Depois de amanhã escrita por Daenerys MS


Capítulo 3
Conheça ele




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Vamos lá... deixe-me primeiro respirar bem fundo. Sei que posterguei o início dessa história o bastante, e sei que você também percebeu isso, mas espero que me entenda, afinal, é como dizem:  não deixe para agora o que se pode fazer amanhã. Não?

Bom, se eu pudesse contextualizar, e eu posso já que esse livro é meu, diria para pensar em uma época diferente. Esqueça esse negócio de internet, mensagens instantâneas, fotos tiradas e reveladas na hora.... Pense em um tempo onde as pessoas verdadeiramente deveriam ir ao encontro das outras para desejar um bom dia, e conhece-las.

Não vou te dizer meu nome, e muito menos informações físicas sobre mim. O que basta saber para que entenda os acontecimentos que aqui serão contados é o seguinte.

Eu nasci numa família onde o dinheiro não era abundante, mas também estava longe de ser escasso. Vivíamos numa casa incrível e que por chamar a atenção da vizinhança a qual não tínhamos o mínimo de contato, era alvo de diversas teorias. Mas a verdade, é que naquele lugar macabro até, viviam duas garotas, um pai, uma mãe, e mais animais de diferentes espécies e maior número do que posso citar.

Meu pai e minha mãe saiam e voltavam para casa em horários absurdamente extremos, e por isso minha criação e de minha irmã foram dadas a uma única mulher: Maria.  Ela era uma mulher incrível, mas eu não conseguia entender o porquê dela ter de deixar o neto dela, de nossa idade, sozinho em casa para nos criar. Os papéis não estavam invertidos? Onde estavam os meus pais? Tantos questionamentos.... No entanto o que se deve tirar dessas informações é que pelo fato de minha mãe ter se ausentado, assim como meu pai, eles acabaram criando muros em volta de mim e da minha irmã. Enquanto todas as crianças estavam criando laços sociais nas ruas e escolas, eu e minha irmã estávamos aprendendo a interagir.... Com a natureza.

Pode ter certeza, caro leitor, ninguém consegue chamar um sabiá como eu, posso até te desafiar.

No fim, quando tivemos finalmente contato com outras crianças, tanto eu como minha irmã apresentamos imensas dificuldades. Eu, e sei que ela também, nos sentíamos estranhas, sem pertencer a nada. Dessa forma, fomos nos retraindo cada uma a seu mundo particular, a seu pequeno universo.

E seguia-se a vida. As coisas estavam indo bem, eu e meus animais, ela e seus... Ok, eu não sei o que ela fazia o dia inteiro. Mas um dia... tudo mudou.

 Minha mãe resolveu sair de casa. Pediu o desquite, a separação o divórcio da alma a que jurou amar e respeitar até que a morte os separassem. Em um só ímpeto ela abriu o portão, e jogou eu, minha irmã, e a Maria no carro. E lá fomos nós.

Chegamos então numa casa bonita, amarela e vinho com portões gradeados. Suas portas eram de madeira, e todo seu piso era branco. Eu achei a mudança agradável. Confesso que naquela época eu não apresentava o mínimo de empatia com terceiros e apresentava considerável dificuldade em discernir emoções alheia. Bom, pelo menos foi isso o que o psiquiatra escolar escreveu.

                Apesar da mudança de imóvel minha vida ainda era a mesma. Todo dia eu acordava e ia para a escola. Lá, eu tentava ao máximo me esquivar do bulling, e fazendo isso, acabava me focando nos estudos.

E os dias foram passando e passando...Quando eu não estava de cabeça baixa lendo algum livro didático, estava fitando o parque da escola. Eu sentava perto da porta e sim, boa parte do meu dia era olhando o suave balançar das folhas nas árvores, as borboletas plainando na primavera e as trajetórias aéreas perfeitas dos pássaros. Era uma visão que me trazia paz, era ali que eu pertencia.

Após alguns meses vivendo assim, me resignei na minha incapacidade de conversar e formar laços com outras pessoas que não fossem do reino Plantae. Até que um dia, alguém chamou no portão.

Prontamente, a Maria levantou-se da bancada em que passava roupa e foi abrir a porta. Quando voltou, anunciou que havia um garoto me procurando. Tendo em vista que eu não tinha amigo algum, e que mesmo meus parentes não me visitavam nunca, você deve imaginar minha surpresa.

Qual é? Sério? Um garoto? Na porta? Na minha porta? O que eu fiz? Ninguém avisou ele das minhas tendências homicidas? Vamos lá, tinha uma comunidade no Orkut que haviam feito avisando disso.

Enquanto pensava nessas coisas caminhei para a frente da casa, mas, quando eu cheguei na entrada, meu mundo parou.

Ele estava ali, parado na frente do portão, uma mão no bolso, outra no pescoço. E aquele era o sorriso mais bonito que eu já vi em toda a minha vida. Até hoje eu tenho vergonha de pensar na minha cara vendo aquilo. Não tem explicação. As coisas foram passando em câmera lenta, ele... brilhava. O garoto começou a se apresentar sem tirar o sorriso no rosto e aquilo foi tão...sincero, tão bonito, que pela primeira vez na vida meu coração acelerou, e eu soube que tinha um.

Foi naquele momento que eu descobri que meu psicólogo estava errado. Eu era capaz sim de criar pontes afetivas. Eu era capaz de amar.

O problema é que foi a única vez.


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