A Profecia escrita por Capitu


Capítulo 8
VIII - Capítulo Sétimo


Notas iniciais do capítulo

Finalmente um capítulo novo para essa história!

Obrigada pela paciência, e mil desculpas pelo sumiço!

Capitu.



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Draco tinha, como sempre, uma noite conturbada. Em sua casa sempre esperava que seus olhos mal pudessem ficar abertos para se deitar, porque todo o processo de adormecer era, no mínimo, horrível. Ele podia ensaiar sua postura de Comensal aterrorizante frio e calculista o dia todo na frente de qualquer um, mas à noite, sozinho, o peso do mundo caía em suas costas. Ele remoía o passado e o presente centenas de vezes, porque o remorso era talvez o sentimento mais verdadeiro e profundo que carregava em seu coração. 

 

Na casa dos Granger ele não tinha trabalho para se dedicar até tarde, nem mulheres para descontar no desejo carnal toda a carga emocional, nem amigos e uísque de fogo, e nem sua mãe para conversar, e nem nada que o distraísse. E cada vez que pensava sobre isso percebia o quanto sua vida era uma merda. Ele vivia no poder, ao mesmo tempo que na sombra do medo, como um servo, e um Malfoy não tinha vocação para ser um servo. Todas essas coisas que conquistou foram a troco de muitas outras, e valeu a pena? Ele não tinha mais tanta certeza disso. Tudo que ele fez, a tanta gente...

 

Draco se dirigia ao subsolo do Ministério da Magia através das escadas de pedra no mínimo seculares. Se concentrava em acalmar sua respiração, controlar sua frequência cardíaca. Ele inspirava e expirava com força e lentidão, enquanto contava seus passos, tentando se distrair. 

Ao chegar no fim da escadaria, ele parou, deu um último suspiro, colocou sua melhor expressão de frieza e indiferença no rosto, e seguiu a passos rápidos e confiantes até a cela onde outro Comensal mascarado o aguardava, com uma pasta cheia de informações sobre a pessoa que estava do outro lado da grade, a qual ele não quis ver. 

No mundo em que viva, esse era o tipo de tarefa com a qual deveria se sentir honrado por ter sido designado. Aquilo indicava que o Mestre o tinha em alta estima, e que confiava nele, mesmo que aquele outro indivíduo estivesse ali para vigiá-lo. 

Ele fez um sinal afirmativo com a cabeça, indicando que poderiam começar. Então seu companheiro abriu a cela e ambos adentraram no recinto. A atenção de Draco voou diretamente para os cabelos negros e desgrenhados que escondiam a face da prisioneira, e naquele exato momento ele se arrependeu de não ter lido a maldita pasta. Lentamente, a figura no chão ergueu os olhos para ele. Grandes olhos azuis, olhos cansados e cheios de medo, olhos de Celeste Graves. E aquele medo de encarar um rosto conhecido, um rosto amigo, se fez real.

Ela era uma aluna da Sonserina que lutava na Ordem, obviamente, ou nunca estaria ali. A mulher nunca foi muito importante na vida de Draco, mas ele sempre a via pelos corredores de Hogwarts, já haviam tido conversas casuais interessantes e ele até considerou se aproximar dela anos e anos atrás, mas a bruxa nunca se encaixaria em seu grupo. E ele acabara de entender muito bem o motivo. 

—  D-draco. - ela disse debilmente. Sua face tomou um ar tão esperançoso, ele quase podia ver uma luz se acender em seu peito. Celeste ficou de pé e avançou para um abraço, tropeçando em seus calcanhares. 

Draco quis tanto ficar e recepcioná-la, mas tudo que fez foi de um passo para trás e lhe lançar um olhar duro, e ela desabou no chão novamente, bem diante dos seus pés.

—  O sistema é muito simples. Eu pergunto e você responde. - ele começou a fala ensaiada e dita tantas e tantas vezes.

—  Mas...

