Castelobruxo escrita por Vilela


Capítulo 16
Capítulo quinze - Reuniões secretas




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            Alex abotoou o último botão da camisa e saiu do dormitório sozinho. Desceu as escadas e passou pela lateral do jardim principal, descendo a escada escura que levava para a área subterrânea do castelo. Andou devagar, mas tinha certa urgência em chegar logo na biblioteca. Entrou pela porta do meio, passou pelos alunos estudando e foi até a área das mesas de grupo. Apenas Sofia já estava lá, com o cabelo preso e os olhos fixos nas anotações do seu caderno. Ele sentou-se ao lado dela e apoiou a cabeça na mão.

            — Já tem muito tempo que você está esperando? — ele perguntou.

            Sofia fez que não com a cabeça. Ela levantou o olhar pela primeira vez desde que Alex chegou e observou o outro garoto sentar-se na cadeira ao lado: Ronan. Um a um os outros foram chegando. Mateus foi o último e ele veio com uma cara de derrota. Ao seu lado estava Amadeus, com um sorriso quase diabólico. Eles se sentaram.

            — Ele descobriu, não sei como — Mateus se defendeu.

            Sofia não fez objeções. Um garoto a mais ou a menos não faria diferença. A primeira coisa que garota fez ao iniciar aquela reunião foi colocá-los a par da lenda, com seus detalhes e peculiaridades.

            — A lenda começa num vilarejo distante no interior do Peru — ela começou. — Um casal de bruxos tinha acabado de se mudar para a região montanhosa, com seus dois filhos. Eles compraram uma casa aconchegante fora do vilarejo, mesmo tendo ouvido as histórias que os trouxas contavam sobre os perigos do bosque que começava bem atrás da propriedade. Como bruxos que eram, eles acharam que era apenas algum elemento mágico simples que assustava os trouxas. Não podiam estar mais errados.

            “Os primeiros dias foram maravilhosos. Eles bebiam da água que brotava numa mina ali perto, criavam e cultivavam os próprios alimentos, e usavam suas magias como bem entendiam. Mas o inverno chegou, e àquela altitude era impossível sobreviver sem uma boa fogueira à noite. Foi quando o pai entrou na floresta pela primeira vez atrás de lenha. Ele demorou para voltar e sua esposa ficou preocupada. Foi encontrá-lo desacordado no chão, sem se lembrar de como caíra ou o que tinha feito antes daquilo. Quando já estava em casa, ele lembrou-se de ter ouvido um assobio longo e melódico, o qual ele respondeu com seu próprio, achando que era um pássaro.

            “Dias depois e os problemas começaram. Os filhos eram pequenos e não estavam preparados para o que viram numa tarde fria. O pai deles se enforcou com as próprias roupas dentro do próprio quarto. A família entrou em desespero, queriam ir embora daquela casa, mas por algum motivo não conseguiram. Um a um, todos da família ouviram o assobio e morreram naquela casa. Desavisados, os aldeões não souberam de nada. E el Tunchi, agora bem alimentado de quatro almas desesperadas, estava forte o bastante para assumir a forma humana da mãe e andar livremente entre os trouxas.

            “Esse povoado não existe mais, pois a desgraça e a desolação foi trazida para eles pelo Tunchi. Disfarçado, ele entrou nas casas e ganhou a confiança das pessoas fingindo-se de vítima. Construiu a lenda ao redor dele mesmo e a partir do momento em que todos caíram no caos e no medo, ele se tornou mais forte, com novos poderes. Ele se alimentou o quanto quis, as pessoas morriam de bom grado tamanho o temor. Em um ano el Tunchi conseguiu destruir o vilarejo, sempre assumindo a personalidade de outra pessoa, induzindo-as a se matarem ou a cometerem suicídio. O problema de un Tunchi, no entanto, é que ele pode se tornar bastante vaidoso.

            “Em raras as ocasiões un Tunchi chegou tão longe quanto aquele. Normalmente essas criaturas não saem da floresta, pois sua existência está fortemente atrelada às sombras. Mas quando eles têm sucesso nisso, a sensação é tão boa que eles passam a achar que são invencíveis. Apesar de ter controle sobre as pessoas do vilarejo, el Tunchi errou ao revelar sua verdadeira forma. No momento em que um mortal fica sabendo da verdade, ele não é capaz mais de se segurar em sua forma humana. É quando ele é impelido a mostrar sua verdadeira forma, tão horrenda e agressiva que fica difícil sustentar o olhar.

