Silêncio na Biblioteca! escrita por Lil Pound Cake


Capítulo 3
O choque




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...

— Você chegou mais tarde hoje. Por que demorou tanto? – Minha mãe me perguntou assim que entrei em casa. Eu estava nas nuvens. Havia acabado de estar na lanchonete com o Nathaniel e ele havia dito que me amava. Suas palavras ainda ecoavam em meus ouvidos e iam de encontro direto com o meu coração.

— Eu... Ah, é que... H-Hoje tivemos muito trabalho por causa dos ateliês de arte que vamos apresentar. – Eu estava falando a verdade no final das contas, só não toda.

— E quando é?

— Amanhã. Será um dia de portas abertas, vocês podem ir ver. – Falei isso e só depois me dei conta que ter meus pais e o Nathaniel no mesmo lugar não era uma boa ideia.

— Ah, sinto muito, querida, mas não poderei ir. Se tivesse dito antes... – Minha mãe falou e eu finalmente pude respirar. Fiquei torcendo para meu pai não poder ir também. Porém, eu não tenho tanta sorte.

— É claro que eu vou! Aprecio muito esse tipo de trabalho.

— A-Ah, vai? Está bem. – Eu não podia deixar transparecer a preocupação.

— Qual a temática que vocês trabalharam?

— Bom, fomos divididos em grupos e cada grupo ficou com um ateliê. Eu fiquei com o de fotografia. A gente tinha que desenvolver o tema Pecados Capitais e meu grupo escolheu retratar a inveja.

— É um tema bastante... Interessante. – Minha mãe comentou.

— Um tanto pesado para a idade de vocês, eu diria. – Como sempre meu pai achando que eu ainda sou criança.

Pelo menos, minha mãe tem consciência que eu cresci. – Querido, eles têm idade suficiente. Olhe o tamanho da nossa filha, já é uma mocinha.

— Mocinha, mãe? – Ninguém merece!

— Ok, já é quase uma mulher, tá bom assim?

— Bem melhor.

Após o jantar eu disse para eles que estava muito cansada e preferia dormir mais cedo. A verdade era que eu queria ficar sozinha pensando em tudo que havia acontecido.

Nath havia declarado seu amor para mim. E tudo que eu consegui fazer depois disso foi... Nada. Fiquei totalmente sem ação. Fiquei olhando para ele com cara de boba, sentada, parada, enquanto ele enxugava minhas lágrimas. Eu fiquei emocionada demais para dizer-lhe tudo que queria. Dizer-lhe que também o amo.

Acho que ele percebeu que eu não conseguiria responder nada à altura da declaração que ele havia me feito, pois ele me disse para eu abrir meu coração para ele apenas quando estivesse pronta. Depois mudou de assunto e ficamos a falar de coisas banais até a hora de irmos embora. Não demoramos muito para não corremos o risco de sermos vistos por algum conhecido. De lá mesmo cada um pegou seu rumo.

Por isso cheguei em casa tão aérea, tão distraída. Eu não conseguia tirar o Nathaniel do meu pensamento. E no dia seguinte eu teria que me virar em duas para prestar atenção no meu pai na escola e não deixar de dar atenção ao Nath ao mesmo tempo.

...

...

No final do dia seguinte...

Acabou dando tudo certo. Meu pai não fez nada para me envergonhar e o Nathaniel foi super compreensivo. Nosso grupo ainda ganhou o troféu do evento, apesar de a Melody ter armado um barraco ao ver as fotos dela expostas. Graças ao nosso novo professor tudo acabou bem.

Mas, nem tudo acabou tão bem.

Presenciei uma cena horrível que dificilmente sairá da minha mente. O Lysandre ali, estendido no chão após ser atropelado bem diante dos meus olhos.

