Ron para visitá-los, uma ansiedade inquietante tomava conta de mim, mas para minha decepção nada demais aconteceu em nenhuma dessas vezes, nunca havia nenhuma visita além de mim. Assim que chegava e notava a ausência dele, eu ficava levemente decepcionada, mas logo me conformava que a vida não tem tantos acasos assim.

Nos dias que se seguiram ao nosso encontro senti todas as mesmas coisas de quando a ausência do Harry ainda era recente. O perfume dele me fez falta, quis comer todos os pratos que ele cozinhava e eu não sabia como preparar, comprei mais de uma vez aquela mesma torta de morango e até nossa cama, a dois quartos de distância, me deixou com saudade. Me peguei algumas vezes com o número dele na tela do meu celular, mas a coragem que eu precisava para completar a ligação se chocava com duas questões importantes: o que eu diria? A isso eu sempre acrescentava a possibilidade de uma negação, e por fim acabava não fazendo nada.

Eu queria retomar todo o contato que não tivemos nesse tempo todo longe um do outro, perguntar como estava sua vida e o que andava fazendo, se as coisas estavam melhores ou piores, se ele estava feliz ou se também sentia que faltava alguma coisa, mas eu não tinha ideia de como começar a fazer isso. Na minha idade, e se tratando de alguém com quem dividi boa parte da minha vida, era bem irônico eu não saber como agir, mas não conseguia evitar agir cheia de tato quando se tratava de qualquer coisa relacionada ao Harry.

Trabalhar não me fez esquecer, mas ocupou meu tempo o suficiente para eu me distrair. A última semana do mês coincidiu com a entrega de alguns relatórios que eu precisava fazer e também das notas dos alunos já todas fechadas. Para que tudo fosse feito dentro do prazo, em algumas noites precisei substituir algumas horas de sono por trabalho. Assim, quando me deitei para dormir na sexta a noite, após tudo pronto, desliguei os toques do meu celular e deixei que o sono me embalasse por todas as horas possíveis.

Fiquei todo o final de semana descansando em casa, aproveitando meus dois dias sem nada para fazer, porque na segunda feira começaria tudo de novo. Passar o dia todo de pijama, só variando a posição no sofá e indo até a cozinha comer quando estava com fome era ótimo, mas não deixava de ser um pouco entediante depois que o cansaço todo ia embora.

Resolvi comer algo diferente no domingo a noite, e o risoto preparado por um restaurante próximo à minha casa era o que eu tinha em mente. Embora houvesse sistema de delivery, decidi me trocar e ir até lá buscar eu jantar, apenas para sair de casa um pouco depois de quase dois dias sem ir nem até o portão. Era perto o suficiente para eu dispensar o carro e caminhar até lá, então apenas peguei o necessário para minha compra e caminhei os quinze minutos necessários para chegar ao meu destino.

Não era muito tarde, então o lugar ainda tinha várias mesas vazias e nenhum fila para pedir pratos para viagem. Me encostei ao balcão e cumprimentei a moça que estava anotando aos pedidos.

—Boa noite. Quero um risoto de frango com palmito para viagem, por favor.

—Vai levar cerca de meia hora, tudo bem?

—Sem problemas, eu espero.

Paguei o valor do meu prato, peguei o comprovante da transação e guardei junto com meu cartão no bolso. Me virei para o salão para me sentar enquanto aguardava, havia uma pequena mesa vazia não muito longe de onde eu estava, então me encaminhei até ela. Puxei uma das cadeiras e olhei em volta antes de me sentar, mas a visão do ocupante de uma mesa próxima à que eu pretendia ocupar me fez parar.

Ele estava de costas para mim, sentado sozinho e comendo, a julgar pelos movimentos. O cabelo despenteado fazendo contraste com a gola bem arrumada da camisa polo era um detalhe que eu conhecia muito bem, e gostava. Me senti nervosa de repente, sem saber como agir ou o que fazer, o coração acelerado dentro do peito e aquele frio conhecido na barriga, que me acompanhou por muito tempo toda vez que eu olhava para essa mesma pessoa.

Debati internamente, ainda de pé, o que eu deveria fazer, se fingir que não vi ou encontrar algo para dizer e ir até lá cumprimentar. Por fim, convenci a mim mesma que só fazer o que eu estava com vontade era justificativa suficiente, eu não precisava de nenhuma desculpa além dessa. Respirei fundo, peguei meu celular sobre a mesa e andei tranquilamente até onde ele estava sentado.

