No More Secrets: Segunda Temporada. escrita por CoelhoBoyShiper


Capítulo 6
We'll meet again




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Dipper era uma minúscula ilha solitária no meio de um oceano infindável de laranja e cinza.

Seus olhos estavam focados numa folha seca que era jogada de um lado pro outro pelas mãos do vento. A similaridade entre ele e aquela estação chegava a assustar: caído de um galho que costumava o sustentar, para a partir daí ser destinado a ser levado pelo o acaso, deixando-se levar pelo ar, incerto de que teria um pouso tranquilo.

Dipper era aquela folha.

“Outono realmente é a minha estação.”

 

Dipper lembra-se de ter adormecido sobre a cama.

Enquanto ainda estava agarrado aos pertences nos quais ele tinha que destruir para salvar a todos — o diário, as alianças...  — ele deixou-se levar pelas memórias de Ford e da vida passada que tinha tido naquela linha temporal e acabou dormindo sem que percebesse.

Sonhou com coisas que ele já esperava sonhar. Com a volta de tantos fantasmas do passado, era evidente que ele voltaria a ter sonhos com Ford, com o Dipper de antes, com Gravity Falls... sonhou com os campos verdejantes daquela peculiar cidade do Oregon, sonhou em ver o caminho de pinheiros se abrindo para ele e, em seguida, as colinas surgirem no seu campo de visão, se levantando na paisagem como tendas sendo armadas por estacas. Stanford estava no meio do gramado, de pé, virado para Dipper, parecia estar aguardando por ele há um bom tempo. O sol estava a ofuscar contra o seu corpo. O cabelo desajustado, os óculos trincados, o sedutor suéter vermelho e seu sorriso torto. A cena abalou as estruturas do garoto, o que o faz estremecer.

Dipper dá um passo à frente, aproximando-se do seu tio avô.

O sorriso do homem engrandeceu ao ver o ímpeto do seu sobrinho em querer estar perto dele cada vez mais.

— Ford! — Dipper berrava, emocionado.

Stanford abriu os braços, Pines fez o mesmo. Ele atravessava o campo com passos ensandecidos, seus sentimentos ganhando vida dentro dele, tomando conta das suas ações. Ford estava ali, vivo, o antigo Ford, o Ford pelo qual Dipper tinha desenvolvidos sentimentos, o Ford pelo qual ele tinha se apaixonado, o Ford que tinha confessado o seu amor por Dipper, e Dipper por ele... o Ford que ele viu morrer. Era bom demais para ser verdade. Mason queria chegar logo, abraça-lo e ficar no aconchego da sua presença por toda a eternidade o mais rápido possível, no entanto, o quanto mais ele corria, mais Stanford parecia distante.

— Ford? — Dipper chamou mais uma vez, repleto de desentendimento. Apertou o passo, os seus pés se afundaram na grama, ficando pesados e cansados. A imagem de Ford se distanciou ainda mais, quase sumindo na claridade do sol. — Ford! Não!

As lágrimas começaram a brotar antes mesmo do entendimento sobre o acontecido atingir Dipper. O garoto se sacudiu, esforçando-se para sair daquela armadilha mental.

— Ford, por favor, não vá! Não vai, Ford! Não me deixa aqui! — ele estendeu a mão para a silhueta do homem adiante dele, mas, como uma miragem, o formato do seu tio começou a se desfalecer feito uma miragem num deserto quente. — NÃO! — era como tentar correr em areia movediça.

“Não posso te perder de novo,” pensou Dipper “de novo, não!”

E deu um salto.

Um salto repleto de determinação. Um salto mortal.

Seus pés saíram da terra, desprendendo-se no local em que ele estava fixado.

Dipper deu um vislumbre rápido no chão e teve se se segurar para não gritar com o que viu: no lugar dos seus pés, estava um molho de raízes. Feito uma cortina de tentáculos, elas se movimentavam avidamente, tentando se fixar no solo.

