Maria Madalena escrita por Beatrice do Prado, Arrriba, Beatrice do Prado


Capítulo 3
Zorra Total


Notas iniciais do capítulo

SEXTA-FEIRA É DIA DE QUÊ? MARIA MADALENA, MEU POVO! ALELUIA! xD
E hoje o capítulo veio mais cedo do que o normal, é pra glorificar de pé, hehehe!

Queremos dar as boas vindas às leitoras Dixon Girl e Mirah! Nós adoramos receber vocês duas por aqui, suas lindas, e esperamos que continuem acompanhando e gostando! E, se não for pedir muito, comentando, haushaushuahs, que a gente está viciadona na opinião de todas vocês ♥

Bom, depois de uma semana desesperadora em que Trump se elege presidente dos EUA e só nos resta esperar pela Terceira Guerra Mundial, vamos descontrair um pouco com essa história, e continuar tentando resistir a tantas intolerâncias, preconceitos e machismos, que vêm na forma de várias porradas na nossa cara. Boa sorte a todos nós!
Beijos, gatas! Esperamos que gostem ^^



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Anteriormente, nesta porra:

“-Assim que nós roubamos o caminhão cheio de suprimentos, Rick e Daryl...”

“-Ah, nem me fala esse nome que só de ouvir já me arrepia toda! Homem gostoso esse! Tiozão, quase coroa, mas com tudo em cima! Assim espero, pelo menos... Já imaginou a decepção se na hora H a flecha não conseguir encontrar o alvo...?”

“-Posso continuar, Madalena?”

“-Fique à vontade, Jesus. Afinal de contas, ‘tamo aqui pra isso! Só passou uma semaninha, mas nos mandam fazer esses resumos ridículos mesmo assim, como se ninguém mais se lembrasse de porra nenhuma...”

“-...Os dois se colocaram em busca dos charmosos ladrões a fim de recuperar os mantimentos perdidos...”

“-Por mim a gente até já ‘tava se pegando, sabe, mas ele não colabora... Esse já é o terceiro capítulo e nada ainda...”

“-...E após me renderem covardemente no meio da estrada, Rick e Daryl partiram com o veículo, sem desconfiar que a loira pervertida e inconveniente tomava sol no teto do caminhão enquanto eu ralava sozinho nos ajustes do motor.”

“-Jura que você vai ficar mandando indiretinha no previously, Jesus?”

“-Ninguém manda ser folgada...”

“-Recalcado!”

“-Ainda bem que esse monte de esquisitice já está no fim! Cacete, Madalena, você tem que parar de mudar o foco disso aqui o tempo todo... Até eu já esqueci o que estava dizendo...”

“-Querido, eu não tenho culpa se meus comentários são muito mais pertinentes que os seus. As pessoas estão aqui por causa do Daryl, é o que dá a audiência. Aqueles bíceps, o olhar de bicho do mato, o cheiro meio podre do suor que foi se acumulando por semanas, os latidos sexies... Ou rosnados, sei lá... Eu nem me surpreenderia se o cara uivasse em noites de lua cheia. Enfim, tudo isso mexe com os ovários de qualquer uma, Jesus, vai aprendendo, e um dia desencalharás! Aposto que isso ‘tá na Bíblia!”

...

Daryl e Rick adentraram em Alexandria, ambos respirando mais aliviados apenas naquele momento em que puderam dar a missão por concluída. Sentiam-se, acima de tudo, satisfeitos com o dia produtivo que tiveram, mesmo que o preço a se pagar por aquela reserva de mantimentos tenha sido a angustiante apresentação ao casal que os abordou no meio da estrada, e desde então apenas trouxeram problemas ao retorno do arqueiro e do xerife ao vilarejo. A breve convivência com aqueles meros desconhecidos ainda se mantinha extremamente incoerente aos olhos dos dois. Cada segundo naquela estranha companhia soando de forma tão irreal, que não parecia correto descartar a possibilidade de terem vivido algum tipo inusitado de pesadelo.

Mas apesar de todo transtorno estavam retornando para casa, trazendo na bagagem daquele caminhão uma gama considerável das mais variadas provisões. Em suma, dariam à existência de Alexandria mais um sopro de vida, e através dele poderiam se planejar melhor para continuar mantendo o lugar com todo o necessário.

Ao entrarem no campo de visão de Sasha e Abraham – os responsáveis por vigiar, naquele turno, a movimentação de qualquer vivo ou morto aos arredores da vila –, o soldado ruivo e a atiradora logo se apressaram em anunciar a chegada daqueles que haviam partido em missão, o xerife ainda guiando rumo à comunidade um caminhão que não fazia parte da frota corriqueira.

