Várias emoções fluem por um corpo de uma pessoa com raiva e/ou magoada. No caso de Hermione, essas duas emoções estavam misturadas como sangue em um ritual. 

Nem lembrava quando tinha sido a última pessoa que a fizera ficar furiosa - mesmo que a pessoa em questão estivesse bem na sua frente -, porém, lá no fundo, nem sabia como estava controlando a histeria. Hermione sentiu o olhar de Rony queimar nela, principalmente na mão de Jack que ainda estava agarrada a dela. 

Idiota.

O que ele estava fazendo ali? Hãm... porque é a casa dos pais dele, cabeça de vento?, sua consciência ironizou. É claro, afinal, o filho pródigo voltara para casa sendo recebido de braços abertos. 

Irresponsável.

 Ela ainda não conseguia esquecer - mesmo que tentasse -, como Rony tinha ido embora três anos atrás. Era como se ainda sentisse a ardência em sua garganta, o grito sendo reprimido com força. Ainda em choque, ela lembrava, tinha ficado uns bons minutos parada no mesmo lugar. Quando a imagem de Rony já não podia-se ser vista, Hermione deixara as lágrimas molharem suas bochechas, a dor da perda irradiando seu peito mais do que nunca. 

Não podia ser verdade. Vê-lo indo embora e lhe dando as costas pela segunda vez era doloroso demais.

— Hermione... - sentiu uma mão em seu ombro e livrou-se com brutalidade, empurrando Harry para o lado e correndo para dentro da casa. A medida que corria, o choro ficava mais forte e impossível de se esconder, fazendo a vista da morena ficar embaçada.

Correu escada acima e trancou-se no quarto que dividia com Gina. Enxugou as lágrimas e respirou fundo, sua respiração ofegante voltando ao normal. Seu corpo fraquejou e sentou na cama. Totalmente desorientada, repensou nos acontecimentos daquela manhã e uma onda de raiva surgiu ao pensar na alegria que estava por saber que tinhas chances de encontrar os pais. 

Rony já tinha arruinado tudo uma vez, não deixaria que a raiva que começava a sentir dele estragasse isso.

Mas mesmo assim...

Barrou as lágrimas que queriam vir e jogou-se na cama. Em vez de sucumbir de novo, pensou em coisas boas.

A guerra tinha acabado.

Pensamento errado. Lembrar dos amigos que morreram e no sofrimento dos familiares, a fez senti-se uma egoísta por ficar triste pela partida de Rony. Ele já a tinha abandonado uma vez, com certeza não seria sacrifício nenhum fazer de novo. 

— Abre a porta, Hermione - uma voz calma soou, seguida de umas batidas na porta.

Era Harry.

Ele retornou a bater.

— Por favor, Mione... - a voz do moreno era angustiada. - Não fique triste por aquele idiota. 

O idiota que eu gosto, completou mentalmente, mas permaneceu em silêncio. Os minutos foram passando e como o moreno não retornou a falar, Hermione constatou que ele tinha desistido e ido embora. 

Deitada na cama do lado da janela, a que lhe pertencia quando dormia na Toca, encolheu-se, abraçando o travesseiro e, finalmente, deixando as lágrimas caírem. 

Mas naquele momento, encarando aqueles olhos azuis que pareciam duas safiras, a única coisa que queria fazer era socar a cara de Rony. Ele tinha um lindo e maldito sorriso no canto da boca.

— Então... - Gina surgiu na frente de Hermione, atraindo sua atenção para ela. Piscando um pouco, se deu conta dos olhares que estavam recaídos nela e em Rony e corou na hora. - Surpresa! - a ruiva sacudiu as mãos em sinal de alegria. 

Hermione sentiu a mão de Jack soltar-se da sua. Não protestou, mas pode ver que Harry o tinha chamado - ele e Viola - para apresentá-los a Rony e... Quem era a garota do lado dele?

Arqueou as sobrancelhas e tentou se concentrar em Gina.

