Like a Rolling Stone escrita por MrsSong


Capítulo 8
Come out and play




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Amora me encarava com um sorriso falso e eu não sabia como reagir. Eu me sentia quebrado só de observá-la e ela sabia disso muito bem.

— O que você quer? - consegui perguntar depois que ela se sentou na poltrona da sala cruzando suas pernas desnudas na altura dos meus olhos.

— Conversar. Meu irmãozinho parece que não quer falar mais comigo. - ela fez um bico enquanto respondia.

Tentei me concentrar na raiva que eu sentia dela há tanto tempo. Eu ouvia Malu na minha mente me dizendo repetidas vezes que Amora só queria bagunçar a minha cabeça e que eu devia ser forte porque ela precisava de mim.

E eu precisava de Malu.

— Corta a gracinha e manda a real que eu trabalhei o dia todo e estou cansado. - bufei e percebi que Amora arregalou os olhos levemente antes de brincar com o próprio cabelo num gesto que ela geralmente vendia como charmoso.

O que significava que ela queria muito que eu estivesse do lado dela, o que não era sempre.

— Trabalhou, é? - ela riu. - Brincou de quê dessa vez, Fabinho? Frentista?

— Trabalhei com sua melhor amiga de todos os tempos hoje, não sabia? Agora que eu estou namorando a Giane, passo muito tempo na floricultura dela. - menti e ela gargalhou debochada.

— Você e a favelada estão namorando? Que par perfeito, Fabinho! - ela aplaudiu.

Amora era difícil de ler e nunca dizia de verdade o que queria das pessoas. Ela comia pelas bordas e preparava o terreno antes de dar o bote certeiro. Eu gostava disso, era quase sedutor o jeito que ela pesava cada ato antes de agir e palavra antes de proferir. Eu achava isso parte do que a fazia ser atraente, mas eu também sabia que isso era o comportamento de uma víbora.

Porém, nós dois crescemos tendo Bárbara Ellen como figura materna. Eu não podia ser totalmente bom, muito menos Amora que idolatrava a mãe.

E, mais uma vez, Malu se provava uma criatura superior porque saiu daquela cobra e era a melhor de nós… Vai ver ela nasceu imune ao veneno da mãe.

— Eu também achei. Pensa que a sua amiga vai ser a única a carregar o sobrenome Campana nos próximos anos porque você vai casar com o Mauricinho e a Malu provavelmente vai se enroscar com aquele seu amigo, sabe? O Bento. - eu aprendi a dissimular tão bem quanto ela nessa vida e sabia muito bem quando a máscara dela rachava.

Era delicioso e excitante vê-la se quebrar mesmo que por alguns segundos. Me fazia feliz vê-la assim, sem saber como me atacar e como me ferir. Giane tinha me dado munição por uma vida sem querer.

Inclusive, essa vontade de destruí-la era o que me fazia ter certeza de que não era e nunca seria amor o que eu nutria por ela. Malu torcia pela felicidade de Maurício e meu pai nunca se referiu à minha mãe de maneira raivosa, ele a perdoou e eu sabia disso.

— A Malu adora um resto meu, não é possível! - ela comentou fingindo não se importar. Ali eu percebi que o que a afetava mais era Bento ter interesse na Malu.

— Não, é você quem adora roubar as coisas da Malu, Amorinha. - eu retruquei sorrindo. - A família, a casa, o sobrenome, o namorado, a mãe… Assume que se pudesse roubava o nome e a herança da minha irmã. - dei uma risadinha como se fizesse piada.

Ela parecia sem resposta e eu sabia que tinha que me livrar dela antes que ela conseguisse me ferir porque o veneno dela, quando espalha, é mortal.

— Sabe, você não me disse o que está fazendo aqui. - lembrei e ela me encarou com aqueles olhos inocentes que me encantaram na infância. Olhar perdido de quem precisa de abrigo.

Hoje eu sei que não eram reais.

— Só queria te alertar para ficar longe da Casa Verde, principalmente longe da Giane. Ela tem um motivo obscuro para ter largado a carreira de modelo para se esconder por ali. - ela me encarava com os olhos mais sinceros que ela tinha.

Típico da Amora querer mandar em mim, mas não fazia sentido o que ela queria. Porque nada na minha vida afetava a vida dela… Não fazia sentido nada daquilo, mas sempre procurei motivos obscuros por trás dos motivos de Amora.

