Castelobruxo escrita por Vilela


Capítulo 12
Capítulo onze - Raízes tentaculares




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            Nos dias que se seguiram, Castelobruxo ficou efervescente como um caldeirão. Os rumores só cresciam e com eles o medo. Após aquele encontro fatídico com a-garota-que-se-jogara-da-escada na noite dos duelos, a escola tinha mergulhado nas mais loucas das suposições. Às sombras da ignorância, entretanto, qualquer coisa podia fazer sentindo. A verdade era que Alex, Mateus e Nicolás eram os únicos que sabiam de fato o que tinha acontecido, além do namorado de Amélia. Eles sabiam como a garota tinha assumido um papel estranho e enfrentara a professora quando ela tentara pará-la. E a pedidos da própria professora Margarida, não contaram a ninguém os detalhes. O restante dos alunos não, e nesse espaço as especulações ganharam vida.

            — Isso só pode ser obra de um bruxo das trevas! — disse uma garota fofoqueira no dormitório de veracosta, para quem quisesse ouvir. — Sem controle sobre suas ações e sem memória quando acorda, isso é efeito de uma maldição imperdoável. Imperus!

            Alguns concordavam, claro, era bastante razoável.

            — Imperus?! — disse um outro aluno, esse já no refeitório. —E quem aqui amaldiçoaria uma aluna? Ela não fez nada demais. Isso tá me cheirando a possessão! Tem algum espírito solto nesse castelo, e ele com certeza está possuindo os alunos.

            — Os fantasmas foram exilados de Castelobruxo em 1763 — respondeu uma garota do último ano.

            — Não estou falando de fantasmas, e sim de espíritos.

            Ninguém pareceu se preocupar com a diferença, mas o segundo nome causava de fato um arrepio. Foi por causa desse rumor que alguns alunos exagerados começaram a andar com folhas de capim-marreta penduradas no pescoço, a fim espantar as más energias. Até mesmo Nicolás passara a colocar uma folhinha debaixo do travesseiro, não se podia brincar com essas coisas.

            Mateus não estava nem aí para esses rumores. Não acreditava que pessoas podiam ser possuídas, muito menos que alguém estivesse usando uma maldição imperdoável ali, num dos lugares mais supervisionados da América do Sul. Entretanto, ele também estava com medo. Ele dizia que fora o único a reparar nos olhos de Amélia, na forma como eles estavam sem vida e não focalizavam nada. Ele passou a checar seus olhos no espelho todas as noites, só para não ser pego de surpresa qualquer dia desses. O teste para apanhador da Goleeira acabou sendo marmelada e um garoto do último ano fora escolhido; Mateus estava tão nervoso com essa história que picotou a camisa do time toda com o mesmo feitiço que vira seu irmão usar no duelo.

            — Você tem visto Amadeus? — perguntou ele para Alex.

            — Não. — respondeu Alex. — Nem o João.

            A verdade era que, mesmo se Alex os tivesse visto, não teria se lembrado de qualquer maneira. Ele estava preocupado, mas não era um com espíritos, bruxos das trevas ou suicídios. Uma noite após o último ataque ele recebera uma carta que o fez reconsiderar toda a sua vida em Castelobruxo. Estava passando por um dos corredores quando de um archote caiu um papelzinho dobrado. Ele o desdobrou e arregalou os olhos quando percebeu que era a letra de seu pai.

            Ainda aguardo sua resposta. Sua mãe está aflita, eu não posso mais segurar o Conselho e você tem que me dizer a verdade, antes que eu tenha que tomar uma medida mais drástica. O que você estuda nessa escola?

            Adamastor Maciel.

 

            Passara os próximos dias tentando decidir o que deveria responder. Pensou em escrever uma carta dizendo a verdade, sobre como não tivera escolha. Chegou a começar, mas depois descobriu que isso ia ser a mesma coisa de pedir para que o buscassem. Mesmo estudando magizoologia, ele não queria ir embora. Pelo menos não agora. Cogitou também escrever uma carta dizendo que abria mão de sua tradição, e com elas os privilégios de ser um errante.

            Isso significava que ele não poderia mais entrar nas vilas, muito menos participar das cerimônias. Estaria sujeito então às leis dos bruxos comuns, o que ele não sabia como funcionavam. O Parlamento Bruxo não tinha muito controle sobre a comunidade errante, e Alex gostava disso. A última carta que escreveu parecia ser a única que continha verdade e também fazia ele ganhar tempo para lidar com aquela situação. A ideia viera de Sofia.