            “Un Tunchi, como a maioria das criaturas das trevas, não pode ser morto facilmente. Segundo a lenda, apenas um bruxo foi capaz de trazer o Tunchi daquele vilarejo à morte. Quando isso aconteceu, no entanto, o estrago já tinha sido tamanho que ninguém superou. As impressões dessa entidade são tão fortes que podem ser sentidas no local anos após a sua partida.”

            — Um livro de terror — disse Amadeus, ainda sorrindo.

            — É bem parecido com o que está acontecendo aqui — disse Ronan, ignorando o outro veracosta. — O assobio, o caos, os ataques...

            — Sí — disse Sofia. — Eu acredito que estamos na terceira parte da lenda, quando el Tunchi sai da floresta e assume uma forma humana.

            Eles se entreolharam. Alex estivera pensando naquilo por tempo demais. Não tinha por que duvidar que alguém em Castelobruxo era el Tunchi. Isso o fez desconfiar principalmente das pessoas que conhecia. Na noite anterior ele foi dormir pensando no que faria se descobrisse que Mateus ou Nicolás era a entidade. Mas depois se tocou que ele também podia ser el Tunchi. Se fosse, ele teria consciência disso? Ou o ser agiria debaixo da superfície? Por algum motivo ele não estava certo de nada. Lembrou dos seus sonhos, da forma como eles o levaram à lenda. Engoliu em seco e não comentou nada a respeito disso com os demais.

            — Se ele saiu da floresta — disse Mateus, — ele já está na forma humana, não é?

            — Pera, pera — Amadeus levantou a mão antes que Sofia pudesse responder. — Vocês estão falando sério?

            — Ninguém te chamou aqui, Amadeus — respondeu Mateus. — Pode ir embora.

            — Não chamaram mas eu sabia que tinha alguma coisa rolando. Então é sério? O Tunchi existe de verdade?

            — Existe — disse Alex.

            — Então ele pode ser qualquer um de nós? — Amadeus olhou para eles sentados à meia luz na biblioteca. — Até mesmo você!

            Ele apontou para Sofia. Ela permaneceu calma. Alex já tinha pensado nisso, mas preferiu não insistir. Era ruim demais para acreditar.

            — O fato é — disse João à Amadeus, entrando no assunto — essa reunião não é para discutir se acreditas ou não. Estamos aqui para descobrir quem ele é.

            Amadeus não discutiu.

            — O que a lenda diz sobre como descobrir quem ele é? — perguntou Ronan.

            — No disse nada — Sofia foi sincera. — Eles só descobriram porque el Tunchi se revelou.

            — Então se ele não disser nada, ninguém nunca vai saber? — perguntou Alex.

            — Provavelmente. Mas eu acho que isso não é tudo.

            — Como assim? — João quis saber.

            — Yo penso que tem uma forma de descobrir. Mas isso vai levar tempo. Por enquanto, temos que concentrar em outra coisa. — Sofia passou o caderno para Alex ao seu lado, e fez um gesto para ele passar adiante depois de ler a pequena lista que ela tinha feito. — Esse é o padrão dos ataques.

                        - Local com muita gente;

                        - Contato recente com a floresta;

                        - Ter algum tipo de medo.

            Quando Ronan leu a lista, ele imediatamente disse:

            — Como assim medo?

            — As pessoas atacadas ou estavam com medo ou passando por algum tipo de estresse grande — respondeu Sofia. Ronan fez uma cara de surpresa e Alex sabia que aquilo fazia sentido de alguma forma, afinal ele era bem próximo de Amélia. — El Tunchi age nos emocionalmente abalados.

            Amadeus deu uma olhada de relance na lista e passou para Mateus.

            — Eu acho que nós deveríamos ficar atentos para essas características para evitar novos ataques. Principalmente agora que el Tunchi parece estar mais poderoso.

            — Então sempre que tiver muita gente reunida, nós devemos ficar de olho? — perguntou Mateus.

            — Sim. É o que podemos fazer por enquanto, pelo menos até eu decidir o que fazer com o meu plano para descobrir sua identidade.

            — Pera, e quem disse que você é a líder? — Amadeus não estava convencido.

            — Ninguém está te obrigando a ficar, Amadeus! — disse Mateus, alto demais. — Pelo tridente de Netuno enfiado no...

