Blood and Tears escrita por MrBornToLose


Capítulo 2
Sorrisos de Boneco


Notas iniciais do capítulo

"Todos pensam que nós somos perfeitos, por favor, não os deixe olhar através das cortinas" - Dollhouse, Melanie Martinez



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13 de Março, 1 9 4 0

Parte 1

Querido diário, hoje mamãe e papai brigaram. Ela disse pra ele que ele não podia trocar ela por uma piranha qualquer, eu não sei o que isso significa mas ele ficou muito irritado quando ela disse isso. Meu irmão estava num canto chorando, e eu estava em cima das escadas, muito assustada. Minha mãe jogou um vaso de flores no papai, mas não acertou. O vaso quebrou no chão e ele estava indo pra cima dela, mas meu irmão defendeu a mamãe. Papai ia bater nele, mas foi quando a campainha tocou. Todos fizeram silêncio, eu não entendi o porquê. Minha mãe nessa hora já tinha engolido o choro e esbanjava um sorriso antes de abrir a porta, e papai e meu irmão Miles tinham ligado o rádio e fingiam estar ouvindo atentamente. Era a nossa vizinha, Sra. Polosa, que tinha ido ver o que estava acontecendo, pois passou na frente de casa e ouviu barulhos estranhos. Mamãe soltou uma risada constrangida e disse para nossa vizinha que um gato havia entrado pela janela e quebrado o vaso. A Sra. Polosa olhou para trás da minha mãe, onde viu a “bagunça do gato” e meu pai e o Miles ouvindo rádio, que sorriram para ela quando perceberam que ela estava os observando. Quando ela foi embora, tudo voltou ao normal. Minha mãe pegou uma bebida, e desabou no sofá. Papai saiu de casa, xingando a tudo e todos, e mamãe disse que provavelmente ele não vai voltar hoje. Miles foi para o quarto, ele passa o tempo todo lá, mamãe diz que ele só quer curtir o barato em paz, mas eu não sei o que isso significa. Aquela cena não sai da minha cabeça. Mamãe parada na porta, papai e Miles, sentados com as pernas cruzadas, fingindo ouvir ao rádio. Todos com sorrisos no rosto. Não sorrisos de alegria. Sorrisos plásticos, de desespero. Como bonecos. Todos como bonecos que sorriem, pois não podem se mexer, mas não tem um real motivo para sorrir. Só fingimento. Eu vivo numa casa de bonecas. Com pessoas-boneco. Esbanjando sorrisos de boneco. Mas todos são podres por dentro. Mamãe sorri, mas só pensa em beber. Papai também sorri, mas só pensa em piranhas, segundo a mamãe. Papai e mamãe não gostam um do outro, mas tem medo do que a vizinhança pensaria se eles se separassem, então eles se beijam, e sorriem. Miles sorri, mas só sabe de curtir o barato. E eu sorrio, mas por dentro estou muito triste.

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18 de outubro, 1 9 6 3

06:28

Narrador: Cry Baby

Parte 2

A vizinhança acordava bela mais uma vez. Um lindo céu de azul gradativo do mais saturado até o mais claro surgia, deixando tudo mais bonito. As crianças da comunidade esperavam na varanda de suas casas pelo ônibus que as buscaria e as levaria para a escola. As mulheres, na porta de suas casas, se despediam dos maridos que se preparavam mais uma vez para sua jornada diária de conquistar o pão de cada dia. Os aposentados, todos reunidos, sentados nos bancos da praça, alimentando os pombos e lendo os jornais, me davam a esperança de que todos poderiam ser felizes. Era um dia perfeito de paz e tranquilidade. A vizinhança estava viva, como sempre. Era sexta-feira. Como de costume, era dia de ir ao mercado, fazer as comprar da semana. Desde a morte do meu marido, eu tenho sobrevivido do que ele deixou para mim, e de doações, as pessoas sabem como é difícil ser uma mulher adulta solteira na época em que vivemos, então se preocupam comigo. Mas andando até o mercado, vi algo que me chamou a atenção: um pequeno bazar de uma família na varanda de uma casa que estava tentando achar alguma utilidade para coisas que já não serviam para eles. Me interessei. Comecei a olhar os itens que estavam disponíveis para venda. Desde livros até panelas, nada me chamou mais a atenção do que uma casa de bonecas que estava ali. Eu devo ter olhado tanto para aquela casinha, que a dona do lar se aproximou de mim:

— Você gostou? É uma linda casa de bonecas. Era da minha filha Veronica, mas ela está em uma fase de achar que é velha demais para certas coisas, sabe como são os onze anos de uma criança, não? – Ela deu uma risada constrangedoramente alta, e continuou – Eu sou Madeline Pedfield, muito prazer.