            — Por que não conta que estuda herbologia conmigo? — ela disse.

            Parecia que ia funcionar. Então ele escreveu dizendo que não estudava oficialmente herbologia, que ele não tivera escolha, mas que sim, estava aprendendo a matéria com uma professora. Não mencionou que ela também tinha quatorze anos. Dobrou o papelzinho e salpicou pó de flu nele; em seguida jogou na chama de um dos archotes do dormitório dizendo o seu endereço. Esperava que aquilo funcionasse.

            — Você realmente acha que seu pai tem coragem de vir aqui te buscar? — perguntou Mateus. Eles estavam na floresta numa aula de magizoologia terrestre. Leonino tirava um cochilo em pé em uma das árvores, por causa da lama no chão, enquanto os alunos achavam sapos e espremiam suas gosmas dentro de baldes de madeira. Segundo o professor, aquela era a única época do ano para a ordenha do muco usado em diversas poções.

            — Você não conhece ele. Aposto que ele já deve estará com a viagem planejada. — Alex achou um sapo extremamente gordo e feio e pegou-o pela barriga. Espremeu-o como se fosse feito de borracha, o muco escorrendo pelos seus dedos para dentro do balde que ele e Mateus estavam dividindo.

            — Mas ele pode fazer isso? Eu quero dizer, todo o bruxo que ganha uma vaga em Castelobruxo tem o direito de estudar.

            — Eu sou um bruxo errante, para mim é diferente.

            Mateus assentiu.

            — Ei, ei, ei! — gritou Leonino para Mateus. — Isso não é um sapo-mucoso, Mateus.

            O garoto largou o que estava apertando na hora.

            — Isso vale para todos vocês: o muco só deve ser extraído dos sapos com manchas azuis no dorso, os outros não!

            — Professor — disse um garoto baixo, raspando o erre na garganta. Ele vestia o uniforme costumeiro de Beauxbatons e parecia ser bem mais velho que os demais. — Non tem mais sapos aqui.

            Leonino conferiu. Realmente, onde estavam todos os sapos-mucosos já estavam sendo ordenhados.

            — Muito bem, você pode se afastar um pouco, não tem problema.

            — Je ne vais jamais! — respondeu o garoto, alto demais, olhando em volta.

            — Na minha aula eu só aceito português ou espanhol — Leonino falara mais alto do que ele.

            — Non vô sair daqui. Non sais qu’esconde na florestá!

            — HA-HA! Mas é exatamente para isso que vocês vieram para o Brasil, não é? Para descobrir. — Leonino ia se virar para continuar seu cochilo, mas o aluno francês não tinha desistido.

            — Nós podemos morrir!

            — Morrer? Certamente. — Leonino escorou na árvore novamente. — Mas não é muito diferente do cenário que vocês têm na Europa, com a volta de Voldemort e tudo.

            O garoto ficou paralisado, Alex e Mateus também. Fora a primeira vez que ouviram um professor falar abertamente do bruxo das trevas, e era um tanto assustador.

            — Agora faça o que eu estou pedindo na minha aula, ou pode voltar para seu país.

            Leonino fechou os olhos e não demorou muito para voltar a dormir. Logo os sapos de Mateus e Alex estavam secos e muito menores do que antes, então eles se afastaram da área principal da aula e entraram um pouco mais adentro na floresta. Não encontraram os sapos certos, por isso continuaram andando. Iam conversando e quando se deram conta já estavam longe demais.

            — Vamos voltar — disse Mateus.

            — Espera.

            Alex tinha achado um sapo. Pegou-o e o espremeu, enquanto Mateus olhava em volta, um tanto desconfiado. Foi quando ouviram vozes e Nicolás apareceu de trás de uma árvore à esquerda acompanhado de outro garoto. O nome dele era Juan, outro argentino.

            — Menos mal! — disse Nicolás. — Pensamos que nos habíamos perdido!

            — Não fica tão feliz. A gente não sabe o caminho de volta — admitiu Mateus.

            Quando Alex finalmente conseguiu secar seu sapo, eles começaram a voltar para perto do professor. Alex tinha certeza de que estavam andando na exata direção contrária da que tinham vindo, mas não acharam nem o professor nem os colegas de classe. Só pararam de andar, entretanto, quando perceberam que estavam na frente de um barranco bem íngreme.