E ainda assim eu perdia frequentemente para ela.

— Ah, isso? - perguntei numa risada e eu percebi que Amora estava curiosa mesmo que fingisse que não. - É simples, ela está grávida do meu primeiro filho. Se for menina, estava pensando em Pitanga e se for menino acho que Mirtilo é um nome forte. Homenagem à tia que nos uniu, que tal?

Antes que Amora pudesse retrucar, fui a conduzindo até colocá-la para fora do apartamento. Encostei as costas na parede e peguei meu celular antes de enviar uma mensagem para Giane que dizia: “Eu meio que acabei de dizer que estamos namorando para a Amora. Só para te situar.” e outra para Malu com o conteúdo: “Ataque de it-filha na casa do pai. Encontrar nova base sem cobras. URGENTE!”. Decidindo que não dava para ficar parado com fome, fui terminar meu jantar que já devia estar frio.

Meu telefone tocou alguns minutos depois de eu ter jantado, já que eu me recusava a perder uma refeição por causa de uma frutinha podre, mesmo que ela me desse náuseas.

Fabinho?— a voz da Malu parecia aflita e eu tentei cancelar a decepção de saber que não era Giane quem me ligava. - Você está bem?

— É claro que eu estou, ela ainda não virou uma assassina mortal, maninha. - respondi e ouvi Malu rir levemente.

Que nós sabemos. - rimos juntos. - Mas o que ela queria?

— Me afastar da Casa Verde. Disse que eu tinha que ficar longe de lá, principalmente da Giane. - respondi sem muito entusiasmo.

Estranho. Será que ela está com ciúmes de você?— Malu parecia ver tudo pela lente do romance tinha horas.

— Não, ela tem é medo do Mauricinho dela se sair como o pai, enfeitar a cabeça dela e ela não ter quem pague suas contas depois. - propus e ouvi Malu inspirar fundo antes de falar alguma coisa.

Você não tem provas, Fabinho. — ela me lembrou.

— E eu preciso? Conhecendo a sua mãe e conhecendo a criatura ególatra que é o Natan… - Malu sabia muito bem da minha teoria da conspiração, mas ela sempre era da opinião que Bárbara jamais faria nenhuma coisa que atrapalhasse o casamento da filha perfeita dela.

Continua não tendo provas.— Malu parecia hesitar antes de continuar começando várias frases e desistindo. - Como você está com tudo isso?

— Cansado. Trabalhar numa floricultura com uma mulher mandona e depois encarar modelo recalcada em casa é dose, maninha. - respondi sem muito interesse. - Principalmente porque eu volto amanhã para a Acácia e… - parei ao ouvir a risada da minha irmã.

Você está trabalhando na Acácia Amarela?

Dando uma força para uma amiga cujo sócio fica querendo espalhar o amor e a harmonia com a minha irmã enquanto larga a parceira sozinha na loja. - retruquei e senti as ondas de culpa emanando de Malu.

Estávamos em reunião para nosso Bazar, Fabinho. Acabamos perdendo a hora. — ela se explicou e eu revirei os olhos.

— Maluzinha querida e fofa do meu coração, eu não me importo com isso. Só acho que você ficar largando a moça com trabalho dobrado não vai fazer ela te ceder peças ou contatos para o seu Bazar. Pensa, né, Malu. - lembrei e ouvi Malu prender um palavrão.

Ela odiava palavrões desde que começou a trabalhar com crianças. Ela até implantou por uns tempos um pote do palavrão para pagarmos quando falávamos algum e o plano era doar o dinheiro para algum projeto social no fim do ano, mas deve ser óbvio que o pote sumiu ao ficar cheio. É óbvio que Bárbara roubou o pote.

Você acha que ela me odeia? — ela perguntou e eu ri de seu desespero. - Não, sério, vai ser terrível você se casar com uma mulher que me odeia!

— Ela não te odeia, maninha. - apaziguei, ignorando o comentário idiota, mesmo que eu tenha feito um parecido nem duas horas atrás. - Ainda.

Fabinho, eu tenho que desligar. Acho que está acontecendo alguma coisa nessa casa. — ela me avisou e eu não pude evitar a risada.