O menino ignorou as insanidades que o seu pesadelo estava a provocar nele e se arrastou na direção de Ford — Não vou te perder!

Seus dedos desesperados agarraram o tecido da vestimenta de Stanford. Dipper puxou o homem contra si e afundou o rosto naquele suéter icônico. Um agouro de alívio se estabeleceu em Dipper rapidamente, muito rapidamente, pois, assim que ele acreditou ter conseguido evitar que o amor da sua vida partisse, mais uma reviravolta: Dipper notou que a pele de Ford estava macia... não qualquer tipo de “macio”, era um macio... estranho. Estava mole como uma massa, porque a mão de Pines foi absorvida assim que ele o tocou. Afastou o braço, assustado. Viu a imagem de Ford ondular e se desfazer da forma mais surrealista possível, era como estar dentro de uma pintura de Salvador Dali. O corpo do seu tio avó virou um bolo homogêneo de cores e, antes mesmo de Dipper conseguir reagir, ele encolheu de tamanho — como uma vela na qual queimara rapidamente, fazendo a cera derreter em questão de segundos e ser absorvida pela terra.

Agora, não havia mais nada diante de Mason a não ser por um espaço vazio de terra seca.

Caiu de joelhos.

Ficou encarando o nada à sua frente por alguns segundos, como se aquilo fosse capaz de refrear os sentimentos devastadores de dentro dele. Respirou fundo.

“Eu te perdi... de novo.”

“Relaxe, Dipper,” tentou convencer a si mesmo. “você sabe que isto é apenas um sonho. Você vai acordar a qualquer momento. Você precisa acordar. Precisa destruir os objetos que você trouxe consigo da realidade passada e terminar com esse sofrimento de uma vez por todas. Esse teatro já aconteceu por muito tempo. Está na hora de fechar as cortinas.”

Acorde!

Mas ele não acordou.

Pelo contrário, o sonho continuou a se definhar dentro dele.

No lugar onde Ford tinha desaparecido, residia o broto de uma flor. O coração de Dipper deu um salto. “Mais essa agora...” ele observou o caule nascer da terra aos poucos, o broto começou a se abrir e foi ficando tão grande quanto uma fechada abrindo os dedos no ar. O miolo estava muito amarelo. Absurdamente vivo. Dipper aproximou o rosto, receoso, da flor e suas suspeitas foram confirmadas: era um olho que estava no lugar do miolo.

Um olho amarelo com uma pupila dilatada verticalmente como de um animal ou de um... demônio.

As pétalas da margarida gesticularam bizarramente e se tornaram dedos esguios, saindo de dentro da terra.

Ele se erguia feito um zumbi.

O garoto vacilou, recuando.

— Ora, ora, ora... se não é o meu fantoche favorito? Carneirinho! Que saudade deu de você!

Bill Cipher.

— Eu estou sonhando! — Dipper disse em voz alta. — Eu preciso acordar. Isso não é real. É apenas um pesadelo!

Ele se debateu, se beliscou, implorou para forças inexistentes... Nada. Ele continuava ali naquele cenário horrível. Bill se ergueu, limpando o corpo com as costas da mão, ele estava nu, no entanto, o seu corpo estava tão cheio de terra e dejetos que era como se ele trajasse uma roupa de cinzas opaca. Não era possível ver nada além do seu rosto e do seu cabelo dourado que cintilava mais que o próprio sol. Dipper se virou, não aguentaria o que viria a seguir. Ele já estava prestes a correr de volta para a mata (seus pés haviam voltado ao normal) quando sentiu algo lhe puxando pelas costas.

— Aonde pensa que vai com tanta pressa, huh? — o loiro deixou que uma risada maléfica corresse livremente pelo ambiente, segurava o menino, literalmente, na ponta dos dedos, como se ele fosse um inseto que pudesse ser descartado a qualquer instante de qualquer jeito. Pines açoitou os pés no vazio, tentando escapar miseravelmente. — É isso que você chama de boas-vindas?

