Camp Paradise - Interativa escrita por Aninha


Capítulo 8
Capítulo IV - Bem-vindo a Califórnia


Notas iniciais do capítulo

Hello people! Td bem com vcs? Olha só quem voltou dos mortos, n é mesmo? Sim, depois de quatros meses estou de volta com mais um capítulo! Apesar de ele n se passar no Acampamento responde algumas perguntas, então espero q gostem ;)

Antes de vcs lerem, alguns avisos:
1. A fic começa no sábado (julho) e o capítulo de hj é na segunda. Preciso saber se vcs querem q eu faça um mini resumo da fic antes de cada cap, já q eu demoro para postar e vcs podem ter esquecido de alguns detalhes.
2. No capítulo anterior, Oliver está na enfermaria; Kenai e Lucian conversam e td acaba com o último atendendo uma ligação da Effy. Esses acontecimentos são da segunda a tarde.

As músicas do capítulo são: Welcome Home - Radical Face e Alone - Halsey.

Boa leitura ^.^



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Elizabeth Manson, Effy

(Julho – Segunda-feira, madrugada).

Encarei o tecido ao redor da minha mão direita enquanto a mesma batucava no volante, esperando o sinal abrir. Pensei no homem que havia me causado aquele machucado, imaginando em que lugar do oceano ele deveria estar naquele momento se é que ainda não estava sob as garras de seus interrogadores.

Joey Black. Mais uma vez esse nome ecoa na minha cabeça até perder o sentido, deixando de ser real. Eu ainda não conseguia compreender o que leva um homem de 25 anos invadir um Acampamento sozinho. Ou apenas invadir um Acampamento de verão. É claro que graças ao seu sobrenome eu tinha algumas teorias, mas não passavam disso. E fora justamente por causa daquelas malditas teorias e do mais maldito ainda Joey Black que eu havia passado a noite em claro, me revirando na cama confortável do hotel Harveys Lake Tahoe que graças a minha insônia parecia uma pedra. Agradeci mentalmente por ele estar do outro lado do país, a caminho de outro oceano, longe o suficiente para que eu não conseguisse colocar minhas mãos ao redor do seu pescoço como ele havia feito comigo dois dias atrás.

O sono não chega, então eu sufoco ao sol

E os dias se misturam em um só

E minha mente sonha com coisas que eu nunca fiz

Piso no acelerador assim que a luz verde do semáforo se acende. No horizonte a minha frente os raios do sol começam a dar o ar da sua graça, exatamente as cinco e trinta e sete da manhã. Dirijo em direção à luz, sentindo que na verdade estou fazendo exatamente o contrário. Como se estivesse esperando aquele momento, meu celular vibra durante alguns instantes no banco do passageiro fazendo com que eu inconscientemente aperte com mais força o volante. Tom coloca suas patinhas pretas em cima do aparelho como se estivesse neutralizando um inimigo e rosna baixinho por ter sido acordado. Tento ignorar o fato de que meus amigos estão enchendo a caixa postal e a memória do meu celular com ligações e mensagens quando nem deveriam estar com seus celulares e foco minha mente e sentidos no nascer do sol, sentindo meus olhos claros lacrimejarem com a claridade por trás dos óculos escuros. A placa fincada no chão do lado esquerdo da rodovia 50 me informa que estou ultrapassando o limite de Nevada-Califórnia, enfim quase chegando em casa.

Olho pelo espelho retrovisor quando as casas e lojas a beira da estrada somem, encontrando Miguel Coppola e Richard Jones dirigindo a alguns metros de mim. Richard parece estar dormindo enquanto Mickey dirige mal humorado. Acelero meu F-Type S conversível azul marinho enquanto abaixo o teto do mesmo, fazendo com que o vento bagunce meu cabelo castanho avermelhado que chicoteia no meu rosto parecendo cobras. Mesmo sabendo que eu teria trabalho mais tarde para desfazer os nós dos fios, o vento no meu rosto faz com que eu me sinta viva e sem problemas por algum tempo, de modo que decido não me preocupar.

Lençóis balançam em um velho varal

Como uma fileira de fantasmas capturados sobre grama velha e morta

Não foi o bastante, mas fizemos o máximo

Bem-vindo ao lar

 

Aos poucos o sol vai subindo no céu ao passo que Lake Tahoe se aproxima no meu lado direito. Mesmo estando na Califórnia, consigo ver perfeitamente a grandiosa casa malcuidada e abandonada do lado de Nevada, que um dia pertencera a minha Família. Respiro fundo quando faço uma curva para a direita, deixando a rodovia 50 e entrando na rodovia 89 ao mesmo tempo em que deixo o passado muito distante para trás. Já tenho problemas demais para me preocupar com uma casa abandonada. Estou a alguns minutos de Emerald Bay, onde a atual casa da minha Família está em perfeitas condições, ao contrário dos donos.

Meia hora depois de ter cruzado a fronteira Nevada-Califórnia, paro defronte ao portão grandioso de ferro preto com detalhes em dourado. Um segurança se aproxima e me observa através do vidro, fazendo um gesto em seguida para que abram os portões. Ele para o carro preto de Mickey e Richard e repete o gesto, dando um aceno animado com a cabeça aos seus companheiros. Acelero e entro na estrada de cascalho que se estende por entre as árvores, tomando cuidado para que as pedras não me atinjam. Tom continua deitado no banco do passageiro, com o celular entre suas patas e o pelo todo bagunçado graças ao vento. Seus olhos castanhos escuros estão atentos e seu nariz se enruga de vez em quando, farejando os animais da propriedade. Ocasionalmente minha raposa levanta a cabeça e solta um barulho, como se cumprimentasse um conhecido de longa data. Alguns minutos depois, avisto o lago que se estende até onde a vista alcança, refletindo as cores do céu. Estaciono na garagem aberta e respiro fundo antes de desligar o motor.

A casa de madeira em tom caramelo de três andares, telhado inclinado e grandes janelas é a mistura de um grandioso chalé, uma casa de campo e uma casa vitoriana escondida pelas árvores de tal forma que só é possível vê-la se souber exatamente sua localização. Uma varanda rodeia todo o térreo e algumas sacadas no primeiro andar indicam onde ficam os quartos. Uma escadaria de pedra ladeada por corrimões de madeira se encontra nos fundos da construção, se você estiver olhando-a da floresta, e leva ao cais que avança até praticamente metade do lago, de forma que a casa se encontra a uns bons metros acima do nível da água.

Desço do carro e Thomas imita meu gesto, se espreguiçando antes de correr pela orla da floresta, como se estivesse reconhecendo o ambiente. Mickey e Richard estacionam ao meu lado, reclamando das seis horas dentro do avião até Reno, Nevada, e pelo fato de eu os ter acordado às quatro e meia porque não conseguia dormir.

— A culpa não é nossa se você tem insônia, pirralha – Mickey diz enquanto abre a mala do carro e começa a tirar a bagagem.

— Eu poderia ter vindo apenas com Tom, mas achei que vocês dois surtando por acordarem e não me encontrem e me enchendo por causa disso depois não valia o esforço.

— Na próxima pode fazer isso se me deixar dormir – Richard fala pegando duas malas e caminhando até a porta da garagem que dá acesso ao interior da casa.

Reviro os olhos com um sorriso debochado e coloco as mãos no bolso do meu short de cintura alta. Passo pelo portão da garagem segundos antes do mesmo se fechar, abafando a conversa dos meus guarda costas, e subo os degraus de madeira que me conduzem a porta principal.

— Ah, a senhorita finalmente chegou! – a Sra. Popps exclama abrindo a porta de supetão, colocando as mãos sobre o busto e sorrindo, enquanto caminha até a varanda.

Minha respiração falha por um segundo graças ao susto, mas mantenho minha expressão neutra como se esperasse por aquilo. A senhora de setenta anos, cabelos brancos, rugas ao redor dos olhos e avental sorri quando pousa seus olhos dourados sobre mim. Angelina Popps, mas conhecida como Sra. Popps é a governanta de Lake Tahoe, apesar da casa não ser muito habitada. Com a ajuda do jardineiro e alguns empregados, a senhora garante que tudo esteja em perfeita ordem para quando eu vier à Califórnia, em minhas visitas inesperadas.

 - Como vai Sra. Popps? – pergunto quando a senhora me da passagem para entrar na casa.

— Estou muito bem, obrigada. Minha saúde está ótima graças ao ar incrível dessa floresta, mas meus filhos ainda reclamam por eu estar trabalhando. Vê se pode isso Srta. Enamor! Os filhos querendo mandar nos pais!

Em outro tempo eu riria do seu comentário ou falaria algo engraçado para fazê-la feliz, mas em vez disso apenas assinto com a cabeça num gesto solene para que Angelina possa avaliar meu humor e informar os outros da casa. Meu gesto é um sinal claro de que eu não quero ser incomodada e que seria prudente não ficar no meu caminho durante minha estadia. Observo a porta que dá acesso a garagem e vejo Richard passando as malas para duas jovens que as colocam ao pé da escada para que dois homens as levem para os quartos. A Sra. Popps me observa atentamente enquanto eu olho ao redor, avaliando a sala de estar.

