Castelobruxo escrita por Vilela


Capítulo 6
Capítulo cinco - Dorteaqua




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           Era apenas o fim da primeira semana e Alex já se sentia sobrecarregado. Estava sentado em uma das mesas do dormitório com todos os deveres espalhados nela, enquanto decidia-se qual faria primeiro. Mateus e Nicolás já estavam dormindo, mas ele não achou prudente fazer isso. Tinha uma lista de personalidades mágicas das Américas que ele deveria colocar em ordem de acordo com os feitos, um parágrafo para explicar como era feito um envasamento seguro e algumas tarefas de poções. Isso porque eles ainda não tiveram aulas de feitiços, senão seria muito mais. Corria boatos de que a professora de feitiços estava desaparecida, ou que estava perdida na floresta. De todo o jeito, era bom que essa aula ainda não tivesse começado. Alex mantinha sua varinha guardada.

            Poções se tornara uma das piores aulas, mesmo com a presença de Sofia. Apesar do quinteto ser o mesmo, tiveram algumas aulas que tiveram de trabalhar sozinhos. Como na vez que, separando alguns ingredientes, cada um ficou encarregado de classificá-los com etiquetas adesivas. Alex encarou o ramo de planta seca na sua frente por pelo menos meia hora antes de tentar achar algo parecido no silabário de plantas mágicas (que tinha doze volumes). O professor de magizoologia os levara para um passeio ao redor do castelo no segundo encontro na quarta, e na quinta ele apresentara o primeiro animal que eles estudariam: joanota, a joaninha peluda.

            Tradições mágicas, que eles eram obrigados a assistir duas vezes na semana, era dado por Mervir, o bruxo que os recepcionara no primeiro dia. Ele gostava de trabalhar com listas e a maior parte das aulas ele passou dando nomes e datas para os alunos organizarem. Pelo menos eles estavam concentrando nas tradições latinas, o que era mais fácil para a maioria deles. Transfiguração era uma aula chata, com coisas demais para fazer em pouco tempo. Começaram tentando trocar a cor de uma tampinha de refrigerante, o que era muito fácil e Alex conseguira fazer apenas com o uso do seu anel. Depois tiveram uma aula sobre os tipos de transfigurações conhecidas pelo mundo mágico. Além disso eles ainda tinham aula de português ou espanhol, dependendo de sua nacionalidade. Essa era a única aula que Nicolás não tinha com os amigos, e eles estavam até se divertindo tentando aprender a língua estrangeira.

            Herbologia era de longe a matéria que Alex sabia mais. Por duas vezes tivera de corrigir a professora quando ela dera instruções que não eram tão eficazes quanto ela achava. O resultado foi ela passar a gostar dele de imediato, o que fazia ela parar em sua mesa por tempo demais para o gosto de Mateus. Ficava perguntando como Alex conseguira seu conhecimento, e de onde ele tinha vindo. Ficou encantada quando ele disse ser um bruxo errante, era o primeiro dessa comunidade a pisar em Castelobruxo em muitos anos.

            — Ela só fala português com você — reclamou Mateus.

            Até mesmo seus colegas se perguntavam se o totem tinha feito uma boa escolha para Alex. Ele não parecia nada confortável segurando a joaninha peluda, mas era de bom grado que mexia com as plantas. Uma garota até chegou a sugerir que ele procurasse a diretora, talvez ela tivesse como dar um jeito naquele problema todo. A maior preocupação de Alex naquele momento, entretanto, era sua falta de materiais.

            Alex encontrou a maioria dos livros didáticos na biblioteca subterrânea do castelo, mas ainda assim não desistira do plano de contatar seus pais. Amadeus contara que era fácil, só precisariam usar a rede de flu. Com o pó certo, que segundo ele poderia ser comprado na mão de um dos alunos mais velhos, eles poderiam acender uma fogueira e usar o pó para conversar com os pais de Alex. Só era preciso que eles tivessem pelo menos uma chama acesa na casa. Ele estava desesperado para poder pedi-los que mandassem tudo o que precisava. Ficou decidido que eles tentariam isso no mês seguinte, quando o comércio com o tal aluno começaria; até lá ele teria de se virar.

