Camp Paradise - Interativa escrita por Aninha


Capítulo 6
Capítulo II - Primeiro Ministro, Missões e Família


Notas iniciais do capítulo

Olá! A música do capítulo é Foster the People - Houdini.

Para compreender o capítulo é importante entender que ele se passa no passado, ou seja, antes dos acontecimentos dos capítulo anteriores. A fic terá alguns bônus geralmente no passado e narrados pela Effy, mas isso pode mudar às vezes.

A imagem do capítulo é a foto do porta retrato!

Boa leitura ;)



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Elizabeth Manson, Effy

 

 (Final de Maio– Quarta-feira, final da tarde).

Batuquei com a caneta no tampo da mesa de madeira enquanto relia o relatório sobre os preparativos para o Baile da Primavera que é um evento anual muito estimado pelos estudantes da John McCrae Secondary School. É importante que tudo saía exatamente como o planejado para garantir o sucesso da festa que antecede as últimas semanas de aula e isso me deixa num estado constante de nervosismo.

— Não sei por que você se preocupa tanto com esse baile se você nem vai – Mavis falou.

Revirei meus olhos e coloquei as folhas que eu estivera lendo nos últimos minutos sobre a mesa, virando minha cadeira em sua direção logo em seguida. Mavis Bittencourt estava deitada calmamente na minha cama, encarando o teto e balançando os pés no ritmo da música que tocava no rádio. Voltei a minha atenção ao relatório, ajeitando meus óculos de leitura no rosto e organizando as folhas antes de voltar a ler.

— Porque eu sou a Presidente do Grêmio Estudantil e se algo der errado é a minha cabeça que vai rolar – falei num tom monótono por ter repetido aquilo pelo menos uma vez por dia desde que os preparativos começaram. – E eu vou ao baile esse ano.

— Você o que? – ela exclamou animada.

Suspirei e segurando o riso olhei-a sobre o ombro direito. Mavis estava sentada na cama com os cabelos bagunçados, olhos arregalados e um sorriso enorme no rosto. Sabendo que não conseguiria voltar a ler porque minha melhor amiga estava animada demais, depositei as folhas na mesa com o óculo em cima e me levantei, caminhando até o peitoral de uma das janelas.

— Você ouviu May – falei enquanto me sentava e colocava os pés sobre o peitoral, abraçando meus joelhos em seguida. – Eu sou Presidente do Grêmio e como tal, responsável pelo baile, e eu deveria ir por causa disso...

— Porque se algo der errado você estaria lá para resolver – ela falou me interrompendo. – Mas você não ia mesmo assim. Por que mudou de ideia?

Revirei os olhos.

— Se você me deixar terminar vai saber. Como eu estava dizendo, eu deveria ir por causa disso, mas não ia. Então meu namorado teve a brilhante ideia de nos inscrever para Rei e Rainha do baile e eu não ia mesmo assim, porque acho isso um concurso tão idiota quanto a Miss do baile, e não acho que vamos ganhar e se ganharmos eu não vejo problema nenhum em não estar lá para receber uma coroa de plástico e um buque fedido. Mas Dylan, como a pessoa maquiavélica que é, comentou sobre isso inocentemente com minha mãe e agora ela está me obrigando a ir já que ela sempre ganhava essas coisas e eu vou ser o orgulho dela e blá blá blá – revirei os olhos novamente.

— Golpe baixo – Mavis falou com um ar pensativo e com uma mão sob o queixo. – Queria ter pensado nisso antes... Ponto pro Dylan.

— Ei! – exclamei enquanto ria. – Com uma amiga como você eu não preciso de inimigos.

— Só vantagem – ela falou me dando uma piscadela.

— Vocês ainda estão competindo?

— Sim. Até agora o placar está 21 a sete para mim. Oito agora.

Sorri e olhei para o lado de fora. A janela em forma de triangulo faz eu me sentir uma princesa na torre e o fato de meu quarto ser no último andar apenas aumenta essa sensação. Sentada no parapeito estofado eu consigo ver o jardim e as montanhas. Olhei para o balanço pendurado num dos galhos da árvore do jardim balançando suavemente com a brisa, como se um fantasma estivesse brincando. Abri a janela e o cheiro das rosas invadiu minhas narinas, me fazendo enrugar o nariz.

— Por que vocês fazem isso? – perguntei.

