A água caía mais gelada do que nos últimos dias em suas costas nuas fazendo seus músculos estremecerem, ela encarava vagamente os ladrilhos da parede do outro lado do box que continha delicadas flores roxas em um fundo branco, se encarasse por muito tempo os pontinhos coloridos perdiam o foco e pareciam apenas um grande borrão. Ela brincava ajustando e desajustando os olhos tentando esquecer a dor do corpo por onde a água caía, tentava fingir que estava apenas em um passeio e que havia começado uma chuva no meio do verão, como sempre acontecia de fato em meados de novembro, daquelas que nos pegam de surpresa e tornam o céu brilhante azul e limpo em uma massa cinzenta e fazem com que as primeiras gotas geladas que caem no corpo quente causem um arrepio pela espinha. Mas estávamos em junho e o frio lá fora era tão congelante que ao olhar pela janela pôde ver que os cantos da pequena e única janela que ficava pouco a cima de sua cabeça estava esbranquiçado, muito embora ali não nevasse.

Sem querer demorar muito mais do que o necessário e visto que a água não esquentaria muito mais do que isso, Kaya alcançou o pequeno sabonete em forma de concha azul e conseguiu sorrir, eram os preferidos dela, não sabia como, mas traziam uma confortável sensação de oceano e todas as vezes que tomava banho com um desses era como se o mundo todo se dissolvesse em espuma e ela pudesse se deitar em qualquer lugar e relaxar por um ano inteiro, engoliu seco, mas não hoje.

Tomou um banho rápido e saiu do chuveiro tremendo, estava realmente muito frio, e o fato de que o banheiro ficava do lado leste da casa onde definitivamente não havia luz do sol naquele horário não ajudava muito, pegou sua toalha saindo do box e se enrolou toda, querendo sumir dentro dela de tão macia que era ao tocar sua pele deixando o alívio reconfortante de se livrar das gotas que pareciam pequenas agulhas sob sua pele. Ficou assim agarrada na toalha como uma criança ao seu cobertor preferido por um bom tempo, pensando em tudo e em nada até conseguir controlar sua mandíbula que batia e se virou para sair do banheiro e cometeu um erro terrível, olhou-se no espelho.

Ela não conseguia se reconhecer mais, não era mais a Kaya de um mês atrás, um mês? Não sabia mais, achava que sim, não podia fazer mais de um mês. Sua pele ainda era brilhante, definitivamente, mas isso não era algo que ela pudesse realmente perder, e seus cabelos no coque mal feito ainda eram reluzentes como se fios de ouro se trançassem com os fios roxos, mas ela via o nariz avermelhado que não existia, ela procurava o brilho nos olhos e não conseguia encontrar mais, naquele momento se sentiu devastada, quem era aquela no espelho? Se apoiou na pia redonda e ampla logo a baixo do espelho, os olhos queimando contendo as lágrimas, conseguia ver também olheiras se formando a baixo dos olhos, suas maças do rosto estavam menos cheias e ela estava definitivamente mais magra, parecia brilhante, mas uma segunda olhada era mais do que suficiente para denunciar que era um brilho falso e que ela estava opaca por dentro.

Sua cabeça girou, sentia-se tonta, mas sabia que não era coisa de momento, faziam dias que se sentia tonta e fraca como se algo muito importante tivesse sido tirado dela mas não conseguia se lembrar ao certo o que, suas pernas enfraqueceram e ela teve de se segurar ainda mais forte na pia, os nós dos dedos brancos pelo esforço do seu peso quase todo estar contido ali, suas pernas não queriam obedecer de jeito nenhum. Olhou novamente para o espelho dessa vez firme, o rosto vermelho por conter o choro, se esforçou e conseguiu se manter em pé mais uma vez testando o peso do corpo de uma perna para a outra até se sentir segura e se firmou no chão soltando as mãos na pia, tão logo soltou a primeira lágrima rolou em seu rosto e ela não conseguiu se controlar, juntou todas as suas forças e fechando a mão em punho com as unhas machucando a palma, socou o vidro com toda força que restara nela e estilhaçou-o por todo banheiro.

Não era ela de qualquer forma, era uma estranha que a encarava de volta através do espelho, ela não era daquele jeito, não tinha aquela aparência e muito menos chorava, puxou a mão de volta e sem se preocupar se sangrava ou não, limpou a única lágrima que tinha descido por seu rosto e saiu do banheiro em direção ao seu quarto.

Se pegou pensando em quanta comida ainda tinha, sabia que tinha o suficiente e que não era literalmente um problema, mas subitamente era uma questão interessante, mesmo sem fome. Subiu a escada para o segundo andar ainda pensando nisso quando escutou, ao longe, era A patrulha. Apressou-se pelas escadas até chegar ao seu quarto trancando a porta com o coração martelando no peito, mesmo sabendo que era tolice se sentir assim todas as vezes ela não podia evitar. Abriu seu guarda-roupas e colocou a primeira calça e blusa que encontrou por lá que por sinal eram finos de mais para o dia que fazia lá fora, mas de qualquer jeito era melhor do que ser pega de roupa de baixo caso algo acontecesse.