Dhyosis escrita por Bia Nascimento


Capítulo 1
Prólogo - Alice


Notas iniciais do capítulo

Hey Pessoas 0/
Já tenhou alguns capítulos de Dhyosis prontos, e essa história está sendo maravilhosa de escrever, espero que vocês gostem de ler tanto quanto eu estou amando escreve-la ^-^

P.S: Dhyosis vai ser contada pelo ponto de vista de diferentes personagens ao longo da história.



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     Pequenos raios de sol escapavam pelas madeiras pregadas à janela mostrando que o dia havia clareado, e eu novamente passara a noite sem dormir já que era meu turno de vigiar os arredores. Odiava aquilo, era sempre cansativo e assustador, preferia passar a noite na pequena enfermaria cuidando dos que acabaram adoecendo pelas condições precárias. Finalmente alguém aparecera para trocar de turno comigo, era Samuel, meu melhor amigo em nossa pequena comunidade de refugiados.

    Exausta fui em direção ao meu dormitório, um pequeno cômodo com um amontoado de colchões e alguns atrasados que ainda dormiam. Era escuro, como todo lugar daquela casa, então mesmo que o Sol estivesse raiando lá fora não encontrei dificuldades em me jogar num colchão e dormir. Desde que tudo acontecera eu tinha pesadelos ao cair no sono, mas as horas que encontrava para isso um dia foram tão escassas que aprendi a aproveitar cada segundo da dádiva que é descansar.

     Antes de pegar no sono ainda pensei um pouco nas pessoas ao meu redor, idosos, mulheres, homens, crianças, todos sobreviventes, todos fortes, todos com um trauma terrível pelo qual tiveram que passar. Cada um com uma história única, em sua maioria trágica, mas todas com algo em comum: Dhyosis, a doença que aplacara a humanidade. Comigo não era diferente.

     Todos vivíamos uma vida normal, éramos uma família grande, oito pessoas ao todo: Eu, minha mãe, meu irmãozinho, meus avós, duas tias e um primo pequeno. Era só mais um dia comum onde todos chegavam extenuados pelas tarefas do dia-a-dia em casa quando a notícia aplacadora apareceu na televisão: O primeiro caso de Dhyosis havia chego ao nosso país. Apesar de ninguém dizer nada, era possível sentir a atmosfera preocupada que tal notícia trouxera.

     Dhyosis era a doença mais preocupante com a qual a humanidade teve que lidar, isso se aquilo realmente pudesse ser considerada uma doença. Ninguém sabia como começou, ninguém sabia o paciente zero, tudo que sabíamos é que tal infecção levava a pessoa a loucura. Não importa o quão sã a pessoa fosse, se infectada a mudança começaria lentamente: Primeiro os olhos se avermelhavam aos poucos, a pele se tornava seca e áspera, e em uma ou duas semanas o indivíduo praticamente não tinha mais pele, era quase completamente carne. Sua mente se alterava para um estado quase animal, mas a humanidade que restava nele que o tornava perigoso: Ele pensava como um humano, conseguia se mover como um, sabia criar e fugir de emboscadas, era dotado da razão, mas se deixava levar pelo instinto e agia como um animal. Comia carne, não apenas humana, por mais que fosse a preferência dos seres infectados. Mas talvez o pior não fosse isso. O pior era a modificação cerebral que eles tinham. Eles selecionavam humanos para comer, e com os outros fazia pior: Eles tinham o poder de transformar os humanos naquilo.

     No começo o que mais impressionava os cientistas era como a contaminação ocorria rápido e países inteiros caíam na desgraça mesmo que o vírus tivesse um poder mínimo de proliferação, diversos fatores dificultavam e a única maneira de contrair o vírus era com uma quantidade significativa de saliva, sangue ou qualquer líquido que pudesse sair de um infectado. Mas então eles descobriram. A doença não apenas os tornavam animais com consciência, mas davam a eles uma persuasão incrível, praticamente um controle mental que fazia pessoas próximas quererem ser infectadas. Bastava estar parado a dois metros de uma daquelas coisas que mesmo sem eles fazerem nada, você se sentiria atraído, chegaria cada vez mais perto e se entregaria vulnerável a eles. Então ou eles te matariam para te devorar, ou te devorariam vivo, ou te infectariam, e as maneiras com as quais eles propagavam a infecção não era nada agradáveis.

     Em um mês estados haviam sido completamente contaminados e em casa já havíamos construído barricadas e estocado comida, mesmo que nossa cidade ainda fosse considerada segura. O desespero entre nós era claro, e o único momento em que eu conseguia me acalmar era quando via as crianças inocentemente brincarem, sem saber que a vida como elas conheciam talvez acabasse sem mais nem menos de uma hora para a outra.    

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      Estava chovendo e estávamos calmos em casa quando ouvimos o primeiro grito. Aquele som me fez arrepiar, era agudo e esganiçado, provavelmente de uma garota. Corremos a única janela que permanecia sem madeiras para vermos o caos: Pessoas correndo de um lado ao outro sem saberem o que fazer, enquanto contaminados desciam a rua, correndo atrás delas. Colocamos em prática tudo que havíamos planejado para quando isso acontecesse: A janela foi fechada, luzes desligadas, e todos ficamos quietos encolhidos em um cômodo no segundo andar, munidos de facas, martelos, serrotes, qualquer coisa que pudesse servir de arma. Aquele foi o pior dia da minha vida.

