Who stalk the stalkers? escrita por HellFromHeaven


Capítulo 1
Skull Guy




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A chuva fina respingava na janela do meu quarto naquela fria manhã de outono. O céu estava nublado faz uma semana, mas só resolveu desabar suas lágrimas sobre a Baía dos Pecadores naquele dia, como se soubessem dos eventos que estavam para acontecer. Uma lâmpada presa ao teto por um fio sem acabamento nenhum balançava de um lado para o outro, falhando algumas vezes, mas firme em sua tarefa de iluminar o ambiente. Havia apenas uma cama de solteiro cujas cobertas nunca foram arrumadas da forma correta, sempre em uma grande pilha que ia do colchão para o chão quando estava calor e do chão para o colchão quando estava frio, um armário de madeira velho onde ficavam minhas poucas variações de roupas e uma mesa de madeira reforçada, onde se encontrava meu bem maior: meu computador. Ele e a cadeira que eu usava enquanto utilizava aquela máquina maravilhosa estavam sempre impecáveis. Eu sempre fazia questão de me manter confortável e trocava a cadeira sempre que não me sentia mais à vontade, assim como o computador e suas peças.

Meus olhos estavam vidrados na tela de trinta e duas polegadas, enquanto minhas mãos realizavam movimentos rápidos no teclado em conjunto com o mouse, incessantemente. Já fazia algo uns dois dias, mais ou menos, que eu estava nesta luta, parando apenas para ir ao banheiro ou comer alguma coisa vez ou outra. Muitos dizem que ficar tantas horas sem dormir eram prejudiciais à saúde física e mental, principalmente quando a privação de sono era acompanhada por um belo e luminoso monitor de um computador, mas minhas olheiras profundas de que tanto me orgulhava eram a prova de que eu já estava acostumado a tal situação. Era só manter minha fiel caneca preta de café ao meu lado que o sono seria derrotado. A comprei com esta cor exatamente para não perceber que eu sempre enchia a caneca de café até quase sua borda, o que me assustava um pouco no começo desta vida. Porém, eu já não me importava mais com isso e apenas mantive a cor por ter me apegado ao objeto.

O motivo por toda esta luta aparentemente desnecessária está relacionado com meu trabalho e hobby pessoal preferido: vasculhar as vidas alheias. Desde que me entendo por gente, este tem sido meu passatempo mais querido e no qual eu mais me saí bem, tanto que passei a ganhar dinheiro com isso. “Se você é bom em alguma coisa, nunca faça de graça” é o que um antigo colega do colégio sempre dizia, mesmo nunca tendo aplicado isso a sua vida medíocre. Medíocre, esta é uma das minhas palavras favoritas dentro do dicionário por estar extremamente próxima da realidade em cerca de noventa por cento das vidas humanas. Aliás, este é um dos motivos por eu conseguir ganhar dinheiro com informações pessoais alheias. Todos tem um segredo a esconder, ele só varia de tamanho e dificuldade para ser descoberto. E onde há segredos, há também a necessidade natural humana pela descoberta, comumente conhecida como “curiosidade”. Este sentimento humano é praticamente infinito, tendo impulsionado nossos avanços científicos desde os primórdios de nossa história, tornando meu negócio algo realmente lucrativo.

Dinheiro é uma coisa importante, sendo conhecido por ser a “força que move o mundo”, como dizia aquele mesmo colega que nunca foi capaz de administrar suas finanças. Porém, minha maior motivação para me manter neste ramo era a verdadeira força que move o mundo: a informação. O poder de informações sigilosas sobre as pessoas que tentam escondê-las é muito maior que a influência do dinheiro e da economia, contrariando o que meu antigo colega dizia. Um empresário de sucesso é movido por sua ambição, sempre querendo mais dinheiro e investe todo seu esforço para cumprir tal tarefa, utilizando qualquer método necessário. Porém, este mesmo empresário é capaz de abrir mão de toda sua ambição para impedir que a mídia descubra que ele trai a esposa ou algo do tipo. Assim que descobri o real poder escondido por trás dos poderes alheios, me vi incapaz de controlar minha ambição, sempre querendo saber mais e mais. E neste jogo, passei anos aprimorando minhas habilidades, sendo capaz de me misturar em multidões, utilizar disfarces, escolher os contatos certos, rastrear conversas e utilizar a tecnologia a meu favor sempre que necessário, tendo sempre cuidado para manter as minhas informações guardadas a sete chaves.