            — Vamos subir? — disse Juan. Ele era tão magro quanto Nicolás, mas bem menos aventureiro. Começou a escalar segurando no mato rasteiro, mas seus pés deslizavam muito.

            — Não, nós não passamos por barrancos no caminho para cá — disse Mateus. — Esse não é o caminho certo.

            — Nós passamos por dois barrancos — disse Nicolás, seguindo o segundo argentino.

            Por fim eles não discutiram e os quatro subiram, Alex e Mateus tendo de içar Juan para cima; a partir de então Alex concluiu que estavam completamente perdidos. Suas calças estavam sujas na altura dos joelhos, e os quatro sacaram as varinhas. Eram todos do primeiro ano com pouquíssima experiência, mas conheciam as histórias de quem acabava perdido naquela floresta. Quase sempre essas histórias terminavam com alguém sendo preso, engolido, mastigado, digerido ou sugado. Mateus ia na frente, apontando a varinha para qualquer folha se mexendo ao vento, enquanto os outros vinham atrás, tão nervosos quanto ele.

            Caminharam por meia hora. Aquilo seria extremamente familiar para o Alex caso fosse noite e ele estivesse sozinho. Não sabia o que faria se seus pesadelos se tornassem realidade, porque eles nunca acabavam bem. Enquanto agradecia por ter os amigos ali com ele, Alex percebeu que se continuassem andando eles ficariam mais perdidos do que estavam.

            — Esperem, vamos parar aqui — pediu. — É melhor a gente ficar parado no mesmo lugar do que andar para mais longe.

            Nicolás olhava em volta, ele achava que poderia se lembrar de algum detalhe para ajudar no retorno. Mas nenhum deles era muito bom com localizações; ele desistiu e colocou um chiclete novo na boca. Acabaram sentados em um tronco caído coberto de musgo, enquanto tentavam pensar em uma solução para sair daquele problema.

            — Esse professor é um idiota! — xingou Mateus. — Que ideia deixar a gente se distanciar dele nessa floresta! Agora com certeza ele já deve estar voltando para o castelo.

            — Ele no iria voltar sem a gente — disse Nicolás.

            Juan a essa hora já estava à beira das lágrimas, o mais sensível deles. Alex tirou o anel do bolso e colocou no dedo. Diversas vezes ele vira o pai se orientar usando um de seus anéis, o da pedra roxa. Infelizmente o que ele ganhara não tinha esse tipo de poder. Nenhum deles conhecia tampouco um feitiço de bússola. O jeito era ficar esperando ali sentados até que alguém os achasse, antes que outro tipo de ser o fizesse.

            Alex apoiou a mão no tronco e percebeu que ele era liso demais. Arrancou os musgos, curioso, e não foi madeira apodrecida que encontrou, mas pedra. Levantou-se e olhou para trás: o que parecia ser apesar uma árvore muito grande na verdade era a ruína de alguma construção antiga, já coberta de vegetação. Pulou a pedra onde estava sentados e foi até a ruína. Afastou algumas folhas secas e viu que aquela pedra era idêntica às da parte de fora de Castelobruxo.

            — Mateus, dá uma olhada.

            O amigo se levantou e foi ver o que Alex tinha achado.

            — A gente só pode estar perto do Castelo — eles concluíram.

            Na hora seguinte, os quatro garotos ficaram ali perto daquele banco improvisado. Ora sentados, ora andando ao redor do local, estavam quase perdendo as esperanças quando algo fantástico acontecera. Começou com um barulho de galhos se quebrando e atrito de folhas, até que de fato veio à superfície o que estava acontecendo: as raízes das árvores estavam emergindo do solo da floresta.

            Os quatro puseram-se de pé enquanto o solo se abria em rachaduras pequenas e elas apontavam, como tentáculos, de lá de dentro. Fazendo um barulho arrepiante, as raízes enrolavam umas nas outras em um padrão até bonito. A meio metro do chão, elas param de se mover, apenas ondulando no ar.

            — Espera un poco... — disse Nicolás. — És um camino!

            E de fato era. As raízes se agruparam de uma forma ao redor das árvores que, se olhassem de certa perspectiva, elas estavam bloqueando as laterais e deixado apenas a frente livre. Sem pensar duas vezes, os quatro garotos começaram a andar naquele caminho.