— Vejo que a senhora esteve ocupada no período em que fiquei fora – falo ao observar os novos itens de decoração e pegando uma almofada trabalhada. – Ótima escolha.

— Obrigada Srta. Enamor – ela me responde com um aceno enquanto caminha em direção à cozinha. – Precisa de algo? Não? Bom, então tenha uma boa estadia.

Agradeço enquanto ela atravessa o arco que conduz a cozinha e começa a falar algo aos empregados. Richard grita por mim na garagem, informando que precisa de cigarros e pergunta se quero algo. Nego enquanto Mickey manda-o comprar cervejas.

— Eu estou falando com a Enamor não com você, seu folgado – Richard fala enquanto entra no Fluence preto.

— Apenas me obedeça Filho dos Jones – Mickey fala com os braços cruzados e um sorriso debochado no rosto.

— Isso, apele para o fato da sua família ser um pouco mais importante que a minha – Richard fala dando partida no carro.

— Deixa comigo – Mickey diz rindo e caminhando para a sala de TV depois de fechar a porta da garagem, uma forma delicada de mandar o outro calar a boca.

Suspiro contendo uma risada e fico alguns minutos parada no meio da sala de estar, pensando em qual seria meu próximo passo.  Decido conferir se não deixei nada no carro, lembrando do meu celular assim que piso na garagem. Sentindo uma pontada na cabeça e decidida a dar um basta nesse problema antes de tomar um banho, caminho para a varanda com o aparelho em mãos, não encontrando Tom ao redor da casa, mas não dando importância para isso. Observo o lago antes de tomar coragem e começar a ouvir as mensagens de voz, ignorando a quantidade.

Mavis do seu jeito intenso de sentir as emoções e impulsivo de agir ora está berrando ora falando normalmente, ora me implorando para voltar para o Acampamento ora me mandando procurar uma nova melhor amiga. Em síntese, May diz estar preocupada e quer saber todos os meus motivos para ter saído, mas principalmente por que não estou falando com ela.

As mensagens de Lucian variam de humor dependendo do horário. De manhã ele é mais rabugento e grosso, a tarde é mais calmo e preocupado e de noite é compreensivo e fala diversas piadas ruins com o intuito de aliviar o clima. Apesar disso, o fato de ele contar pelo menos cinco piadas a cada mensagem me mostra o quanto meu melhor amigo está preocupado e triste.

Matthew com seu jeito calmo e que evita confusão a todo custo praticamente não fala da situação. A cada dez mensagens, apenas duas ou três falam do fato de eu ter saído do Acampamento, mas todas às vezes que toca nesse assunto Matt é sincero e me da uma visão mais realista de como eu estou ferrando com a cabeça de todos que tem um contato mais próximo comigo.

Jason na sua única mensagem deixa bem claro que prefere conversar comigo pessoalmente e que, ao contrário dos demais que aparentemente esqueceram, ele tem uma Irmandade a comandar e a temporada não acabou, independentemente se estou ali ou não. Jason deixa bem claro que não vai fazer parte do Clube Adoradores da Manson, mas que vai estar ali se eu precisar dele como o bom amigo que é. E é claro, Blood fala algumas palavras sujas e sacanagens para não perder o costume.

Elijah com sua dificuldade em lidar com mudanças, seu jeito meio autoritário herdado do pai e provavelmente influência de Mavis basicamente fala que não se interessa pelo motivo que me levou a deixar o Acampamento, ele quer que eu volte porque tenho obrigações a serem cumpridas e pessoas que estão contado comigo. Ao mesmo tempo, pelo fato de ser a favor da liberdade, fala que me entende e deseja que eu esteja bem, me agradecendo pelas inspirações de músicas e poemas.

A mensagem mais surpreendente de todas com certeza foi a de Carl. Pelo fato do caçula dos Gonzales ser tímido não imaginei que mandaria mensagens, apesar da estranha amizade que estamos construindo há alguns anos. Carl dizendo que sente minha falta e que o Acampamento precisa de mim assim como nossos amigos quase destruiu o resto de controle que eu possuía.  

Engulo em seco e apoio meu quadril no parapeito da varanda, observando a floresta. Pisco meus olhos algumas vezes, sentindo um nó se formar na minha garganta e minha consciência pesar. Penso em jogar meu celular no lixo para que meus amigos não possam entrar em contato, mas algo me diz que eu vou me arrepender se fizer isso. Questiono-me se devo desligar o aparelho, afinal de contas, qual é a finalidade de você ir para outro país e para um estado que é banhado por outro oceano se seus amigos não te deixam em paz? Minha ideia de espairecer estava indo por água abaixo e eu mal havia chegado. Toda aquela preocupação exagerada estava me sufocando e fazendo eu me sentir ainda pior porque eu realmente não estava pensando em voltar. Nem naquele verão nem nunca mais.

Amaldiçoei meus amigos durante bons minutos por arrombarem minha sala e depois meu armário para pegarem seus celulares, quebrando várias regras, e por não confiarem na minha capacidade de me manter segura. Afinal de contas, o que eles acham que vai me acontecer?

Ouço Richard voltando pela estrada de cascalho alguns minutos depois, com o carro carregado de bebidas e a voz potente de Mickey dizendo que não vai dividir as despesas. Sorrio sobre o ombro ouvindo os homens discutindo de forma amigável e a Sra. Popps mandando ambos deixarem a cozinha. Volto minha atenção para a floresta com o celular ainda em mãos. A trilha cercada por roseiras bem cuidadas chama minha atenção, fazendo com que todo meu autocontrole fosse gasto em segurar as lágrimas e respirar normalmente mesmo com o nó na garganta. Todos os segredos, lembranças e mensagens se acumulam em minha mente, me sufocando, oprimindo. Isso está sendo demais para mim.

Penso se meus amigos estariam tão preocupados comigo se soubessem o que eu já havia feito e o que estou fazendo. Se soubessem todos os segredos, traições e esquemas que eu sabia. Todas as alianças formadas e rompidas por um bem maior. Apoio minhas mãos no parapeito de madeira e fecho os olhos, sentindo minha garganta fechar e as primeiras lágrimas tímidas escorrerem. Sentindo o peso de ser quem sou, saber o que sei e me odiando por não conseguir abandonar isso. Não pense Elizabeth. Não sinta. Esqueça-os.

 

Navios são lançados do meu peito

Alguns têm nomes, mas a maioria não

Se você encontrar um, por favor me diga qual pedaço perdi

 

Eu precisava conversar desesperadamente com alguém, mas não com qualquer pessoa. Eu precisava do meu irmão. Deixando a varanda para trás, entrei na casa pela porta francesa de vidro e caminhei até a escada de madeira. No primeiro andar pude ver a Srta. Joanne em um dos quartos de hospedes tirando o pó invisível da escrivaninha que Richard provavelmente nem usaria. A moça loira, de olhos azuis e pele bronzeada sorriu para mim com seus dentes brancos e disse que meu quarto já estava arrumado e que a Sra. Popps estava fazendo algo para nós comermos. Assenti com a cabeça sem conseguir sorrir de volta e subi outro lance de escadas, deixando a porta no pé da mesma aberta.

O topo da escada fica no meio do cômodo. O teto atrás da escada é reclinado, com uma janela logo acima da cama de casal. Um criado mudo de madeira branca fica de cada lado da cama, com um abajur pequeno em cima cada um. Dois tapetes marrons claros peludos ficam sob os criados mudos, sobre o piso de madeira clara. A parede é a única branca, todas as restantes são pintadas de um tom de azul que me lembra muito o Chalé das Raposas. Do lado esquerdo da cama, se você estiver de frente para a mesma, uma poltrona clara estampada com diversos tipos de folhas está no canto do quarto logo abaixo de uma janela e ao lado de uma estante de madeira abarrotada de livros e dos meus antigos diários, de uma escrivaninha também de madeira branca com uma cadeira de couro e um notebook em cima, assim como um abajur de chão. Um tapete branco delimita aquele espaço.

Do lado direito da cama, o closet com portas de madeira recém-instaladas, um tapete escuro e outra poltrona. Na porta do meio do guarda-roupa, depois de passar pelos casacos, camisas e vestidos pendurados, está o banheiro iluminado pela luz natural graças a grande janela logo acima da banheira, me fazendo sentir que estou entrando em uma passagem secreta toda vez que vou fazer xixi.

Caminho na direção do closet, abrindo uma das portas e pegando algo confortável e um pouco quente. Graças ao lago, a floresta e altitude de Tahoe, aquela parte da Califórnia não faz muito calor mesmo em pleno verão. Entrei no banheiro e enquanto esperava a banheira encher, me despi e sentei na borda da mesma olhando a floresta pela janela. Daquela altura, ninguém que estivesse do lado de fora conseguiria me ver. Prendi meu cabelo ondulado em um coque alto e entrei na água morna, deixando o ladrilho frio do banheiro.

