Após ouvir a opinião de Anna sobre ele e seus amigos, Nicolas pensa em respondê-la de maneira ríspida, mas é interrompido por Victoria que faz um novo pronunciamento.

—Bem crianças, ouçam! Agora eu quero que cada grupo escolha uma pessoa para ser o líder do seu grupo. Essa pessoa, além de representar o grupo, também terá outras responsabilidades que passarei mais tarde, em uma reunião com todos os líderes de grupo. Escolham também o nome, uma cor e um símbolo que identificarão o grupo e seus integrantes.

O clima agitado continua no refeitório depois das palavras da diretora. Cada grupo precisa decidir logo quem será seu líder, o nome do grupo, cor e símbolo utilizados em seus uniformes, e outros itens que estão sendo cobrados por Charlie e Victoria que, separadamente, começam a coletar informações de cada um dos doze grupos. No último grupo que se formou, os integrantes se analisam um a um, em silêncio. Até que os olhares de Anna e Nicolas se cruzam.

—Pois é, né?

—É! - responde a garota. Eles voltam a desviar os olhos em outras direções, mas antes que um novo momento de silêncio se inicie, Anna continua a conversa - Bem... Então é isso! Vamos ter que nos arrumar com o que temos. Quem vai ser o líder da equipe?

Novamente todos trocam olhares, esperando que alguém se manifeste.

—Eu! - diz Nicolas, erguendo o braço direito. Um ato desnecessário já que estão próximos.

—E por que você? - questiona John.

—E por que não? - rebate Serena.

—Quem tem um maior conhecimento sobre os combates internos? - pergunta Anna, olhando para a face de cada um do grupo. Alguns abaixam a cabeça, outros desviam o olhar, e ninguém responde. - Ótimo! Então eu serei a líder do grupo.

—Você sabe como funcionam os combates, Anna? Já participou de algum? - quer saber Carl, atiçando a curiosidade dos outros.

—É claro que sei! - responde a garota, com segurança - Bem... Eu não participei de combates diretamente, nas escolas primárias não há essa prática... Mas acompanhei meu pai em algumas escolas e até me convidaram a participar de um... Mas foi como visitante e mesmo assim foi apenas um treino. Aqui vai ser pra valer.

—Isso é melhor do que nada, não é? - diz Lucius - Eu acho que Anna pode ser a representante do grupo.

—O que você tá dizendo, Lucius? Vai aceitar essa engomadinha ficar mandando na gente... - protesta Nicolas, sendo interrompido por uma tremedeira repentina que o faz cambalear e quase perder os sentidos.

—Esse mundo é novo para a maioria de nós, Nick! Não temos tanto conhecimento em magia e agora esse negócio de combate... - responde Lucius, enquanto segura o braço de Nicolas, vendo o amigo aos poucos se recuperar do efeito do feitiço imposto por Victoria - Como líder, Anna vai nos ajudar nesses assuntos... Não vai?

—Hum? Sim, sim, claro! - responde rapidamente a garota - Afinal somos um grupo agora até a formatura... Não somos?

—Não sei não... - diz Serena.

—O quê? Vai querer ‘esse daí’ como líder do grupo? - diz John, apontando o indicador para Nicolas. - Não dou um mês e seremos todos expulsos.

Nicolas rebate as palavras do garoto com um olhar enfezado (já que tem receio de dizer algo e acabar desmaiando). Mas ele mesmo acaba aceitando a ideia...

—Eu também ainda tenho minhas dúvidas... – diz Bertha.

—Dúvidas? Hunf... – reclama Anna, com irritação – Ouçam! Precisamos ser rápidos! Ainda temos que decidir a cor do nosso uniforme, o símbolo da equipe... Equipe? Não temos nem um nome para essa equipe...

Anna está certa. Eles percebem que várias equipes já passaram pelo questionamento de Charlie e Victoria. Elas estão prontas e seus integrantes ostentam suas novas vestimentas coloridas, planejam os próximos passos e analisam, pelo menos de maneira rápida, o potencial de cada equipe. E muitos não escondem o contentamento ao observar o grupo de Nicolas.

—Olha o grupo daquele garoto desbocado! – diz Allison, chamando a atenção dos membros de sua equipe. – Aqueles que forem enfrentá-los já terão uma vantagem de quatro pontos.

—É mesmo! – complementa Renan, sorrindo. - Com certeza serão os últimos colocados na classificação geral, Eh! Eh!

—Pelo menos eles vão aprender muito... – observa Paula. - Mesmo que seja apanhando dos outros, Ah! Ah! Ah!