— Você não é real!

— Não ainda, mas muito em breve.

— O quê...? — a voz de Pines não chegava a um sussurro. — Não é possível...

— É possível, sim, Pinheirinho. Você não está num sonho. Isto é real! — e virou o rosto dele na direção dos seus olhos atraentes. Dipper encarou as fendas do seu desespero, as írises da besta começavam a se tornar púrpuras.

O mundo abaixo de Pines desabou, condizendo com o seu choque de realidade — não só de forma poética, como também literalmente, o solo rachou e fendas enormes começavam a se abrir; labaredas emergindo do seio da terra; o calor antes aconchegante havia se tornado insuportável; o céu de veraneio ficado de um tom vermelho feito uma tela pintada com sangue escuro e gotejante.

Ele estava num epítome do próprio inferno.

— Onde eu estou?! — ele gritou. — Que lugar é esse que você me trouxe, Bill Cipher?! O que você fez?!

— Seja bem-vindo ao meu mundo, Dipper. — e, com isso, ele deixou um sorriso perverso tomar vida no seu rosto triangularmente psicótico. — Seja bem-vindo ao mindscape! Ou melhor dizendo... o que eu consegui recuperar dele até agora.

— Sobre o que está dizendo? Como você trouxe para cá?

— O tempo está passando, e os meus poderes retornando... juntamente com umas memórias muuuito interessantes sobre uma realidade alternativa passada, sabe?

“O QUÊ?!” Dipper quase gritou. “Bill Cipher está se lembrando do que aconteceu na linha temporal que eu mudei?! Isso quer dizer que... Ah, meu deus! Mais alguma das pessoas que eu modifiquei no passado podem acabar se lembrando de tudo que aconteceu no passado dentro do presente?! Pacifica? Mabel?! FORD?!”

— Deve estar se perguntando como isso pode ser possível, não é? — Cipher alfinetou mais ainda, puxando o garoto contra o seu encontro, abraçando-o forçadamente. — Os erros que você cometeu, os resquícios que você trouxe daquela dimensão para a que você vive agora, estão atrapalhando o fluxo temporal e as realidades estão prestes a se chocar! Passado e presente, real e irreal, tudo agora está tentando achar um ponto fixo nessa confusão que você fez, Dipper!

— Eu não tenho tempo para ouvir as suas baboseiras!

— Oh, nem eu tenho tempo para te falar elas, mas é necessário... tenho algo importante para te dizer, antes que o contato que eu estou fazendo com a sua realidade se esgote, eu preciso concentrar a minha magia para fazer outras coisas... Isso que eu estou te mostrando agora é apenas um gostinho do show que está por vir. Infelizmente, quando você alterou o tempo, a minha forma física acabou ficando para trás naquela dimensão de bolso ridícula que seu amorzinho proibido tinha feito para você...

— O que você está dizendo?! — gaguejou, os olhos do demônio o atraindo cada vez mais, evitando que ele desviasse o olhar das suas ameaças. Aquele sentimento contraditório o acerta em cheio de novo, aquela sensação que ele odiava amar, ou amava odiar... “Não!” Dipper gritou dentro da sua mente. “Não se deixe cair nas tentações dele de novo, Dipper, seja forte e lembre-se de quem ele realmente é! Ele te usou, ele tentou te matar, ele matou Ford, ele tentou matar a todos, machucou todos ao seu alcance, ele...”

— É exatamente o que você está pensando, Pinheirinho. Eu irei ter que possuir alguém... como nos velhos tempos. Isso não é demais?! — o entusiasmo dele chegava a ser doentio.

— O que você quer com tudo isso, Cipher? Diga logo! — não deu mais espaço para aquelas impulsividades.