—Harry? – Chamei ainda atrás dele, e parei em sua frente.

O olhar de surpresa na minha direção aumentou minha insegurança pelos segundos em que ficamos em silêncio, enquanto ele terminava de mastigar e engolir.

—Ginny? - Ele falou ainda surpreso, como se não acreditasse no que seus olhos viam.

—Você está acompanhado ou esperando alguém? - Achei melhor perguntar logo, seria melhor ouvir do que ver.

—Não, ninguém, só estou jantando. - Enquanto falava não desviou os olhos de mim em nenhum momento, como se estivesse tentando entender.

—Posso te fazer companhia então enquanto o meu pedido não fica pronto? - Apontei a cadeira livre em sua frente.

—Claro, por favor.

Me sentei, coloquei o celular sobre a mesa e olhei em volta, porque de repente eu não sabia mais para onde olhar ou o que dizer. Harry também parecia estar tendo problemas com isso, porque fez o mesmo que eu.

—Então você também não quis fazer o jantar hoje? - Ele puxou assunto.

—Não dá pra dizer que é minha especialidade, né? - Rimos um pouco com minha resposta. - O dia estava preguiçoso demais para isso, e eu queria sair de casa um pouco.

—Risoto de frango com palmito? - Perguntou apenas para confirmar.

—Com certeza, não podia ser outra coisa.

—Está muito bom, quer provar? - Apontou para o próprio prato, que ainda continua um pouco do mesmo que eu comeria.

Fiz que sim e me inclinei para frente o suficiente para alcançar o garfo que ele me estendeu. Fiz minha melhor cara de despreocupada enquanto abocanhava e retornava ao encosto da cadeira, mas a verdade é que meu coração acelerou tanto e as borboletas que eu achava estarem adormecidas no meu estômago se alvoroçaram tanto que quase nem senti o gosto da comida. Enquanto eu mastigava ele comeu mais uma garfada do prato que já estava no fim.

—Continua sendo a melhor escolha daqui. - Constatei.

—Sem dúvidas. Mais?

—Não, obrigada, pode comer, eu aguardo o meu.

Observei em silêncio enquanto ele terminava de comer, o que foi bem rápido.

—Tudo bem com você? - Perguntei enquanto ele deixava os talheres sobre o prato vazio. - Você parece meio cansado.

—Está tudo bem, só estou trabalhando muito ultimamente. Precisei passar o dia todo no escritório ontem.

—Uau, em pleno sábado. Eu sempre disse para você virar professor, era por isso.

Rimos da minha sugestão que não tinha nada a ver com ele.

—Se bem que minha semana não foi muito melhor do que isso, fechamento de bimestre, um milhão de provas e trabalhos para corrigir e entregar.

—Dormiu um pouco por noite pelo menos?

—Um pouquinho, mas eu compensei no final de semana. Essa é a primeira vez que saio da cama desde sexta à noite, estou bem relaxada.

Ele riu para mim de um jeito bem familiar, como se conseguisse imaginar a cena que acabei de dizer. Eu apenas ri de volta, e prendi minha mão na lateral da mesa para conter a vontade de prendê-la na dele, sobre a mesa.

—Com licença, seu pedido. - A atendente interrompeu nosso momento e colocou a sacola com meu jantar sobre a mesa.

Desviamos o olhar um do outro na mesma hora, Harry olhou para o outro lado, eu para a moça que se dirigia a mim.

—Obrigada.

—Achei que você fosse comer aqui.

—Eu não queria correr o risco de ter que dividir. - Brinquei e ele riu outra vez.

Eu adorava quando Harry ria assim para mim, mas infelizmente não tinham comentários suficientes para eu repetir o tempo todo.

Ficamos sem saber o que dizer depois disso, o que me indicava que era hora de ir para casa. Havia durado muito pouco, mas já era mais do que eu podia esperar quando sai de casa. Eu queria saber o que dizer para prolongar ao máximo esse momento, mas não sabia, e não orgulhosamente eu sabia que estava sendo covarde como nunca antes em situações como essa.

—Então acho que já vou. - Quebrei o silêncio.

—Claro, eu já vou também.

Ele se virou para trás e pediu a conta para a mesma moça que havia trazido meu pedido.