— É a forma que encontramos de implicarmos um com o outro sem você nos ameaçar de morte. É melhor do que quando nos conhecemos, você tem que admitir.

Antes que eu pudesse falar algo a respeito à governanta da casa, Jane Bennet entrou no quarto. Jane é uma jovem de 25 anos loira, de olhos azuis escuros e pele clara. Ela poderia estar fazendo uma faculdade ou trabalhando com algo mais apropriado para sua idade, mas preferiu seguir o caminho da mãe e servir minha família. Seu pai é o motorista particular e sua mãe a cozinheira chefe, ambos tem muito orgulho de continuar uma tradição antiga – a de servir a Família Manson. No começo, minha mãe relutou em contrata-la por causa da sua idade, apesar de saber que Jane seria eficiente. A Sra. Manson insistiu para que a jovem fizesse alguma faculdade dizendo que pagaríamos se fosse necessário, mas após tantas negativas minha mãe acabou aceitando-a.

Atualmente Jane é o orgulho dos pais e a governanta mais nova que já tivemos. Quando estamos sozinhas em casa – o que acontece com frequência – Jane e eu costumamos conversar para afastar a solidão. Mas era a primeira vez que ela entrava no meu quarto com as mãos vazias, sem ser chamada e sabendo que eu estava com Mavis.

— Algum problema Srta. Bennet? – perguntei ao vê-la torcer as mãos nervosamente.

— O Sr. Manson ligou e pediu para a senhorita ir ao Gabinete dele imediatamente – ela respondeu com a voz firme encarando o tapete macio do quarto.

Retesei-me. Meu pai nunca me chamava ao seu Gabinete. Aquele local é estritamente proibido para mim. Mesmo quando eu fazia algo errado ou quando alguém conhecido morria, as noticias ou broncas eram dadas no escritório da minha mãe ou na sala de estar, nunca no Gabinete. Aquilo só podia significar três coisas: alguém muito importante havia morrido ou eu estava ferrada por alguma coisa que não me lembrava de ter feito ou algo muito importante estava prestes a acontecer.

— Acho melhor a Srta. Bittencourt ir embora – Jane falou depois de alguns minutos de silêncio.

Mavis me encarou preocupada, mas eu sabia que meu rosto estava impassível como sempre. Suspirei e me levantei, caminhando rapidamente até o closet e trocando minha calça de moletom e camiseta de flanela para algo menos confortável e mais eu sou a filha do Primeiro Ministro.

— Chavier pode te levar até sua casa May – falei enquanto vestia minha saia preta rodada. – Conversamos depois.

Ouvi Mavis bufar e sabia que ela tinha revirado os olhos.

— Eu moro a duas quadras daqui Effy. Te ligo depois para falarmos sobre o baile. Preciso falar que você vai numa festa para o Lucian e fazer algumas apostas com ele.

— Vocês são ótimos amigos mesmo.

Terminei de abotoar minha camisa branca de linho e a coloquei por dentro da saia, colocando um casaco leve azul petróleo por cima. Coloquei meus sapatos pretos meia pata de verniz, prendi meu cabelo castanho escuro num coque bagunçado e sai do closet. Jane havia se retirado e Mavis olhava o rio Rideau por outra janela.

— Achei que já tinha ido para sua casa me difamar – falei assustando-a.

— Estava esperando você como a ótima amiga que sou.

Revirei os olhos e sorri enquanto May jogava seu cabelo curto sobre o ombro. Saímos do quarto e descemos as escadas. Jane me disse que o Sr. Bennet já estava a minha espera e ofereceu um lanche para minha amiga, que aceitou. Nos despedimos e caminhei até o carro preto que estava estacionado perto da porta principal, cumprimentei as pessoas que estavam no veiculo e fiquei em silêncio, pensando o que o futuro me reservava.

O caminho do bairro em que moro, o Old Ottawa South, até o Parliament Hill é de 11 minutos. Um tempo ótimo quando acontece algo que precisa da presença urgente do Primeiro Ministro do Canadá, mas péssimo quando você é convocado ao Gabinete do mesmo sem saber a razão para tal. Meus nervos já não estavam muito bem graças ao nervosismo causado pelo Baile da Primavera e as provas finais e todo aquele mistério não estava ajudando nem um pouco.