— Quando não está? Me avisa depois qual foi o barraco do dia na mansão de Bárbara Ellen.

Desligamos e eu mordi o lábio inferior pensando que talvez devesse ligar para Giane e ver se ela tinha decidido que eu não era digno de sua amizade, mas eu queria que ela viesse atrás.

Porque eu parecia um desesperado quando se tratava dela, sempre correndo atrás como nunca fiz por ninguém nessa vida.

E isso incluía Amora.

 

 

Eu meio que acabei de dizer que estamos namorando para a Amora. Só para te situar.” era tudo o que ele me disse depois de ir para casa depois do dia que passamos juntos, trabalhando juntos.

Esmurrei minha cama, revirei meu quarto e bufei. Ele estava se divertindo me usando para atacar a irmã, não era possível. Considerando o fraldinha que ele era ia fazer com que eu pagasse o pato depois de incomodar bastante a Amora.

Já via meu nome em capa de revista de fofoca como o grande pivô da briga dos irmãos Campana – que nunca precisaram de mim para se odiar, mas eu nunca poderia falar isso. E aí acabava paz e tranquilidade que eu tanto queria. Todo mundo ia querer saber tudo sobre o caso. Ou, o pior dos casos, sairíamos como uma grande e maravilhosa família de comercial de margarina com Amora como o cupido de um relacionamento inexistente.

“Sim, Sueli, nos juntamos por conta da Amora. Não a suportamos na mesma intensidade, sabe como é, né?”

Pensei em ligar para ele para entender essa história de namoro, mas ele, com toda certeza, inventaria alguma mentira assim como ele fez com a história de como conseguiu meu número de telefone e eu não estava com paciência para riquinhos metidos à besta.

— Giane? - Bento me chamou da porta do meu quarto. - Posso entrar?

— Já está na porta, pode entrar. - respondi e ele deu uma risada fraca e me encarou por alguns segundos antes de se sentar na poltrona que tinha no meu quarto.

— Eu vim te pedir desculpas. O que você usa ou deixa de usar não é e nunca foi da minha conta. - ele me disse e eu arqueei a sobrancelha ao ouvir isso.

— Verdade. - então eu respirei fundo e o olhei nos olhos. - E, tudo bem, eu te desculpo. Eu sou uma mulher adulta que sabe muito bem o que faz, Bento. Entende isso.

— Você ainda é aquela menina assustada que eu fui deixar em Guarulhos, Giane.

— Mas depois daquele dia, muitos outros se passaram e eu cresci. Eu tive que crescer porque não tinha ninguém para me livrar das coisas lá fora. - eu retruquei e vi Bento sorrir aquele sorriso que disparava meu coração.

O sorriso mais bonito que eu já vi na minha vida, mas eu nunca me deixaria abalar por um sorriso bonito. Nunca fui desse tipo de garota e não seria agora. Arrumei minha postura, levantando os ombros, como se me preparasse para uma batalha.

— Veio só pedir desculpas ou vai me avisar que estou por minha conta amanhã de novo? - perguntei e ele riu sem graça.

— Na verdade, eu queria te pedir para se encontrar com Malu amanhã. Ela queria sua ajuda num evento da Toca e…

— O que a patricinha de coração bom poderia querer comigo? - pus meu indicador da mão direita sobre os lábios, fingindo pensar. - Ah, já sei! Ela quer mídia para o projeto social dela, adivinhei?

Meu amigo empalideceu e eu suspirei cansada. Bento realmente achava que eu não entendia nada sobre o mundo que nos cercava mesmo. O que ele achava que eu fiz por mais de meia década nessa vida? Fiquei em bolhas de proteção?

— Não é bem assim, Giane. - ele começou e eu não segurei o riso.

— Bento, não disse que não faria. - ao ver sua expressão animada, acrescentei. - Também não prometo que faço, mas eu sei muito bem o que ela poderia querer comigo sobre a Toca porque duvido muito que ela queira instrutora de futebol.

— Não, ser instrutora de futebol seria muito bom para a Toca. - ele afirmou rapidamente com um sorriso. - Eu não gosto de mídia tanto quanto você e você sabe muito bem disso, mas pensa que maravilhoso conseguirmos mais dinheiro e ajudarmos mais crianças só porque você sorriu para uma câmera e disse que apoiava.