Depois de me lavar e secar, vesti meu short escuro de cintura alta, a regata branca que deixou parte da minha tatuagem no busto a mostra e uma blusa de moletom não muito quente típica de colegiais por cima, que escondeu a tatuagem do meu antebraço direito. Coloquei meu all star preto nos pés e depois de colocar a roupa suja no cesto, passar protetor e prender meu cabelo numa trança embutida, voltei ao meu quarto.

Enquanto pegava uma mochila no closet me questionei se era mesmo uma boa ideia ir falar com meu irmão, se não seria cedo demais, mas após ouvir meu celular vibrar mais uma vez num dos criados mudos, decidi que aquela era a coisa certa a se fazer. Coloquei meu celular desligado e a toalha que eu sempre usava para aqueles fins dentro da mochila e caminhei pelo quarto, me questionando se não estava esquecendo nada e depois de colocar uma tesoura, um pano, uma faca e alguns produtos químicos dentro da mochila vermelha e meus óculos de sol no rosto, desci as escadas o mais silenciosamente que consegui, na esperança de esbarrar com ninguém.

Parei por alguns segundos ao pé da escadaria do térreo, me certificando que aquele andar estava vazio. Um chuveiro foi ligado no primeiro andar e alguém derrubou algo no escritório. Os empregados andavam pela casa e a falta de familiaridade com os mesmos dificultava a identificação pela audição. Olhei pela janela da cozinha enquanto entrava na mesma e avistei a Sra. Popps agachada ao lado dos pés de alface da horta, tagarelando sem parar como se as plantas a ouvissem.

Voltei meu olhar para a travessa com sanduiches de salame e alface sobre o mármore da ilha e peguei uma garrafa térmica no armário de madeira branca para enche-la de chá gelado, colocando-a na mochila assim como um pote com alguns sanduiches e guardanapos. Sai pela porta da frente sentindo Richard me observar de dentro da casa, mas tentei não me importar com isso. Caminhei em direção à floresta, mas precisamente para trilha de roseiras.

Assim que me aproximei o suficiente, o cheiro enjoativo e doce demais das rosas invadiu minhas narinas me fazendo franzir o rosto. Olhei o chão coberto de grama e folhas secas, pensando que eu era a primeira pessoa em algum tempo que passava por ali. Os pássaros começaram a cantar quando se acostumaram com a minha presença como se eu fosse nada demais. Se eu olhasse pelo canto do olho o meu lado direito conseguia ver um vulto usando uma capa vermelho sangue que arrastava no chão me seguindo. Acelerei o passo, mas não por estar preocupada com minha companhia e sim para chegar mais rápido ao meu destino.

Depois de mais ou menos uma hora e meia de caminhada, quando sol marcava quase oito horas da manhã, eu estava a apenas alguns passos da clareira. Sorri com amargura ao pensar que os campistas já estariam acordados e indo tomar o café da manhã, correndo para não se atrasarem. Sam estaria seguindo as instruções que mandei no e-mail no dia anterior, durante minha pequena estadia em Toronto. Dylan estaria comandando o Chalé das Larvas e me ligaria dali uma hora e meia para saber como eu estou. Aparentemente depois de cinco anos não é tão fácil sair de fato do Acampamento.

Parei na orla da clareira, respirando fundo por causa da caminhada e para me preparar melhor para o que eu estava prestes a fazer. A clareira tem o tamanho de metade de uma quadra de vôlei. O banco de madeira parecido com aqueles existentes em praças está logo abaixo do poste colonial real com duas luminárias que ilumina o ambiente durante a noite. Olhei para o céu azul sem nuvens e depois as copas das árvores, sabendo no fundo que estava evitando encarar o meio da clareira. Respirei fundo mais uma vez quando ouvi o vento balançar as árvores e levar as folhas secas, assim como o típico som de tecido arrastando no chão anunciando que minha companhia havia chegado, trazendo o cheiro de morte consigo. Sentindo minha gaganta fechar, olhei para o centro da clareira, encontrando o tumulo de Tommy coberto pelas plantas.

Cure as cicatrizes das minhas costas

Eu não preciso mais delas

Você pode jogá-las fora ou mantê-las em seus jarros maçônicos

Eu voltei para casa

Mordi o lábio inferior segurando as lágrimas que marejavam meus olhos, como acontecia toda vez que eu ia no tumulo do meu irmão. Aproximei-me com passos cautelosos da lápide fincada na grama que eu sabia ser branca por baixo de todas aquelas trepadeiras. Ajoelhei no que eu sabia ser o caixão de Thomas, sete palmos abaixo de mim, e coloquei minha mão na lápide esperando extrair forças dali. Deixei que as lágrimas molhassem minhas bochecas, fechando os olhos com força e respirando com dificuldade, sentindo a culpa inundar a minha mente. Lembrei-me do verão a seis anos atrás quando Tommy, eu e nossos pais fomos passar o dia em São Francisco. Quando ele entrou na água para me salvar e não voltou. Nunca mais voltou.

 

Todos os meus pesadelos escaparam da minha cabeça

Feche a porta, por favor, não os deixe entrar

Vocês nunca deveriam ter saído

Agora minha cabeça está rachando nas emendas

E eu não sei se eu consigo

 

Um nó se formou na minha garganta, dificultando minha respiração juntamente com o peso que parecia existir no meu peito. Memórias foram aos poucos inundando minha mente assim como a culpa.  Coloquei minha bolsa na grama ao meu lado e peguei a faca e a tesoura, começando a limpar a lápide ainda sentindo as lágrimas molharem minhas bochechas, ardendo como se escorressem sobre carne viva. Se eu olhasse sobre meu ombro conseguiria ver o vulto que me seguia sentado calmamente no banco de madeira, com um ar sereno, observando meu sofrimento, minhas angustias. Depois que tirei as trepadeiras de boa parte da lápide, peguei alguns produtos químicos e um pano para passar na mesma, trazendo de volta a cor branca. Minha respiração ainda estava entrecortada e meus olhos ainda expeliam água quando me sentei sobre meus pés.

— Oi Tommy – falei num sussurro entrecortado graças a minha respiração ofegante. – Como você está? Deve estar achando estranho eu ter vindo em pleno verão, mas eu precisava de alguém pra conversar e quem melhor que o meu irmão gêmeo? Descobri em maio que boa parte da minha vida foi planejada, mas isso não me surpreendeu, afinal de contas você sempre me dizia isso não é? – solucei, parando por alguns minutos tentando me acalmar. Guardei tudo de volta na minha bolsa, apoiei minhas costas na lápide e fiquei observando a floresta, abraçada aos meus joelhos. – Eu só queria que meu futuro não envolvesse tantas pessoas Tommy. Pessoas inocentes. Papai diz que ele faz o que faz porque sabe que sou capaz, porque se preocupa comigo. Mamãe não tem falado muito comigo ultimamente e quando fala é como se nada estivesse acontecendo. Acho que é a maneira de ela se proteger da realidade, eu não sei.

Encostei minha cabeça na lápide como se estivesse escorada em meu irmão. Pensei que por mais falta que sentisse de Tommy, era bom ele não estar ali. Nossos pais sempre o trataram de forma diferente por causa do seu problema de visão que o fazia enxergar apenas dez por cento do mundo com clareza, sendo tudo um pouco embaçado. Eu sabia que meus pais não iam se importar com isso e o colocariam na mesma situação que me colocaram ou o desprezariam por não poderem fazê-lo.

— Sinto sua falta Tommy. Demais. Sinto raiva dos nossos pais por terem me mantido afastada de você boa parte do tempo que você esteve aqui. Talvez as coisas que fiz quando estivemos afastados me mantenham viva, mas não estou me preocupando muito se vou morrer ou não. Talvez se eu morrer as coisas melhorem. Vou poder ficar com você, não é?

Uma brisa fresca tocou meu rosto, balançando meu cabelo e secando minhas lágrimas que escorriam pelas minhas bochechas. Fechei os olhos acreditando num desejo infantil que aquela brisa era uma saudação ou algo assim de Tommy, onde quer que ele esteja. Fechei meus olhos e fiquei em silêncio, pensando em nada por um tempo. E, infelizmente, sentindo muito.

Aqui,

 abaixo dos meus pulmões,

eu sinto seus polegares

 pressionarem minha pele novamente

 

Infelizmente, eu sinto demais.

(Tarde).

Eu descia as escadas calmamente. Havia acabado de sair do banheiro do terceiro andar, depois de jogar água no rosto e me encarar no espelho, pensando que se até Matt reparou é porque estou dando bandeira. Talvez ele se convencesse que estava sendo paranoico, mas é difícil não achar que está certo quando os demais concordam com você. E eu bem sabia que se ele falasse com Mavis ou Lucian, eles compartilhariam de suas observações.

Parei na metade da escadaria que leva ao segundo andar, tentando lembrar se a porta do topo estava aberta ou se fora eu que abrira. Amaldiçoando-me por estar tão distraída, estava prestes a voltar quando murmúrios de vozes no pé dos degraus chamou minha atenção. Cautelosamente, fui descendo a escada de madeira, apurando meus ouvidos para tentar identificar as vozes e analisar se eu precisaria me preocupar.