—  Não me interrompa. - Ele agachou e ficou cara a cara com ela. Ali, permitiu que sua expressão dissesse tudo que suas palavras não poderiam, e ele queria que Graves entendesse que estava tentando facilitar as coisas para ela. - Um conselho: diga tudo que tem a dizer, porque vamos descobrir de qualquer jeito. A diferença está no quanto vai doer para você. 

 

Se ergueu novamente e uma torrente de sangue e gritos encheu o ar logo em seguida.

 

Ela morreu, e ele chorou a noite toda depois. 

 

Nesse aspecto, as pontas do passado e do presente se uniam, porque era como se tivesse acabado de acontecer para ele. A sensação de um buraco fundo no estômago, o nó na garganta, a raiva crescente no peito e os soluços eram os mesmos. A aflição era a mesma. 

 

O menino Malfoy tentava manter um pensamento na cabeça: “se não fizer, eles farão a você”. Mas isso, na verdade, fazia cada vez menos sentido. Ele sabia que não estava simplesmente sobrevivendo, mas sim alimentando um sistema, e era totalmente culpado por isso.

 

Já havia pensado muitas vezes em fugir, ou em armar algo para acabar com Voldemort, porque a Ordem se tornava mais patética a cada dia e ele jamais contaria com ela. Draco tinha centenas de dezenas de planos, mas não conseguia encaixar aqueles que amava em nenhum deles. Suas vidas seriam colocadas em risco, o que ele menos precisava no momento. Além do mais, perdê-los não era uma opção.

 

E Hermione veio à sua mente. Ela não o amava, e mesmo assim cuidou dele, consolou ele. Qual era o grande interesse dela em tudo isso? Ela precisava dele vivo para cumprir a profecia, é claro, mas tinha o ajudado antes disso. Os gestos, as palavras, tudo nela parecia forte, e ao mesmo tempo puro, sincero. Draco se perguntava como ela conseguia conciliar os dois. Ele foi repulsivo e ganhou, e ela foi boa e perdeu. Mas até que ponto o rumo que sua vida tomou poderia ser considerado ganho? Agora estavam estagnados no mesmo lugar, como iguais. E se, na Torre de Astronomia, ele tivesse aceitado a ajuda de Dumbledore? Seus pais estariam mortos, mas talvez o mundo estivesse salvo. E agora eles estavam mortos de qualquer jeito. 

 

A sensação de uma presença e o som de uma respiração que não era a sua tiraram Malfoy de seus pensamentos. Virou-se para ver Hermione sentada num degrau da escada.

 

—  O que está fazendo? - ele perguntou, e não esperava que sua voz fosse sair tão falha. Passou as mãos pelo rosto rapidamente e limpou a garganta, se recompondo ao máximo de imediato.

—  Eu vim fazer um chá, mas percebi que não era um bom momento... - ela parecia nervosa.

—  E ficou aí esperando até achar que fosse um bom momento.

—  Sim. Quer dizer, não. Não sei. - ela realmente estava nervosa. - Vai querer chá também?

—  Um-hum. - ele murmurou afirmativamente, e a bruxa se levantou e foi até a cozinha. 

 

Hermione, colocando a água para ferver, ouviu Draco fungar, e depois entrar no banheiro. Ela imaginava o que se passava na mente dele naquele momento. Ao mesmo tempo que o odiava, um novo sentimento por ele surgia: pena. Sempre pintou um quadro muito simples da personalidade dele, era ruim, preconceituoso e desumano. Mas agora, com a convivência, ela percebia o seu erro: não pensou que a complexidade humana se aplicaria a ele, mas se aplicava. Ele era tantas coisas, e por tantos motivos, tinha mil facetas. E ele se esforçava tanto para manter aquela barreira erguida, mal sabia que seus olhos denunciavam sempre o quão ferido por dentro estava, porque a única coisa que aqueles olhos invernais passavam para ela eram dor e revolta. Ele fez as escolhas erradas, e finalmente pagava o preço. Ela se perguntava se, desta vez, ele faria as escolhas certas, já que tinham uma nova chance. 