— Surpresa por que? - não escondeu seu desconforto. - A aniversariante do dia é você.

O rosto alegre de Gina caiu e assumiu uma carranca feia.

— Como você é chata, Hermione! - a ruiva cruzou os braços e fez um bico fofo. - Pensei que a vinda do meu irmão a deixaria feliz! 

A morena olhou por cima do ombro da amiga e viu que Rony e a garota junto a ele caminhavam de encontro as duas.

— Pois achou errado. - sussurrou antes.

— Oi. 

O ruivo cumprimentou as duas com os olhos grudados em Hermione. Ela estreitou os olhos. Não acreditava que ele tinha a coragem de falar com ela.

— Olá! - Gina respondeu.

— Queria apresentá-las a uma amiga - ele estava sorrindo? - Lorena Silva.

— Prazer em conhecê-la - Gina sorriu e a tal Lorena retribuiu o sorriso. 

Hermione já não aguentava mais aquela situação. Era óbvio que Rony faria amizades no Brasil, mas não esperava que seria logo com mulheres e que ele as trouxesse para a Toca. Mas tentou ser simpática. Sorriu e estendeu uma mão para Lorena.

— Hermione. Prazer em conhecê-la.

— Sei quem é você... - soltou Lorena e arregalou os olhos em seguida. Pareceu que falara mais do que deveria. - Quer dizer... o prazer é todo meu.

— Hãm... tudo bem então - ela deu de ombros, mesmo achando estranho. Criou coragem e olhou para Rony, seu coração batendo forte.

— Seja bem-vindo - disse friamente. - Com licença, mas preciso ir ao banheiro.

Quase correu para a escada e dirigiu-se ao banheiro. Fechou a porta e tirou sua varinha do cós da calça jeans e apontou para a fechadura. 

— Abaffiato!

Depois, encostou-se na pia e deixou as lágrimas caírem - nem sabia que queria chorar. A dor que tinha amenizado, diminuído com o tempo, latejava em seu peito fazendo-a tremer e abraçar o próprio corpo em meio aos soluços. 

Hermione sabia que Rony iria voltar, mas, em seu planos, ela estaria em outro lugar. Em um cargo mais alto no ministério e até em outra cidade.

Bem longe da Toca e dos Weasley.

Era uma estúpida por ter tido tantas esperanças e expectativas no seu relacionamento com Rony. Queria tanto dizer que o amava e pular em seus braços. Mas não poderia agir pela emoção.

Já tinha se machucado demais.

— Alohomora! 

Hermione pulou de susto quando a porta se abriu com força e chocar-se na parede. Gina abaixou a varinha e guardou no jeans.

— Hermione...

— Não! - a morena ergueu a mão e impediu a ruiva de continuar. A puxou para dentro do banheiro e retornou a fechar a porta.

Ainda estava de costas quando a ruiva pediu desculpas.

— Mione, me desculpa. Eu não sabia que a presença do Rony iria te afetar tanto. Eu sei que o você ainda não o perdoou - Gina falava rápido e atropelava as palavras. - Mas, poxa, me dê um desconto. Você mesma já me disse que queria que ele voltasse! E agora que ele voltou...

— E agora que ele voltou, nada! - Hermione aumentou a voz. Estava furiosa e decepcionada por Gina ter escondido dela o retorno do irmão. - Não me interessa se ele está aqui; não me interessa se é para ficar ou não! Você, Gina, mais do que ninguém sabe o quanto eu senti a falta dele... 

— Mas agora pode ser sua chance! - Gina aproximou-se mais da morena, que se livrou, sacudindo os braços.

— Chance do quê? - ela gesticulou com as mão para cima. - Para que eu possa fazer o papel de idiota outra vez?

— De conseguir sua felicidade, finalmente.

— Eu sou feliz! - a morena gritou.

— Não, não é! - a ruiva gritou, o rosto vermelho. - Você pode até está feliz com seus pais, com seus amigos... mas eu vejo, Mione, em seus olhos, ainda está faltando uma parte...