            Tinha terminado de colocar os nomes na ordem que ele achava mais importante (com Juan Carlos, o domador de dragões, na primeira posição), quando viu o relógio preso na parede: quase meia noite. Desistiu dos outros deveres e guardou suas coisas. Subiu as escadas e deitou na sua cama, que agora parecia completamente confortável. Não teve sonhos nessa noite, talvez porque estava cansado demais.

            O sábado amanheceu estranhamente nublado, pela primeira vez desde que chegaram em Castelobruxo não tinha um sol escaldante sobre suas cabeças. Estavam tomando café quando ouviram um burburinho sobre a chegada dos alunos gringos. Alex não sabia do que se tratava, mas quando uma garota gritou “Eles chegaram!”, decidiu que queria ver o que estava acontecendo. Se juntou aos alunos que saíam do castelo.

            — Eles chegaram mais cedo! — disse uma garota que estava perto o bastante. — Ouvi dizer que só seria mês que vem!

            — Não reclama, vamos correr para ver os meninos! — respondeu sua amiga.

            Mateus torceu o nariz para elas. Quando chegaram na porta norte do castelo, um número elevado de alunos já se amontoava lá fora. Observavam o que tinha acabado de pousar na terra bem em frente ao castelo: uma grande carruagem branca com pelo menos dez cavalos alados pousados na frente. A porta da carruagem se abriu e de lá desceu um homem bonito, mas com uma expressão séria. Atrás dele vários alunos vestindo vestes azul clara desceram os degraus para as propriedades da escola, todos com o mesmo olhar de espanto assim que viam o tamanho de Castelobruxo.

            A diretora abriu caminho por entre os alunos e foi ao encontro do homem. Cumprimentaram-se em voz baixa, mas ela falou em alto e bom som quando deu as boas-vindas aos alunos de Beauxbatons.

            — Beauxbatons? — Alex parecia surpreso. Sabia que era uma escola francesa, mas não que podiam viajar dessa forma. Entendeu então que aqueles eram alunos que estavam no último ano de sua escola e pretendiam estudar herbologia ou magizoologia. Estavam ali pelo intercâmbio, enquanto que outros tantos alunos de Castelobruxo foram mandados para a Europa.

            Ao todo eram quinze alunos, dos mais variados tipos. Pareciam completamente deslocados colocados ali no meio da floresta, mas mesmo assim eram fascinantes. Amadeus não compartilhava da mesma ideia.

            — Veio conhecer seu namorado francês? — perguntou a Mateus, zombando.

            — Não enche! — o irmão respondeu.

            — Aquele ali parece o seu tipo — Amadeus apontou para um garoto de cabelo e olhos claros encostado na carruagem.

            Mateus o ignorou e saíram dali antes que Amadeus pudesse dizer qualquer outra coisa. Os alunos de Beauxbatons mostraram-se muito cordiais. Não foram selecionados para designações, uma vez que para eles já estava decidido o que estudariam. Os do ramo da herbologia foram imediatamente adotados pelos pajuantes e os magizoologistas foram levados pelos veracostas para os dormitórios. Fez-se uma algazarra no dormitório e também no refeitório. Em pouco tempo eles já estavam se sentindo aceitos.

            Em todos os sábados depois do almoço o Deque do castelo ficava liberado para os alunos poderem passear. Esse era o único momento de recreação fora do castelo que eles podiam ter e normalmente os alunos não o desperdiçavam. Alex, Mateus e Nicolás decidiram que iriam com o restante dos alunos para conhecer o deque. Alex vestiu suas roupas costumeiras, o que era um alívio, e saíram pela porta norte. Passaram por baixo arco e entraram no caminho largo que levava ao deque. Não andaram muito e chegaram às margens do Rio Negro.

            O Deque era uma construção de madeira que se estendia até cinco metros por cima do rio, completamente reto. Ali, além de ser permitido a natação, era onde as aulas de magizoologia aquática aconteciam. Muitos dos alunos estavam na água, nadando ou em pé nas pedras nas partes mais rasas. Alex e seus amigos sentaram-se à sombra das árvores. Mateus tinha trazido uma mochila, de onde tirou três pares de botas, passando um para cada um.