—Que é isso, gente, tsc... – comenta Sidney, reprovando a opinião dos amigos, mas também preocupado, pois sabe que eles estão certos.

—Coitados dos três que foram para o grupo daquele garoto malcriado – diz Munique. - Terão que se esforçarem em dobro se quiserem ter algum êxito nos combates.

—Bem feito para eles, trio de metidos. – retruca Michelle. - Não são os bons em magia? Agora que eu quero ver...

—Não me importo com nenhum deles, só com aquele pivete. – opina Ricardo. - Não vejo a hora de estar frente a frente com ele em um combate.

—Calma, Ricardo.  – pede Margot, tocando no ombro dele. - Também não vá matar o garoto, né? Não faça nada que nos prejudique durante o período letivo. Mas, pensando bem... Até eu estou com vontade de dar uma lição nele, eh.

Em outro grupo, as opiniões são quase as mesmas.

—Tirando a equipe de Ricardo, acho que não teremos dificuldade em derrotar as outras, principalmente a daquela garota gorda. – diz Agatha.

—É mesmo! Sem dúvida é a mais fraca de todas. – complementa Martha. - A diretora já poderia dar pontos para todas as outras equipes e colocá-los como ‘café-com-leite’! Ah! Ah! Ah!

—Isso é verdade. Só não entendo porque você se nomeou a líder do nosso grupo, Agatha. – contesta Clara. - Deveria ter sido feita uma votação...

Apesar de alguns membros da equipe concordarem com a opinião de Clara, eles não se manifestam.

—Bem... O mais forte deve ser o líder do grupo, esta é a lógica! Então, eu sou a líder. – responde Agatha. - Ou vocês têm alguma dúvida quanto a isso...

Clara e os outros ficam amedrontados enquanto Martha expressa um sorriso. Victoria se aproxima do grupo de Nicolas e seus amigos. Depois de muito conversarem, finalmente eles aceitam Anna como líder da equipe, agora só falta decidirem um nome para o grupo.

—O que vocês acham de ‘Os Dominadores’? - sugere Lucius.

—Dominadores do quê? – pergunta Nicolas.

—Dominadores da... Magia? - diz Lucius, um pouco atrapalhado.

—É um bom nome se fosse um grupo só de homens.

—Bertha tem razão! – concorda Anna. - Tem que ser um nome que envolva todos do grupo.

—E se for ‘Amigos da Magia’ – sugere Serena.

—Vamos estar em combates com magia, acho que não seremos tão amigos dela assim... – diz John

—‘Discípulos de Merlin’ – profere Carl, como se tivesse descoberto algo importante.

—Seria um bom nome se Merlin realmente nos ensinasse. - comenta Serena.

—Que tal ‘Os Escolhidos’ – é a vez de Nicolas sugestionar.

—Nossa, que nome bobo! Além do que ninguém aqui foi escolhido. Fomos... Unidos pelas circunstâncias... – diz Anna.

—Unidos, ligados... – Carl abaixa a cabeça, pensativo. - No teste fomos os que mais se destacaram, que chamaram a atenção... Já sei! ‘A Liga dos Notáveis’!

Todos fazem silêncio, inicialmente repetindo o nome proferido por Carl em suas mentes, e depois em suas bocas, junto com alguns sorrisos.

—Eu gostei, é um ótimo nome. Mas, sem o ‘A’. – opina John. – Liga é uma palavra feminina e já pede o artigo.

—‘Liga dos Notáveis’! – repete Anna. - Eu também gostei! E vocês?

Os outros novamente repetem o nome e acenam afirmativamente com a cabeça. Finalmente todos concordam, no exato momento em que Victoria se aproxima deles. Eles se calam e olham para a diretora, que também olha para cada um deles, mas com uma expressão não muito satisfatória. Até seus olhos pararem sobre Serena.

—Ahn... Fiz um vestido tão bonito para você e olha só como ele ficou... tsc! E Senhorita Etzel, é a segunda vez que me desaponto com você... Deixá-los sujos, com restos de comida, não foi um castigo. Foi uma advertência para que atos de indisciplina como ‘aquele’ NÃO-OCORRAM-MAIS. Entenderam? – os quatro sujos abaixam as cabeças, acenando afirmativamente, enquanto que os outros três apenas observam. – Ótimo! Então vamos começar!

Victoria gira rapidamente uma das mãos enquanto eleva o braço esquerdo. Em questão de segundos, todos já estavam limpos, sem nenhum sinal de sujeira ou odor deixado pela comida. Serena e Lucius sentem novamente aquela sensação de asseio e Nicolas, surpreso, se sente como se tivesse tomado um banho, secado, perfumado e se vestido... ao mesmo tempo.