É claro que como uma Manson eu estava acostumada com o mistério. Passagens secretas que levam até as masmorras e salas de tortura, pessoas desconhecidas entrando e saindo de casa, mais seguranças do que o Primeiro Ministro e sua família deveriam ter... Sem esquecer todos os segredos, acordos e outras coisas que minha família possui. Lembro-me de quando meu pai foi eleito e a policia começou a nos investigar por possuirmos mais dinheiro do que deveríamos, com certeza acreditando terem encontrado um sistema de corrupção que teria diversos nomes e acarretaria em inúmeras prisões. No fim das contas, eles não encontraram nada. Não encontram por que não tinha nada a ser encontrado, mas sim porque estavam pesquisando uma informação falsa no lugar errado.

 

Levante-se, a guerra vai começar!

O que você quer, o que você precisa

E o que você veio fazer aqui?

Bem, é olho por olho e um "L" por luta

Eles estão me abatendo como os prisioneiros rebeldes

 

Se eles tivessem voltado alguns anos na nossa árvore genealógica, se nós não tivéssemos contatos com as pessoas certas e ameaçado quem deveríamos e se não esperássemos por isso talvez eles descobrissem uma fração do que nosso sobrenome representa. Mas eles estavam focados demais em questionar meu pai, um mentiroso ardiloso, e minha mãe, uma manipuladora nata. Focados demais em interrogar os Bennet que são mais fieis a nós do que um bom cachorro é ao seu dono. Se eu não fosse treinada desde que passei por aquele teste nos primeiros minutos da minha vida e se não amasse tanto minha família, talvez eles conseguissem arrancar algo de mim. Talvez, se voltassem algumas semanas depois a minha primeira visita ao Gabinete do meu pai eu contasse tudo a eles. Mas eles nunca fizeram isso.

 

Estou algemado, minhas palavras estão presas

Medo pode fazer você se comprometer

Com as luzes acesas, é difícil se esconder

Às vezes eu quero desaparecer            

 

O Sr. Bennet estacionou chamando minha atenção para a realidade. Agradeci e sai do carro rapidamente, subindo logo em seguida à escadaria que leva ao enorme arco da entrada, sendo seguida por um segurança a alguns passos de distância. Um rapaz com terno escuro me esperava perto da entrada e assim que me viu começou a caminhar em direção ao que supus ser o Gabinete. Algumas escadas, viradas de corredor e portas depois eu estava frente a frente com uma pesada porta de madeira com uma placa de ouro pendurada. Em letras garrafais a palavra Gabinete. Observei aquela palavra e a vi se reproduzir milhares de vezes no período que levou para meu guia anunciar minha presença.

O Parlamento é decorado com luxo e diversas obras de arte. É um pedaço de Londres no Canadá. Tanto por fora quanto por dentro ele lembra um palácio e os jardins ao redor tem turistas o ano inteiro. Lembrei-me que na semana seguinte seria a troca da guarda – um evento que só acontece no verão. Algumas mulheres entraram apressadamente no corredor, carregando pastas e falando rapidamente em inglês, mas se calaram e imaginei que elas desejaram poder flutuar enquanto passavam na frente do Gabinete, fazendo menos barulho possível que seus saltos altos e respirações aceleradas permitiam.

As segui com o olhar até desaparecerem no final do corredor. Virei minha cabeça para a esquerda e olhei sobre o ombro, onde Miguel Coppola estava parado tão silencioso e imóvel quanto uma das estatuas que enfeitam o corredor. Miguel é um dos poucos seguranças que tem a total confiança da minha família e que de fato sabe das coisas. Alguns acreditam nos proteger pelo cargo do meu pai, outros pelo da minha mãe e alguns por ambos, mas são poucos que sabem que nossa vida vai muito além da fachada da Família Perfeita que assumimos para a nação.

— Por que acha que estamos aqui Mickey? – perguntei num sussurro.

Ele me olhou com um sorriso compreensivo e olhos tristes.

— Eu não sei – sussurrou de volta. – Mas não conto para ninguém se estiver com medo.

Assenti e voltei a olhar a porta do Gabinete.

— Senhorita Manson? – meu guia chamou parado na frente da porta, com uma mão na maçaneta. – Seu pai a espera.

