Apesar de encerrar a conversa, Victoria nota que Nicolas ainda esta com alguma dúvida, mas decide não perder mais tempo com explicações. “Ele deve nem saber o que é exposição. Será que sabe ler ou escrever? Acho que não é instruído. Como irá aprender os feitiços? Terei que criar outra disciplina ou lhe dar aulas particulares... Ou melhor! Escolher ALGUÉM para dar aulas particulares para ele”. Enquanto a professora viaja em suas preocupações, a próxima candidata se prepara para o teste. A menina se dirige à frente com passos firmes e rápidos, total deselegância e vestindo trajes simples. Poderia ter passado despercebida pelo público, que demonstra mais interesse em conversas paralelas, mas na medida em que aumentavam os comentários maldosos mais crianças prestavam atenção na garota.

—Olha como ela anda, parece um menino. - diz Munique.

—Roupas de camponesa; deve ser uma serviçal. - avalia Margot.

—Qual vai ser o feitiço dela? Limpar a sala? - brinca David.

          Os comentários parecem minar a determinação da menina, que segue cabisbaixa em direção aos professores. Mas de todos os comentários, um lhe chama a atenção.

—É aquela gordinha que vimos lá fora. - diz Nicolas.

            Ela olha com cara feia para ele, que fica acanhado, lembrando-se das palavras ameaçadoras que ela lhe disse fora do castelo.

—Crianças, por favor! Peço que respeitem a futura colega de vocês. - pede o professor Mark, que percebendo o desconforto da garota, vai ao seu encontro e lhe estende a mão. - Vocês passarão muito tempo juntos e uma boa convivência é fundamental. Lembrem-se que a vida é um constante aprendizado... E que vocês já estão sendo avaliados desde o momento em que botaram os pés no castelo.

          A garota encara o professor no instante em que suas mãos se tocam. Ele esboça um leve sorriso que a contagia, retribuindo o sorriso e segurando a mão dele com firmeza. A sensação a faz esquecer por alguns segundos os comentários. A mão dele está quente, mais do que a dela, e parece macia, suave, segura.

—O professor está certo! - complementa Victoria - Depois não vou querer ninguém choramingando na Diretoria quando seus pais receberem alguma notificação.

           Após uma nítida manifestação de descontentamento das crianças, começa o teste.

—Bertha Etzel! Idade: 13 anos. Classe: vigorífera. - anuncia Flora.

—Nossa! Vigorífera? Que azar dessa garota. - diz Allison.

—Ahn... Que bom que estes testes já estão acabando. - comenta Paula.

         Apesar de ser a primeira vez que essa classe é mencionada nos testes, Nicolas fica curioso pela falta de interesse dos outros e decide perguntar a Carl.

—Ei! Psiu! Diz aí, meu camarada! O que quer dizer esse negócio de vigorífera?

—Força! - responde Carl, de maneira fria e direta. Mas depois decide prolongar a conversa. – É que esse não é um atributo muito vantajoso para um feiticeiro.

—Quer dizer força física?

—É.

—Hum... Valeu! É Carl o seu nome, né? Não esqueço mais. Obrigado.

          Carl volta a sua posição inicial enquanto Nicolas olha pensativo para Bertha, pensando nas palavras que ela lhe disse quando se encontraram. “Vamos ver o quanto essa garota é forte”. Depois da rotina inicial, Bertha está pronta para começar seu teste. Mas assim como Nicolas, parece que a garota não tem ideia por onde e como começar. Ela fica parada perto da mesa, ora olha para os professores, ora olha para as crianças. Até que...

—E então? Vai ser ou tá difícil? - diz Nicolas, chamando sua atenção. - Vamos lá, Gordinha! Bota pra quebrar!

          A expressão de surpresa da garota muda para a de uma pessoa irada. Rapidamente ela vira-se para a mesa e lhe dá um soco com a mão direita, de baixo para cima, fazendo o objeto voar pelos ares como se fosse uma caixa de papelão e chocar-se violentamente contra a parede, espatifando-se em pequenos pedaços que acabam atingindo os que estavam mais próximos.

—Puf! Essa gentinha só sabe fazer sujeira. - reclama Margot, enquanto tira delicadamente algumas lascas de madeira de cima do seu vestido.

—Que falta de classe! - diz Ricardo, se limpando com a ajuda de um lenço.

—NOSSA! - grita Nicolas, se levantando de repente. - Quando eu disse para ‘botar pra quebrar’ eu tava brincando.

            A expressão de espanto de Nicolas parece não ser a dos outros, que só começam a manifestar alguns aplausos depois que Victoria dá por encerrado o teste.

—Parabéns, Srta. Etzel! Mas confesso que esperava mais de alguém que foi tão bem recomendada. Sua magia é fraca, espero que se fortaleça e desenvolva um feitiço melhor.

            A garota fica decepcionada e parecia que iria voltar ao seu lugar mais abatida do que quando saiu. Porém, Nicolas questiona as palavras de Victoria.

—FRACA! Hunf! Tô falando que essa velha tá ficando gagá e ninguém acredita! A garota arrebenta a mesa e ela diz que é fraca. Quem me dera se eu fosse fraco desse jeito. Eu é que queria ter um soco assim. Que cruzado de direita você tem, garota! Isso foi demais! Você é incrível!