—Só vim mesmo jantar alguma coisa familiar que eu não tivesse que preparar.

—E eu querendo comer coisas familiares que você prepara. - Lamentei por impulso, sem sequer perceber que havia falado.

Assim que a frase saiu senti o calor subir pelo meu rosto. Ao mesmo tempo, Harry pareceu bastante satisfeito com o que ouviu.

—É só escolher o cardápio e marcar o dia.

—Vou me lembrar disso, obrigada. - Agradeci envergonhada.

A funcionária interrompeu nosso diálogo com a conta e a máquina de cartão, me dando a oportunidade de desviar o rosto para o lado e tentar disfarçar a vermelhidão que se espalhava.

—Vamos? Te acompanho até lá fora.

Confirmei com um aceno e me levantei para acompanhá-lo. Apanhei minha sacola e o celular e caminhei em sua frente até a calçada, ambos em silêncio. Assim que alcançamos a rua ele se virou para o estacionamento, esperando que eu o seguisse.

—Bom, então tchau. - Chamei sua atenção para o fato de que não o estava seguindo mais.

Harry parou e recuou alguns passos até parar novamente de frente para mim.

—Deixou seu carro onde?

—Eu vim andando, é perto de casa.

Por um segundo ele pareceu querer sorrir, depois de recompôs.

—Então vamos, eu te levo em casa.

Abri a boca para ser educada e dizer que não era necessário, que estava tudo bem, mas não foram essas as palavras que saíram:

—Tudo bem, obrigada.

Seguimos em silêncio até lá e, assim que as portas foram destravadas, nos acomodamos nos bancos dianteiros. Observei enquanto ele prendia o cinto de segurança e ligava o som antes de dar a partida no motor. Puro hábito, eu podia apostar que Harry nem sabia qual era a estação de rádio que estava sintonizada. Uma música tranquila e desconhecida por mim preencheu o ambiente, e subitamente me senti transportada para anos atrás, onde a cena em que eu me encontrava era um hábito, e não uma mera coincidência.

—O lado bom é que essa é uma carona que não preciso perguntar o caminho. - Ele quebrou o silêncio.

—Será? Já faz um tempinho.

—Tem coisas que a gente não esquece.

—Nem perguntei se era caminho para sua casa ou se está te atrapalhando.

—Tem coisa que não é trabalho nenhum. - Desviou o olhar para mim rapidamente enquanto dizia.

Prendi o lábio entre os dentes para conter o sorriso enorme que eu queria abrir, ajeitei a sacola no meu colo e me virei para observar a rua escura pela janela do carro. Não pude deixar de notar que ele estava dirigindo numa velocidade anormalmente baixa, e um lado muito otimista meu quis acreditar que era para prolongar ao máximo esse momento.

E isso era algo que eu também queria, porque estar num carro com o ele, no meio de uma noite tranquila de fim de semana, com o jantar comprado e uma música gostosa de fundo era uma cena que parecia fazer parte de outra vida, que eu já havia vivido e sabia quão boa podia ser.

Infelizmente o caminho até minha casa não era tão longo assim, e antes que um de nós pensasse em algo mais para dizer já estávamos na minha rua. Assim que o carro parou em frente o portão soltei o cinto de segurança e me virei em sua direção, era hora de agradecer e se despedir.

—Eu nem te dei parabéns, me desculpe.

Notei que Harry também havia soltado o cinto de segurança e parecia estar escolhendo as palavras.

—Parabéns pelo que?

—Seu aniversário, eu sei que já faz mais de um mês, mas só pra você saber que eu não esqueci, é só que…

—Só que? - O incentivei a continuar, porque eu queria muito ouvir a explicação por não ter recebido algo que passei aquele dia inteiro esperando.

—Vai que você estivesse acompanhada e a situação ficasse chata, sei lá.

—Ah, isso. Eu estava acompanhada, sim, mas não acho que Nev e Luna teriam achado chato.

Gostei até demais de ver a expressão se fechar e depois suavizar enquanto eu dizia. Era impossível para mim conter a satisfação ao notar que minha rotina e o que eu fazia ainda o interessava.

—Ah, se eu soubesse que eram só eles… - Coçou a cabeça um pouco sem graça.

