Estrela decadente escrita por Ariel F H


Capítulo 2
Capítulo 2


Notas iniciais do capítulo

Oi, gente ♥ queria agradecer de coração pra quem comentou no primeiro capítulo. Me deram motivação pra continuar, então muito obrigado.

Espero que gostem desse cap também.

Paz, amor e empatia ♥



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Eu não tentei mais uma vez.

Acordei, tomei café e antes de sair para a escola chequei meus e-mails. É claro que a única pessoa que me mandaria algo é a Sara, mas não tinha nada.

Não é novidade, as vezes ela some por algum tempo. Fico chateada, mas sei que não é sua culpa. Talvez ela simplesmente não tenha encontrado tempo (ou desculpa) para usar a internet. Nada fora do comum.

E é pensando nela que fui andando até o colégio. Estava perto do inverno, e na minha região sempre faz muito frio nessa época do ano. Não é incomum chegar a temperaturas negativas, mas esse inverno em especial não estava muito intenso. Eu estava usando dois moletons e uma touca ridícula, mas que eu gosto. As pessoas costumam ficar mais ridículas quando a temperatura abaixa. Usam pijamas em qualquer lugar, ficam dias sem tomar banho. Não que eu nunca faça coisas como essa.

Sara e eu temos várias músicas que gostamos de dizer que descrevem o que sentimos. É algo bem interessante que tenhamos praticamente o mesmo gosto musical. Como seus pais dão pouca liberdade com aparelhos eletrônicos, ela cresceu ouvindo apenas CD’s e discos antigos.

Há uma música em especial que gostamos de chamar de nossa. Não é exatamente bonita ou algo do tipo, mas foi mais ou menos o que nos uniu. É Dumb, do Nirvana. A letra tem várias interpretações, uma delas é que há certa alegria despreocupada na ignorância. Nós já debatemos muito sobre esta visão e chegamos a conclusão que talvez seja verdade. Mas o que interessa pra nós é as primeiras frases.

“Eu não sou como eles, mas posso fingir”.

E nós concordamos em algo: eu não sou como os meus colegas, mas posso fingir.

Sério, quando dizem que o ensino médio é uma droga eles não estão mentindo. As matérias ficam mais complexas, as pessoas mais idiotas, os professores só falam sobre faculdade e futuro. Isso me assusta.

É como se virássemos máquinas de estudo. É sempre o mesmo assunto: Vestibular, vestibular, vestibular, aprender essas coisas que nunca mais vai usar na vida.

Estou quase na metade do ano, mas já quero morrer.

Falando do fundo do meu coração, sei o que quero para meu futuro desde que tinha 10 anos, apenas não sabia no momento, mas agora sei que sabia. O problema é que isso não comprará minhas comidas ou minhas roupas. Então, preciso de um “Plano B” que agrade o capitalismo e não me deixe morrer de fome. E que me coloque para outro lugar que não seja a mesma casa que minha mãe estiver.

Tive duas aulas de matemática naquele dia, uma de física e outras duas de biologia. Foi como se tivessem juntado as coisas que menos gosto no mundo. No intervalo fui até a biblioteca, no fundo, onde ninguém vai, e usei o celular para ver meus e-mails novamente. Por pura sorte havia um novo de Sara.

 

 

Para: irisaddler@hotmail.com

Assunto: escola

É meio estranho, na verdade. Não conheço ninguém nessa escola, mas pelo menos a professora de história é muito legal, e acho que fiz alguns amigos. E como vai você por aí? Axl Rose anda sendo muito babaca?

Se não quiser falar sobre isso, tudo bem, certo?

Tenho ouvido muito David Bowie ultimamente. Suas indicações sempre vão estar no meu coração. É uma pena que não tenha encontrada nenhum CD/ DVD da Soko para ouvir. Procurei algumas músicas clandestinamente pelo YouTube e adorei.

Me desculpe pela demora para responder, acho que meu pai desconfia que estou fazendo coisas na internet que ele não quer que eu faça.

O lado bom é que descobri que há computadores na escola e estou escrevendo em um deles. Na biblioteca! A bibliotecária é muito bacana, me deixou usar por alguns minutos, então tenho que ir logo, mas ainda tenho alguns minutos por aqui.

Conversou com sua mãe? Há uma garota na minha turma em uma situação parecida com a sua, a ouvi falando com outra menina e lembrei de você. Espero que tudo dê certo.

Com amor,

Sara

 

 

Para: dumbsara@hotmail.com

Assunto: escola

Axl Rose. Tinha me esquecido desse apelido que demos para Aristóteles. Acho que não combina mais. Ele já não está mais tão esquentadinho como antes. Não se envolveu em nenhuma briga nesse ano. Ainda. Mas continua o mesmo babaca.

Fico feliz que você esteja fazendo amizades. Tenho passado os recreios na biblioteca, e é onde estou também, mas escrevo no celular.

Tentei falar com minha mãe, mas não consegui. Não sei explicar, apenas não consigo me comunicar com ela. Parece tão difícil. Eu sou tão perdedora assim?