            Dias mais tarde Alex estava sozinho no dormitório. Estava com o papelzinho no colo e o leu à luz dos archotes. Os amigos estavam no refeitório àquela hora e ele aproveitou para responder o bilhete dos pais. Eles estavam preocupados, pois a situação de Castelobruxo enfim viera à tona. Seu pai estava à beira de ir buscá-lo e pela primeira vez Alex não achou que aquela fosse uma ideia tão ruim assim. Aquele primeiro semestre fora muito diferente do que ele tinha imaginado. Escreveu dizendo que estava tudo bem, que com certeza as coisas se ajeitariam em breve, mas sentiu a incerteza nas palavras. Também avisou que aquela era a última pitada do pó de flu, portanto ele voltaria a estar incomunicável. Isso não era verdade, mas ele preferia não ter de respondê-los mais.

            Uma segunda reunião fora convocada naquela semana, onde Sofia expressou a necessidade de manterem aquilo em segredo. Ela olhava principalmente para Amadeus, pois não confiava nada nele, e para Mateus, que tinha começado o boato del Tunchi. Também aproveitaram para planejar o que fariam no domingo seguinte, o primeiro domingo de junho e o dia do encerramento do período. Normalmente nesse dia fazia-se uma festa pequena para os alunos, e todos eles se reuniam no salão da ala leste do castelo, para se divertir. Foi decidido que com certeza um ataque aconteceria naquela noite.

            Quando a hora chegou, então, os sete se espalharam no salão, que era tão grande quanto o refeitório. Ficou difícil se concentrar, entretanto. Uma música alta estava tocando, uma banda que Alex não conhecia, e os adolescentes dançavam muito juntos no meio do salão. Ele estava escorando perto da mesa com a comida, segurando o cabo da varinha dentro do robe e o anel no dedo. Viu do outro lado Mateus conversar com uma garota do primeiro ano, e mais à frente João estava atento ao movimento. Todos estavam ali prontos para impedir qualquer pessoa de fazer o que quer que fosse.

            Alex suava frio sempre que alguém falava alto demais, ou quando as meninas gritavam animadas. Ele tinha a estranha sensação de que ia acontecer a qualquer minuto, e caso piscasse seria tarde demais. Amadeus não parecia compartilhar da mesma preocupação, no entanto. Ele veio meio dançando, meio andando, e pegou um salgadinho da bandeja mais próxima de Alex.

            — O que você está fazendo aqui?

            — Me divertindo — Amadeus respondeu, de boca cheia. — Eu sei, eu sei... eu devia estar lá na frente perto da janela. Mas estamos sob ameaça de um lendário monstro comedor de almas! Eu vou me divertir enquanto posso.

            Ele se afastou, ainda dançando. Momentos depois houve uma confusão no meio do salão. As pessoas ficaram dividas entre sair correndo e ver o que tinha acontecido. Alex chegou lá o mais rápido que pôde. Ronan tinha acabado de estuporar uma garota e ela estava caída no chão do salão. Antes que eles pudessem dizer qualquer coisa, entretanto, Wellington chegou ao local.

            — O que está acontecendo aqui? — ele perguntou. — Por que você atacou essa garota?

            — Ela tirou a varinha! Ia atacar alguém! — Ronan tentou se defender.

            — Ia nada — Wellington se ajoelhou ao lado da garota. — O que tem de errado com os alunos dessa escola?

            — Vem — disse Amadeus, pegando Ronan pelo braço.

            — Espera aí rapaz! — disse o auror, mas eles não esperaram.

            Alex os seguiu e só então percebeu que Nicolás, Sofia, João e Mateus também estavam com eles. Os sete passaram apressados pelos corredores, sem darem uma palavra. Quando chegaram na porta da biblioteca, já fechada para as reservas, Amadeus mostrou um pedacinho de papel enfeitiçado. As portas se abriram e eles entraram. Com a festa acontecendo lá em cima, a biblioteca estava mergulhada no verdadeiro silêncio. Eles se sentaram na mesa de antes e Nicolás foi o primeiro a falar.

            — Yo oí!

            — Eu também — disse Ronan. — Um assobio.

            — Vocês viram quem assobiou? — perguntou Sofia.

            — Claro que não — Amadeus estava nervoso. — Eu também ouvi. Cara, aquilo parecia um apito! Pelo menos metade daquele salão ouviu!

            — Estamos perdidos! — exclamou Nicolás. — Yo respondi!