 

A bruxa não conseguia dormir também, e por isso desceu para preparar um chá. Não esperava encontrar Draco acordado tão tarde, mas ainda bem que ele estava, porque o que tirava seu sono tinha a ver com ele, ou melhor, com o que estava escondendo dele há dias. 

 

Malfoy apareceu no batente da porta algum tempo depois, com as bochechas, os lábios e o nariz meio avermelhados, o rosto úmido, como se tivesse acabado de lavá-lo.

 

—  Não consegue dormir, Granger? - ele ensaiava uma pose despojada, como se nada tivesse acontecido. 

—  Não. E parece que nem você. - ela respondeu, mas não o pressionaria mais que isso a falar.

—  Seu sofá é muito desconfortável. - ele replicou com um sorrisinho de canto, pronto para começar uma daquelas provocações infantis que o divertiam demais.

—  Talvez você devesse tentar o chão, ou lá fora. Mas leve um cobertor, assim eu não preciso dar banho em você mais uma vez.

 

Ele murmurou uma risadinha do fundo da garganta. 

 

Hermione terminou o chá sob o olhar dele. Draco parecia escanear cada um de seus movimentos e aquilo a assustava demais.

 

—  Precisamos conversar. - ela disse ao entregar uma caneca fumegante a ele e seguir para a sala. 

—  Sobre... - ele a seguiu. 

—  Sobre a profecia. Temos um problema quanto a isso. - ela tomou toda a coragem do mundo para falar com ele, porque não sabia como aquele gênio instável de Draco reagiria. 

—  Temos um problema? Uau, tudo está indo tão perfeitamente bem até agora. - ele ironizou.

—  Só me escute. - ele tinha que complicar mais o que já estava sendo complicado. - Os Vira Tempos...entraram em looping infinito no Ministério quando a Armada de Dumbledore duelou com os Comensais. E eu sinceramente desconheço qualquer outro Vira-Tempo que não estivesse na Sala do Tempo naquele dia, e nem vejo como algum deles possa ter vindo parar no mundo trouxa. Eu estive tentando encontrar respostas durante todos esses dias, mas não consegui nada. 

—  Achei que estivesse indo ao banco.

—  Não seja ridículo, Malfoy. Ninguém precisa passar tanto tempo assim no banco.

—  E você escondeu isso de mim todos esses dias. - a voz dele parecia o mar que recua e parece calmo, mas se prepara para um tsunami.

—  Eu sei que foi errado mas...

—  Você se acha muito autossuficiente, não é? Muito inteligente, e não precisa de ninguém para te ajudar. A sua arrogância nos fez perder tempo! Você acha que... - ele se enfureceu.

—  Cala a boca, Malfoy. Pelo amor de Deus, cala essa boca. - ela cortou num tom baixo e impaciente, como se estivesse dando tudo de si para manter a calma. -  Eu cansei, está bem?! Cansei das suas ofensas, da sua impertinência e ingratidão! Eu fiz tudo! Eu salvei a sua vida, eu te coloquei e tirei do Ministério, eu te dei um teto, eu desvendei a profecia! E sabe o que você fez até agora?! NADA! Você não fez absolutamente nada, Malfoy, a não ser me ofender e ser extremamente desagradável! - Hermione se levantou e foi para o seu quarto, sem dar  qualquer brecha para ele falar mais algum absurdo. 

 

Draco ficou lá embaixo xingando Hermione mentalmente até acabar seu chá. A raiva foi passando, e uma parte de sua mente lhe dizia que não deveria ter falado daquele jeito com ela, e a outra gritava que ele não deveria se importar, simplesmente.  

 

Mais duas horas correram e ele ainda não tinha conseguido dormir. Guiado muito mais pelo torpor da madrugada, a hora em que fazemos e dizemos coisas que não faríamos nem diríamos à luz do dia, do que pela própria consciência, Malfoy subiu as escadas e bateu na porta do quarto de Hermione. 

 

Para sua surpresa, Granger abriu a porta quase de imediato, mas não ficou lá para recepcioná-lo, simplesmente deixou-a aberta e saiu andando em direção à janela.

 

—  Está tarde. - ele disse.