Assim, Maggie e Rosita se dirigiram à entrada do lugarejo para que pudessem abrir os portões e receber os amigos, que mais cedo partiram à procura dos mantimentos que tanto precisavam. E, assim esperavam todos, que viessem trazendo boas notícias.

Rick, ocupando o espaço destinado à direção do veículo, entrou na cidade buzinando de uma forma atipicamente alegre, angariando a atenção de todos os que estavam por perto. A maior parte dos moradores se aproximou do caminhão a fim de cumprimentarem os parceiros, vários rostos vislumbrando a cena com um sorriso esperançoso nos lábios, pois parecia evidente que a missão terminara bem – talvez até melhor do que o esperado –, e que poderiam manter o estoque da comunidade por mais algumas semanas, sem se preocuparem com a inquietante escassez pela qual vinham passando.

O xerife saiu do veículo num movimento altivo, a alegria capaz de camuflar o alívio dominante em seus traços. Grimes aguardou que sua família viesse cumprimentá-lo pelo novo estoque de alimentos, porém todos que iam em sua direção de repente pararam no meio do curso, um semblante ligeiramente confuso quando se posicionaram aos fundos do caminhão.

“-Vocês trouxeram alguém?” – perguntou Glenn, só então se aproximando de Rick e Daryl, o arqueiro também caminhando até o rapaz de traços orientais.

Tanto Grimes quanto Dixon se entreolharam em sincronia, ambos perplexos ao imaginarem que aqueles sons – persistentes e baixos – que se propagavam no fundo do caminhão vinham dos vadios que os abordaram na estrada, e que por muito pouco não tomaram aquele estoque para eles.

“-Nem pense em abrir essa porra!” – comentou Daryl, em seu mau humor culminante.

Aos olhos curiosos de todos os moradores, Rick ainda desacreditado colou o ouvido direito rente à saída do caminhão e constatou em nitidez a cantoria da garota irritante que tanto os provocara. A voz, desafinada e facilmente reconhecível, levou algum cansaço aos olhos claros do xerife.

Ainda não haviam se livrado daquele maldito pesadelo, afinal.

“-...encontrei minha mulher com o seu amante, na minha cama, com o meu pijama de bolinhas! Aí eu gritei: ‘Alto lá, seu cafajeste, pode ser que ela não preste, mas o pijama é meu... foi minha mãe quem deu!’— Maria cessou o cantarolar por alguns segundos, mas logo retomou a fala. – Sabe, Jesus, é melhor eu cantar algo mais educativo já que estão nos ouvindo e aquele cara é tão burro que seria bom se aprendesse alguma coisa nesse meio tempo... – limpou a garganta de forma teatral, causando um arrepio de irritação em Rick quando a voz feminina novamente se pronunciou em forma de canção – Os ângulos, todos os ângulos inscritos na semi-rodosa são retos. ‘Tô falando sozinha?!” – berrou a garota no exato instante em que socou a traseira do veículo por dentro, fazendo reverberar um ruído incomodamente alto e agudo ao ouvido colado do xerife, e Rick de súbito se afastou dos fundos do caminhão.

“-São eles...” – o líder confirmou, taciturno. Incapaz de crer nas habilidades daquele casal para conseguirem mais uma vez enganá-lo. Relanceou um olhar para o arqueiro e reconheceu a mesma expressão atônita que deveria estar estampada em seu rosto, temperada também por alguma raiva.

“-Eles quem?” – Carl questionou, aconchegando uma Judith sonolenta nos braços.

“-Um casal que infelizmente encontramos na estrada…” – Rick suspirou ainda encarando a traseira do caminhão de maneira incrédula, quase infeliz. Sua pistola pesou um pouco mais sobre o coldre, como uma sugestão tentadora a ser usada contra os atrevidos invasores.

“-CASAL É O CARALHO!— Uma voz feminina e vibrante veio de dentro do veículo, abafada pelo metal que os separava do grupo de Rick Grimes – Dá pra abrir isso aqui ou a gente vai ter que comer todo o seu estoque?”— Questionou, impaciente.

“-Se livra dessa merda de caminhão, Rick… – Daryl sugeriu, o incômodo evidente em seu rosto de caçador – Isso não vale a comida...”