Era claro que Bento não entendia direito como funcionava o interesse público e não entendia porque venderia muito bem a história de que eu estava envolvida na Toca do Saci, tinha certeza de que Malu não tinha explicado para ele que seria atraente para o público por conta do suposto envolvimento que eu tinha com o irmão dela.

Eu ajudar Malu seria quase assinar uma certidão de casamento com Fabinho, pelo menos para a mídia e, por consequência, o público.

Ninguém nunca acredita na história de somente amigos.

Bento esperava uma resposta e eu desejava ter sossego por algumas horas pelo menos, então decidi enxotá-lo do meu quarto com a promessa de conversar com Malu no outro dia e entender sua proposta.

Quando ele saiu, pude começar a análise do quanto isso poderia me afetar mais para frente. Seria errado não ajudar um projeto que meu melhor amigo parecia tão envolvido, era verdade. Além disso, as crianças ajudadas não tinham culpa que eu não queria me envolver no circo que batalhei tanto para fugir.

Mas o item Fabinho permanecia obscuro. Eu não queria perder a amizade que estávamos construindo, mas não queria jogá-lo mais fundo no caldeirão das suposições, porque eu queria descobrir o que eu sinto por ele sem ter que ver infográficos que demonstram como nos sentimos um pelo outro.

E, como ele mesmo me lembrou há alguns dias, eu ainda não vivia debaixo de uma pedra. Resolvendo fazer a louca, decidi ligar para ele e tentar descobrir alguma coisa sobre a proposta de sua irmã.

— Me explica o que Malu Campana quer realmente comigo. - exigi assim que ele atendeu a ligação.

O quê? — ele parecia tão confuso que eu não contive uma bufada.

— O Bento veio em casa para me convencer a ir numa reunião com a sua irmã e você não sabe de nada? - perguntei já me irritando.

Malu não me falou nada de ter interesse em você. Ela é hétero, moleque. Tem certeza de que não é a Amora? Essa tem muito interesse. — ele debochou ao ouvir meu rosnado irritado.

— Não, esse interesse quem tem é você, Fabinho. - ele riu ao me ouvir.

Não nego. Vem cá, já que minhas irmãs estão cheias de interesse em você e eu também que tal sairmos para tomarmos alguma coisa? — ele sugeriu em piada e eu ri.

Se você sugerir um banho, eu nunca mais falo com você na vida.

Ia propor um sorvete, mas como você é safadinha, hein? Já está até pensando em tomar um banho comigo!— sua risada sarcástica me fez corar e eu queria esganá-lo por isso.

Fabinho tinha o dom de me fazer ficar tímida com algumas de suas palavras. Eu odiava isso, mesmo que eu sentisse calor na boca do estômago quando acontecia. Não, não eram borboletas. Eu matei as minhas com o ácido do meu estômago.

— Vou desligar que não dá para falar com moleque metido. - desliguei antes que ouvisse algum comentário que me deixaria ainda mais vermelha.

E com mais vontade de ver até onde ele teria coragem de ir nessa brincadeira.

Mal desliguei e recebi uma mensagem de Fabinho: “Minha irmã quer sua ajuda num Bazar. Sonhe comigo!” e eu me recusei a responder.

Garoto metido e abusado!

 

— Bom dia, Wesley! Beleza, irmão? - entrei na loja animado e fui já procurando o meu avental. Wesley me encarou confuso e, por isso, parei.

— O que está fazendo aqui, Fabinho? - Bento me perguntou e eu olhei ao redor procurando a maloqueira.

— Faço companhia para sua sócia enquanto você flerta com a minha irmã por aí. - ao ver ele abrir a boca e negar, emendei. - Não disse qual!

Ele não precisava saber que eu sentia tudo menos fraternidade por Amora.

— Quer dizer, você fica cantando a Giane enquanto ela trabalha. - ele tentou me corrigir e eu ri.

— Não, eu trabalho e deixo ela me cantar. - me virei para Wesley. - Sua chefinha está aí?

— A Giane está com a Malu. - Bento respondeu.

— Bom, então volto outro dia. Tchau, Wesley!

— Pensei que trabalhasse aqui. - Bento comentou e eu o encarei com um sorriso debochado.