A Baía dos Pecadores, como gosto de chamar minha humilde cidade, é um local cheio de clientes em potencial e novos “tesouros” a serem descobertos. Me mudei para um pequeno apartamento no lado pobre da cidade há alguns anos e sempre mantive uma aparência exemplar para meus vizinhos, tirando as olheiras, é claro. Quando você sabe como tirar informações de outras pessoas, sabe também como esconder as suas, e sempre fui muito cauteloso, ou até mesmo paranoico, em relação a isso. Para todos os que me conhecem, sou apenas Bob, um cara que trabalha em casa fazendo manutenção de computadores, sites e quaisquer serviços simples relacionados à informática. Obviamente, este não é meu nome de verdade e, muito menos, o nome que utilizo para contactar meus reais clientes. Sou conhecido na internet como Skull Guy, por utilizar uma máscara de caveira sempre que tenho que entrar em contato com meus clientes ou conhecidos do ramo. Motivos? Eu não tinha nada para usar no meu primeiro trabalho e acabei pegando a máscara de uma fantasia do meu colega emprestado e ganhei o apelido, daí fui aprimorando a máscara para que cobrisse todo o meu rosto e somente eu pudesse retirá-la. Assim como a cor da caneca, mantive a forma apenas por ter me acostumado com ela.

Voltando ao começo desta história, naquele dia chuvoso e agradável, eu estava finalizando uma investigação sobre um certo Sr. Smith, cujos segredos eram cobiçados por sua esposa. Encontrei com ela em um estacionamento no centro da cidade e cobrei a quantia de sempre pela realização dos serviços, cem créditos. Não era muito, mas Sr. Smith era apenas um cara empregado comum de uma empresa de telecomunicações, então não seria difícil. Acabei levantando as fichas dos dois porque, bem, é o que eu sempre faço. Informação nunca é demais. Descobri que ela era uma mulher arrogante nas ruas e insegura dentro de casa e que, por este motivo, era extremamente paranóica e pensava que todos a estavam traindo o tempo todo. Seu marido não era um santo, gostava de apostar dinheiro em suas jogatinas de poker às sextas e era um ex alcoólatra, que se recuperou do vício depois de entrar em coma alcoólico duas vezes em seis meses. Ele omitia muita coisa da Sra. Smith, como sua situação financeira, os jogos e alguns fetiches peculiares que gostava de conferir pela internet, mas em geral era apenas um cara qualquer. Para meu desânimo, a maioria dos casos se resumia a suspeitas falsas, tornando meu trabalho um pouco entediante às vezes.

Dentro deste contexto pode parecer estranho ficar noites em claro apenas para vasculhar a vida de cidadãos comuns com seus pecados tediosos, mas eu não podia evitar. Parte de mim sempre acredita que há algo a mais por trás de casos assim, mas esta intuição raramente prova seu valor. De todo jeito, eu já tinha todos os dados que precisava por volta de meio dia. Peguei o envelope contendo todas as informações importantes levantadas, desliguei meu velho amigo computador e saí de meu apartamento. Peguei um ônibus para o centro da cidade e parei em um beco vazio antes de me dirigir até o ponto de encontro com a Sra. Smith. Coloquei minhas roupas, luvas e capuz preto e minha fiel máscara de caveira branca que envolvia minha cabeça com tiras de couro preto presas na nuca com uma trava por impressão digital. Meu cuidado e equipamentos foram melhorando de acordo com a minha reputação e a demanda de serviços, me deixando no posto de melhor stalker da região. Este título foi conquistado com muito trabalho duro e anos de atuação no ramo, coisas das quais me orgulho. O encontro ocorreu no mesmo estacionamento em que ela contratou meus serviços e foi o mais breve possível. Sempre evito conversar com meus clientes, então basicamente só peguei o dinheiro, entreguei o envelope e fui embora sem olhar para trás.