— Oh, isso é muito simples — encarou o menino nos olhos, os dedos sujos dele correram pelo corpo límpido de Dipper, despertando uma série de acordes na alma do garoto em forma de arrepios, como se Dipper fosse um instrumento e Cipher o seu melhor tocador. Bill levantou Pines pelo queixo, obrigando que os dois olhares se encontrassem. —, eu quero você.

— Eu estou falando sério! Quais são os seus planos agora?

— Acredite ou não, mas eu falei a verdade, e estou bem próximo de alcançar o que eu procuro.

— Eu vou te matar de novo se você conseguir voltar para esse mundo. E eu te mato de novo, e de novo, e de novo... quantas vezes for preciso. Eu não vou permitir que isso aconteça novamente, eu vou destruir os pertences do Ford assim que eu botar os pés para fora daqui e isso tudo estará acabado! — quando finalmente conseguiu se desprender, disparou em retirada na direção contrária.

— Receio que as coisas não sejam tão simples assim desta vez, Dipper. Talvez eu esteja mais próximo do que você imagina.

— Me tira daqui! Me tira daqui agora!

Bateu o pé no chão, provocando uma das rachaduras a se romper mais ainda. Dipper continuou a espernear mais ainda, até que sentiu algo curioso despertar do mais profundo do seu âmago: uma formigação que começou da sua marca de nascença e correu até o início das suas costas, concentrando-se logo abaixo de um dos seus ombros.

— Cuidado, meu amor, não vai querer ser a causa da destruição do mundo ao seu redor, não é? — a provocação de Bill tinha saído mais como uma advertência de preocupação, evidenciado pelo o queixo dele que se retesou de súbito e os lábios pálidos que haviam se tornado uma linha fina compensada assim que ele viu o que as ações de Mason estavam a causar no seu mindscape.

— Eu estou cansado de jogos, Cipher! Eu estou saindo daqui! De um jeito ou de outro! — frisou e, ao fazer isso, um jorro de energia pareceu nascer de dentro dele, reerguendo suas forças, como se tivesse um maestro por trás daquela orquestra catastrófica sabendo perfeitamente qual melodia tocar, e Dipper se sentiu poderoso.

O seu corpo estava brilhando.

Bill se encolhia.

Agora!

O berro pareceu funcionar em sincronia com a dimensão, pois, assim que Dipper deixou-o sair, tudo ao redor dele — os pinheiros, o solo, o céu...  — trincaram e se retorceram, tornando-se nada mais do que cores sortidas e formas abstratas dispersadas por todos os lados feito numa foto panorâmica que tinha sido mal elaborada, como se estivessem dentro de um aquário prestes a se desfazer ou a um tubo de cores de uma televisão antiga que estava a implodir numa chuvas de íons coloridos, chuviscos e estática.

E, então, antes mesmo de ser capaz de processar o que acontecia, Bill estava se afastando. Ou melhor, Dipper estava se afastando dele.

Pois ele estava caindo.

 

 

Tudo se apagou repentinamente e Dipper caiu, acertando algo.

Levantou-se num pulo, a respiração ofegante e o corpo a suar frio. Olhou para todos os lados, certificando-se de que a dimensão em que ele estava agora era a boa e velha em apenas três dimensões. Soltou um suspiro de alívio ao ver que estava sobre a maciez da sua cama, nunca desejando tanto que a mesma também pudesse ser capaz de amortecer as outras demais quedas da sua vida.

Seus dedos estavam trêmulos e enroscados entre o diário e as alianças.

— Eu estou cheio disso. — falou isso em voz alta porque ele tinha uma ideia de que, se não ouvisse isso saindo da própria boca, nunca levaria a sério. — Eu vou destruir isso agora.

Desceu as escadas, a casa estava silenciosa. A noite tomava conta. Dipper, num vislumbre de lucidez, chegou a se perguntar quanto tempo ele tinha perdido dormindo e que horas seriam naquele momento. Tratou de rechaçar aquelas preocupações tolas da cabeça e dobrou a esquina, entrando na sala de estar. O ambiente estava levemente aquecido, ainda tinha o resquício do que alguma hora tinha sido uma lareira acesa: toras queimadas de madeira cobertas de cinzas e carvões ainda vermelhos e incandescentes. “Isso será perfeito”, refletiu o garoto ao olhar para o caminho fino que a fumaça ainda fazia para cima da chaminé.