— Tenho certeza de que você não vai querer me pagar como sua sócia me paga, amigo. - comentei com uma piscadela, devolvendo meu avental.

A fúria dele me fez rir e vi Wesley discretamente se esconder. Eu torcia que para ligar para Giane porque eu podia levar uma surra de um florista cheio de paz e amor e isso pegava mal.

— Não sei qual a graça que a Giane vê em você. - ele bufou irritado. Acho que lembrou que me espancar faria Malu não gostar mais dele.

Talvez ele ganhasse Amora de vez, mas eu não contaria isso para ele na situação em que me encontrava.

— Poderia dizer o mesmo da Malu, mas fui bem-educado. - eu ia continuar irritando o cara até apanhar nesse ritmo, mas quem disse que eu conseguia segurar minha língua?

— Você deveria ir embora. - ele sugeriu respirando fundo.

— O problema é que agora quero ficar. - ficamos nos encarando até uma maluca entrar correndo na loja.

— Bento, manda esse marginal embora! Ele é ruim e vai acabar com a loja! - ela implorou e eu fiquei encarando os dois muito confuso.

— Eu conheço você? - perguntei e ela pareceu tomar isso como uma afronta.

Bento me encarou e eu sustentei seu olhar. Eu não era o maior fã do cara, mas estávamos numa situação complicada: ele era o melhor amigo de Giane e eu o irmão mais velho de Malu. Não tinha o que ser feito, tínhamos que engolir e tentar o caminho da pseudocivilidade.

— Socorro, por favor, deixa que eu me resolvo com o Fabinho. - ele pediu e ela parecia quase pronta para arrancar a cabeça de um.

— Ninguém me ouve. Daí acontece alguma coisa de ruim e eu que sou agourenta. - ela saiu reclamando e eu me senti muito mais feliz só com sua partida.

— Vem cá, quem é essa? A vidente do bairro? - perguntei e Bento soltou uma risadinha. Risada é bom.

— A Socorro é complicada. Ela vive num mundo meio irreal. - ele respondeu e eu entendi “doida de pedra. Evitar a todo custo.”; bem, eu podia fazer isso.

— Tudo bem. - ficamos nos encarando sem saber como começar uma conversa. Saudades da sócia dele.

 

— Que bom que você aceitou se encontrar comigo, Giane. - Malu sorria contente e parecia feliz em me encontrar. Provavelmente porque ela já considerava que eu aceitaria sua proposta.

Eu admito que estava inclinada ao sim, só para não me sentir culpada pelas criancinhas que precisavam.

— O Bento não me explicou o quê você quer de mim, então eu tinha que vir. - eu lembrei, tomando um gole do meu café. O sorriso de Malu não se desfez.

— O Fabinho não te disse nada? - ela perguntou como se soubesse o quanto de tempo eu passei com o irmão dela nos últimos dias.

— Ele mencionou uma ajuda num Bazar. - não ia fingir que não era amiga do irmão dela, mesmo por quê eu sabia que teria usar esse fato para explicar que podia ser um tiro no próprio pé me colocar no evento.

— Eu não sei se você sabe, Giane, mas o Bento e eu queremos expandir a Toca do Saci e um Bazar Beneficente seria uma forma de arrecadarmos dinheiro e atrairmos a atenção da mídia. - ela começou e eu contive um revirar de olhos. Essa parte eu tinha entendido, eu era modelo não idiota.

— Então você pensou: “ué, a sócia do Bento era modelo e não vai usar aquelas roupas de grife para plantar mudas.”, não? - eu completei o seu pensamento e ela teve a decência de corar.

— Mais ou menos isso. - ela admitiu constrangida e eu ri.

— Gosto assim. Direto. - Malu arregalou os olhos enquanto tomava um gole de seu café para tentar manter a compostura. - Sua ideia faz sentido, mas eu quero saber se você considerou outros aspectos.

— Tipo? - eu percebi que ela não tinha pensado a fundo ao me fazer o convite.

Ela cresceu numa casa cheia de golpes midiáticos e não aprendeu nada pelo visto. Estranhamente, isso me fez gostar um pouco de Malu. Se alguém como ela podia ter saído de Bárbara Ellen, a humanidade ainda tinha salvação.