— Você tem permissão para ir ao terceiro andar? – um garoto, que eu supus ter uns 18 anos pelo timbre da voz, perguntou. Franzi a testa quando não o reconheci imediatamente.

— Sim, tenho a chave – Carl falou num tom irônico, provavelmente mostrando a chave pendurada ao lado do pingente de Coruja símbolo da sua Irmandade.

— Quem te deu permissão? – o garoto tornou a questionar.

Pude visualizar o mais jovem dos Gonzalez revirando os olhos no pé da escada. Seu interrogador estava de costas pra mim, de modo que eu não conseguia ver seu rosto. Repassei mentalmente todos os garotos altos, loiros e musculosos do Acampamento, assim como suas vozes e constatei que de fato não conhecia aquele em particular.

— Tenho permissão da Effy – Carl falou apertando o livro que carregava contra o peito.

— Quem?

— Elizabeth Manson – Carl falou num tom que deixava claro que ele achava o loiro na sua frente um tapado por não reconhecer meu apelido.

— Algum problema? – perguntei descendo os últimos degraus e parando alguns passos dos dois. O fato de eu não reconhecer o mais velho deixava claro que ali havia um problema.

Carl me olhou aliviado, como se aquele diálogo com um estranho estivesse sendo demasiado cansativo para ele. O outro se virou na minha direção e deu um sorriso de lado quando me encarou, ao passo que arregalei os olhos ao reconhecê-lo. Meu coração disparou, bombeando adrenalina para todo o meu corpo. Minhas mãos se fecharam em punhos e meu corpo tencionou quando Joey começou a se aproximar em passos lentos, como se me avaliasse. Estava preparada para lhe dar uma rasteira ou um soco se ele desse mais dois passos quando passos vindos em nossa direção me desestabilizaram, pois não queria nenhum campista presenciando as cenas ou o diálogo que se iniciaria. Joey ergueu o punho em minha direção, mas eu estava preocupada demais olhando sobre seu ombro para ver se alguém se aproximava, de modo que voltei a prestar atenção no meu oponente apenas quando Carl gritou.

— Não! –o mais jovem dos Gonzalez berrou, largando o livro e correndo em meu auxilio.

O punho de Joey Black acertou a ponta do meu queixo do lado esquerdo, me nocauteando. Enquanto caia, sentindo uma dor horrível na cabeça, ainda pude vê-lo empurrar Carl e correr escadaria a baixo. Não acredito que cometi o mesmo erro que Oliver, pensei antes de apagar.

Acordei sobressaltada e com a respiração acelerada. Tom, que lambia meu rosto, deu alguns passos para trás assustado com minha movimentação repentina. Levei minha mão ao meu pescoço massageando-o, sentindo minha cabeça latejar e meu queixo doer como se eu tivesse acabado de ser nocauteada. Minha garganta que ainda estava um pouco inchada graças ao meu quase estrangulamento ardeu quando engoli em seco. Sentei-me e senti minha barriga roncar, reclamando da falta de alimento. Abri minha bolsa e limpei minhas mãos com álcool em gel antes de tomar alguns goles de chá, na tentativa de aliviar minhas dores e desnuviar minha mente. Peguei um dos sanduíches e dei uma grande mordida no pão de forma com salame, maionese, alface e queijo, às vezes jogado um pedaço ou outro para minha raposa de estimação. Depois de comer silenciosamente e tomar boa parte do chá gelado, sorri de leve para Tom que corria pela clareira olhando os pássaros voarem na copa das árvores.

Tornei a me encostar a lápide, pegando meu celular na bolsa e ligando-o. Enquanto esperava, voltei a falar com Tommy sobre minhas preocupações e angustias, podendo finalmente desabafar com meu irmão sem cair aos prantos. Comentei com ele o fato de que estava há quase quatro semanas sem dormir e que teria quebrado meu recorde de um mês se não tivesse cochilado durante algumas horas, encostada a sua lápide.

— Talvez eu deva levar a sua lápide para usar de travesseiro – comentei, fazendo uma piada de humor negro.

Tom sentou aos meus pés, me encarando com seus olhos curiosos e me ouvindo atentamente. Quando meu celular finalmente ligou, percebi que Dylan havia tentado me ligar algumas vezes assim como Mavis e Lucian. Fiz uma careta ao comprovar minha teoria de que meus amigos não estavam cuidando muito bem do Acampamento após ler uma mensagem de Matthew. Eu sabia que provavelmente Sam não tinha coragem para manda-los pararem de coçar e irem fazer alguma coisa de modo que meus amigos iam aos poucos deixando o Acampamento a própria sorte.

Mandei uma mensagem para meu namorado dizendo que eu estava dormindo quando ele ligou, mas que eu estava bem e perguntei como estavam indo as coisas. Quando olhei o relógio e constatei que havia passado muito tempo desde que eu havia saído de casa, decidi voltar para o caso de Mickey ou a Sra. Popps estarem preocupados. Arrumei minhas coisas e me despedi de Tommy, dizendo que tentaria voltar. Fiquei alguns minutos parada em pé, encarando a lápide com lágrimas não derramadas nos olhos. Meu coração pareceu se apertar e senti falta dos abraços acolhedores de Thomas, lamentando nunca mais poder senti-los. Com um último tchau, dei as costas ao tumulo e caminhei em direção à trilha das roseiras, com Tom correndo na minha frente. O vulto da capa vermelha havia sumido.

Uma hora depois, avistei o lago e Mickey na varanda. Assim que me avistou saindo da floresta, o homem de trinta anos me deu um sorriso compreensivo e entrou na casa, sabendo que eu precisava de espaço. Segui seu exemplo e antes que conseguisse subir para o meu quarto, a governanta da casa parou na minha frente com as mãos na cintura.

— Srta. Enamor! – exclamou me encarando com seus olhos mel. – A senhorita tem que comer se não vai ficar doente! Por onde andou? Poderia ao menos ter avisado que ia sair.

— Eu estou bem Sra. Popps – falei fazendo pouco caso da sua preocupação, sinal de que queria ficar sozinha. – Comi alguns sanduíches na floresta. Antes que eu me esqueça, avise os vizinhos que estou aqui, sim?

A senhora franziu o rosto descontente sabendo o que a minha atitude significava, mas assentiu com a cabeça. Depois de deixar a garrafa e o pote na pia da cozinha, subi as escadas em direção ao meu quarto, fechando a porta do mesmo. Tom, que havia me seguido, deitou sobre o sofá preto na frente da TV e ficou brincando com as almofadas com suas patinhas sujas. Franzi a testa em desagrado, mas não briguei com minha raposa.

 Joguei-me sobre minha cama e fiquei encarando o céu pela janela que fica em cima da mesma, tentando pensar em nada. Fiquei nessa posição até ouvir meu celular tocar, fazendo com que eu me levantasse para pega-lo na poltrona do closet. Após ler o nome na tela, atendi a ligação caminhando em direção ao parapeito estofado de uma das janelas da frente.

— Oi – falei no meio de um suspiro.

— Oi – Dylan falou na sua voz tipicamente rouca e calma. – Você parece cansada.

— Você também – rebati. – Como está?

— Cansado – ele riu sem emoção. – Digamos que Oliver não tem sido muito fácil e Sam não é um bom Líder. E você estar na Califórnia não está me deixando lá muito tranquilo, mas entendo que você precise desse momento.

— Obrigada – falei com um meio sorriso. – Então, o que eles fizeram?

Dylan fez uma pausa onde pude o ouvir digitando rapidamente no computador, com alguns campistas falando alto no fundo e o típico som de uma lanchonete, o que me fez supor que ele estava no café da Vila. Tamborilei os dedos da mão esquerda no meu joelho enquanto esperava pacientemente.

— Oliver entrou na floresta – ele sussurrou como se temesse que alguém ouvisse. – Um lobo o pegou. Ele estava na metade da zona dois, Effy.

Arregalei os olhos sabendo o que aquilo significava. Oliver havia entrado na floresta sozinho ou talvez estivesse acompanhado de um hesitante Kenai, quebrando mais uma regra. Os lobos não o conhecem já que Jason ou eu não entramos na floresta com os novatos para apresenta-los e explicar como as coisas funcionam, o que significa que quando Dylan disse um lobo o pegou não estava dizendo que o animal acompanhou Oliver até um Líder, mas sim que atacou o garoto.

— Ele está...? – sussurrei, trazendo meus joelhos para perto do meu rosto para que eu pudesse apoiar minha testa neles e pensar no processo que a família Bier abriria contra o Acampamento. Meu pai e seus advogados não conseguiriam abafar o caso se o garoto estivesse morto.

— Vivo. Com algumas marcas de mordidas e arranhões, mas as enfermeiras disseram que ele vai ficar bem. Aparentemente Kenai e ele haviam brigado por isso ele estava sozinho – pelo seu tom de voz eu sabia que ele estava escondendo alguma coisa, mas decidi ignorar esse fato por hora.

— O que Sam vai fazer?

Dylan riu com ironia.

— Mandar um e-mail pra você pedindo instruções. Acha mesmo que é uma boa ideia deixa-lo como Líder?