“-EU OUVI ISSO AÍ, CAIPIRA! ME TIRA JÁ DAQUI ‘PRA GENTE DISCUTIR A RELAÇÃO!”

“-Relação?” – Carol arqueou uma sobrancelha, lançando ao arqueiro aquele típico olhar esperto que facilmente o irritava.

“-Ela é louca…” – resmungou num de seus rosnados baixos, parecendo extremamente incomodado.

Rick, sem nada dizer, abriu o baú num movimento rápido, temendo se arrepender daquela atitude. Já segurava a arma presa ao quadril com mais intimidade, instigado a usá-la ao menor sinal de precisão. Maria e Jesus estavam sentados de forma indiana junto às provisões, cada um segurando uma mão de cartas enquanto vários pacotes dos mantimentos que trouxeram estavam rasgados, já sem nada em seu interior.

Como eram ousados aqueles dois filhos da puta...

“-Finalmente! – Maria Madalena saiu do caminhão num salto, ansiosa pelo ar puro que já inspirava. Ajeitou o cabelo num movimento espalhafatoso, o indicador logo apontando para o xerife ao se ascender em riste – Em primeiro lugar, não tem casal nenhum aqui, pervertido. Série errada, meu chapa! Por mais que morra gente ‘pra caralho por aqui, isso não é Game of Thrones ‘pros irmãos saírem se pegando numa boa. Se eu tivesse que apostar, arriscaria que isso aqui tá mais pra ‘The Walking Dead’, talvez... – mudou a direção, agora encarando Daryl – E em segundo lugar, toma essa! – estapeou o arqueiro num golpe estalado, que deixou a todos boquiabertos – Depois de tudo o que vivemos juntos, você tem a cara de pau de me chamar de louca?”

“-Molhou direitinho o biscoito, né, seu puto? E comeu quieto, nem contou ‘pra ninguém…” – Abraham abriu um sorriso cheio de malícia, ao que Daryl bufou em resposta, ignorando a inconveniência do soldado ruivo, alguém que sequer tinha um mínimo de intimidade consigo para tal comentário.

“-Hey, mais respeito com a minha irmã, cara! – Paul Rovia se prontificou, agora ele saindo do caminhão e se colocando ao lado de Maria numa postura protetora. Ou quase. Quando testemunhou o tamanho de Abraham o superar em vários centímetros, recuou um pouco, o desafio sumindo de sua voz subitamente mansa – Ela é completamente maluca sim, irritante, chata ‘pra caralho, inoportuna, folgada, mas não sai dando o biscoito pra qualquer um...”

“-NÃO TEM BISCOITO! – Olívia berrou do fundo do grupo, atraindo a atenção perplexa de todos. Antes de voltar a falar, a mulher deu de ombros – Ah, gente, eu sou figurante, queria falar alguma coisa...”

“-Cala a boca, Embucete*… – Maria a cortou, voltando o assunto aos personagens que realmente importavam – Jesus, antes que eu me esqueça, vá se foder. E não sei qual é a desse biscoito, mas eu digo que o certo é bolacha! Porque minha missão nessa vida é causar, não gostou, pega eu” – olhou para Daryl, dando uma piscadela extravagante.

Aaron, que até então tinha se mantido um pouco mais afastado de toda a confusão, caminhou a passos lentos até o veículo, seus traços formando um vinco duvidoso no meio da testa conforme vencia distância até a inusitada dupla.

“-Maria Madalena? É você?”

“-Aaron! – ela respondeu, tão surpresa com o reconhecimento quanto ele – Você aqui! – puxou-o para um abraço, os dois agora atraindo a atenção de todos, chegando a frear um pouco os anseios homicidas de Rick Grimes contra aqueles dois – Rapaz, nunca pensei que te veria de novo, bunda mole do jeito que era... E agora a pergunta que não quer calar... Como você sobreviveu até agora? De todas as pessoas que eu conhecia antes dessa merda começar, você estava no topo da lista dos que eu achei que jamais teria chance de sobreviver.”

“-Erik e eu chegamos a Alexandria quando tudo começou, e tem sido um lugar seguro desde então.”

“-E por falar nisso, onde está aquele pilantra do Erik? Vocês não se desgrudavam por nada... Ninguém aguentava ficar perto, principalmente quando usavam aqueles apelidinhos escrotos. Como era mesmo? Lala e ...?”