Voltei rapidamente para o mesmo beco e retirei meu disfarce depois de garantir que estava sozinho. Coloquei tudo em minha mochila e ainda fiz questão de colocar uma peruca e óculos escuros para sair do beco. Todo cuidado era pouco e me livrei do segundo disfarce em outro beco distante do primeiro. Com o dinheiro em mãos, fui até a Cafeteria do Jhonny, como sempre faço depois de um trabalho finalizado. O local era simples, com mesas de madeira e um longo balcão com vários banquinhos, onde ficavam os clientes mais apressados. Jhonny era um homem de quarenta anos, barrigudo e quase careca com uma habilidade incrível de fazer omeletes maravilhosas e sérios problemas de saúde devido a sua dieta nada saudável. Ele e sua família trabalhavam naquele ponto há cerca de vinte anos, tornando o local quase um ponto turístico da cidade… Pelo menos para os amantes de refeições rápidas e café bem feito. Sua filha, Daisy tinha dezoito anos e era a garçonete preferida dos clientes. Seus cabelos ruivos e longos balançavam pelo local, e garantiam vários olhares dos homens que comiam ali. Seus olhos verdes e corpo bem desenvolvido para uma garota daquela idade contribuíam para sua fama, deixando seu pai preocupado com sua segurança. Não que isso fosse necessário, afinal, ela fazia pouco caso dos elogios, cantadas e olhares maliciosos e apenas conversava com os clientes mais antigos, como eu. Poucos sabem que ela fazia defesa pessoal e andava com uma arma de choque, embora nunca tenha colocado nenhuma das duas coisas em prova.

Trocamos algumas palavras sem muita importância e ela serviu meu café como de costume, preto como a noite. Fiquei observando o movimento na rua pela janela enquanto apreciava o café lentamente. Este meu ritual sempre demorava cerca de meia hora, e exigia três cafés e uma tarde desocupada. Até aí, tudo estava extremamente comum, como mais um dia de trabalho cumprido com perfeição. Porém, depois de terminar meu primeiro café, uma garota sentou-se à minha frente, na mesma mesa que eu. Não tinha amigos homens ou mulheres, então aquilo chamou minha atenção. A garota tinha cabelos azuis até os ombros, olhos cor de rosa e usava sombra e batom negros. Ela vestia uma jaqueta de couro negra por cima de uma camiseta branca e folgada, calça verde escura e botas negras, com algumas pulseiras de prata em seu braço direito. Aquela figura exótica estava me encarando com um sorriso malicioso enquanto apoiava seu rosto em sua mão esquerda. Ficamos nos encarando em silêncio por alguns minutos, até que ameacei dizer alguma coisa, mas fui interrompido pela garota:

— Não se incomoda de tomar café em uma caneca branca?

— Desculpa, o quê?

— Sabe, pensei que o seu lance fosse canecas pretas.

O comentário da garota me atropelou com a força de um trem, quase fazendo com que eu entrasse em desespero. Ninguém deveria saber sobre aquilo, muito menos uma pessoa desconhecida para mim. Eu tinha a ficha de todas as pessoas do meu bairro e nenhuma se parecia com aquela pessoa à minha frente. Fiquei paralisado por alguns segundos, mas consegui recuperar a calma sem transparecer meu desespero:

— Eu realmente não sei do que está falando.

— Aposto cem créditos que sabe. Gostaria de apostar comigo? Algo me diz que você tem essa quantia com você.

— Realmente não entendo aonde você quer chegar, garota.