Eu soube muito bem o que aquela simples pergunta significava. Dylan não estava questionando minhas escolhas, mas sim perguntando sutilmente se poderia assumir o controle da situação. Hesitei por um minuto não por não confiar no meu namorado, mas por não confiar em sua família. Eu sabia que meus amigos não estavam administrando tudo muito bem e que Dylan saberia manter o controle da situação, afinal de contas ele era o Líder antes de mim.

— Sabe que eles não vão acreditar em você – falei me referindo aos meus amigos. – Vão achar que você está se aproveitando da minha ausência para voltar.

— Eles não precisam acreditar em mim, só precisam aceitar – Dylan falou num tom indiferente. – Ajudaria se você mandasse uma mensagem a eles, mas não é necessário se não quiser.

Respirei fundo.

— Vou ver o que posso fazer.

— Tudo bem... Effy? – ele sussurrou hesitante.

— Sim?

— Sinto sua falta.

Sorri e corei, agradecendo por ele não poder me ver e lançar seu sorriso convencido que me faria corar ainda mais.

— Também sinto sua falta Dylan, mas não sei se estou pronta pra voltar ou se...

— Vai voltar – ele completou com um sorriso cansado, imaginei. – Eu sei. Mas ao menos tente acalmar seus amigos, sim? Eles estão deixando os campistas nervosos.

— Meio que suspeitava disso pela quantidade de mensagens que me mandaram – resmunguei. – Sabia que eles arrombaram a minha sala?

Dylan riu diante da minha indignação.

— Querida, eu estou falando com você pelo meu celular, não estou?

Minha boca se abriu de surpresa diante de suas palavras. Não só meus amigos haviam entrado na minha sala e pego seus celulares, como meu namorado o havia feito.

— Dylan! – exclamei indignada ao som de suas gargalhadas ao fundo. Bufei. – Não se pode confiar em ninguém mesmo.

— Ah Effy, não fiquei assim – ele falou divertido. – Foi por uma boa causa.

— Vocês vão ver a boa causa quando eu voltar – falei levemente brava. – Tchau Dylan.

— Tchau Effy – ele desligou ainda rindo.

Revirei os olhos e apoiei minhas costas na madeira da janela, sentindo a brisa fresca tocar minha pele e pensando no absurdo de toda aquela situação. Senti vontade de socar Oliver por não usar o cérebro e gritar com Kenai, apesar do rapaz não ter muita culpa. Vontade de mandar meus amigos pararem de agirem como paranoicos e de assustarem os demais. De mandar as pessoas pararem de precisar de mim, de sentirem minha falta.

— Apenas esqueçam que eu existo, droga – falei colocando as mãos no rosto. – Vai ser melhor para vocês. Seria melhor se vocês nem me conhecessem, mas agora já é tarde então só esqueçam.

Ouvi Tom caminhar na minha direção quando comecei a falar sozinha, mas dar meia volta assim que sua pequena barriga roncou. Prioridades, é claro. Sabendo que aquilo não poderia mais esperar e que talvez já tivesse esperado demais, levantei e me sentei na poltrona ao lado da estante de livros, pensando em quem seria a melhor opção. Mavis provavelmente surtaria durante uns bons minutos quando atendesse e voltaria a gritar comigo assim que falasse que Dylan ia ficar no comando. Jason estava claramente nem aí para toda a situação, mas eu sabia que ele iria ficar fazendo piadas sem graça e não dando a mínima para o que eu falasse. Ou talvez até prestasse atenção, mas ter que ouvir suas sacanagens não valia o risco. Matthew não iria me contrariar e me ouviria, mas não ficaria numa situação muito boa quando os outros soubessem que mais uma vez Matt foi à única pessoa com quem falei. E eu não estava muito a fim de deixar meu amigo com problemas. Elijah não surtaria, falaria sacanagens ou ficaria em uma situação complicada caso eu ligasse para ele, mas era bem capaz de esquecer o que eu pedisse por estar preocupado demais com suas novas músicas, campistas e com as táticas para me derrotar e não valia a pena correr o risco de ele estar perto de Mavis. Portanto, só me restava uma opção. Liguei para o número tão conhecido e esperei alguns minutos até ele atender.

— Effy? – Lucian falou parecendo surpreso.

Fiquei em silêncio pensando em o que falar, mas quando se passou um minuto e nada me veio, simplesmente falei:

— Oi Cicatriz.

Lucian soltou um palavrão e começou a falar frases desconexas, palavras de acusação e preocupação. Deixei que ele o fizesse por um tempo, pensando que eu merecia aquela dose extra de culpa por fazer meus amigos ficarem naquele estado. Elizabeth Manson, você realmente é uma péssima pessoa.

— Hey, Lucian se acalme – falei em um tom calmo – Eu não estou entendo nada. Antes que você comece a me acusar ou algo assim, pare, respire fundo e pense no que você realmente quer me falar. Lembre-se que posso desligar a qualquer momento, então pense bem.

Meu melhor amigo fez um som de indignação, mas seguiu meu conselho. Enquanto esperava ele falar alguma coisa, comecei a balançar meu pé e sentir sol esquentando minha pele enquanto o vento a refrescava. Observei pela janela algumas canoas e pessoas pescando naquela bela tarde de verão californiano. Pensei que talvez devesse ter ligado para a Mavis porque ela com certeza ficaria bem brava quando soubesse que eu havia falado com Lucian e não com ela, mas como imaginei que ela berraria e falaria um monte antes de me deixar dizer oi e como eu não estou com saco pra isso, acho que uma mensagem estaria ótima. Ou talvez não, mas agora já é tarde.

— Como você está? – ele falou por fim, com um suspiro cansado.

— Estou bem – falei, mesmo sabendo que ele não ia acreditar. – O hematoma do meu queixo já está quase sumindo, assim como o dos meus braços. Minha garganta ainda dói, mas nada muito importante...

— Por que você não me avisou? Que estava indo pra Califórnia.

Suspirei já cansada daquela conversa.

— Eu entendo sua raiva Lucian, mas não é porque somos amigos que eu tenho que te falar tudo. Eu sabia que sua reação seria tentar me impedir e contar a Mavis para que ela fizesse o mesmo. Vocês dois tem que entender que eu preciso disso. Preciso vir para a Califórnia, manter distancia de tudo por um tempo, pensar. É importante pra mim. Vocês não precisam entender, mas pelo menos respeitem isso. E parem de agir como um bando de desesperados, até parece que eu vou pular de um prédio se vocês não estiverem por perto.

Bufei. Eu realmente não entendia o porquê de todo aquele desespero. Lucian ficou algum tempo em silêncio, digerindo minhas palavras. Quando achei que ele tivesse desligado ou me deixado falando sozinha porque não respondi o que ele queria, ouvi o som de campistas gritando no fundo.

— Tudo bem, não irei discutir isso com você. Pode ao menos me falar quando você volta?

Engoli em seco me amaldiçoando por não ter pensado naquela pergunta tão óbvia. Eu não poderia falar que não ia voltar, a menos que eu quisesse um Lucian e uma Mavis muito bravos vindo atrás de mim e me arrastando de volta para o Acampamento. Também não podia dizer que não sabia porque ele não ia acreditar em mim.

— Em breve. Pode me fazer um favor? – seu silêncio foi um sinal para que eu prosseguisse. – Pode cuidar das coisas pra mim? Pela forma que vocês estão me ligando acho que os demais campistas devem estar meio preocupados e o Acampamento meio largado, então você pode se certificar que todos façam sua parte?

— Posso tentar – ele falou.

— Obrigada Cicatriz.

— Nah? Você parece cansada.

Ri pelo nariz.

— Você também.

— Eu estou.

— Desculpe Lucian.

— Tudo bem... Carl sente sua falta.

— Diga que vou dar a ele alguns livros pra recompensar.

Ele riu e eu ri dele, logo estávamos os dois rindo como duas hienas por algo que nem tinha graça.

— É engraçado o que o nervosismo faz com você – falei apertando minha barriga, tentando recuperar o fôlego.

— Nem me fale... Soube o que aconteceu com o Oliver?

Ri do seu tom de voz neutro, como quem não quer nada. Eu sabia que não podia jogar aquela bomba nele estando tão longe para poder reparar os danos.

— Soube. E você?

— Na verdade não. Minha fonte não se mostrou tão fonte assim.

— Espero que não esteja falando de mim Gonzalez – falei num falso tom de ameaça.

— Não estou – ele falou rindo. – Kenai falou que não pode me contar. No fundo, eu acho que ele tem medo de você.

Gargalhei diante do comentário de que um homem de quase dois metros de altura ter medo de mim, mas logo parei ao perceber que aquele era o momento de falar o real motivo do porque eu havia ligado.

— Cicatriz? Você e eu sabemos que Sam não é a melhor pessoa para comandar o Acampamento, certo?

— Os campistas vão montar nele – Lucian falou num tom divertido.

— Exato. Por isso Dylan vai assumir. Tudo bem? – antes que ele pudesse falar algo emendei. – Sei que vocês não gostam muito dele, mas Dylan é capaz e vai saber segurar as pontas. Confie em mim está bem?