—Você sabe aquela mania da Luna de comemorar tudo para atrair boas vibrações, não consegui escapar de uma tarde inteira de positividade. - Nós dois rimos na mesma intensidade, era algo que ambos conhecíamos bem. - E a noite meus pais, Ron e Mione vieram jantar comigo.

—Então espero que você aceite meus parabéns atrasados, falha minha.

—Não tem problema, só faz o que? Quase dois meses? Praticamente ontem.

—Bom, então vou fazer isso direito.

Sem que eu esperasse, fui puxada para um abraço que grudou meu peito ao dele. Automaticamente minhas mãos o prenderam também, assim como as dele faziam comigo, as mãos espalmadas nas minhas costas.

—Desculpa o meu atraso, ainda que eu não tenha dito no dia desejo que você tenha um ano maravilhoso.

—Obrigada. - Agradeci por hábito, porque o cheiro tão característico dele perto assim estava deixando difícil sequer ouvir as palavras.

Ofeguei um pouco mais alto quando ele me apertou mais, os dedos afagando minha cintura, mas logo o senti se afastar. Ao invés de voltar ao próprio assento ele puxou uma mecha do meu cabelo entre os dedos e aproximou o rosto para cheirar. O gesto não durou muito, mas me arrepiou inteira.

—O mesmo cheiro, igualzinho ao que me lembro.

Quando ele olhou para cima de novo nossos rostos estavam muito próximos, mas nem de longe era o mesmo tipo de proximidade que tivemos em todas as vezes que nos encontramos, era muito mais cúmplice. Ou pelo menos eu sentia assim.

Eu queria muito mais do que beijar ou compartilhar um momento quente com Harry, eu queria aquela naturalidade outra vez, a liberdade de falar sobre tudo, elogiar e ser elogiada, pedir e atender a vontades, dividir problemas e fazer manha quando eu estivesse cansada. Mas isso tudo requeria uma ponte que não existia mais entre nós e eu não sabia como reconstruir.

—Boa noite, Gin.

Aparentemente ele também não.

—Boa noite, e obrigada pela carona.

Sem dizermos mais nada, peguei minhas coisas e sai do veículo. Dei a volta no carro, abri e fechei o portão sem olhar para atrás, e apenas enquanto cruzava a garagem o ouvi se afastar.

Nos últimos dois meses minha cabeça já era uma mistura de vontades e confusões que eu não conseguia arrumar, aquele encontro serviu apenas para reforçar ambos.

 

POV Harry

 

Era final de mês, então as mesas à minha frente estavam todas ocupadas por funcionários ao telefone, fechando as últimas vendas do mês. Coisa que eu também deveria estar fazendo. Eu ouvia os barulhos à minha volta, via os números no meu computador, notava pessoas andando e respondia às perguntas sem realmente pensar sobre o que me diziam, porque na minha cabeça só tinha Ginny, e todas as questões que a acompanhavam.

Ginny, aliás, foi só o que teve em tudo que fiz nas últimas dezessete horas: teve Ginny nos meus pensamentos, nos meus sonhos, na tela do meu celular em todas as fotos que a Mione me enviou, em cada segundo do meu dia e em tudo que eu olhava.

O que foi aquilo na noite anterior?

E como eu fazia para ter mais daquilo?

Desde nosso último encontro na casa do Ron, o tempo todo eu pensava nela, e de um jeito diferente de até então, agora com muito mais saudade do que ressentimento. Eu daria muitas coisas para saber como era que ela pensava em mim também, porque o hábito da minha ex mulher era me evitar e ignorar, não se convidar para jantar comigo.

Eu obviamente me lembrava de todas as brigas, todas as atitudes que me deixavam bravo e irritado, da cobrança desnecessária e de tudo que nos afastou, mas eram todas lembranças encobertas e muito bem escondidas atrás do cheiro floral que nunca mudou ao longo desse tempo, das risadas, do sexo gostoso e sem regras, das noites com ela e de muita saudade.

O telefone da minha mesa tocou, me fazendo dar um pulo e perceber que eu estava, outra vez, olhando para o nada ao invés de para minha planilha de controle. O identificador de chamadas me mostrou que era uma ligação interna.

—Potter.

—Oi, Sr. Potter, é a Alice do departamento de viagens. Acabei de receber as confirmações das suas reservas, pode vir buscar por favor?

—Claro, Alice, já estou indo. Obrigado.

—De nada.