     Aquilo estava me enlouquecendo, o cômodo quieto em meio a gritaria, as pancadas que ouvíamos nas janelas ou no portão vez ou outra e nunca sabíamos se era alguém fugindo em desespero ou um infectado desesperado em nos devorar. As crianças estavam assustadas mesmo sem entender tudo o que acontecia, e permanecemos naquele estado durante horas, ouvindo gritos perturbadores de socorro, gemidos horrorosos de desespero, e o pior de tudo era a impotência de não poder fazer nada além de esperar. Foi em uma das horas de espera angustiante que aconteceu.

     Durante o tempo que ficamos confinados em nosso silêncio estávamos no terceiro andar, onde a probabilidade de sobrevivência era maior, e tudo ia consideravelmente bem, parecia que iríamos sobreviver, até que ouvimos um barulho que vinha do andar de baixo. Era como o som de pratos quebrando e panelas caindo ao chão, seguido de alguns passos e grunhidos estranhos. Eram eles. Eles tinham conseguido entrar. De repente, todos entraram em desespero, colocamos tudo o que podíamos na porta que dava acesso ao andar de baixo esperando que não pudessem entrar, mas não tínhamos para onde fugir. Se aquilo desse errado, todos iríamos morrer, ou pior ainda, virar uma daquelas coisas.

     Passamos vários minutos apenas olhando fixamente para a porta e os móveis encostados na mesa, a atmosfera de tensão era praticamente visível e estávamos quase a entrar em desespero. Então os móveis começaram a chacoalhar. Eles queriam entrar. Nos afastamos da porta para não sermos afetados pelo quase controle mental dos infectados quando ouvimos um barulho vindo da varanda. "Estamos cercados". Com certeza era isso que todos estávamos pensando, mas então ouvimos uma voz vinda da varanda. Era humana e parecia querer ajudar.

     Nossa barricada estava quase indo ao chão, não tínhamos muita escolha a não ser abrir a varanda e nos arriscar. Ao abrir a pesada porta de ferro, não conseguimos conter nossos sorrisos ao ver nosso vizinho, que nos disse para pular da nossa sacada para a sacada de sua casa. A distância não era muita, certamente conseguiríamos. Um a um pularíamos para casa ao lado com ajuda de Marcos, o vizinho em questão. Eu iria pular primeiro e então ajudaria as crianças. Mas assim que meus pés alcançaram o território vizinho, ouvi o estrondo da barricada improvisada caindo.

    O terceiro andar era pequeno e em questão de segundos os infectados estavam quase alcançando a varanda, onde o restante dos meus familiares estava. Eu gritava para se apressarem, mas quando olhei para cima era tarde demais. Pacificamente, meus familiares e Marcos estavam indo em direção aos infectados. Eu queria chorar. Eu precisava chorar. O que mais me doía era a impotência de não poder ajudar. Eu teria sentado no chão e permanecido lá, sofrendo a perda das pessoas que mais amei na vida e me entregando a própria morte se não fosse por alguns dos moradores da casa que me levaram para dentro antes que os infectados dessem conta de nossa presença tão próxima.

     Nas primeiras horas eu não vi nada, não prestei atenção em nada, sequer me lembro de muito. Eu apenas chorei enquanto via vultos de um lado para o outro. Devo ter desmaiado, porque depois disso tudo que me lembro era de acordar com o que parecia ser um escasso café da manhã ao meu lado em um lugar repleto de estranhos, ainda não acreditando no que aconteceu. Aos poucos fui me recuperando e reparei no lugar em que me encontrava. Era praticamente uma fortaleza, tinha grades e madeiras nas janelas, portas de ferro completamente lacradas e um estoque enorme de comida, além de ser tão grande por dentro como parecia por fora, parecia com algo que o exército faria.

     Apesar de grande, o lugar estava abarrotado de pessoas, mas algum tempo depois descobri que isso se dava ao fato da família de Marcos ter salvo muita gente durante as horas de caos que aconteceram em nosso bairro. Também descobri que haviam pessoas doentes, idosas, crianças, todas que precisavam de mais atenção que eu, e sabia que deveria colocar minha dor de lado para ajudá-las.

    Desde então perdemos muita gente, mas também ganhamos, e éramos como uma grande família, cuidávamos um dos outros. Cada membro tinha uma função: Os mais fortes e ágeis faziam incursões em busca de suprimento, o restante cuidava das tarefas de dentro, como cuidar dos doentes, limpar o abrigo, cuidar das crianças e coisas assim.

     Cerca de dois anos se passaram desde que tudo aconteceu e nesses dois anos nunca mais havia visto o Sol ou a Lua, nunca quis ir para fora, mesmo quando tínhamos permissão. Não queria ver o que restava do meu pequeno bairro. Com o tempo a frequência dos infectados começou a abaixar, assim como a dos sobreviventes, mas vez ou outra encontrávamos com algum destes. Apesar de não esbanjar conforto, a relativa segurança em que vivíamos fazia com que levássemos uma vida relativamente feliz, não como antes, mas melhor do que achei que seria.

     Depois de tanto tempo, não tínhamos notícia sobre o resto da cidade, do estado, do país ou do mundo, então algumas vezes me pegava pensando quantos sobreviventes existiam, se a cura estava próxima, se algum lugar conseguira se livrar de tal praga e se isso em breve aconteceria conosco.

      Depois dos devaneios nostálgicos sobre minha chegada àquele lugar, finalmente adormeci, sendo acordada algumas horas depois para o almoço por algum dos meus companheiros de quarto. Os dias eram todos iguais nesse lugar, alguns não suportavam isso, mas eu gostava de nossa rotina diária, gostava de cuidar de doentes, e gostava das pessoas de lá. Mesmo em meio ao apocalipse, havia cultivado bons amigos que sempre estavam comigo.

      Se o caos que nos assombrava mundo afora fosse eterno, gostaria que aquilo que eu vivia também fosse. Mas nada é eterno.

      Exceto, talvez, o caos.


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