Lucian fez um barulho de concordância meio contrariado.

— Vai dar tudo certo, você vai ver – falei sentindo o gosto amargo daquela mentira.

Alguns minutos depois desliguei sem fazer a promessa de ligar ou dar um sinal de vida mais tarde. Mandei uma mensagem aos outros falando basicamente a mesma coisa: que eu estava bem, Dylan vai assumir, eu não sei quando vou voltar e para eles pararem de coçar e assustar os outros campistas porque as coisas já estavam saindo do controle.

Depois de ter feito isso e me sentindo um pouco melhor, mas sabendo muito bem que infelizmente meus problemas não haviam acabado, coloquei um biquíni qualquer e passei protetor, decidida a entrar no lago para espairecer. Calcei meus chinelos e soltei meus cabelos, sabendo que iria molha-lo. Peguei uma toalha qualquer e coloquei meu óculo de sol na cabeça, encarando meu reflexo pálido e cheio de hematomas no espelho do closet.

— Elizabeth Manson, você está horrível – murmurei para o meu reflexo.

Tom, que havia corrido em disparada assim que abri a porta do quarto, estava na cozinha sendo alimentado por Mickey enquanto a Sra. Popps cozinhava. Assim que me avistou, a senhora disse que os vizinhos chegariam às vinte e três horas e que Richard havia saído para deixar os seguranças da casa mais atentos já que eu estava a algumas horas de receber visitas. Agradeci a todos e fiz carinho em Tom, avisando que estava indo nadar.

Passei pela porta dos fundos e desci a escadaria de pedra. Caminhei pelo cais de madeira até a ponta do mesmo, onde coloquei minha toalha e tirei meus chinelos. Encarei a paisagem durante um tempo, antes de mergulhar e deixar que o lago Tahoe me cobrisse, pedindo silenciosamente que aquelas águas profundas me engolissem com todos os meus problemas.

(Terça-feira, primeiras horas da madrugada).

Era quase três da manhã, mas as pessoas estavam animadas como se tivessem acabado de chegar. O mesmo não pode ser dito de Richard ou Mickey que carregavam um semblante cansado. Sério e profissional, mas cansado. Os seguranças das outras pessoas que estavam na casa tinham a mesma aparência e circulavam atentos. Alguns empregados serviam bebidas e canapês enquanto outros reabasteciam a mesa de comida e doces, evitando esbarrar com os convidados num tipo de dança complicada.

Levantei-me do sofá da sala de estar, pedindo licença as pessoas ao meu redor e caminhei em direção a varanda, parando na soleira da porta francesa e olhando ao redor. Contive a vontade de coçar meus olhos por causa do rímel e constatei que a quantidade de pessoas na varanda e ao redor da casa ainda era grande. Os sapatos de salto meia pata pretos, embora confortáveis, estavam começando a me incomodar. Meu vestido vermelho com mangas na altura dos cotovelos, decote discreto, justo na parte de cima e com uma saia rodada que vai até metade das coxas estava começando a ficar quente demais, apesar do ar condicionado ligado e das janelas e portas francesas abertas. Meu cabelo preso num coque bagunçado, apesar de bonito estava começando a me deixar com dor de cabeça. Suspirei desejando ser Tom naquele momento que estava no meu quarto dormindo há algumas horas.

— Alguém parece estar arrependida – Stevie falou parando do meu lado. – Quem diria que dar uma festa é cansativo, não é mesmo?

— Foi burrice decidir fazê-la no dia em que cheguei. Deveria ter descansado da viagem antes – falei dando um meio sorriso em resposta ao seu.

— Os vizinhos iriam reclamar se você tivesse feito isso, experiência própria. Relaxe. Até às cinco da manhã eles vão embora – ele falou dando de ombros e tomando um gole do seu uísque. – É só você ir diminuindo a comida aos poucos e...

— Colocar músicas ruins para dançar, fazendo com que todos os convidados se sentem, ficando cansados e sonolentos aos poucos – completei enquanto caminhava para uma das mesas espalhadas pela varanda, sendo seguida por Stevie. – Não é a primeira vez que dou uma festa Kingston.  

— E não é que depois de anos a pequena Elizabeth ainda se lembra de mim? – Stevie falou num tom dramático, puxando uma cadeira para que eu me sentasse.

— É difícil esquecer quando sua família dominou Utah.

— É difícil por muitas coisas, docinho – ele falou sentando na minha frente e me lançando um sorriso cheio de luxuria.

Ele disse que tentou me ligar, mas eu nunca tenho tempo

Ele disse que eu nunca escuto, mas eu nem tento

Comprei uma casa nova na Califórnia, mas eu saio todas as noites

Então eu a encho com estranhos, pois assim eles mantêm as luzes acesas

Ela disse que me conhecia, mas não me lembro de seu rosto

Ela perguntou se eu a reconheço e eu disse talvez

 

Reprimo a vontade de revirar os olhos, correr ou vomitar. Stevie Kingston é um homem de vinte anos, de pele clara e olhos escuros, assim como seu cabelo e barba. Seu rosto com linhas brutas o deixa com um ar másculo, por assim dizer. Stevie é magro, alto e forte, apesar de não possuir músculos muito visíveis. Com seu sorriso galanteador, fala macia, beleza e riqueza possui inúmeras amantes e até seria um bom partido se eu não conhecesse seus podres ou se ele não fosse parte do meu passado.

Com ainda mais empenho reprimo as lembranças que tentam invadir minha mente quando aquele sorriso se inclina na minha direção e sua mão toma a minha por cima da mesa, cobrindo-a. Desvio o olhar do seu rosto e tiro minha mãos das suas sem parecer rude, tomando o cuidado para que os olhos dele caiam sobre o anel de namoro na minha mão direita.

— É um belo diamante – Stevie diz enquanto eu tomo um gole de refrigerante, me fazendo de desentendida.

Aceno de forma afirmativa com a cabeça, olhando as pessoas espalhadas pela varanda até que meu olhar pousa em Patrick Schmidt que caminha em minha direção acompanhado por Suzane e Sebastian. Levanto-me e sorrio antes de ele me abraçar.

— Elizabeth finalmente achei você nessa casa enorme! – Patrick fala enquanto sorri e me abraça.

— Pat, senti sua falta – falo.

— Eu também, pequena Enamor – ele fala apoiando as mãos em meus ombros. – Mas você não devia estar no Acampamento ou algo assim?

Faço uma careta e dou de ombros o que o faz rir e me soltar, permitindo que Suzane se aproxime.

— Está bem longe de casa Kingston – Patrick fala cumprimentando Stevie com a cabeça.

— Apenas Nevada nos separa Schmidt, não se preocupe – Stevie responde ainda sentado.

— Ainda me pergunto como você pode gostar dele – Suzane sussurra no meu ouvido enquanto seus braços me envolvem. – Quando vi vocês sentados aqui vim correndo em seu auxilio.

— Obrigada Ane – sussurro de volta, soltando-a.

Suzane me solta e se senta na cadeira ao lado da minha, dando um sorriso forçado a Stevie. Patrick imita seu gesto, forçando Sebastian a se sentar do lado do meu ex depois de me cumprimentar.

Patrick tem vinte anos e é um típico californiano: loiro, bronzeado e com o corpo definido. Ele adora praia, calor e surfe o que faz com que constantemente tente me arrastar para suas idas ao mar. Eu o conheço desde que me lembro pelo fato de sua família ser amiga da minha há muito tempo e é claro que ele ser meu vizinho em Lake Tahoe ajuda bastante.

Suzane Hagen é a irmã mais nova de Sebastian, que tem vinte e um anos. Ambos são meus primos distantes e vizinhos e enquanto encaro os olhos verde musgo de Sebastian penso enquanto são sortudos por não serem próximos o bastante para serem afetados pela minha Família. Suzane tem olhos mel, cabelos ruivos curtos e o rosto redondo cheio de sardas. Já Sebastian tem olhos verde musgo penetrantes, cabelos castanhos e ombros largos. Ambos dão sorrisos animados para mim quando me sento entre Sebastian e Ane.

Suzane é educada demais para ignorar Stevie de modo que o inclui na conversa e obriga seu irmão a fazer o mesmo. Patrick e Stevie trocam tantas alfinetadas por minuto que não consigo acompanhar, de modo que me desligo da conversa aos poucos.

Veja, em todo o lugar que eu vou, tenho um milhão de pessoas diferentes tentando transar comigo

Mas continuo sozinha na minha cabeça

 

Meus pensamentos vão sendo conduzidos para o Acampamento contra a minha vontade. Penso se Dylan conseguiu assumir o cargo de Líder dos Líderes sem problemas ou se alguém se opôs. Como Sam se sentiu quando meu namorado o substituiu com o meu apoio. Como Mavis se sentiu quando Lucian falou que eu liguei para ele, se Matthew se sentiu aliviado. Teria Jason dado uma bronca nos demais, mandando voltarem a seus afazeres? Os demais campistas estariam tranquilos, preocupados, nem aí...?