Iris

 

 

 Para: irisaddler@hotmail.com

Assunto: escola

Então nós precisamos encontrar logo outro apelido para ele. Chama-lo apenas de babaca não é o suficiente.

Olha eu aqui te respondendo em menos de cinco minutos, acho que nunca aconteceu, certo?

Você não é uma perdedora. Não se sinta obrigada a agir de alguma maneira como se fosse a certa. Lembre-se que quem faz as regras é você.

Tem algo que quero muito falar e não sei como, então vou apenas dizer logo. Meus pais vão passar a tarde de sábado fora, meu irmão vai junto dessa vez. Falei que tenho que ler um livro para a aula. Vou ficar em casa sozinha por umas quatro horas.

SABE O QUE SIGNIFICA?

Nós já tentamos isso uma vez, lembra? Mas não deu certo. Espero que dessa vez dê.

Então, a pergunta que vale um milhão de dólares:

O que acha de conversar por vídeo comigo? Skype ♥ ♥ ♥

Espero pela sua resposta,

Sara

 

 

Precisei ler o texto todo umas cinco vezes para ver se não era ilusão ou criação da minha mente.

Respondi tão rapidamente e com tanta empolgação que algumas palavras saíram erradas, mas não importava. Eu iria ver Sara. Atrás da tela de um computador, mas não interessa.

Minha cabeça estava um turbilhão.

Eu vou ver Sara, finalmente vou saber como é seu rosto. Não que essas coisas importem muito. Eu já sabia como era seu rosto, mais ou menos. Já pedi por uma descrição. Sei que sua pele é negra, que ela tem cabelo cacheada, que não gosta muito da marca de nascença que tem no pescoço. Finalmente vou ter uma imagem de como ela é fisicamente, e nós vamos conversar cara a cara. E ela vai me ver.

Merda, ela vai me ver.

Merda, merda, merda.

E se Sara não gostar de mim, do meu rosto? É relevante? É relevante. E se nós só conseguirmos nos comunicar por palavras escritas, e se a coisa não fluir naturalmente? E se acabar estragando tudo, e no fim nós pararmos de nos falar?

Preciso dela.

Merda.

Dois dias. Há dois dias até lá. Tempo.

O sinal para o fim do intervalo tocou, então guardei o celular no bolso e fui até a sala de aula.

Ela estava em minha mente o tempo todo. Não prestei muita atenção na professora explicando qualquer coisa sobre física. Tudo o que me interessava era Sara.

Comecei a pensar que eu poderia estragar tudo falando alguma asneira ou então que ficasse algum silencio constrangedor entre nós, então peguei um lápis e comecei a anotar em um bloquinho possíveis assuntos para conversa.

Parei.

Por que eu estava fazendo aquilo? É a Sara, a pessoa com quem mais tenho afinidade no mundo. É quem sabe praticamente tudo sobre mim. É claro que teremos assunto. Tudo dará certo.

É Sara.

Sara.

Então, tudo estava bem.

Mas é incrível a capacidade do universo de fazer tudo desmoronar repentinamente.

Ouvi alguns risadas vindo do outro lado da sala, apenas olhei de relance, mas percebi que alguns meninos olhavam para mim.

A turma toda havia se reunido em grupos, mas eu estava no mesmo lugar de sempre, sozinha, fingindo resolver os exercícios que a professora passou.

Aristóteles estava naquele grupinho. É claro que estava. Ele e seu amigo e inseparável Caio riam. Rafael também estava lá. Não entendo porque ele anda com aquelas pessoas. Rafael é legal, é do tipo que eu gostaria de ter uma conversa, mas está sempre tão mal acompanhado.

Voltei a olhar para meu caderno. Uns instantes depois, ouvi a voz de Aristóteles.

— Ei, Iris, tira uma foto comigo?

Levantei o rosto.

Sequer deu para responder e então havia um celular na minha cara.

Ouvi o som de click e então risadas vindo da sala toda.

Não ri.

Olhei para Aristóteles, o que, não entendo, o fez rir ainda mais.

Notei que a professora não estava mais ali.

Saí da sala e fui ao banheiro.

Fiquei lá até quando ouvi o sinal tocar.

Então, fui para casa.

Fui para meu quarto.

Escrevi um novo e-mail para Sara, contando o que aconteceu.

Eu me sentia tão imbecil.

Agora havia uma foto minha no celular do Aristóteles e sequer sei porquê.

Senti-me mais idiota ainda quando terminei de escrever, por que eu estava tão feliz antes, e Sara também parecia empolgada. Por que trazer essa coisa a tona?

Excluí todas as palavras.

Fui até o espelho.

Sara teria aquela imagem em seu computador. Sei que não sou alguém que você veria na rua e faria questão de olhar duas vezes, ou que lembraria.

Meu cabelo é um tom de castanho que nunca gostei, meu rosto é meio oval. As vezes tenho a impressão que meus olhos são perto demais. Sou comum. Não há nada de especial em mim. Nada a ser apreciado.