“-Então... – Aaron se apressou a interrompê-la, pigarreando – Nem sei onde o Erik se meteu, tiraram ele da série nessa temporada e nem me avisaram... – ergueu os ombros num sinal de dúvida, olhando em seguida para Paul Rovia de uma forma insinuante – Acho que querem que eu tenha outro crush na série... – abriu os lábios num sorriso significativo, fitando o homem recém-chegado de cima a baixo – Fica a dica, querido!”

“-Qual seria o apelido de vocês?” – Michonne lançou a pergunta num tom atrevido, revezando olhares entre a jovem loira e o arqueiro, a pergunta direcionada a ambos, Dixon agora fuzilando a espadachim em sua expressão pouco convidativa.

“-Ken e Barbie, nas versões manicômio e arqueiro" – Glenn se manifestou, divertido com a situação, apesar de sua inegável estranheza.

“-Manicômio? Vou te dar uma dica, cara, abre bem o olho antes que o Negan acabe fazendo isso por você... Aliás, nem brinca com um negócio desses, o Ken é lisinho por baixo, seria uma puta decepção” – Madalena o provocou com um sorriso, não contendo a risada quando o arqueiro revirou de leve os olhos, soltando um audível bufar aborrecido, sua expressão de poucos amigos.

“-Mostra ‘pra ela, Daryl...” – o asiático olhou para o arqueiro com um sorriso de canto, divertindo-se com a raiva do amigo, que se mostrava cada vez mais sem jeito diante de toda a situação.

“-E depois vão vir me culpar pela morte dele...” – Daryl resmungou, descontente, detestando ser o centro das atenções. Ainda mais em circunstâncias como aquela.

“-Detesto interromper esse momento estranho entre vocês... – Paul Rovia principiou, ciente de que não poderiam perder muito mais tempo naquelas banalidades, algo que levaria o resto do dia se dependesse das abstrações de sua irmã – Mas temos que lidar com algo sério aqui. Sei que nós começamos com o pé esquerdo. – Fez uma pausa, olhando a todos com uma seriedade inédita, pela primeira vez passando alguma credibilidade ao discernimento de Grimes – Mas estamos do mesmo lado! O lado dos vivos. Vocês tinham todas as razões para nos deixar lá... E deixaram mesmo, foi meio chocante, mas enfim... – suspirou, ainda tentando amolecer o olhar duro daquele que liderava o grupo – Nós somos de um lugar muito parecido com esse, e parte do nosso trabalho, principalmente o meu, é achar outras colônias para negociar. Tentamos roubar o caminhão porque Hilltop, minha comunidade, precisava, e vocês dois cheiravam a encrenca... – revezou sua atenção entre o xerife e o arqueiro, ambos trajando expressões ainda intolerantes – Eu estava errado! Vocês parecem ser boas pessoas, e este é um lugar bom. Nós achamos que nossas comunidades podem se ajudar. Nós temos comida, começamos a criar gado, plantamos todo tipo de coisas, desde tomate ao sorgo. Se formos até lá, poderemos mostrar tudo isso a vocês. Poderão ver quem somos, e o que temos a oferecer!” – O homem de cabelo comprido concluiu, revirando os olhos quando a irmã murmurou um ‘amém’ e, com o término do discurso, fez o sinal da cruz de forma solene.

“-O que te faz pensar que seguiríamos vocês por espontânea vontade?” – o xerife questionou com prudência, pouco inclinado a considerar aquela oferta depois de tudo o que passaram na estrada com os irritantes irmãos.

“-Se é ‘pra se livrar deles, a gente leva.” – Daryl se prontificou, seu timbre ríspido e já dominado pela impaciência gerada àquela presença.

“-Por que tanta hostilidade contra esses dois? – Maggie interviu, colocando-se à frente. As mãos pousavam delicadas sobre o ventre inchado – Todos nós estamos cientes de que Negan e os Salvadores são uma ameaça real, tanto para Alexandria quanto para qualquer outra comunidade que tente sobreviver sem sua influência. Nossa única chance de conseguir sair ileso do domínio doentio desse grupo pode ser unir nossas forças contra mais esse tirano. Além do mais, eles me parecem confiáveis... Tenho certeza de que tiveram oportunidades mais do que suficientes de atacar Rick e Daryl na estrada, e pelo visto não o fizeram...”

Os olhares de Rick e Daryl se cruzaram com rapidez, parecendo constrangidos naquele lacônico contato visual.

“-Não, não fizeram...” – disseram num uníssono pouco convincente, dispostos a encerrar o assunto antes que fossem coagidos a contar com aquela parceria com os irmãos que tão facilmente os enganaram.