Fecho meus olhos por alguns minutos, soltando o ar com força e respirando fundo em seguida, me amaldiçoando mentalmente por ser tão fraca. Talvez os culpados por dificultarem o meu afastamento do Acampamento não sejam meus amigos, meu namorado ou os outros campistas, mas eu mesma. Depois de tantos anos eu sabia que não ia ser um processo muito fácil, mas com toda a certeza estava sendo bem mais difícil do que eu previra.

No fundo da minha mente uma voz começa a questionar se me afastar é mesmo a melhor solução. Se diminui minha culpa, o peso na minha consciência ou me deixa tranquila.  Ambas sabemos que não. A culpa por abandona-los no escuro me corrói assim como a culpa por coloca-los nessa situação, apesar de não ter sido eu a planejar tudo isso. Eu estou mais para um cavalo ou bispo do que rei ou rainha, mas ainda era melhor do que ser um mero peão – coisa que os demais são. Talvez não fossem se não me conhecessem. Se eu não tivesse entrado no Acampamento. Se Thomas não tivesse morrido. Se não tivesse sido enviada para o Treinamento mais vezes do que consigo me lembrar. Se minha Família não tivesse aquele maldito teste. Se eu não tivesse passado nele...

Eu sei que você está morrendo para me conhecer

Mas eu posso apenas te dizer isso

Meu bem, assim que você me conhecer

Você vai querer nunca ter conhecido

(Você vai querer nunca ter conhecido)

— Não me diga que você está tomando refrigerante Effy – Sebastian fala sorrindo divertido enquanto um mordomo o entrega uma caneca cheia de Chopp.

— Caso não se lembre, sou menor de idade Seb – falo abrindo meus olhos e agindo normalmente.

— Nossa pequena Enamor ainda é um bebê – Patrick fala me encarando enquanto se delicia por estar dando inicio ao seu hobby preferido: curtir com a minha cara.

Reviro os olhos e dou um gole no meu refrigerante enquanto Patrick ri com os demais.

— Qual é Effy, ser menor de idade não te impediu de beber no passado – Stevie comenta. – Ou fazer coisas mais... Hã, impróprias.

— Vamos lá, onde foi parar a Elizabeth Manson que estampava as capas das revistas com manchetes polêmicas? – Sebastian falou entrando na brincadeira.

— Graças aos céus está no passado e eu agradeceria se todos a deixassem lá – falo levemente irritada.

— Devo dizer que aquela Effy era bem mais divertida – Stevie fala.

— É claro que você acha isso Stevie. Ela fumava, bebia, ia às festas e transava com você – Sebastian fala irônico. – Por isso sua opinião não conta, apesar de que devo dizer que concordo.

Lanço meu melhor olhar de ódio a Seb, que dá de ombros dando uma tragada no seu cigarro. Suzane me lança um sorriso triste antes de falar:

— Tenho certeza que ela beberia se ganhasse algo em troca. Apostaria nisso.

— Apostaria é? – falo.

— Vinte dólares! – Patrick exclama pegando a carteira no bolso da bermuda.

— Só? – pergunto. – Você sabe que dinheiro não é problema pra mim, não sabe Pat?

— Cinquenta – Sebastian fala colocando a nota no centro da mesa.

Reviro os olhos e cruzo os braços. No fundo me pergunto que merda estou fazendo. A pressão, o peso na consciência, rever meu irmão, meus amigos e Stevie – que representa uma parte sombria da minha vida – são grandes, mas não justificam minhas possíveis futuras atitudes. Voltar a Califórnia nas atuais circunstâncias talvez não tenha sido uma boa decisão.

— Mais trinta então – Patrick fala colocando o dinheiro sobre a nota de Sebastian.

— Apoio – Stevie fala colocando cinquenta dólares na mesa.

— Eu não deveria estar fazendo isso, mas se até Sebastian acha que você precisa beber é porque a coisa está feia – Suzane fala na tentativa de justificar sua atitude. – Mais cinquenta.

— Senhoras e senhores! – Patrick exclama chamando a atenção de algumas pessoas. – Damas e cavaleiros! Estamos prestes a ver Enamor voltar a suas raízes e tomar uma caneca de Chopp por duzentos dólares?

— É uma aposta? – alguém berra de dentro da casa. – Acrescenta cem dólares!

— É uma aposta! – Patrick grita.

Trezentos dólares. Uma aposta. Minha honra. Ser motivo de piada pelo resto da minha vida sempre que encontrar alguma dessas pessoas caso eu recuse. Um possível mal-estar e uma resseca de manhã. Arrependimento, uma caneca seguida de outra e mais uma...

— Tragam a caneca – falo dando um suspiro, decidindo que meu arrependimento vai durar menos do que ter que aguentar brincadeiras sem graça pelo resto dos meus dias.

— Mais duzentos se você tomar duas – Clarice, minha vizinha do lado de Nevada fala dando um sorriso travesso.

Faço uma careta e dou de ombros, sabendo que com certeza duas canecas vão me trazer uma dor de cabeça.

— Duas canecas! – Patrick berra.

Mickey me lança um olhar repreendedor do outro lado da varanda, mas não me impede. Um dos mordomos traz as duas canecas e as coloca em cima da mesa, evitando olhar para algum de nós. Sebastian, Patrick e Suzane começam a batucar na mesa e Stevie fala:

— Que rufem os tambores! Alguém registre esse momento para a posterioridade.

Encaro as duas canecas cheias de Chopp. A bebida está tão gelada que faz o vidro ficar embaçado. As pessoas ao meu redor me encaram, algumas com seus celulares em mãos. Penso na reação dos meus pais se aquelas fotos chegarem em suas mãos. Na reação da minha Família, do meu namorado, dos meus amigos – porque no fundo sei que as pessoas ao meu redor, apesar de me conhecerem, não o são. Algumas me temem, outras respeitam e algumas estão esperando uma oportunidade de fechar um acordo ou me passarem a perna. Nenhuma delas vai segurar meu cabelo quando eu estiver colocando toda aquele Chopp com refrigerante e canapês para fora num vaso sanitário ou não. Mas mesmo sabendo de tudo isso, pego uma das canecas e tomo longos goles ao som de gritos, palmas e flashes.

Fiquei uma noite fora em Paris onde eles não sabem meu nome

E me meti em alguns problemas com aquela bebida nas minhas veias

Tenho um problema com festas porque elas são muito altas na minha cabeça

E eu nunca consigo dizer desculpa porque eu não admito a culpa

Eu sei que eu sempre desapareço e você fica acordado

Mas se você perguntar por que estou distante, oh, eu estou fugindo

 

Stevie passa o braço sobre os meus ombros quando pouso a primeira caneca pela metade no tampo de vidro da mesa redonda. Provavelmente está pensando que vai conseguir me levar para um quarto quando eu terminar, como acontecia há alguns anos quando eu era autodestrutiva e achava que homens como Stevie Kingston – filho mais velho de um dos membros d´A Ordem – eram uma espécie de príncipes no cavalo branco. Me desprendo de seu braço que me envolve como uma garra. Se essas fotos chegarem até Dylan e ele me ver com o Kingston... Penso enquanto volto a encostar o frio da caneca em meus lábios.

— Será que Elizabeth conquistará quinhentos dólares nesta noite ou permanecerá com trezentos? – Patrick fala como se narrasse a cena para um reality show.

Termino de tomar a primeira caneca. O Chopp tem um gosto amargo, o álcool parece ser inexistente, mas o leve embrulho no meu estomago indica o contrário. Minha cabeça está normal, como se eu tivesse acabado de tomar água com gosto ruim. O mal-estar causado pela bebida ainda está distante, por isso decido tomar logo a segunda caneca e acabar de uma vez com isso. Assim, quando subir para o meu quarto para dormir, alegando um mal-estar meus convidados não vão reclamar muito.

 

Você sabe que em todo o lugar que eu vou, tenho um milhão de pessoas diferentes tentando transar comigo

Mas continuo sozinha na minha cabeça

 

Quando seguro a caneca e a aproximo do meu rosto sinto Stevie e os demais prendem a respiração, em expectativa. Tomo alguns goles que fazem meus sentidos parecerem mais vividos. A música parece aumentar assim como o embrulho na minha barriga e o cheiro ruim da bebida que faz com que eu enrugue o nariz e beba goles maiores e com espaços menores. As pessoas ao meu redor gritam e batem palma, torcendo para mim.

Bato a segunda caneca vazia na mesa, me sentindo satisfeita, realizada. Patrick que havia levantado e está em pé atrás de mim me dá alguns tapinhas nas costas como se eu tivesse feito um feito muito grande e não algo fora da lei e impróprio. Ótimo, acabei de beber e já estou arrependida, penso.

Pego o dinheiro de cima da mesa e o coloco no bolso do vestido enquanto as pessoas ao meu redor aplaudem. Me levanto e sorrio tentando parecer sociável, agradecendo a todos com acenos de cabeça enquanto Patrick e Sebastian gritam e me abraçam. Suzane ri e Stevie me lança olhares cheios de segundas intenções que fazem eu me sentir ainda mais enjoada.