— O almoço está pronto. — ouvi minha mãe no lado de fora do quarto.

— Não estou com fome. — respondi.

Silêncio.

— Seus irmãos vão para a natação depois, você vai ficar sozinha em casa até as nove. Esquente a comida para você depois e lave a louça.

Não perguntei porque ficariam até nove da noite fora, e ela não me disse.

 

~*~*~*

 

Não senti vontade de fazer nada até umas três horas da tarde.

Comi um pouco e então lavei a louça.

Sara não enviou nada, o que não era surpresa. Não esperava receber notícias tão cedo, principalmente se seus pais estivessem desconfiados de algo. É estranho isso, eu sei, mas Sara já me contou que eles são extremamente religiosos, vão para a igreja todo o dia. Então, se o pastor diz que o diabo mora no computador, assim será. Ela conseguiu ter liberdade para afazeres da escola, mas nunca foi muito mais longe que isso.

Eu tinha um trabalho de química para fazer, mas apenas pensar nele me dava dor de cabeça.

Então fiz algo que sempre faço quando não quero fazer nada, ou quando sinto que o mundo inteiro me sufoca.

Peguei um caderno e uma caneta e fui até o jardim. É um lugar bonito.

Estava meio frio, mas o sol brilhava. Minha touca protegia minhas orelhas.

Sentei-me na grama.

Não sei muito o que dizer sobre as coisas que escrevo. No geral, são apenas fragmentos. É difícil de terminar alguma ideia. Ideias surgem para mim e morrem no meio da criação. Não é minha culpa. Já tentei inúmeras vezes terminar alguma história, mas sinto como se, de repente, não pertencesse mais para mim. Como bebês que são tirados de suas mães à força. São frases soltas, mas que sempre carregam algo consigo.

 Há muitos poemas, estes sim consigo terminar. Poemas livres, sem rima, sem métrica. Algo que deixaria os amantes do parnasianismo loucos.

Não sei dizer ao certo se são bons. Nunca tive alguém que opinasse nesse quesito. Mas de que importa? São sinceros e verdadeiros. Transmitem tudo o que sinto e absorvo no mundo.

O que mais me agrada em criar poesia é passar alguma mensagem. Expressar-me. Dar um pedaço de mim para aquele papel. Pouco me interessa a estética, a beleza.

De que adianta uma métrica perfeita se não acrescenta nada em minha vida?

Na verdade, acredito que o melhor tipo de poema é aquele feio por fora e bonito por dentro. Talvez o mesmo conceito valha para pessoas.

Escrevi muito naquela tarde. Vomitei tudo o que estava dentro de mim e que não sairia de outra forma. Quando minhas mãos doíam tanto de segurar a caneta, virei-me na grama e olhei para as nuvens.

Por algum motivo, lembrei do trabalho de química, que por consequência me lembrou da escola e das aflições que ela me trás.

Não é apenas as pessoas de lá que me incomodam, mas o sistema no geral.

Gosto de literatura, sei coisas que a maioria dos meu colegas não sabem, gosto de história, de filosofia, de ler sobre autores famosos, discutir sobre astrologia, aprender novos idiomas, mas não estou nem aí pra matemática ou física, ou qualquer coisa que me apresente uma fórmula e não peça para eu pensar sobre. Vejo pessoas que são o contrário, mas pedem para que sejamos bons em tudo.

Machado de Assis e Einstein estudariam as mesmas coisas, e o sistema educacional Brasileiro julga isso certo, mas física seria tão importante para Machado como seria para Einstein? E Einstein usaria tanta gramática ou literatura como Machado?

Há coisas que não consigo entender.

Tentei não pensar em Sara naquele momento, mas era como um imã me atraindo.

Tapei os olhos com as mãos e, mesmo naquela leve brisa fria, adormeci.

Acordei minutos depois. Estava frio, então entrei em casa.

Nada de Sara.

Comecei a ficar preocupada em ter soado alegre demais com a perspectiva de vê-la, mas tentei afastar esse pensamento procurando as respostas das questões de química na internet.

Eu estava quase no fim quando ouvi alguém me chamar.

Raquel, minha irmã estava de pé segurando a porta com a mão e me olhando.

Ao contrário de mim, Raquel é aquele tipo de garota que as pessoas lembram. Seu cabelo é preto e liso, os olhos, azuis, herdado do pai, são lindos. Renato tem os mesmos olhos.

— A mãe disse pra te avisar que tem pizza na geladeira. — ela disse.

— Vocês foram à pizzaria hoje?

— Sim.

Não respondi nada, então ela saiu.

Comi pizza fria naquela noite, e meu estômago revirou quando minha caixa de e-mails piscou. Não que uma coisa tivesse relação com a outra, mas aconteceu.

Sara disse que estava muito animada para conversar comigo ao vivo. Pensei em falar sobre o que aconteceu na escola, mas apenas falei como estava contando os minutos para vê-la.

 


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