            — Podem calçar — ele disse. Quando percebeu que os amigos não tinham entendido o motivo, ele continuou: — Nós vamos jogar Dorteaqua.

            Nicolás, assim como Alex, não sabia ao certo como se jogava Dorteaqua. Dessa forma, após calçarem os sapatos e tirarem as camisas, os três ficaram na beira do deque para ouvir as instruções de Mateus.

            — Uma bola de água, trinta segundos para tentar passar pelo oponente e colocá-la do outro lado e é proibido submergir — ele disse. — Entenderam?

            Fizeram que sim com a cabeça. Na prática, no entanto, as coisas eram mais complicadas. Primeiro porque os sapatos enfeitiçados para andar em cima da água eram difíceis de se acostumar. Assim que Alex ficou em pé na água, percebeu que as pequenas ondas da água e a força da correnteza o fariam desequilibrar. Fez de tudo para permanecer em pé, e foi quando acabou afundando. Não era fácil afundar com aqueles sapatos também. Alex ficou de cabeça para baixo na água, os pés para fora, enquanto Nicolás e Mateus tentavam tirá-lo puxando pelos tornozelos. Sentado no deque ele percebeu que algumas pessoas riam.

            Tentou novamente. Dessa vez Alex concentrou-se primeiramente em equilibrar-se, e para isso era necessário que ele se movimentasse. Pulou de um lado para o outro, espirrando água em Nicolás, até que se sentiu seguro o bastante para deixar a correnteza puxá-lo para partes mais fundas do Rio Negro. O argentino não tivera tanta sorte. Caíra pelo menos três vezes antes de conseguir ficar em pé como deveria. Mateus passou uns exercícios básicos para eles, como correr em cima da água e como patinar com os pés. Alex tinha a impressão de que estava em cima de uma daquelas esteiras dos trouxas, e suas panturrilhas começaram a doer por causa do esforço. Antes que pudesse voltar para o Deque, porém, um garoto do segundo ano chegou carregando debaixo do braço uma bola feita com a água escura e turva do rio.

            — Estão afim de uma partida rápida? — ele perguntou. Tinha quatro colegas atrás dele e todos pareciam ser experientes em Dorteaqua, a julgar pela forma como estavam parados sem se movimentar enquanto a água passava por cima de seus sapatos.

            — Estamos em número menor — disse Mateus, colocando a mão na água e pegando uma bola da mesma forma. — E esses aqui começaram a jogar hoje.

            — Não tem problema. Passo o meu melhor jogador para vocês e ficamos quatro a quatro.

            Mateus pensou por um instante, depois concordou. Um garoto alto do quarto ano passou para o time deles e eles se reuniram para discutir táticas. Nem Alex nem Nicolás foram consultados sobre querer jogar, mas também não fizeram frente. Até mesmo porque Alex não sabia se ia conseguir sair da água sem cair novamente.

            — Vamos jogar dois terços — disse Mateus.

            — Tá maluco? — o garoto do quarto ano disse. Mais tarde descobriram que seu nome era Roger. — Não tem como jogar dois terços sem ser múltiplo de três.

            Alex ficou confuso, não tinha noção de que para jogar Dorteaqua tinha que saber matemática.

            — Os dois valem por um.

            Roger olhou para Alex e Nicolás.

            — Tudo bem, mas tem que ser perfeito.

            — E vai. — Depois para os amigos: — Quando derem a partida, vocês dois corram direto para o que estiver segurando a bola, mesmo que ele passe ela a diante. Entendido?

            — Entendido — respondeu Alex.

            Ficaram em linha reta na água e Mateus disse que o outro time podia começar. O líder deles enfiou a mão na água e tirou uma bola. Pingando, ele passou a bola para o jogador do lado.

            — Um, dois, três... Já!