Revirou os restos com o atiçador e sentiu o calor subir. Apanhou o lança-chamas por cima do parapeito da lareira, na qual tinha uma foto de família clássica em que ele e Mabel sorriam forçadamente para o agrado dos pais, e o ligou próximo à madeira.

E o fogo reapareceu. Dipper esperou até que o mesmo estivesse consistente o suficiente (naquele estágio em que as chamas engrandecem e ficam teimosas, difíceis de apagar) para fazer o que estava prestes a fazer.

Defronte para a sua janela de saída, joelhos sobre o tapete vermelho da sala, ele segurou o caderno acima do colo.

E, então,

ele o jogou no fogo.

Assim, sem nenhum sentimentalismo. Sem nenhuma “despedida”. Sem nenhuma “última olhadinha” ou “lembrança” do que algo simbolizava para ele. Mas, afinal, que diferença aquilo ia fazer? Nunca nada na vida de Dipper teve uma “despedida”, uma “preparação” ou um aviso prévio de buracos que estavam marcados para acontecerem na estrada da sua história. As coisas apenas aconteciam subitamente, e ele tinha que estar ali e usar da habilidade, que ele não tinha, de sair dos problemas o mais rápido possível. Apenas jogou no fogo. Tinha a impressão ansiosa (ou medo, sei lá, para ele era difícil discernir um sentimento do outro quando teve boa parte da vida ligado vinte quatro horas à tomada do estresse) que se desse mais espaço para alguma outra sensação, a não ada impulsividade, essa mesma iria corromper as suas ações e impedir que ele terminasse com aquilo logo. Pensou em Gravity Falls em chamas, no mundo desabando pedacinho por pedacinho feito um quebra-cabeça que fora derrubado da mesa em que fora montado, e não pôde evitar sorrir.

“Eu venci.”

Sorriu de novo.

Demorou mais do que esperado para que o diário queimasse totalmente, a capa foi o mais difícil, porque era a parte mais grossa. Ele teve que revirar o objeto algumas vezes com o atiçador da lareira para que o fogo conseguisse pegar as outras partes, até que as chamas começaram a funcionar de um jeito estranho: como se estivessem famintas por destruir aquilo que lhes foram dadas, elas se amontoavam por cima do diário e as páginas estalaram em questão de segundos. Dipper pendurou as duas alianças na ponta de ferro do cabo da grade, e as estendeu para perto da saída de gás da lareira (onde o calor era mais forte) e se impressionou: elas derreteram num piscar de olhos, era como se ele tivesse jogado ácido sulfúrico sobre elas. Então Dipper entendeu o que acontecia: magia, sobrenaturalismo, qualquer coisa de outro mundo... era a resposta, e também a confirmação de que as duas dimensões temporais estavam se unindo em uma só. O único vínculo que deixava vivo a prévia existência do mundo que Dipper havia vindo tinha sido alterado e aniquilado.

O alívio era tão grande que pareceu encher não só ele como toda a casa.

Agora só existia o presente.

Só existia o que estava ao alcance dele.

Só existiria a Mabel feliz, o Ford feliz, o Stan feliz, a Pacifica (biscate, mas) feliz, o Wirt feliz... o Dipper feliz! A linha temporal perfeita que ele tinha elaborado. “Adeus Bill Cipher!”, o ciclo havia se fechado!

Deixou-se cair sobre o piso, sem notar o quanto estava exausto.