            Alex olhou para o argentino, surpreso. Eles não fizeram comentários, todos sabiam o que aquilo significava. Sofia esfregou os olhos, mas Alex não sabia dizer se ela estava chorando.

            — A menina não ia se matar — disse Ronan. — Eu juro. Ela ouviu o assobio e virou para atacar alguém, eu não sei quem!

            Ficaram em silêncio por algum momento.

            — Então... — disse Mateus. — Então isso quer dizer que... el Tunchi estava lá naquele salão. Ele ainda pode estar lá!

            — Meu plano não funcionou — disse Sofia.

            A garota tinha feito uma poção reveladora e quebradora de encantos. Com ajuda de Nicolás, ela colocou o líquido prateado feito mercúrio nas bebidas e certificou-se de que todos bebessem, inclusive o grupo deles. Concluiu que das duas uma: ou el Tunchi era resistente, o que era bem provável, ou sua poção não fora forte o bastante. De qualquer forma, tinha de pensar em outra para conseguir revelá-lo. Plano esse que ela pôde por em prática durante os próximos dias, pois aquele não foi o único ataque que o grupo impediu.

            Houve um dia em que no refeitório João impediu um garoto de acertar o outro com a faca. Todos ficaram tão assustados que depois disso passaram a levar comida para os dormitórios. Ninguém queria mais ficar na presença de muita gente, principalmente desconhecida. E nesse meio tempo a ausência de Raira só tornava as coisas piores. De acordo com a carta de seus pais, Alex sabia que ela estava conversando com a comunidade bruxa. Mas ainda assim ele achava que eles precisavam mais dela ali dentro. Ruben estava fazendo um bom trabalho como diretor, mas isso não era o suficiente. As aulas se tornaram impraticáveis; Leonino já havia desistido há muito de obrigar os alunos do primeiro ano a entrar na floresta, e Mervir era interrompido o tempo todo para responder perguntas envolvendo el Tunchi.

            Nicolás era o mais preocupado deles. Na noite do encerramento, ele se esquecera completamente do que não deveria fazer. Quando ouviu o assobio, olhou ao redor perguntando quem tinha feito aquilo, a varinha em punho. Agora ele não desgrudava de Mateus e Alex. Ele estava certo de que seria atacado, por isso os amigos tinham de estar prontos para impedi-lo da melhor forma que conseguissem. Amadeus não acreditava que aquilo fosse acontecer, e  João e Ronan não estavam se importando muito; Sofia era a única que concordava plenamente.

            — Ele vai ser atacado — disse ela para Alex, em voz baixa. — Fique perto dele, Alex. Y observe tudo. A gente tem que saber como essas coisas acontecem se queremos pegar quem faz isso.

            Alex consentiu. Estava com medo pelo amigo, por isso ele e Mateus revezavam mascando o chiclete de Nicolás para ficarem acordados à noite de vigia. Isso de fato aconteceu, mas alguns dias depois do assobio na festa. Estavam em uma das reuniões secretas, em um dos jardins menos frequentados do castelo. Sofia falava sobre os padrões, tinham acrescentado algumas características a ele. Em um momento, repentinamente, Nicolás se levantou do banco e sacou a varinha. Imediatamente Alex também sacou a sua, e os outros o seguiram.

            — Nico! — chamou Mateus. — Os olhos dele...

            Todos perceberam como os olhos de Nicolás focalizavam algo muito além. O argentino moveu o braço e um lampejo verde clareou o jardim. Amadeus impediu o feitiço de acertar Sofia, e contra-atacou. Nicolás defendeu-se e passou a atirar maldições da morte a esmo, alguns deles acertando o chão e as plantas. Alex defendeu-se o máximo que conseguiu, e somente Amadeus e Ronan conseguiam fazer isso e ao mesmo tempo atacar. Por fim conseguiram imobilizar Nicolás. Já no chão, ele ainda continuava olhando para o nada.

            Ofegantes, eles não tiveram tempo de decidir o que deveriam fazer, pois pela segunda vez Wellington aparecera. Um dos alunos que estava no jardim foi correndo chamar os aurores, e os dois vieram correndo.

            — Você de novo? — perguntou Wellington, olhando para Ronan. Depois olhando para João: — E você também! Por que vocês estão sempre envolvidos nessas coisas?

            — O que aconteceu? — perguntou Ingrid. Quando ela se abaixou para ver o estado de Nicolás, ele já estava desacordado.

            — Todos vocês! — Wellington gritou com eles. — Eu quero interrogar os seis!


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