            O garoto que segurava a bola passou para outro jogador e Nicolás correu em sua direção de imediato. Alex o seguiu, um pouco atrasado, e os dois chegaram perto de impedir que ele passasse, não fosse pelo fato dele saber pular. Nem em um milhão de anos os garotos iniciantes imaginariam que seria possível dar impulso e saltar por cima da cabeça dos adversários. Alex quase não viu o que tinha acontecido, não fosse pelas gotas d’água que respingaram nele quando o garoto quase pisou na sua cara. Nicolás desequilibrou e quase caiu na água, mas Alex fora mais rápido e se virou para trás. Mateus e Roger tinham interceptado o saltador antes que ele pudesse marcar um ponto, roubando a bola da mão dele.

            Agora eles vinham revezando a posse da bola, que já estava bem menor em comparação ao que era. O líder disse “droga” quando percebeu que não seria capaz de pará-los, uma vez que os dois passaram por entre Alex e Mateus e marcaram um ponto. Mesmo sem ter tido participação consciente no que acabara de acontecer, Alex e Nicolás comemoraram o ponto. O outro time não se deu por vencido. Descobriram a tática de eliminar um jogador, ou dois no caso, e manter dois ativos, e passaram a impedir que eles usassem Alex e Nicolás sempre que possível. Em Dorteaqua era proibido correr na direção da sua área, os movimentos eram sempre para frente. Dessa forma, Alex sempre ficava preso do outro lado esperando que Mateus desse um jeito de fazer o ponto.  

            Toda essa experiência com o esporte mágico teria sido muito vergonhosa, não fosse pelas habilidades de Mateus e Roger. Eles conseguiam ficar em pé na agua sem problemas e além disso, tinham a tendência a derrubar os adversários devido aos músculos. Mateus também era adepto aos saltos, e só era permitido que um jogador assumisse esse papel, uma vez por lance. O jogo terminou com o total de 72 pontos para o time dos garotos e 88 para os adversários. Apesar disso, Mateus parecia feliz.

            Os três saíram da água e voltaram para a sombra, cansados, mas satisfeitos.

            — Vocês ouviram? Eles me chamaram para treinar com eles sábado que vem — disse Mateus, enxugando o rosto com uma toalha. — Vocês também não foram tão ruins.

            Aquilo era mais que um elogio. Alex não se lembrava de um momento na vida em que se sentira tão incapaz quanto naquele jogo. Voltaram ao castelo rindo e brincando, Mateus não parava de caçoar de Nicolás, citando suas pernas finas que não paravam de tremer com a correnteza. Quando chegaram na clareira o sol tinha finalmente saído e o calor era reconfortante. Mas algo estava errado. Na frente do portão norte várias pessoas estavam paradas novamente em um semicírculo, dessa vez de frente para o castelo.

            — O que foi dessa vez? — Alex perguntou.

            Aproximaram e viram uma garota caída lá no meio, as pernas num ângulo terrível. Estava desacordada e não parecia estar respirando. Um garoto estava ajoelhado ao lado dela, com a varinha na mão e uma cara de desespero.

            — Afastem-se! — gritou um professor. Ele saiu do castelo e os garotos puderam ver que era Ruben de venenologia.

            — Ela se jogou — disse o garoto perto dela. — Eu disse para não fazer, mas ela não quis ouvir. Ela se jogou!

            Os alunos começaram a cochichar e a cutucar uns aos outros. Alex olhou para cima e viu os degraus de pedra de Castelobruxo descendo até a altura do marco da porta.

            — Ela se jogou da escada? — perguntou, pasmo.

            — Foi — uma garota ao seu lado respondeu. — Eu estava aqui quando aconteceu. Não fosse o namorado dela usar um feitiço, eu acho que ela estaria morta agora.

            Ruben tirou a varinha do robe e a garota começou a levitar.

            — Você vem comigo — ele disse para o que parecia ser o namorado da garota. — Vamos levá-la para a enfermaria.

            Entraram no castelo e a multidão se dissipou. Alex tornou a olhar para a escadaria e se perguntou o que teria feito aquela garota se jogar de lá de cima. Com um clima de tragédia, os garotos entraram no castelo em seguida.


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