—  É, eu sei. - Hermione falava com uma voz muito leve e simples, de costas para ele, observando a rua escura. 

 

Alguns segundos do silêncio ao qual já se acostumavam.

 

—  Teodoro Nott é o nome que procura.

—  Do que você está falando? - ela se virou para ele, confusa.

—  Ele, ou melhor, o pai dele, estava com um Vira-Tempo quando os outros foram destruídos, e nunca o devolveu ao Ministério. - ele deu passos preguiçosos e lentos, com os braços cruzados.

—  Mas se eles estavam entre os bruxos no dia em que...aquilo aconteceu, não adianta nada. Eles estariam parados no tempo ou teriam desaparecido, e o Vira-Tempo junto.

—  Não estavam. O pai dele desertou durante a Batalha. Depois que Voldemort ascendeu completamente ao poder, eles passaram a ser quase tão procurados quanto você ou o Weasel... 

—  É melhor você não estar falando do Rony. - Hermione chiou.

—  E é melhor você me deixar terminar de falar. - apesar da seriedade, ele não parecia ter se  incomodado de verdade.

—  Tá, continua. - ela sabia que Draco teve que passar por cima de todo o seu orgulho para subir lá e falar com ela, não ia abusar.  

—  Bem, eles tiveram que se isolar entre os trouxas também, então provavelmente o Vira-Tempo está por aqui em algum lugar.

 

Hermione tomou algum tempo em seus pensamentos, trocando o peso das pernas e se movendo um pouco para um lado ou para o outro, voltando a olhar pela janela. Draco, às suas costas, observava-a, como observava tudo, sempre. A juba estava presa num coque meio desgrenhado, e ela roía o canto da unha sem perceber. 

 

Tudo nela o lembrava da Hermione de Hogwarts, e ao mesmo tempo era tão diferente. Obviamente os anos a tornaram mais adulta, mas era mais que isso. Ao mesmo tempo que menos feliz, estava cheia de determinação e coragem, como se levasse o brasão da Grifinória no olhar.  

 

—  Malfoy. - ela ainda estava de frente para a janela, enquanto ele já havia se acomodado na poltrona lilás impressionantemente confortável.

—  Estou ouvindo, Granger.

—  Vamos ter que aprender a conviver um com o outro, não é? - ela se virou para ele, e o encarava nos olhos.

—  Acho que sim. - pela primeira vez, Hermione pôde enxergar uma maturidade resplandecer em Draco, e aquilo a intrigou demais. - Não esconda nada de mim outra vez, porque eu não estou escondendo nada de você.

—  Então não seja um idiota. 

 

Ela caminhou até sua cama e jogou uma coberta para ele. Ficaram se encarando por algum tempo, e não foi estranho nem desconfortável, apenas...pacífico. Eles teriam que ser pacíficos um com o outro a partir de agora, porque estava mais que claro que não poderia ser como nos tempos da escola, ainda que muitas outras coisas aumentassem o abismo entre eles. 

 

Mesmo com tudo, e apesar de tudo, Hermione via o arrependimento em Draco, via que talvez ele teria feito escolhas diferentes se pudesse e, acima de tudo, sabia que precisava dele para cumprir aquela profecia. E Draco...Draco via em Hermione tudo que ele não conseguiu ser, via nela a coisa mais familiar que tinha, a coisa mais próxima, palpável de sua realidade agora, e ela não representava ameaça alguma naquele momento, muito pelo contrário, ela era da maneira mais contraditória possível, tudo que restava a ele. Ele também precisava dela, demais.

 

—  E como ficou sabendo de tudo isso? - a bruxa perguntou, quebrando o silêncio. 

 

Ele deu um risinho...ela seria sempre a mesma no fim das contas. 

 

Os bruxos ficaram conversando e especulando durante mais muito tempo, até que o dia já começasse a dar sinais de vida. Hermione foi a primeira a adormecer, e Draco invejou a serenidade de seu sono, mas acabou dormindo também. 

 


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Notas finais do capítulo

Obrigada por ler!



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