— Há algumas semanas eu fui indicada como possível nova namorada do seu irmão. - refleti um pouco mais. - Bom, ele foi indicado como meu mais novo namorado. Inclusive, existe um vídeo de um beijo que você deve saber como terminou.

Malu riu em concordância. Ótimo.

— O ponto é: eu me envolver no projeto social da irmã do meu suposto novo namorado vai fazer com que a mídia tenha certeza de que estamos juntos. - pela sua expressão, percebi que ela não tinha pensado nisso. - Aí, a minha vida e a do Fabinho vai virar um grande circo. - ao vê-la abrir a boca continuei. - Porém, tem o outro ponto: minha vida exposta como um grande romance para mídia atrairia a atenção para o Bazar. Muito mais do que o esperado.

— O que garantiria maior participação de gente famosa e gente interessada em comprar as peças. - Malu concluiu. - Mais dinheiro para a Toca.

— Com a conta sendo paga pelo seu irmão e por mim. - acrescentei. - Pode até respingar em você a lama que viria.

— Mas e se vocês negassem envolvimento? - ela sugeriu e eu gargalhei.

— E desde quando alguém na imprensa acredita em papinho de somente amigos? - tomei mais um gole do café que esfriava na xícara. - Olha, eu sei que você não quer só um punhado de roupas e acessórios meus para vender. Você quer minha imagem para atrair outras pessoas para sua causa.

— Mas isso implica que eu teria que jogar meu irmão nos holofotes.

— Que bom que nos entendemos. - eu comentei matando meu café.

 

— Viu o jogo? - Bento perguntou e eu quase perguntei qual jogo porque deviam ter acontecido milhares de jogos nos últimos dias, mas eu não tinha visto nenhum.

— Não. Quanto foi? - perguntei porque se ele estava tentando ser educado, eu também podia ser.

— Dois a um. Giane gosta muito de futebol, sabe? - ele me informou como quem não quer nada.

— Moleque maloqueiro como ela é, não duvido. - Bento riu do meu comentário.

— Ela era pior antes de ser modelo.

— Ela era realmente um garoto, é? - perguntei e ele me encarou por alguns segundos.

— A definição de corinthiana, maloqueira e sofredora. - é claro que eu sabia que Giane era corinthiana, eu tinha reparado que a casa do pai dela havia várias referências ao time.

E ela era muito maloqueira para torcer para o São Paulo. Isso era óbvio.

— Nunca vi muita graça em futebol.

— A Giane não pode ouvir isso ou ela te odiará por todo o sempre. - Bento me alertou.

Antes que eu dissesse qualquer coisa (talvez dizer que eu não queria isso, mas que meu relacionamento com ela não era da natureza que Bento pensava e eu dava a entender), meu celular tocou e eu só pude soltar um assobio ao ver quem era antes de atender.

— Olha só quem está me ligando! Sentiu minha falta foi? - perguntei debochando enquanto saía da Acácia para poder conversar sem atrapalhar ninguém.

Me falaram que decidiu voltar a morar em São Paulo e eu não queria deixar um dos meus na mão. — eu contive uma gargalhada.

— Tradução: seus minions não servem para muita coisa e quem trabalha nessa empresa está sobrecarregado. - Natan teve a graça de rir em vez de me xingar e desligar na minha cara.

Eu gostava de trabalhar com publicidade, não gostava de trabalhar para o Natan. Mas até aí eu acho que quase todo mundo que trabalhava com ele pensava o mesmo do chefinho amado.

Eu sei que você está sem trabalho, moleque. Que tal voltar para quem te descobriu? - parecia que ele tinha decidido ser direto. - Ou você vai ficar o resto da vida torrando dinheiro do papai?

— Parece um bom plano para mim, não acha? Só curtindo a mulherada que São Paulo tem a oferecer e não ter que levantar cedo no outro dia. - eu sabia que o meu tom condescendente fazia Natan ficar mais irritado.

Eu te conheço, garoto. Para de manha e, pelo menos, passe aqui para conversarmos direito.

— Tudo bem, mas amanhã que hoje eu já tenho compromisso.

Desliguei o telefone e, ao me virar para a entrada da Acácia, vi que Bento me encarava como se me julgasse.

— O que foi? - perguntei e ele balançou a cabeça como se quisesse evitar uma briga.