—Nossa! Como você fez isso?

—Não é a primeira vez que uso o Viramundo. Você já me viu usando esse feitiço na Sala de Exposição. Não se lembra? É um feitiço simples e que vocês irão aprender para... Por exemplo, se limparem sozinhos. – responde Victoria.

—Quer dizer que vamos ter que girar a mão assim? Não gosto disso não... Além do mais, você só limpou as minhas roupas. Não dava para deixá-las nova como fez com a Serena e o Lucius? – resmunga Nicolas.

—Hunf! Sempre reclamando... Não abuse da sorte, garoto!

—Nicolas, por favor, comporte-se! – se intromete Anna. – Agora somos um grupo e...

—Exatamente! – interrompe a diretora, já se preparando para fazer as anotações. Sua pressa em terminar logo era nítida. – Vamos ao que interessa!

—O que é isso na sua mão? – pergunta novamente Nicolas, se referindo à haste de vidro na mão direita de Victoria.

—Isso? É um objeto de uma era muito distante da nossa e que serve para escrever, assim como a pena e a tinta. – responde Victoria, girando o objeto entre os dedos, mostrando-o a todos. – Só que é bem mais prático e não faz tanta sujeira. Eu chamo de ‘haste de escrever’, mas o nome correto é ‘caneta esferográfica’. É com ela que vocês irão escrever em seus grimórios. Agora, sem perda de tempo, só EU farei as perguntas, está bem?

 Apesar da curiosidade de todos, o grupo faz silêncio e observa a diretora anotar seus nomes e iniciar as perguntas.

—Nome do grupo?

—Liga dos Notáveis! – responde Anna.

—Hum... Que interessante! Símbolo? - a diretora espera alguém se manifestar, mas diante do silêncio do grupo, faz uma rápida sugestão. – Que tal arco e flecha? Simboliza prontidão.

—Prontidão? – diz Nicolas.

—Significa prontos para o combate, para os desafios da vida, enfim... – complementa Victoria, após perceber a dúvida do garoto.

—Um machado seria melhor – propõe Anna. – Simboliza obrigação, honra e coragem.

—Que tal um animal? – diz John.

—Animal não! – retruca Serena, fazendo uma expressão de choro.

—Uma rosa – sugere Bertha.

—Rosa? De jeito nenhum. – diz Nicolas. – Rosa lembra velório... E nós vamos para um combate, não um enterro!

—Eu fico com o machado. – diz Lucius.

—É a segunda vez que você concorda com a Anna, por quê? – pergunta Nicolas.

—Por nada... O que importa mesmo somos nós, não importa que símbolo escolhermos.

—Hum... É! Lucius tá certo! Eu também fico com o machado. – diz Nicolas, o que também é aceito pelos outros.

—Bom... E por último, a cor. Não pode ser uma cor que já foi escolhida, hein! – alerta Victoria.

Para não errarem na escolha, eles olham ao redor e percebem que muitas das cores em que pensavam já haviam sido escolhidas pelos outros grupos. Anna não esconde o seu desapontamento.

—É isso que dá sermos os últimos. Detesto ser última colocada, seja no que for...

Ninguém tem uma cor em mente, até que Nicolas olha para Victoria, que estranha o seu olhar. Mas o garoto abaixa sua cabeça, fitando o vestido da diretora.

—Que tal dourado?

—Dourado, a cor do ouro. – diz John. – Eu gostei! Vamos ‘brilhar’ nos combates!

—É... É uma boa escolha, Nicolas. – diz Anna, sorrindo para o garoto, que retribui o sorriso.

Como não há objeções, Victoria dá por encerrada a entrevista.

—Que assim seja...

A diretora deixa de lado a caneta e suas anotações e novamente usa o Viramundo com uma das mãos. Nicolas sente a magia percorrer o seu corpo, agora de forma mais rápida. Como um piscar de olhos, ele percebe que um sobretudo dourado, de mangas compridas e detalhes em negro, cobre sua roupa. Não só a dele, mas todos da equipe usavam o mesmo tipo de vestimenta. Agora todos estão uniformizados. As crianças admiram seu novo traje. Anna, Carl e John não demonstram tanto entusiasmo como os outros. O machado, símbolo da Liga dos Notáveis, está estampado nas costas da vestimenta e também na frente, mas de tamanho reduzido, no lado esquerdo do peito e acima do símbolo da escola. Nicolas está feliz, se sente ‘importante’. Mas antes que alguém se manifeste, a diretora pede licença e retira-se, indo ao encontro de Charlie, que a espera no centro do refeitório.