Madalena abriu um sorriso enviesado, igualmente astuto e zombeteiro, seus traços arteiros se intensificando naquela expressão que tão bem combinava com a garota insolente.

“-Ora, ora, ora… Parece que o jogo virou, não é mesmo…?” – riu, disposta a expor cada detalhe sórdido sobre como conseguiram entrar no caminhão.

“-Tudo bem, podemos considerar uma ida a Hilltop” – Rick logo se prontificou, disposto a mudar o foco daquela conversa.

“-Considerar, é? Não era bem a resposta que a gente esperava… Acho que Jesus e eu podemos contar como nós conhecemos Rick e o gostosão encardido. Aliás, só saio daqui se ele tomar um banho, gente, não foi fácil ficar presa numa lata de metal com esse catiço aí… – Chegou mais perto do arqueiro, a sugestão de um sorriso fazendo ascender de leve seus lábios – Mas não se preocupe, eu ainda te amo. Nosso caso vai muito além de água, sabão e shampoo anti-pulgas…”

“-Talvez ele realmente precise do shampoo anti-pulgas... – Carol se manifestou num tom quase desinteressado, sustentando com tranquilidade o olhar letal que vinha do arqueiro – Eu vou te encher o saco até você tomar banho!” – finalizou, não se abalando com aquela expressão toda repreensora que ele lhe dava, até mesmo chegando a se divertir com as tendências ariscas do amigo.

“-Nossa, eu estava brincando! – a irmã de Jesus disse, surpresa – E eu que pensei que o mau cheiro vinha dos zumbis...”

“-Sabendo disso, você vai parar de me encher a porra do saco?” – o arqueiro perguntou com rudeza, querendo mais do que tudo se livrar da menina abusada. Ela sorriu largamente, como uma negação precoce àquela pergunta.

“-Não vai ser fácil assim, gostosão. Saiba que meu personagem favorito d’A Turma da Mônica sempre foi o Cascão – piscou num flerte debochado, aquele sorriso zombeteiro ainda brincando em seu rosto ao perceber um profundo desentendimento no semblante de Dixon – Mas, de qualquer forma, precisando de ajuda ‘pra tomar banho, estamos aí!”

Abraham cutucou o caipira com seu próprio ombro num incoerente gesto de camaradagem, também sorridente quando falou.

“-Cara, ela ‘tá tão na sua...”

“-Engraçado, pensei que esse bordão fosse do Greg e não do Caruso**... Até em bordões você é duas caras...” – Maria Madalena negou com a cabeça em evidente reprovação, virando-se em direção à Rosita e formando palavras silenciosas com os lábios enquanto apontava discretamente para Sasha, dizendo algo como cuidado com a filha da Xuxa.

“-Estudos já comprovaram que pessoas geneticamente compatíveis se sentem atraídas pelo odor do outro. – Eugene se manifestou, o antigo educador usando de seu tom professoral para formular aquela explicação tão desconexa com o momento de zombaria – É uma forma de a natureza unir dois seres com maior probabilidade de gerar descendentes mais fortes pela combinação genética favorável.”

Maria Madalena deixou o sorriso novamente crescer em seu rosto, desviando o olhar de Eugene para Daryl.

“-É cada estudo inútil que faziam na época dos vivos, quando os mortos eram corteses ao ponto de ficar em seus caixões, não é...? Bons tempos... – divagou, sorrindo ainda mais amplamente para o arqueiro – Quer dar uma fungada aqui, benzinho?” – ofereceu o pescoço, ao que o caipira mais uma vez grunhiu, pouco à vontade na presença da garota.

“-Se deu bem, Daryl, finalmente... – Carl troçou o arqueiro, o meio sorriso acompanhando o brilho intenso de seu único olho – Até eu já ‘tô me ajeitando com a Enid...”

“-‘TÁ SE AJEITANDO O SEU CU! – uma voz ao longe se projetou pelo ambiente, estranhamente abafada apesar do vigor, como se não passasse de um espectro do timbre feminino – EU AINDA ‘TÔ PRESA NO ARMÁRIO, SEU BOSTA!”

Carl empalideceu no mesmo instante, cambaleando ao ponto de quase deixar Judith cair de seu colo normalmente tão cuidadoso. Sem nenhum novo comentário, o adolescente pôs-se a andar com rapidez para longe daquela multidão, seguindo a direção da voz.

“-Estamos aqui reunidos... – Jesus começou em alto e bom som, abrindo os braços e chamando a atenção de todos – ...para irmos à Hilltop!” – lembrou, mais uma vez tentando retomar o foco.