Eu tinha uma viagem de duas semanas pela frente, repleta de reuniões e contratos que eu deveria tentar fechar. Passar duas semanas longe de casa não fazia muita diferença para mim, afinal em qualquer dos dois lugares eu estaria sozinho, mas a rotina era cansativa e as horas de trabalho fatalmente acabavam se estendendo além do horário normal do escritório. O meu problema mesmo era que ainda não tinha conseguido terminar os relatórios que deveria levar, e o embarque era no dia seguinte.

Busquei os papéis do check-in e do hotel, a reserva do carro e assinei os formulários necessários pela burocracia da empresa. Voltei para a minha mesa e arrumei tudo dentro da minha bolsa para não correr o risco de esquecer.

—Harry, vou descer para comprar um café para mim, quer um? - Levantei a cabeça e vi a Helen de pé na minha frente, esticando os braços num alongamento estranho.

—Se não for te atrapalhar, quero, por favor.

Abri a carteira e entreguei o dinheiro a ela.

—Não vai, estou precisando mesmo me esticar um pouco, ficar sentada o dia inteiro está acabando comigo, não vejo a hora dessas duas semanas acabarem.

Ela estava já no oitavo mês de gravidez, ou algo assim, e só trabalharia até o fim da semana seguinte. Como eu voltaria de viagem a partir do dia seguinte, era o último dia que trabalharíamos juntos até que ela voltasse da licença maternidade, depois de seis meses.

—Se eu fosse você aproveitaria essas duas semanas ao máximo, você vai ficar com saudade do escritório.

—Se eu tiver tempo, né? Porque todo mundo está dizendo que vou estar tão ocupada que não vou conseguir sentir saudade de nada.

—Se ela for agitada igual a mãe, vai mesmo.

—Não será, nós conversamos e já combinamos que vai ser boazinha igual ao papai, não é lindinha? - Falou olhando para a própria barriga, me fazendo rir. - Deixa eu ir logo lá.

Entreguei o dinheiro a ela e agradeci, não era necessário dizer o que eu queria porque ela já sabia. Minuto depois meu expresso longo estava sobre minha mesa e minha colega de trabalho imersa em suas atividades outra vez.

—Terminei. - Ela anunciou de súbito, pouco mais de uma hora depois.

Antes que eu tivesse tempo de perguntar o que, algumas folhas foram deixadas sobre a minha mesa.

—Já? - Perguntei, espantado com rapidez.

—Não era muita coisa, e eu já tinha as bases. Terminou o seu para compararmos?

Sem esperar minha resposta, ela puxou a cadeira e sentou do outro lado da minha mesa, de frente para mim.

—Ainda não, nada está rendendo hoje.

—Eu percebi mesmo que você está meio distraído, o que foi? Me conte para a gente resolver isso logo. - Se ajeitou para ouvir.

Acabei rindo da pose que ela adotou.

—Dessa vez nada que você possa ajudar, mas obrigado.

—Se eu não posso ajudar, só me conta para eu não ficar curiosa, vai.

—A rainha da fofoca em ação. - Brinquei e ela me olhou de cara feia, mas com humor.

—Seu ingrato, eu sou uma ótima amiga.

—E eu não disse o contrário.

Nós dois rimos.

—Agora falando sério, está tudo bem? - Perguntou mais séria.

—Está sim, só um pouco, sei lá, confuso com umas coisas que aconteceram.

—Você está saindo com alguém outra vez? - Conte com a Helen para fazer perguntas diretas.

—Não, não estou saindo com ninguém.

—É esse o problema então? Você queria e não está saindo com alguém? - Continuou a sondar.

Eu poderia dizer que não quero falar a respeito e ela não insistiria, mas a verdade é que eu até queria falar com alguém, e ela já estava mesmo ali querendo saber. Conversar com a Helen era divertido e quase sempre produtivo, e como eu não faria isso por muito tempo a partir do dia seguinte, continuei o assunto.

—Pode-se dizer que sim. Ou não, não sei.

—Ah, Harry, me conta logo porque está difícil tentar adivinhar. Quem é a moça? Vocês se conhecem faz pouco tempo?

—Não, na verdade a gente se conhece a tempo para caramba, e muito bem.

—É a Ginny! - Falou de repente, e arregalou os olhos em surpresa. - Ah, meu Deus, não acredito! Sério que é a Ginny? Vocês estão saindo de novo?