Me desvencilho de todos os abraços e ainda sorrindo começo a me afastar da plateia, desejando que outra pessoa faça algo idiota e vire o centro das atenções. Algumas pessoas me entregam dinheiro enquanto caminho em direção ao outro lado da varanda, sendo acompanhada pelo olhar repreendedor de Mickey. Me sinto uma meretriz ou o palhaço de festas infantis. Quando estou a alguns passos do meu guarda costas sinto meu celular vibrar no bolso do vestido, me lembrando que em Toronto são seis da manhã e que alguém no Acampamento não está dormindo. Bom, bem-vindo ao clube.

Eu sei que você está morrendo para me conhecer

Mas eu posso apenas te dizer isso

Meu bem, assim que você me conhecer

Você vai querer nunca ter conhecido

(Você vai querer nunca ter conhecido)

 

— Então está voltando a suas raízes? – Miguel pergunta num tom irônico quando estou perto o bastante para ouvi-lo murmurar.

— Você sabe que se não aceitasse eles não me deixariam esquecer – falo dando de ombros.

— Você fala como se a opinião dessas pessoas fosse muito importante. Ou como se você fosse importante para elas.

Suspiro fundo e lanço um olhar reprovador a ele, apesar de saber que Mickey está certo.

— Por favor, deixe a bronca para amanhã. Ou não. Esqueça a bronca – falo pressionando a ponte do meu nariz.

— Já está com dor de cabeça? – Mickey fala num tom debochado. – Cadê aquela sensação de prazer pós álcool? Bom, se você vai dormir eu não tenho que ficar nessa festa, mas deixe bem claro para o Kingston que você não quer companhia porque não estou afim de levantar da minha cama para ir socorrer você.

— Mas vai levantar se for necessário porque hoje é a sua noite – Richard fala sorrindo enquanto se aproxima. – Noite passada foi minha, hoje é a sua.

— Deveria ser a sua Jones porque foi no seu turno que ela veio para cá.

— Bom, nós viemos com ela então não pode dizer que não fiz a minha parte.

Antes que os dois começassem a se alfinetar como de costume, os interrompi dizendo que estava subindo e pedi para que despistassem Stevie. Entrei na casa e subi as escadas, me despedindo de algumas pessoas e tomando o cuidado para que outras não me vissem. Preferi ignorar as pessoas que encontrei se agarrando nos corredores e escadas e acelerei o passo, sentindo meu cérebro balançar a cada degrau. Tranquei a porta do meu quarto, tirei meus sapatos e subi a escada enquanto soltava o meu cabelo, sentindo a dor na minha cabeça diminuir parcialmente. Tom dormia profundamente em minha cama, sem se importar com a brisa fresca que entrava pelas janelas.

Suspirei fundo e caminhei para o closet, largando meus sapatos no chão junto com meu vestido que fez barulho ao atingir o chão, lembrando-me do dinheiro e do celular que estavam nos bolsos. Vesti o short e a camiseta do meu pijama antes de ir ao banheiro escovar os dentes e pentear o meu cabelo, levando algum tempo para desfazer os nós. Depois de fazer xixi, tirar a maquiagem e reprimir um bocejo, retornei ao quarto a tempo de ouvir alguém bater na porta.

— Pelo amor – murmurei enquanto descia a escada silenciosamente e encostava minha orelha na porta de madeira. – Quando as pessoas vão para seus quartos sozinhas é porque querem ficar sozinhas!

 - Effy? – Stevie falou incerto. – Abra a porta, vamos. Eu sei que você está com saudades de mim.

 Eu, eu sei que você quer

Eu, eu sei que você quer

Eu, eu sei que você quer

Deslizar para dentro da minha armadura

Eu, eu sei que você quer

Eu, eu sei que você quer

Eu, eu sei que você quer

Deslizar para dentro da minha armadura

Revirei os olhos e amaldiçoei a Elizabeth do passado. Dei as costas a porta e subi as escadas, fechando as janelas e as cortinas do quarto ainda ouvindo Stevie bater uma vez ou outra. Com cuidado para não acordar Tom e ter que lidar com uma raposa mal-humorada ajeitei a cama para dormir, tirando todas as almofadas e bichinhos de pelúcia de cima. Meu celular vibrou mais uma vez, no chão do closet, mas decidi ignora-lo e dormir. Assim que me deitei Tom, sonolento, caminhou até deitar ao lado da minha cabeça e se aninhar, encostando o focinho molhado na minha testa.

Fechei meus olhos e sorri, me sentindo confortável e segura. Aninhei o urso de pelúcia preferido do meu irmão contra o peito, sentindo a presença de Tommy me acalmar e diminuir um pouco minhas preocupações. Ao fundo, ainda ouvia Stevie bater insistentemente na porta, a música ruim e o som de vozes dois andares abaixo. Apesar da casa cheia e barulhenta e de Tom deitado ao meu lado, eu me sentia sozinha. Segura e confortável, mas completamente sozinha.

Veja, em todo o lugar que eu vou, tenho um milhão de pessoas diferentes tentando foder comigo

Mas continuo sozinha na minha cabeça

 

Bem, é melhor você se acostumar, pensei. Independentemente de se você voltar para o Acampamento ou não eles vão odiá-la. E ninguém fica perto do que odeia. Quando percebi, eu estava desperta e encarando o céu sobre a minha cama. Meus medos começaram a sair das profundezas da minha mente para me assombrar, fazendo com que o sono me abandonasse a vontade de chorar me atingisse. Tentei prever a reação dos meus amigos e dos demais quando eles soubessem da verdade. Do real motivo de eu ter vindo para a Califórnia, como obtive minhas conquistas no Acampamento, como a minha Família se tornou o que é atualmente, com o tipo de pessoas com que me relacionei – e apesar de ter me arrependido de conhecer algumas isso não muda o fato de que fiz o que fiz.

 

Eu sei que você está morrendo para me conhecer

Mas eu posso simplesmente te dizer isso

Meu bem, assim que você me conhecer

Você vai querer nunca ter conhecido

(Você vai querer nunca ter conhecido)

Sim

 

Talvez eles nunca cheguem a saber da verdade, mas apenas a hipótese me apavora. Talvez acreditem que sou apenas uma peça levemente importante do tabuleiro, tão manipulada quanto eles, mas talvez me amaldiçoem por condena-los. É quase certo que já tenho o ódio dos novatos e a culpa é minha: não deixei que se aproximassem e me conhecessem para tirarem suas próprias conclusões. Para eles vou ser a garota misteriosa que arruinou suas vidas. É claro que sempre há aqueles loucos que com certeza vão adorar toda a situação, mas duvido que sejam muitos. E duvido que meus amigos sejam um deles.

Tom se mexe, me tirando dos meus devaneios e percebo que algumas lágrimas tímidas escorrem por minhas bochechas e molham meu travesseiro. Ouço meu celular vibrar mais uma vez quando o céu começa a perder a tonalidade azul petróleo graças ao amanhecer que se aproxima. Com cautela, jogo minhas cobertas para o lado e me levanto, sentindo meu cérebro balançar dentro da cabeça e meu estomago revirar. Corro para o banheiro a tempo de colocar parte do que ingeri para fora no vaso sanitário. Depois de me recompor, escovar os dentes, tomar um copo de água e uma aspirina, saio do banheiro e pego meu celular no bolso do vestido, me surpreendendo ao constatar que a mensagem não é somente do Acampamento e como o esperado Mavis não está muito feliz por eu ter falado com Lucian em vez dela, mas também é da minha Família. Com as mãos tremendo e suando, o coração disparado e ouvindo minha circulação nas orelhas, abro a mensagem e a leio:

Enamor,

Soube do ataque que sofreu no Acampamento e que está na Califórnia em pleno verão. Tenho certeza que tem suas razões para ter tomado as atitudes que tomou, mas devo dizer que necessito de explicações. Sinto que é o meu dever lembrar-lhe das obrigações que tem para com essa Família. Por esses motivos e por alguns outros que não posso dizer por meio desta, estou indo lhe visitar em Lake Tahoe. Chegarei ainda hoje, por voltas das três da tarde.

Espero que esteja passando bem.

Tio Vicent, Saver.

Com certeza a minha intenção de vir para a Califórnia espairecer não foi uma boa ideia. E com toda a certeza, aquele seria outra noite sem dormir.   

Eu sei que você quer

Eu, eu sei que você quer (você vai querer nunca ter conhecido)

Eu sei que você quer

Deslizar para dentro da minha armadura (oh)

Eu sei que você quer

Eu, eu sei que você quer (você vai querer nunca ter conhecido)


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Notas finais do capítulo

Quarto Effy: https://s-media-cache-ak0.pinimg.com/736x/15/19/27/151927e1a2d5c4fc9cf894d8eb9dd4eb--pretty-bedroom-cozy-bedroom.jpg

É isso. Espero q tenham gostado e qualquer coisa avisem :)
Comentem para eu saber o q estão achando ou só pra falar o q vcs vão comer ahsuahs

Até.
XOXO,
Tia Mad.