O Nathaniel, assim como todo mundo, saiu da escola para ver o que tinha acontecido. Eu havia saído antes porque vi o Lysandre nervoso como nunca brigando com a Nina e vi quando ela saiu correndo e ele foi atrás. Infelizmente a distração do Lysandre o levou a uma tragédia.

Quando o Nath percebeu meu estado foi até mim e me abraçou muito forte. Acho que ele também estava perplexo. E não era para menos. Tudo foi tão rápido e tão feio, que eu só tinha forças para me manter abraçada a ele enquanto ouvia o burburinho de todos ao nosso redor. Pude ouvir a professora mandando a ambulância se apressar e o Castiel gritar o nome do amigo pelo qual não podia fazer nada.

Permaneci abraçada ao Nath, segurando-me nele já que era minha única fonte de forças naquele momento. Soltei-o apenas quando ouvi as sirenes da ambulância se afastando, levando o Lysandre.

Eu não sabia qual era seu estado. Ninguém sabia. E a dúvida desesperava a todos. Era terrível pensar que a vida de um grande amigo corria risco. E nada podíamos fazer.

Quando consegui parar de chorar – e eu nem sentia o quanto chorava por causa do susto – vi que meu pai também estava do lado de fora da escola. Provavelmente ele havia me visto com o Nathaniel, mas isso já não importava mais, e parecia não importar a ele também. O que havíamos acabado de presenciar era muito mais chocante que qualquer outra coisa.

— Você está melhor? – Nath me perguntou.

— Estou. Obrigada.

— Eu não podia deixar de ficar aqui com você. Eu estou tão chocado quanto você.

— Eu sei. Todos estamos.

— Anna! – Ouvi meu pai me chamar. Ele vinha em nossa direção, então achei melhor me despedir.

— Eu já vou, Nath. Depois a gente se fala.

— Claro. Também vou pra casa e depois vou tentar saber como o Lysandre está.

— Se souber de algo, me avise, por favor.

— Claro que aviso.

Meu pai chegou perto de nós.

— Como... Como isso aconteceu? Você viu como foi?

Respirei fundo para falar. – Eu vi, pai. Foi... Horrível. – Não pude conter o choro e dessa vez abracei meu pai. Eu mal conseguia falar de tanto que soluçava. – O L-Lysandre n-não viu o c-carro...

— Calma, calma... Ele vai ficar bem, querida. Seu amigo não parecia ter ferimentos muito graves.

— E-Eu não q-quero que ele morra!

— Não diga isso, ele é jovem, tem muita vida pela frente. Além disso, me pareceu ser um rapaz forte, sadio, vai sobreviver.

— Seu pai tem razão, Anna. – Nathaniel falou. – Eu também acredito que o Lysandre sairá dessa. Não adianta de nada ficar chorando por ele, o melhor é rezar por ele e pedir que ele se salve.

Meu pai e eu olhamos para o Nathaniel ao mesmo tempo. Não sei se ele sentiu o mesmo que eu, mas eu senti uma profunda admiração. E para minha surpresa, meu pai falou com ele.

— Belas palavras, meu jovem.

— Só falei o que eu acredito, senhor.

— Ouça... Você é o que esteve lá em casa, não é? O que saiu à noite com minha filha sem minha permissão?

— Pai... – Percebi que o Nath ficou um pouco nervoso, mas ele sabia o que falar.

— Senhor, perdão, mas eu não sabia que a Anna não tinha permissão para sair naquele dia.

— Pai, eu já disse que não saímos só nós dois, nós estávamos em um grupo de quatro amigos e nenhum deles sabia que eu havia fugido.

— Sim, você disse. Duas meninas e dois meninos. Isso não parece exatamente um encontro apenas entre amigos.

— Pai, por favor, não é hora para discutirmos...

— Eu sei, querida, e não quero discutir, pelo contrário...

— Hã? – Só entendi o que meu pai queria depois que ele falou.

— Como eu te falei há pouco, eu queria falar com o seu amigo aqui para me desculpar pelo meu comportamento daquele dia.