—Mas eu nem disse que é ela. - Tentei me manter sério enquanto dizia.

—Nem precisa, essa sua cara já entrega. Você nunca fala dela, isso explica o tato todo pra contar e a expressão distante.

—Explica?

—Sim, e também explica porque é tão confuso. No seu lugar eu também iria achar.

—Sim, é a Gin. - Confirmei, embora eu achasse desnecessário.

—Mas aconteceu alguma coisa ou só bateu saudade?

—As duas coisas, nós meio que jantamos juntos ontem. - Falei brincando com a tampa da caneta.

—Meio que jantaram juntos? Como assim? Me conta direito.

—Eu fui jantar num restaurante que a gente sempre ia, perto da casa dela, e enquanto eu estava lá comendo ela chegou também e perguntou se podia se sentar ali comigo, sem mais nem menos, eu nem a tinha visto e ela veio falar comigo.

—E aí, o que aconteceu? - Os olhos dela brilhavam tanto de expectativa que quase me senti na obrigação de dizer que não estava contando a cena de um filme com final feliz, mas fiquei com medo de decepcioná-la.

—Terminei de comer, ela pegou a comida dela que era para viagem e eu a deixei em casa, porque ela não estava de carro. Só isso, não aconteceu nada, mal durou meia hora.

—É esse o problema, então. - Falou com um sorriso de compreensão. - Acabou rápido demais, não é?

Troquei minha resposta por um chacoalhar de ombros, ela entenderia que era exatamente isso.

—Você sente saudade dela?

—Claro que sinto, foram anos e foi muito bom, mas é complicado.

Eu nunca havia contado o motivo da nossa separação, e não contaria porque causaria um constrangimento desnecessário em todos nós.

—Olha, eu não sei o que aconteceu entre vocês e nem precisa me contar, mas as pessoas mudam, sabe?

—Será? - Perguntei pensativo, sem realmente esperar dela uma resposta.

—Claro que sim. É claro que tem casos e casos, mas para você ainda pensar nela desse jeito não pode ter sido algo tão grave assim.

Eu não saberia responder se sim ou se não a essa pergunta, então fiquei em silêncio.

—Liga para ela! - Helen sugeriu de repente, como se fosse a melhor ideia do mundo.

—Pra quê? - A olhei como se estivesse louca.

—Você não queria que o jantar durasse mais? Então, convida ela para jantar.

Antes que eu respondesse ela tirou o telefone do gancho e me entregou.

—Que? Não, coloca esse telefone aí. - Tirei o aparelho da mão dela e voltei para a base. - Não posso convidar ela para jantar assim do nada.

—Por que não? É só um jantar, ela mesma já mostrou que não é nada demais quando se ofereceu para te fazer companhia.

Se eu fosse responder sinceramente, diria que era porque não queria nem o risco de ouvir um não, mas optei por falar a mesma coisa que me veio à cabeça.

—Estou indo viajar amanhã, esqueceu? Vou ficar duas semanas fora.

—E o que é que tem? Fala isso para ela e marca para quando voltar, o importante é convidar logo enquanto o que aconteceu ontem está fresco na memória. Vai por mim, a chance de sucesso é maior assim.

A lógica dela começava a fazer algum sentido, e eu gostei da forma que as coisas tomaram.

—Depois eu ligo.

—Depois nada, liga agora e já me conta, não vou estar aqui depois para saber como foi.

Ri com vontade do argumento descarado.

—Se eu ficar curiosa a Laura vai nascer com cara de Ginny. - Continuou tentando me convencer.

—Pelo menos vai ser bonita pra caramba. - A tranquilizei e ri da expressão contrariada.

Ela tirou o telefone do gancho de novo e discou alguns números antes de me entregar:

—Toma, só falar com ela.

Dessa vez fui eu que arregalei os olhos em espanto.

—Como e pra que você sabe o telefone dela?

—Todas as vezes que a gente estava visitando cliente e você ditava o número para eu ligar e você avisar que ia chegar mais tarde? Tenho uma memória maravilhosa, e pega logo aqui que se ela atender vai achar estranho.

Sem saber se deveria achar ruim ou não a atitude, levei o telefone ao ouvido e esperei. Enquanto o barulho característico da chamada soava, pensei que se nenhum de nós dois nunca tentasse nada nunca sairia do lugar, e esperar não era meu forte. Eu já havia feito esse convite uma vez, anos atrás, e recebi um sim empolgado como resposta, estava contando para que essa mesma cena se repetisse.