Aguardou até que o som das folhas amareladas pipocando no fogo diminuísse, levantou-se e foi até a porta que o dividia da varanda, abrindo-a, tirou o celular do bolso da calça. Vasculhou os últimos contatos arquivados na sua lista e ligou para a pessoa que ele mais queria conversar naquele momento, independente do horário:

— Wirt? Você tá aí? — perguntou assim que ouviu o som de alguém pegando o fone do outro lado.

— D-Dipper? O que aconteceu? — a voz era cansada.

— Nada, eu... só... tava sentindo saudades.

— Tá zoando?! Tem noção de quantas horas são?! — o tom indignado dele se sobressaiu sobre o cansado.

Dipper achava aquilo fofo, então sorriu de novo.

— Não. Desculpa. Desculpa por ligar a essa hora e desculpa por ter saído da sua casa daquele jeito mais cedo. Eu prometo que não faço mais nada disso de novo... se você não quiser. Eu resolvi o que eu tinha que resolver. Não quero que fique preocupado com isso, ok? Está tudo bem agora.

Silêncio breve.

— Okay... — a voz de Wirt era confusa e insegura. Ele não estava entendendo nada. “Se você me puder contar sobre que loucura é essa que você está me dizendo... okay”, tentou dizer isso em voz alta, mas não conseguiu.

— Eu... — “... te amo?”, Dipper quase se deixou levar pelo momento, mas se segurou, tinha que manter em mente que era apenas um aluno normal, numa rotina normal e num relacionamento normal (agora mais do que nunca). Ele não precisaria correr mais com as coisas como fazia antigamente. Ele agora tinha todo tempo do mundo. Teria tempo para estabelecer laços, conversar melhor... Era de madrugada, Wirt estava cansado. Então, por que não deixar aquilo florescer naturalmente? Então, ele disse o que queria do jeito mais distante que conseguia: — Eu te considero muito, Wirt. Obrigado por ficar comigo. Eu estou muito feliz.

Mesmo sem ter respondido nada, Dipper podia ver claramente o menino corando do outro lado da linha apenas ao ouvir sua respiração pesando.

— Só isso? — perguntou Wirt com uma frustração intermediada na sincera e brincalhona.

— Só.

— Eu te odeio, Mason.

Dipper quase chorou de exultação.

— Eu também te odeio, Wirt.

 

***

 

A manhã estava agitada. Alunos corriam sem parar através dos corredores da Piedmont High. Aquilo contagiava Pines de uma maneira indescritível. Ele se lembrava de ter descido as escadas da sua casa pulando degraus, e de ter dispensado o ônibus para poder ir andando até a escola enquanto admirava as paisagens no caminho, devia admitir: o dia não estava exatamente bonito... não, para ser sincero, estava horrível. A chuva tinha feito uma bagunça, as folhas molharam e acumulavam sujeira e outros dejetos em montes nojentos pelas esquinas, o sol parecia até ter vergonha daquele lugar, pois tinha se escondido por trás da nuvem mais grossa e escura que tinha conseguido encontrar, mas, para Dipper... ah, para ele... o dia estava horrivelmente maravilhoso. Maravilhosamente feio. Tinha colocado os fones do ouvido e deu play em uma das músicas mais animadas que ele tinha no seu celular, a versão acústica de Sour Patch Kids do Bryce Vine, e saiu cantando ela em voz alta por todo lugar que tinha passado. Seu coração transbordava animação. Ele nunca achou que isso seria possível, mas ele mal via a hora de se sentar em uma daquelas cadeiras desconfortáveis, ouvir aqueles professores infernais, e ter que que suportar as detestáveis horas numa só posição. Tudo parecia reluzir, e Dipper levava como um sinal de ouro.

Ele entra na sala logo após de se despedir de Mabel, ela estava indo para a aula de Biologia, enquanto ele de Literatura, a primeira de quase todos os dias. Estava na hora de ouvir as intermináveis palestras do professor A. Evum, que era idolatrado pelas alunas mais novas, o que fazia Dipper revirar os olhos. Tirou os fones do ouvido, espalhou as coisas sobre a mesa, acomodando-se sem pressa. Espreguiçou-se mais uma vez e admirou as nuvens cinzas caminharem laboriosamente do lado de fora da janela, enquanto aguardava gradualmente o burburinho dos alunos desaparecer para dar espaço ao som rítmico dos sapatos do professor se aproximando da classe.