Peguei a vassoura e comecei a varrer a calçada da loja, porque eu realmente não sabia o que estava acontecendo ali.

 

— Então, o que faremos? - Malu me perguntou e eu quase gargalhei. Como se eu soubesse o que devíamos fazer!

— Bom, o mínimo a se fazer é ver se seu irmão aceitaria entrar num potencial embuste midiático comigo pela sua ONG. Depois, vermos como maximizar o lucro da Toca, minimizando o efeito nas nossas vidas. - Será que ela achava que eu sabia como contornar tão bem assim a imprensa? Eu era uma modelo, não assessoria de imprensa! Ela que nasceu no mundo dos famosos, não eu!

— Uma reunião com todos nós? - ela sugeriu animada. - Fabinho, Bento, meu pai, você e eu?

— Por mim. - dei de ombros. - Eu vou dizer isso para você agora e eu quero que preste atenção: eu vou fazer isso dessa vez porque é para crianças carentes. Não queira me usar como uma porta-voz de todas as suas causas para salvar o mundo, ouviu?

Foi estranho, porque a irmã do Fabinho me encarou profundamente antes de sorrir e assentir. Parecia que ela sabia mais sobre mim que eu mesma! O que, bem, não era impossível levando em consideração que eu estava em pleno processo de me encontrar.

 

Bento largou o alicate que usava na bancada assustando tanto eu quanto Wesley que regávamos as plantas.

— Wesley, por favor, fica sozinho um pouco na loja que eu queria conversar com o Fabinho na estufa. - eu o encarei, mas decidi seguir. Ele não me mataria na loja, porque não tinha espaço para fazer minha compostagem.

Giane tinha me dito.

— O que foi, garoto das flores? - perguntei e ele só balançou a cabeça em negação.

— O que você quer com a Giane? - ele foi direto na jugular e eu nunca pensei que ele teria tanta coragem.

— Isso não te diz respeito, diz? Ela é livre e desimpedida.

— E é minha melhor amiga. - ele ressaltou.

— Não te dá nenhum direito sobre ela, até onde eu sei. - cocei meu nariz ficando entendiado.

— Qual o seu problema? - ele parecia querer conter a fúria.

— Qual o seu? Porque você consegue ficar envolvido com a Malu e a Amora e agora está querendo marcar território na Giane. Que medo é esse de ficar sozinho nessa vida! - em retrospecto, eu não deveria ter debochado.

— Isso não tem nada a ver com a história! Eu só quero evitar que a minha amiga inocente se envolva com um playboy marrento que não faz nada o dia inteiro!

— Bom, eu não quero a minha irmã inocente envolvida com um florista que larga a sócia o dia inteiro sozinha, também! - eu tinha perdido a paciência. - Mas, tudo bem, eu ter minha vida tecnicamente ganha e não fazer nada é terrível, você fazer isso e não fazer a sua amiga ganhar seu pão, pode?

E eu ganhei outro soco naquela floricultura, vejam só vocês como é a vida. Dessa vez, eu pude revidar porque eu não era o único que merecia um soco. Bentinho das Flores estava precisando ser colocado em seu lugar.

Mal revidei o soco e recebi outro fazendo com que Bento e eu caíssemos no chão. Minha primeira briga na Casa Verde! Foi rolando no chão entre chutes e socos, que ouvi a voz de Malu às minhas costas gritando nossos nomes e o de Giane.

— Bento? Fabinho? - Giane soltou uma sequência tão colorida de palavrões (em umas três línguas diferentes, inclusive) que eu não pude deixar de rir. - Que merda é essa?

— Olha só sua inocente. - levantei e fui saindo da estufa.

— Não volta mais aqui! - Bento gritou e eu me virei abrindo o sorriso mais sarcástico que possuía.

— Mas agora é que eu volto! - retruquei e fui arrastado por Malu. Giane bufava furiosa.

— Nenhum dos dois sai daqui antes de eu fazer uma coisa! - ela gritou e Malu parou assustada.

Ela deu um tapa no rosto de Bento com toda a força e se dirigiu a mim dando um no meu rosto também. Doeu e eu soltei um palavrão. Então, ela acertou os ombros e saiu como se desfilasse enquanto gritava cretinos.

— Vocês mereceram. - Malu afirmou me arrastando de novo.

Não deixava de concordar com Malu.


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