—Alô? - Ginny atendeu e interrompeu meus pensamento.

Por um segundo as palavras sumiram, mas limpei rapidamente a garganta e me forcei  dizer algo.

—Oi, Gin, tudo bem? - Tentei soar o mais natural possível.

—Harry? - Ainda que eu não a visse, o tom de surpresa era muito óbvio.

—Sim, estou atrapalhando?

—Não, eu estava na aula, mas tudo bem.

Esse comentário me fez ver que algumas coisas mudaram e eu não sabia nada sobre elas, Ginny nunca dava aulas no período da tarde.

—Tudo bem com você? - Insisti na pergunta fácil enquanto ganhava tempo para a difícil.

—Tudo bem, e com você?

—Também. Não vou tomar seu tempo porque você está ocupada, só liguei para perguntar se você não gostaria de jantar comigo qualquer dia desses.

Olhei rapidamente para a Helen, me encarando com expectativa do outro lado da mesa, e me virei para o outro lado.

—Jantar? - Ginny perguntou de um jeito um pouco apreensivo, que me encheu de insegurança.

—Ou um almoço se você preferir, não sei, ontem nem deu tempo para conversarmos um pouco.

—Não, um jantar está ótimo, claro. Quando?

Se eu estivesse sozinho ou longe de olhares curiosos, teria sorrido por fora o mesmo tanto que sorri por dentro.

—Estou indo viajar a trabalho amanhã cedo e volto no final da semana que vem. O que acha do próximo sábado.

—Por mim está perfeito.

—Ótimo! - Não consegui evitar comemorar. - Quer escolher o lugar?

—Já que você convidou, fique a vontade para decidir aonde vamos, e quando souber me manda por mensagem.

—Vou pensar e te aviso.

Ficamos alguns segundos em silêncio, sem saber o que dizer, então achei melhor já me despedir.

—Bom, não vou mais te interromper. Te vejo semana que vem.

—Tudo bem, até lá.

—Boa semana.

—Para você também.

Ela encerrou a ligação e eu voltei o telefone para a base, sobre a mesa.

—Eu não acredito que não vou estar aqui para saber como foi! - Helen se lamentou antes mesmo de eu me encostar novamente na cadeira. - Você me liga para contar como foi?

—É claro que não.

—Nossa, como você é ranzinza. - Resmungou com ela mesma. - E como foi o convite?

—Do jeito que você ouviu, Helen, e ela disse sim.

—Eu disse que você tinha mais chances se ligasse logo. Está feliz?

—Estou, muito, obrigado! - Respondi ironicamente, mas a verdade é que eu estava mais empolgado do que queria demonstrar.

—Eu e a Laurinha vamos ficar torcendo para esse jantar ser um sucesso, não se preocupe. Se você quiser eu falo para o David torcer também.

—Coitado do David, vou poupá-lo disso. - Brinquei, e foi incrivelmente fácil rir.

—Coitado por quê? Ele é o cara mais sortudo do mundo. - Devolveu, convencida. - E você deveria agradecer o incentivo, só dizendo.

—Muito obrigado pelo incentivo e pela torcida, ambos ótimos. Mas agora acho melhor eu voltar ao trabalho, ou não termino isso hoje.

—E eu já fiz minha boa ação do dia, então vou voltar para a minha mesa também. Me chama quando terminar, para analisarmos.

—Pode deixar. Obrigado, Helen.

—De nada.

Assim que ela se afastou, tomei um gole do meu café e forcei minha concentração a se focar apenas na planilha aberta na minha frente, porque infelizmente o mundo nem a empresa parariam para esperar que eu me acostumasse ao novo ritmo em que meu coração estava batendo.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Olá pessoal, aqui é a Fe! A Paulinha não pode postar o capítulo dessa semana, mas vim aquietar os seus corações curiosos e ansiosos hauahua
E aí? Quem está morrendo pela continuação desse capítulo? Parece que as coisas entre Harry e Ginny estão começando a tomar um rumo muito favorável, não?
Não esqueçam de deixar aqueles comentários lindos e maravilhosos que vão deixar a Paulinha muito feliz!

Bjus



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Segundo ato" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.