E foi assim, ao simples ecoar da onomatopeia, que a realização de que algo muito errado estava acontecendo atingiu Dipper.

Feito os ponteiros de um relógio velho contando o resto de tempo que ele tinha para aproveitar a sua aparente liberdade, Dipper começou a se sentir mal a cada passo que ele ouvia vir do corredor. Era como se aquela velha intuição de que algo ruim iria acontecer a qualquer momento para estragar a sua felicidade tivesse se tornado algo físico no seu organismo, como um órgão, que doía toda vez que alguma desgraça estava para acontecer, alertando o seu corpo para que produzisse anticorpos depressa. E — céus! — como aquele sentido estava aguçado naquela hora. Era bom demais para ser verdade. Toc! Toc!, os passos se aproximavam, Tique! Taque! Sua marca de nascença disparou a coçar e o garoto quase se petrificou com a chegada repentina do pânico. “O que está acontecendo?! Por que... eu tenho esse pressentimento...?!”

Toc! Toc!

“Essa pessoa que se aproxima...”

Tique! Taque!

A porta se abre e o professor entra na sala.

Fim do tempo!

“Isso não está acontecendo...!”

A primeira coisa que ele notou no professor A. Evum foram as diferenças que ele adquiriu desde a última aula. Seus cabelos, curtos, porém bem cuidados, estavam mais claros do que o normal. Suas mechas de ébano estavam praticamente castanhas de tão claras, e, em algumas partes do penteado, Dipper podia jurar que era... loiro.

A pessoa que ele encarava era o senhor Evum, mas, ao mesmo tempo, não era.

Era uma presença tão maligna, e tão familiar...

Ele estava ali, mas não estava.

Ou, melhor dizendo, aquele que ele via na sala agora era apenas o corpo do seu respectivo professor.

Porque, assim que entrou na sala, Evum correu o olhar pelos alunos e encontrou Dipper imediatamente, permitindo que o garoto analisasse suas pupilas:

Elas estavam verticais, como de um gato/demônio, e eram de um amarelo intenso!

A mesma coceira se estabeleceu no ombro de Dipper, e sua marca de Índigo parecia querer sair para fora da sua pele de tão assustada.

Bill.

Fucking.

Cipher.

Ele deu um sorriso arrepiante e, embora se dirigindo à turma, saudou olhando venenosamente para a expressão catatônica de Dipper:

— Muito bom dia, classe. É tão bom te ver de novo pessoalmente.

“Fudeu.”


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Notas finais do capítulo

Muito obrigado pela leitura! Espero que tenham gostado ^^
Obs: pra ser bem rápido, queria saber uma coisa de vocês --> vocês gostariam se eu fizesse um twitter dedicado pra No More Secrets? Eu fico assim pq mta gente daqui quer que eu veja coisas que elas fazem relacionada à fic por lá, e eu, bem, não tenho exatamente um TT. Por isso eu acho interessante abrir um, não só pra poder interagir melhor nas coisas que vocês fazem relacionadas à NMS lá, mas também pra deixar voces atualizados sempre sobre a história (eu poderia soltar uns spoilers de vez em quando, dar uns hints das coisas que estão pra acontecer, soltar uns trechos de uns capítulos que ainda estão pra sair... quem sabe? talvez isso amenize um pouco a dor de ter que esperar na demora de saída de um novo capítulo todo o mês >.<) até porque, aliás, ninguém daqui do spirit acompanha os journals de ninguém (e ninguém tambem consegue manter contato por aqui, já que o site não é uma plataforma muito boa pra conexões desse tipo)
Enfim, fica a vocês.
Eu acharia legal.
Bjs.



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