            — Vamos ter cuidado — disse Alex.

            — Não precisa — Mateus estava sorrindo. — Eu já ouvi falar disso. Sempre que alguém se perde, Castelobruxo dá um jeito de mostrar o caminho de volta. As nuvens formam desenhos, as paredes se abrem no castelo, e parece que a floresta também dá um jeito de levar as pessoas.

            Eles resolveram confiar no que Mateus dissera. Andaram pelo que pareceu ser uma eternidade, as raízes se movendo a dois metros de vantagem. Uma vez ou outra elas se fecharam na frente deles, forçando uma virada para esquerda ou direita. Uma raiz saliente apontou como um dedo para uma grande poça de lama na frente deles, o que os fez circulá-la. Estavam prestes a subir um aclive quando ouviram um assobio. Calmo e melódico, ele parecia vir do alto, mas definitivamente não era um pássaro. Os quatro garotos pararam de supetão.

            — O que foi esto? Quem está aí?! — perguntou Juan.

            — Não foi nada, vamos continuar — respondeu Mateus.

            Não tornaram a ouvir o assobio. Ainda estavam desconfiados, mas fizeram exatamente o que as raízes indicavam, até despontarem na clareira do castelo. Sorrindo, os quatro foram correndo para o refeitório, mas já estavam atrasados para o almoço. Mesmo sozinhos na ampla copa, eles sentaram-se para comer. Ninguém pareceu se incomodar com a falta deles na aula de Leonino, nem na seguinte de poções, a que eles decidiram não ir. Era a primeira vez que Alex, Mateus e Nicolás ficavam sozinhos no castelo durante a tarde enquanto todos os outros estavam em aulas. Era estranhamente calmo.

            Depois de trocarem de roupa, os três deixaram Juan no dormitório e foram se sentar nas arquibancadas do jardim principal. Alex estava cogitando provar um dos chicletes de Nicolás quando ouviram passos de duas pessoas se aproximando. Era Ruben e outra professora que eles não conheciam. Os garotos ficaram em silêncio e esconderam os chicletes, mas não foi preciso muito: os professores não perceberam que eles estavam ali, devido à grande pilastra.

            — Eu preciso ir para a minha aula — disse Ruben, num tom seco.

            — Espere! — pediu a professora. — Você tem que concordar comigo, Ruben, você sempre foi o mais sensato de nós.

            — Eu não sou o diretor de Castelobruxo, Antonieta.

            — Seria, se dependesse apenas do meu voto. Você viu o estado em que encontramos aquele garoto, os feitiços que usei para remendá-lo. Não podemos fingir que algo mais sério não deve ser feito. Esse já é o oitavo caso! E ela não está fazendo nada! Eu sei que você admira nossa diretora, Ruben, e concordo que ela é uma grande bruxa e professora. Mas não podemos esperar que outro aluno tente suicídio, imagine o que os jornais vão falar! Principalmente os internacionais! Castelobruxo não tem a fama de ser a escola mais segura para os jovens.

            — De novo: não posso fazer nada.

            — Você prefere ver um aluno cometer suicídio? Prefere que alguém morra no castelo como era comum no século passado?

            Eles fizeram silêncio. Daquela posição Alex não conseguia ver o rosto dos dois, mas imaginou que a professora estivesse fuzilando Ruben com os olhos. Antonieta parecia bem enérgica e Ruben, esquivo e distante. Decidiu na hora que não gostava de Ruben.

            — Está na hora de chamá-los — ela disse numa voz grave. — Está na hora de envolver o Parlamento Bruxo.

            — Você mais do que ninguém devia saber que eles não têm assunto algum com a escola. Se me permite, professora, tenho uma aula para dar.

            Ruben deixou a professora onde estava e seguiu direto para uma porta ali perto. Antonieta ficou um tempo parada olhando para o jardim lá embaixo, depois deu meia volta e voltou para onde tinha vindo.

            — Oitavo caso?! — perguntou Mateus. — Isso é mais do que imaginávamos!

            — O que vocês acham que ela quis dizer com chamá-los? — perguntou Alex.

            — Não sei. A única coisa que eu tenho certeza é que a situação está bem perigosa, e nem os professores sabem o que está acontecendo de verdade.

            Nicolás achou que deveria acrescentar: — Y nosostros podemos ser os próximos.


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