“-Eu vou pra’onde você quiser... – Aaron emendou, dedicando-se a observar o irmão da antiga conhecida com interesse – Acho até que nem sou mais ateu...”

Passados não mais do que dois minutos, Carl retornou cabisbaixo ao local, Enid mantendo distância à sua frente com um semblante furioso. Daryl deixou nascer em seu rosto um sorriso sutil, divertido por ver o adolescente naqueles maus lençóis logo após tirar sarro de sua situação com a garota louca.

“-Não sabia que você se interessava pelos cabeludos, Aaron... – Maggie sorriu para o amigo, as mãos ainda passando distraidamente pela barriga como um gesto já habitual – Primeiro o Daryl, agora o forasteiro de Hilltop...”

Eugene mais uma vez contribuiu com uma hipótese, não entendendo se tratar de um momento de descontração, talvez por estes serem tão raros em suas rotinas sempre conturbadas por tantas desgraças:

“-Talvez, na verdade, Aaron se sinta atraído por Jesus e Daryl porque ambos apresentam atitudes natas de sobreviventes, fazendo com que...”

“-Já teve falas demais por hoje, Eugene.” – Rick deteve a fala do estudioso, calando de vez aquele comentário que por certo seria embasado em vários estudos científicos dos quais não estava interessado.

“-Então agora eu entendi o motivo de você resistir tanto aos meus encantos... – Maria descansou as íris azuis primeiro no arqueiro, para em seguida direcionar-se para Aaron – É que você... – apontou o dedo para Daryl – ...não quer magoar os sentimentos dele! Que homem!”

“-Para de mudar de assunto, Maria, é por isso que eu nunca te levo comigo e ninguém te deixa ir sozinha numa missão!” – Jesus chegou perto de exaltar-se, mas até mesmo naquelas circunstâncias em que demonstrava alguma impaciência, ainda assim não parecia realmente irritado.

“Deve ter sido a porra de um hippie maconheiro antes de toda essa merda começar...”— Daryl Dixon refletiu, até seus pensamentos soando com impaciência no que se referia à dupla de irmãos.

“-Que chilique desnecessário, Jesus! – a irmã repreendeu, apontando em seguida para o padre Gabriel – Vai se benzer com o padre Bênis ali e me deixa tentar a sorte com o tiozão da besta. Fiquei sabendo que o cara não pega ninguém há seis temporadas, para de empatar minha chance que dessa vez eu ‘tô sentindo que vou me dar bem...” – disse, ao que Jesus olhou para Dixon com uma expressão de assombro, um “seis?” incrédulo e silencioso se formando nitidamente através de seus lábios, facilmente reconhecível através da leitura labial, assoviando em seguida ao testemunhar a carranca de Daryl, o que apenas confirmava sua longa abstinência.

“-Meu nome é Gabriel, e...” – o padre a corrigiu por chamá-lo pelo nome errado, sendo interrompido no mesmo instante pela confusa garota loira.

“-Isso me faz lembrar uma história antiga, de quando eu ainda era coroinha do padre Bênis, que vivia com a epístola na mão...”

“-Não, você não vai dispersar o foco de novo...!” – Paul Rovia interveio, mas já era tarde. Sua irmã olhava sonhadoramente para um canto vazio da comunidade, já imersa nas próprias memórias que agora contava abertamente.

“-Ah, os tempos de coroinha! Nessa época eu devia ter a idade desse moleque aqui – apontou para Carl, sequer chegando a perceber seus traços emburrados à medida que lançava olhares para a adolescente um tanto enfurecida, ainda aconchegando a pequena irmã nos braços –, a única diferença é que eu tinha que manter os dois olhos bem abertos porque o padre tomava mais vinho do que o necessário e... – ela parou, só agora reparando com mais cuidado em Judith – Nossa, que criança linda! É filha de quem?”

“-É minha!” – respondeu Rick, impaciente.