Engoli em seco, segurei um suspiro e assenti novamente. Comecei a caminhar, passando pela porta e entrando na antessala. Várias mesas de madeira com computadores e papéis estavam espalhadas de modo organizado pelo local. O piso escuro reflete tudo como um espelho e o teto com pé direito alto tem uma pintura da época renascentista ocupando toda sua extensão. Vários abajures de mesa e de chão, além de lustres luxuosos iluminam o local, apesar das cortinas e janelas abertas. As paredes creme possuem alguns quadros famosos pendurados e nos cantos esculturas greco-romanas deixam tudo com ar antigo. Várias pessoas estavam sentadas diante das mesas escrevendo freneticamente em seus computadores enquanto outras andavam de um lado para o outro carregando alguns papéis. Na parede defronte a porta de entrada, a sala do Primeiro Ministro.

Mickey e eu seguimos o guia até a porta de madeira escura que estava fechada. Ele bateu e abriu, dando passagem para a minha entrada. Meus músculos estavam todos retesados e meu olhar estava fixo no vão da porta. Andei de forma mecânica e com passos duros até a soleira, onde parei e aguardei.

— Entre Enamor – meu pai falou me encarando por trás da mesa.

Caminhei até estar no meio da sala. O tapete claro sob meus pés faz contraste com o piso escuro. A sala de forma circular – o que me informou que estamos em uma das torres – tinha cada centímetro de parede ocupada ou por obras de arte ou por estantes cheias de livros. O lustre enorme em cima da minha cabeça ilumina todo o aposento que possui três janelas – uma atrás da mesa e as outras a direita e esquerda, possibilitando uma vista de boa parte de Ottawa. Meu pai estava sentado na enorme mesa de madeira escura que fica quase no meio do aposento. Um abajur de mesa, um carimbo e um computador desligado estavam sobre a mesa. Meu pai me encarava sentado em sua cadeira de couro confortável, usando seu terno escuro feito sob medida, com as mãos cruzadas sobre a mesa e seus olhos gelados. Em uma das cadeiras estofadas a sua frente, minha mãe estava sentada de forma elegante, usando um vestido sério e sapatos de salto, seus cabelos caindo em cachos perfeitos pelas costas.

Ficamos naquele jogo de olhares durante alguns minutos. Mickey estava sentado num sofá de camurça marrom ao lado Wilson, o segurança do meu pai.

— Sente-se – meu pai falou fazendo um gesto para que eu me sentasse ao lado da minha mãe.

Engoli em seco e fiz o que me foi ordenado, cruzando as mãos no meu colo. Assim que sentei, minha mãe se levantou e começou a andar pela estante de livros, seus sapatos fazendo barulhos irritantes ao tocar o piso.

— Algo errado? – perguntei.

Meu pai descruzou as mãos e se encostou melhor na cadeira, passando a fitar a janela a sua esquerda como se fosse a coisa mais interessante do mundo. Após alguns minutos ele disse:

— Nossa Família possui inúmeras regras e tradições que são seguidas a risca. É importante a seguirmos para que as futuras gerações não se percam e joguem todo o nosso império, tudo que conquistamos na lama. Por isso, é de grande importância não ficarmos contra a Família quando esta toma uma decisão que talvez imediatamente não surta efeitos, mas que futuramente trará benefícios. Nunca ficamos contra a Família Enamor. Nunca.

Ele fez uma pausa. Eu já tinha ouvido aquelas frases e suas variantes mais vezes do saberia dizer, por isso não entendi por que meus pais tiveram o trabalho de me chamarem ao Gabinete apenas para repeti-las. Mas eu sabia, como uma boa Manson, que o clímax ainda estava por vir, quando todo aquele teatro faria sentido.

— Lembra-se que você me pediu para colocar a bastarda no Acampamento e eu permiti em troca de um favor? – assenti. – Pois bem, irei cobra-lo agora.

Há três anos eu havia feito aquele pedido, que permitiu que Sophie tivesse uma parcela ínfima do que significa fazer parte da Família. Eu sabia que por causa do que sua mãe havia feito não deveríamos ajuda-las de nenhuma maneira, mas uma parte de mim dizia que não era justo Sophie sofrer pelos crimes da mãe. Bem, se ela não sofreria aparentemente eu iria sofrer.