Os Pedfield, eu havia ouvido rumores sobre aquela família. Rumores de que, a Sra. Pedfield estava sendo traída pelo marido. Meus filhos, Ted e Arnold, brincavam com os filhos daquela mulher, Bruce e Veronica, que sempre diziam odiar a mãe que tinham. Ela estava em uma família, mas ela não tinha uma família. Seu marido, suas crianças, ninguém gostava dela. Talvez ela não soubesse disso. Ou talvez soubesse, mas sabendo ou não, eu sabia quando alguém não era amado, e aquela mulher definitivamente não era. Mas não se preocupe, Madeline, eu sei como achar uma utilidade pra alguma coisa que não serve pra nada melhor do que ninguém, e apenas eu posso consertar você.

— O prazer é todo meu! – Respondi, com um sorriso simpático, e más intenções.

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18 de outubro, 1 9 6 3

17:49

Narrador Observador

Parte 3 – Final

Bruce e Veronica chegaram da escola. A porta estava semiaberta, o que não era estranho, pois a mãe costumava deixá-la desse jeito. O pai ainda estava no trabalho, e estava começando a escurecer. Ouvia-se It’s My Party de Lesley Gore tocando na rádio, e o som dos gafanhotos que significava que mais um dia estava terminando. A casa estava limpa e não se ouvia nenhum som de aspiradores de pó ou louças batendo, o que no caso significaria que Madeline estaria trabalhando no lar.

— Mãe? – Disse Bruce, sem obter resposta – Mãe, chegamos.

A Sra. Pedfield não respondia. Veronica estava começando a se preocupar, mas viu a sua mãe de costas, aparentemente lendo um livro no fim do corredor da casa, então relaxou. “Um lugar estranho para se ler”, pensou Verônica, mas apenas ignorou. Avisou Bruce, que se acalmou, mas estranhou o fato de que sua mãe não havia falado nada até aquele momento. Ambos subiram a escada em direção ao quarto que dividiam, e Veronica viu a casa de bonecas que tinha colocado à venda no bazar no canto do quarto, e as bonecas que deveriam estar dentro da casinha, todas espalhadas no chão.

— Nossa mãe é uma idiota – Disse, revirando os olhos.

Bruce se distraiu e não ouviu o que ela falou, mas se tivesse, concordaria. Veronica colocaria as bonecas de volta na casa, mas ao abri-la, viu a cabeça decapitada de sua mãe. Sangue manchava os móveis de brinquedo, e um cheiro nada agradável se espalhava pelo quarto. Ela começou a gritar, instigando a curiosidade de seu irmão, que se aproximou para ver o que a assustava, e, ao presenciar a cena, começou a gritar com Verônica. Em seguida vieram as perguntas.

— Mas como isso pode ter acontecido?!?

— Verônica, se acalma, se acalma, pode ser só uma brincadeira!

— Quem faria uma coisa dessas, Bruce? não é um trote, não é!

— Meu deus, a mamãe, a mamãe, a mam... VERÔNICA, ELA ESTAVA NO ANDAR DE BAIXO, LENDO UM LIVRO, VOCÊ MESMA VIU!

— BRUCE, VERDADE!

Saíram em disparada, descendo as escadas, para chegarem no corredor e avistarem-no vazio, sem nenhum rastro de que alguém esteve ali antes, se não por uma janela que não estava aberta no momento em que as duas pobre crianças sem mãe chegaram em casa. O dia virava noite, as cigarras cantavam mais alto, os maridos chegavam em casa, as crianças voltavam da rua, os irmãos corriam para o mais longe daquela casa que conseguissem, e assim findava-se mais um lindo dia.


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Notas finais do capítulo

Esse capítulo foi baseado em uma música que descreve perfeitamente a pequena comunidade "perfeitinha" (juro que darei um nome para esse lugar no próximo capítulo) onde acontece a trama da história. Tudo é perfeito por fora, mas dentro de cada pequeno detalhe existe um segredo que todos sabem, mas ninguém gosta de lembrar. Um lugar onde toda e qualquer coisa é banalizada em prol das aparências. Eu peço desculpas pela pequena demora para escrever esse capítulo, eu reescrevi ele pelo menos 6 vezes, mas apenas agora me agradou, e espero que agrade você, leitor, também.



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