— Sério? – Indaguei incrédula.

— Sim.

Nathaniel estava tão surpreso quanto eu.

— É... Senhor, n-não precisa se desculpar, eu entendo que...

— Preciso sim. Eu sei que fui injusto com você, afinal, como minha filha mesmo confessou, você não teve culpa pela irresponsabilidade dela.

— Senhor... Não me leve a mal, mas eu só queria dizer que a Anna também não tem toda a culpa. Ela queria mesmo ir àquele jantar e o senhor e sua esposa não deixaram.

— Tínhamos nossas razões. Ela já estava saindo demais. Mal parava em casa.

— Mas, era realmente importante para ela...

— Por quê? Não era só um jantar entre amigos?

— S-Sim, mas... Quando queremos muito uma coisa, por mais insignificante que pareça para os outros, é importante para quem a quer.

Meu pai ficou olhando para o Nath como se fizesse um raio-X nele.

— Você não fala como um garoto da sua idade. Parece muito mais maduro.

— Acho que as circunstâncias que a vida me reservou me fizeram amadurecer mais cedo.

— Que tipo de circunstâncias?

— Pai! Isso não é hora de querer interrogá-lo!

— Só fiz uma pergunta! Afinal, acho interessante um rapaz tão jovem falar assim. – Ele voltou a olhar para o Nath. – Você parece maduro e inteligente, seus pais devem se orgulhar de você.

Vi o Nath mudar de expressão. Ficar ainda mais triste. Acho que isso juntou com a tristeza pelo Lysandre, pois ele não conseguiu segurar as lágrimas, mas sua expressão era de revolta.

— Pai, n-não deveria ter dito isso!

— Por quê?

Nath respirou fundo e enxugando as lágrimas, disse: - Tudo bem, Anna, ele não sabe.

— O quê que eu não sei?

O Nath lhe contou: - Acontece, senhor, que meus pais não são exatamente o melhor exemplo de uma família. Meu pai me batia. E me batia sem razão alguma. Quando eu era criança eu era realmente muito levado, mas quando ele começou a me agredir, eu já tinha mais de quinze anos.

— Por que ele te batia? – Meu pai ficou curioso e Nath lhe contou sua história.

— Tudo começou quando ele foi rebaixado de cargo na empresa e depois foi sendo cada vez mais humilhado pelo novo chefe. Eu não sei quais eram os motivos dele para descontar toda a raiva e frustração dele em mim, mas era isso que ele fazia.

Eu tinha que falar também.

— Pai, se lembra da última vez que eu disse que ia dormir na casa de uma amiga? Era na casa dele...

— V-Você dormiu na casa dele?

— Eu dormi no quarto da irmã dele, a Ambre. Foi ela quem me convidou. Mas, quando eu estava lá eu testemunhei uma dessas agressões. Eu ouvi o pai do Nathaniel discutindo com ele e depois ouvi algo como socos e tapas. Eu fiquei sem chão. E toda aquela violência era simplesmente por motivo nenhum.

— Sempre que ele ficava nervoso descontava em mim. Naquele dia ele fez um escândalo por que eu havia esquecido detalhes na hora de pôr a mesa para o jantar, você lembra? – Nath me perguntou.

— Como esquecer? Parecia que ele ia contra tudo que você falava e fazia.

— E ia. E quando eu contestava era muito pior, daí ele partia para a agressão.

Meu pai estava pasmo com o que ouvia.

— Mas, rapaz, porque não procurou ajuda?

— Eu não sabia como. Não tinha ideia do que fazer nem queria que ninguém soubesse. Até que a ajuda veio sozinha. – Ele olhou para mim. – Eu não precisei procurá-la porque ela veio até mim.

Meu pai entendeu. Virou para mim e perguntou: - Você o ajudou?

Antes que eu respondesse, Nath falou. – Ela não só me ajudou, senhor. Sua filha me salvou.