— Que parte, meu Merlin! - Hermione também gritava. - Uma parte amorosa? É isso? Mesmo você não merecendo, eu estou sim, saindo com uma pessoa, satisfeita?!

Gina não conseguiu falar; sentia sua garganta arder por causa dos gritos. Mesmo sabendo que o irmão fizera burradas o suficiente para Hermione o lançar um cruciatus, sabia também que o amor que sentiam - mesmo escondendo tal sentimento - era verdadeiro. 

— M-mas... - gaguejou. - Q-quem... com quem está saindo? 

Hermione mordeu os lábio inferior. Por que tinha falado aquilo? Por que tinha inventado uma situação na qual não era verdade? 

Ficou em silêncio pensando em suas alternativas. Contar a verdade e escutar Gina lhe perseguindo ou continuar a mentir e pensar no que faria depois... pesando as duas coisas em uma balança imaginária, preferiu a segunda alternativa.

— Com... - fez uma pausa em dúvida se deveria mesmo falar o nome que surgira em sua mente. Olhar da amiga começava a ficar frio. - Hãm... com o Peter. 

A ruiva ficou estática e sua boca abriu-se em um redondo "o". Hermione sorriu intimamente e sua consciência lhe deu um chute na bunda por está mentindo. 

— Com o Peter? - a voz de Gina era esganiçada. - Peter Jones? O auror com quem você treina os novatos? Mas como assim? Vocês  mal conversam! 

— Sim, ele mesmo. - mentiu.

— Eu saberia se vocês estivessem saindo! - queixou-se. - Sou sua melhor amiga...

— É sim... - concordou. - Mas também é irmã do Ronald.

— E o que isso tem haver?

— Tem tudo haver, Gina! - a morena jogou os braços para cima, a voz cansada. - Mesmo eu pedindo segredo, com certeza você iria dar um jeito de comunicar o Ronald. Estou errada?

Gina fez uma careta; Hermione tinha razão.

O silêncio se instalou no pequeno banheiro. A morena abaixou a tampa do vaso sanitário e sentou, observando o rosto triste da amiga.

Por um lado, Gina tinha razão. Com Ronald de volta, poderia encurralá-lo e exigir algumas respostas pelas ações dele. O porque dele ter aceitado um treinamento de auror no Brasil, sendo que ele poderia fazer no ministério de Londres mesmo. Eram tantas perguntas.

Uma batida na porta a fez acordar.

— Posso entrar? - a tal pessoa, que descobriu ser Lorena, surgiu na porta. - A sra. Weasley está chamando a Gina para cantar o parabéns.

Com um sorriso dirigido a recém-chegada, a ruiva saiu de cabeça baixa e passos rápidos. Lorena sentiu o clima tenso e virou-se para Hermione, depois de seguir a ruiva com o olhar até ela sumir ao fim da escada.

— Está tudo bem? - perguntou, fitando o rosto de Hermione. Rony tem razão, pensou, Hermione é bem bonita. - Deu para escutar os gritos lá de baixo.

A morena arregalou os olhos.  

— Todos escutaram? - indagou em pânico.

— Não... - Lorena sorriu. - Não todos... apenas Rony e eu... os outros estão no jardim.

Hermione ficou mais desesperada ainda.

— O que vocês escutaram? - ergueu-se e segurou no braço da garota.

— Não deu para escutar muito bem... - Lorena fugiu do aperto um tanto nervosa. - Você vem?

— Pode ir na frente... - a morena suspirou. - Estou logo atrás de você.

Lorena assentiu e saiu.

Hermione cravou os dedos entre os cabelos, sentindo os olhos ardendo. Antes mesmo que dissesse para si mesma que para não chorar, sentiu as lágrimas caírem. Enxugou-as e olhou no espelho sua imagem. Ajeitou os cabelos e jogou um pouco de água fria no rosto.

Quando desceu para o andar de baixo, no jardim, seu coração começava a querer sair pela boca quando Rony levantou de uma cadeira e caminhou até ela.