“-Jura? Não ashane*** nem um pouco parecida com você... Aliás, isso me lembra de algo extremamente importante! – Madalena notou, expondo do nada um enorme chifre bovino brilhante e perfeitamente ondulado, as duas extremidades conectadas por uma alça de couro. Segurava o objeto com uma mão, os dedos da outra deslizando sobre o corno de forma elegante à medida que seu olhar se direcionava a nenhum lugar específico. Um sorriso moderado se formou em seus lábios, a voz tornando-se estranhamente profissional quando voltou a falar: – Selaria Soares. Selas, arreios, acessórios e berrantes, especialmente para você, que já é corno manso. Fabricamos tudo com o melhor preço, que cabe no seu bolso, diferente da galhada lutando por um espaço apertado na sua cabeça. Selaria Soares. Qualidade, compromisso e parceria com você, cliente... Venha nos conhecer! – o sorriso exageradamente simpático sumiu de seu rosto quando ela terminou aquelas falas ensaiadas, em seguida oferecendo o berrante ao xerife – Fica de presente ‘pra você esse aqui. É sempre bom ter um estepe! – disse, aceitando os olhares incrédulos que se fixaram em si após mais aquele momento sem noção de sua parte – Foi mal, gente, mas temos que nos sustentar de alguma forma, eles compraram um espaço ‘pra propaganda nesse capítulo! Patrocínio é tudo nessa vida. Mas enfim, voltando ao que realmente interessa...”

“-Hilltop?” – Jesus tentou, ainda que soubesse ser uma investida inútil.

“-Não, bocó, o meu passado ajudando na igreja. Padre Bênis era um homem rígido, todo ereto, que não dava mole ‘pra ninguém. Repetia a mesma coisa com seu sotaque alemão bem carregado, sempre cuspindo na cara de todo mundo... Eu ainda me lembro do que ele falava! Levo como um grande ensinamento ‘pra vida até hoje! Antes de dar início à missa ele sempre dizia: ‘Meus carrríssimos irmãos, quem crriou o mundo fo’deus. Ontem fo’dia santo, fo’dia de alegrria e fo’dia de satisfação.’. Eu sempre achei essas palavras tão sábias e inspiradoras...”

“-Vamos logo pra essa porra de Hilltop.” – Daryl se manifestou, já há muito tempo não suportando o tagarelar incessante e sem sentido da mulher. Maria Madalena assentiu com vontade, séria.

“-Pois é, o coitado do Jesus ‘tá falando isso há mais de uma hora, e vocês ficam aí enrolando... Vou falar, assim fica difícil manter o foco das coisas, fazer um trabalho bem feito, ter produtividade, se empenhar ao máximo e... – olhou para Michonne, interessada – Nossa, você tem uma katana! Me dá? Nunca te pedi nada...”

“-Vamos logo...” – Rick finalmente se pronunciou, ansioso por dar um fim àquilo.

“-Isso, vamos, pelo amor de mim!” – Jesus implorou, aproveitando que haviam retornado ao enfoque da questão.

“-Calma, Jesus, ainda não. Tem uma coisa realmente importante que precisamos fazer antes de deixá-los entrar em Hilltop. Você lembra que o líder deles fez duas perguntas a nós dois, não lembra? – sua irmã questionou, vendo-o assentir com um pouco mais de interesse pelo que ela tinha a dizer – Pois é, isso me fez pensar muito, e eu cheguei à conclusão de que não podemos levá-los à nossa comunidade sem nos certificarmos de algumas coisas também. Muito bem, galera, respondam com sinceridade! – ela respirou fundo, como se tentasse se preparar para um questionamento verdadeiramente complexo, e de imediato os semblantes do grupo de Rick Grimes adquiriram traços um pouco mais tensos – Batman ou Superman?”

O silêncio se firmou entre os membros do grupo, uma enorme quantidade de olhares interrogativos se fixando em Maria Madalena, que apenas apoiou as mãos na cintura, erguendo uma sobrancelha antes de dizer:

“-Se ninguém responder, a gente não sai daqui!” – alertou, decidida.

Jesus exalou um suspiro audível, levantando sua expressão desgostosa para o céu.

“-Senhor, por que me abandonaste? – observou as esparsas nuvens como se esperasse que alguma delas lhe lançasse uma resposta, e quando se convenceu de que sua réplica não viria, voltou a encarar a irmã – Fica aí o questionamento...”

Daryl, que assim como Rick já estava um pouco mais familiarizado com as esquisitices da mulher e sabia que ela provavelmente não desistiria de mais aquela estúpida perda de tempo, deixou escapar um murmúrio aborrecido de “Batman”, seu tom irritado disposto a encurtar o tempo daquela convivência.

Ela o encarou profundamente, como se o estudasse.