— Verdade? Eu não sabia...

— É verdade. Na época eu fiquei muito chateado com ela por ela ter se intrometido nisso. Mas, se meu pai continuasse como estava, não sei onde ia parar. Talvez fosse eu hoje sendo levado por uma ambulância assim como o Lysandre... Ou algo pior.

— Ele te machucava tanto assim?

— Veja. – Nath puxou a camisa para cima até metade do corpo e nos mostrou algumas marcas ainda roxas que tinha nas costas além de pequenas cicatrizes nas costelas. – Não faz tanto tempo. Algumas marcas ainda não sararam completamente. Essas que parecem arranhões são marcas das vezes que eu apanhei de cinto.

Eu estava ainda mais chocada. – Nath, você não tinha me contado que ele também te batia de cinto!

Ele abaixou a camisa e contou: - De cinto, de chinelo... Ele uma vez chegou a jogar coisas contra mim. Um vaso se quebrou na parede bem perto do meu rosto.

Eu estava tão perplexa com tudo que nem conseguia falar mais nada.

Meu pai comentou:

— Você deve ter sofrido muito.

— Eu sofria mais por não ter com quem contar do que com as agressões de fato. – Nath estava bastante emocionado. – Eu estava aguentando aquilo calado até sua filha me salvar.

— Como ela te salvou?

— Quando ela foi dormir lá em casa ela descobriu toda a verdade. Eu pedi para ela esquecer essa história, mas ela não esqueceu. Com a ajuda do Lysandre, ela ligou para o disque cem e fez a denúncia contra meu pai. Depois tudo foi se encaminhando como tinha que ser até que... Um colega nosso, o Castiel, que é emancipado, me deu a ideia de pedir a emancipação aos meus pais, só assim eu me veria livre de uma vez por todas. Durante todo esse processo a Anna esteve preocupada comigo, coisa que eu não reconhecia na época, mas que hoje reconheço e a agradeço com toda minha alma. Se ela não tivesse dado o primeiro passo eu nunca teria saído do mesmo lugar.

Eu já estava me sentindo muito melhor com tudo que o Nathaniel dizia, mas, foi melhor ainda quando meu pai me olhou e disse:

— Fico muito orgulhoso de você, filha. Eu já estava orgulhoso por tudo que tinha ouvido sobre você hoje, mas agora... Estou sem palavras.

Nathaniel sorriu. – Deve mesmo se sentir orgulhoso. Saiba que, às vezes nós, adolescentes, podemos parecer irresponsáveis e inconsequentes, mas, acredite a Anna não é assim. Eu a conheço desde o primeiro dia que veio estudar nessa escola, já que sou o representante, e posso garantir que jamais conheci alguém tão doce, tão bondosa e tão disposta a ajudar os outros como ela. Ela sempre está lá quando a gente precisa e eu sou a maior prova disso, porque quando eu mais precisava de alguém, ela estava lá.

Nesse momento veio à minha mente a lembrança de quando deitei na cama do Nathaniel para abraçá-lo após descobrir sobre as agressões que ele sofria. Naquela ocasião me senti mais unida a ele do que nunca.

Meu pai e ele deram um aperto de mão antes de se despedir dizendo que precisávamos ir. O dia já havia sido turbulento demais e todo mundo necessitava de um descanso.

Meu pai foi indo na frente e eu ainda peguei na mão do Nath tendo tempo apenas para dizer: - Obrigada por ter dito tudo isso a ele. A gente se vê.

Mas, ele me respondeu sussurrando outras palavras que tocaram em minha alma.

— Não foi nada. Só disse a verdade, assim como é verdade que eu te amo.

Ele quase tira o chão dos meus pés ao me dizer isso com a voz baixinha e tão suave como a de um anjo. Suspirei apaixonada antes de ter coragem para deixá-lo e ir.


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Notas finais do capítulo

Continua...



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