— Direito ao ponto, certo? É uma pena, gosto de estender conversas assim. O ponto em que quero chegar, senhor “Bob”, é que eu sei quem você é.

— Tudo bem, você sabe meu nome. Isso não é segredo, ainda mais nesta cafeteria.

— Não é bem disso que estou falando, Skull Guy.

E mais uma vez fui atingido, ainda com mais força. Estava ficando impossível manter a calma naquela conversa. O último comentário me fez arregalar os olhos involuntariamente, acabando com toda a minha pose. Eu já não estava mais no controle da situação, o que me deixava extremamente desconfortável.

— Eu continuo sem saber do que você está falando.

— Poxa, cara. Até quando pretende ficar neste joguinho? Quer que eu fale seu endereço, número de roupas, sapatos, telefone, quantidade de móveis e histórico da internet em voz alta?

— Eu agradeceria se ninguém nunca ficasse sabendo a respeito do meu histórico.

— Eu posso compreender seus motivos, mas não se preocupe. Todo mundo tem um ou mais gostos bizarros. Aliás, você sabe muito bem disso, sr. Stalker.

— Bem, se chegamos a este ponto, presumo que você também seja uma stalker, certo?

— Finalmente está sendo mais sincero! Achei que teria que ficar provocando suas paranoias para sempre.

— Agradeceria se não o fizesse.

— Tudo bem, SG, serei boazinha. Sim, eu sou uma stalker profissional, assim como você acredita ser.

— Foi paga para vir aqui menosprezar meu trabalho?

— Claro que não! Para falar a verdade, não fui paga para nada. Você chamou a atenção de algumas pessoas importantes com seu histórico de serviços e vim aqui lhe fazer uma proposta.

— Que tipo de proposta? Já digo de antemão que prefiro trabalhar sozinho.

— Do tipo que você será incapaz de recusar. Eu proponho a verdade.

— Tudo bem… Que verdade?

— Você acha que conhece o mundo, seu bairro, esta cidade e como as coisas e pessoas funcionam, mas está enganado. Suas habilidades para recolher informações são notáveis, mas você apenas arranhou a superfície da sociedade como um todo.

— Conte-me mais.

— O sr. Skull Guy se acha o maior stalker da região, o fodão dos fodões, o guru da espionagem. Porém, não faz a menor ideia de que acabou entrando para um local obscuro da sociedade, de onde não se pode voltar.

— Chega de subjetividade, vá direto ao ponto de uma vez, droga.

— Tudo bem, SG. A verdade que lhe proponho, é a verdade sobre nós, stalkers. Há uma sociedade paralela à sociedade visível onde pessoas como nós convivem, trocam e vendem informações em proporções que você sequer pode imaginar. Estamos em todo lugar, a qualquer momento, a qualquer hora.

— Isso é ridículo. Não tem como algo desse tipo ter passado despercebido por mim.

— É aí que você e todos os outros se enganam. Who stalk the stalkers?

A garota perguntou no mesmo tom de voz que falava comigo. Era quase impossível o som chegasse aos ouvidos de alguém além da mesa ao lado. Porém, quase que em uma sintonia perfeita, todas as pessoas que estavam na cafeteria, exceto Jhonny e as pessoas da cozinha, se viraram para nós e responderam em um tom firme:

— No one!

A figura exótica à minha frente exibia um sorriso de satisfação em contraste absoluto com minha expressão de desespero. Minha mente não conseguia aceitar os fatos que foram atirados contra ela. Eu não queria acreditar que todas aquelas pessoas eram stalkers e, muito menos, que estavam todos ali, me cercando sem que eu tivesse notado. O desespero e a paranoia tomaram conta de meu ser e eu corri daquele lugar sem sequer pagar o café. Corri como se não houvesse amanhã, sem rumo. Foi o fim de meus dias “comuns”.


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Notas finais do capítulo

Só Deus sabe quando posto de novo (tenho que terminar uma outra história primeiro)
Espero que tenham curtido o primeiro capítulo, agradeço a quem leu e até a próxima =D



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