“-Batman... Interessante! Você então teve problemas com os pais... – fixou os olhos azuis no arqueiro, parecendo refletir mais a fundo sobre a resposta do homem em seus pensamentos antes de retornar a atenção para todos de um modo geral – OK, essas serão um pouco mais fáceis, prometo, só pra me assegurar do caráter de vocês. Sonic ou Mario? Democratas ou Republicanos? McDonald's ou Burger King? Beatles ou Rolling Stones? Freud ou Carl Jung? Trump ou Hillary? E agora a mais importante... Édipo ou Estocolmo?"

Todos, boquiabertos e de cenho franzido, a fitavam com diversas dúvidas estampadas em seus rostos, e Daryl se pegou imaginando que ele mesmo foi vítima dessa desconcertante sensação mais cedo, naquele mesmo dia, quando encontraram os irmãos pela primeira vez. Como a quietude se prolongou, Maria Madalena deu de ombros, mudando sua postura para algo mais relaxado.

“-Tudo bem, vamos indo então. Não são perguntas fáceis, eu sei, vocês provavelmente precisam de um tempo para refletir... – a jovem garota encerrou o assunto, permitindo que todos do grupo, ainda indignados e sem palavras, se acomodassem num largo trailer que abrigaria ao menos os mais aptos a enfrentar o lado de fora, sem a segurança dos muros. Quando a garota de Hilltop percebeu que Pelletier não acompanhava a pequena multidão, estranhou – Ué... A Carolzene não vai?”

“-Claro que não. Afinal, é ela que sempre está à espreita ‘pra botar fogo em tudo quando precisamos de alguém que salve nossa pele.” – Glenn prontamente explicou, um sorriso solícito antes de entrar no veículo que levaria todos a Hilltop, ajudando Maggie a vencer os degraus com seu jeito doce.

“-Ela sempre foi assim?” – Rosita apontou para Maria Madalena, não contendo a pergunta e de imediato recebendo um sorriso cansado de Paul Rovia. Alguns do grupo de Rick Grimes se aproximaram, de fato curiosos pela resposta.

“-Sempre, desde menina... – suspirou, deixando-se levar pelas lembranças, sempre se surpreendendo com a forma com que elas tinham o poder de carregá-lo para tão longe da realidade. Quando o presente é uma merda, a nostalgia do passado se torna perigosamente tentadora – Logo depois que começou o apocalipse zumbi, ao invés de buscar um abrigo seguro longe dos mortos, ela tentou reunir uma horda de errantes para encenar uma coreografia de ‘Thriller’... – abaixou o tom de voz, quase como se suplicasse – Mas, por favor, não comentem isso com ela, minha irmã nunca desistiu desse remake do clipe do Michael Jackson. Um tempo depois, quando começamos a compreender melhor a infecção, ela tentou criar um programa social de reabilitação zumbi ‘fome zero’... Não é fácil lidar, mas você se acostuma!” – contou, agora ele adentrando o automóvel.

“-Poxa, não deram nenhuma fala ‘pro Morgan...” – alguém comentou no meio do grupo, e Maria Madalena percebeu o homem de meia idade resoluto em seu próprio silêncio, escorando-se junto ao bastão que sempre portava naquela mesma expressão serena, que por si só já tentava ser apaziguadora.

“-Pois é, quando precisarmos de um concorrente ao Nobel da Paz a gente deixa o cara fazer um monólogo, mas no momento a demanda é tiro, porrada e bomba mesmo. Agora ‘bora lá, que capítulo que vem tem o gostoso do Negan! O cara é um misógino desgraçado, mas se eu não me ajeitar com o tio da besta posso pelo menos tentar tirar uma casquinha da Lucille ainda, nada está perdido!”

“É esse grupo que a gente tem ‘pra nos dar cobertura contra o Negan... Estamos fodidos!”— o arqueiro refletiu quando mais uma vez se viu preso numa viagem com a estranha mulher, a quem todos chamavam de Maria Madalena...

...A mais estranha de todas as suas descobertas por aquele mundo perdido em morte, sangue e sofrimento.

 

 


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Notas finais do capítulo

*Personagem figurante de Girls In The House, porque sim (não sabemos se todas aqui acompanham)! Sempre rasgaremos seda àquele divo do Raony por aqui, e sempre que pudermos homenageá-lo, faremos com muito gosto, como as boas Raonyzetes que somos xD
**Fala a verdade, o Abraham é a versão adulta do Caruso, de “Todo Mundo Odeia o Chris”, hehehe
***”ashane”, sacaram? xD

Esperamos que estejam gostando! Próximo capítulo tem confronto com o Negan, vamos ver o quanto a Maria Madalena vai foder com tudo, hahaha xD



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