         Bertha se surpreende e fica encabulada com as palavras de Nicolas, que a aplaude com força e entusiasmo. Ela até chega a lhe esboçar um leve sorriso discretamente, mas depois fica séria.

—Isso é o que vai acontecer com você se me chamar de gorda de novo.

—Mas agora eu disse ‘garota’, juro! - responde Nicolas, levantando as mãos como se pedisse calma.

            A próxima candidata é Michelle, que se adianta e se aproxima da mesa, reconstruída rapidamente por Mark, antes mesmo de Bertha se sentar. Os procedimentos se repetem.

—Michelle Frontin! Idade: 14 anos. Classe: hidrólita.

           A garota faz menção de que não precisará dos auxílios de Victoria para realizar o seu teste. Ela se aproxima da mesa e estende os braços à frente, esfregando as mãos como se estivesse lavando-as. E extraordinariamente gotas de água saem de suas mãos caindo sobre a mesa. O público a admira e já começam os aplausos. O fluxo aumenta, cobrindo a superfície do móvel. E ela parece controlá-lo, pois apesar da quantidade de água o líquido permanece sobre a superfície da mesa, sem derramar uma gota. Com um ar de satisfação, a menina olha para eles, mas...

—VIXE! Ela tá fazendo xixi pelas mãos. - solta Nicolas, provocando risos.

          Ela fica indignada, tanto que se desconcentra e solta às mãos, desfazendo o feitiço, vendo sorrisos disfarçados até mesmo da turma mais discreta.

—Desculpe-me, Michelle, mas não pude evitar. - se justifica Margot.

—Sr. Nicolas, tenha modos! - repreende Victoria, enquanto Hilda e Flora trocam olhares.

—Esse garoto é imprevisível! - comenta Mark.

—Seu... seu... Moleque! - diz a irritada garota. – Que deselegante, que desagradável...

—Que hilário! - fala Allison, deixando-a mais irritada.

         A garota não pensa duas vezes. Olha para a superfície ainda molhada da mesa e estende a mão aberta sobre ela. E num rápido movimento semicircular do braço, como se puxasse algo de cima da mesa, lança um feitiço contra Nicolas.

—Insurreição das águas!

—Michelle, NÃO!

          Apesar do alerta, Victoria não teve tempo de deter a garota, o feitiço já havia sido criado e direcionado ao seu alvo. Uma grande coluna d’água ergue-se da superfície da mesa, girando como um tornado, e seguindo a direção em que o dedo indicador direito da garota apontava, sobrevoa a platéia indo em direção à Nicolas que, assustado, apenas tem tempo de levantar uma das mãos, cobrindo o rosto, tentando se proteger. De repente todos ouvem um grito.

—CAM! - diz um garoto que estava de pé em cima do seu assento, posicionado na frente de Nicolas, com os braços levantados e alguns dedos das mãos entrelaçados, como se formassem um triângulo. E com as palmas das mãos abertas demonstrando a nítida intenção de querer parar aquele turbilhão de água... Era Carl.

         O choque é inevitável e as crianças assistem a cena mudas e admiradas, algumas boquiabertas. Assim que a primeira gota de água toca nas mãos do garoto, um estranho flash luminoso surge repentinamente. E para a surpresa de todos, o turbilhão perde força e desaparece instantaneamente. A surpresa é geral e sorrisos vão tomando forma nas pequeninas caras de espanto.

—Você viu o que ele fez? Foi incrível! - diz Margot.

—Se eu vi? E quem não viu? - responde Ricardo.

—Nossa! Círculo de Anulação de Magia... Nunca tinha visto um feitiço de primeira classe. - comenta Munique.

—O feitiço de Michelle desapareceu por completo. - diz Allison - Não sobrou uma gota d’água pra contar a história.

—Se não fosse por ele, acho que seria o Nicolas que não iria contar mais nada. - afirma Sidney.

—Quem será esse garoto? - pergunta Clara aos seus amigos, mas ninguém responde, e a dúvida parece ser geral.

           Todos se impressionam tanto com o feito do garoto que o teste de Michelle acaba passando despercebido. Serena se assusta com a aparência de Nicolas e decide falar com ele.

—Nicolas, você está bem? Está tão pálido...

—E você queria que eu estivesse como? - responde o garoto, voltando a sentar-se lentamente. - Quase que faço xixi... E não seria pelas mãos.

—Ei! Não vão aplaudir o meu teste não? - pergunta Michelle, após notar a calmaria que voltava a tomar conta do recinto. Mas parece que ninguém lhe dava ouvidos.

 -Tudo bem, querida, você passou no teste. Pode ir se sentar.

—Droga! Tudo por causa daquele garoto...

              Mesmo reclamando, Michelle segue a orientação de Victoria, que se reúne com os professores e começam a comentar sobre o ocorrido.

—Quem é esse menino? - pergunta Hilda.

—Tão pequeno e já conhece o feitiço. - Victoria.

—E o executa com perfeição! Se não fosse aquele garoto mal-educado... Afinal, o que ele está querendo? - se pergunta Mark, referindo-se a Nicolas.

          O professor se mostra desconfiado e parece que o plano de Nicolas continua dando certo, tanto que quase se tornou uma vítima. Ou como no dito popular, quase que o feitiço se virou contra o feiticeiro.