 

Quando me sinto meio mal e não quero me estressar

Eu passo por cima disso com habilidade

Bem, você tem o que quer, e o que você nunca conheceu

É um presente perfeito meu para você

 

Minha mãe se aproximou por trás dele e depositou um arquivo pardo em cima da mesa, sem me olhar uma única vez. Meu pai puxou os papéis, colocando-os a sua frente e voltou a falar. Mas meu cérebro havia se desligado. Meus olhos estavam focados sem piscar no carimbo que estava no arquivo. Um carimbo vermelho que eu tinha esperança de só conhecer dos filmes ou histórias que minha Família conta nas reuniões. A palavra Confidencial parecia piscar como um letreiro em neon. Pensei se eu estaria entrando num estudo cientifico do governo e viraria uma cobaia.

Após alguns minutos, percebi que a sala estava estranhamente silenciosa. Ergui meus olhos e dei com meus pais me fitando, sem expressão.

— Desculpe – falei. – O que você disse?

Minha mãe mordeu o lábio inferior enquanto meu pai apertava a ponte do nariz com os dedos. Ouvi alguém se mexer no sofá, mas não dei atenção. Os olhos da minha mãe brilharam e ela encarou o lago que circula o Parlamento com um ar distante. Meu pai pigarreou e disse:

— Está prestando atenção Enamor? Muito bem. Você não irá mais a escola. Com suas notas você já passou de ano e não é realmente necessário que você vá ao baile, Dylan irá entender. Durante a próxima semana você deve se alimentar bem e descansar. Passar um tempo com seus amigos ou fazer o que acha que seja importante. No final do mês você irá viajar e voltará apenas quando for o momento de ir para o Acampamento.

— Por quê? – perguntei. – Por acaso estamos sendo perseguidos e eu vou ser enviada para algum local seguro?

— Não. Você será enviada para um treinamento.

Congelei. Eu não conseguia me mover. Parecia que havia me esquecido como se pisca, respira, engole a saliva. Meus olhos ficaram focados na estante de livros sobre a cabeça do meu pai por um tempo indeterminado. Quando percebi, eu estava levantando e caminhando normalmente em direção à saída, com Mickey logo atrás de mim. Meus pais falavam algo, frases encorajadoras, acredito eu. Quando percebi, eu estava dentro do carro voltando para casa. Depois, eu subi as escadas e entrei no meu quarto, trancando a porta ao passar. Sentei-me no parapeito da janela com estofado florido e encostei-me às almofadas. Abracei meus joelhos e olhei para o jardim, aonde o balanço ia de um lado para o outro e as folhas das árvores balançavam com a brisa. Mas naquele momento não pensei que fosse um espirito brincando, mas sim se enforcando no galho da árvore.

Tom se aconchegou aos meus pés quando as primeiras gotas de chuva começaram a cair. Eu continuei na mesma posição. Não pensei em nada. Não senti nada. Isso durou horas. É muito mais fácil não saber das coisas de vez em quando.

 

Estou algemado, minhas palavras estão presas

Medo pode fazer você se comprometer

Com as luzes acesas, é difícil se esconder

Às vezes eu quero desaparecer

 

Não sei se você já se sentiu assim, querendo dormir por mil anos. Ou se sentiu que não existe. Ou que não tem consciência de que existe. Eu realmente espero que não porque isso é horrível. Depois de um tempo eu perdi a consciência de quem eu era e do que deveria estar fazendo. Não atendi as ligações de Dylan ou de qualquer outra pessoa. Não senti fome, sono ou cansaço após horas seguidas na mesma posição. Eu não senti nada. Vi as árvores serem árvores e de repente virarem dragões, como acontecia nas minhas brincadeiras de criança. A realidade e a fantasia não deveriam se misturar.

 

(Fique a altura de sua habilidade)

Você nunca imaginaria o que eu poderia encontrar

O que viria quando a gente se desse conta

Não quero me comprometer

 

Ninguém bateu na minha porta naquela noite. Nem na outra. Passei horas e horas dentro do meu quarto sem falar com ninguém. Quando a chuva começou a molhar o estofado e me atingir, eu acordei do meu transe. Eram oito horas da noite de quinta-feira. Tom dormia aos meus pés sem se importar com o fato da chuva estar o molhando. Fechei a janela e a cortina branca, passando a mão sobre o pelo alaranjado da minha raposa. Peguei meus sapatos pretos de verniz do chão, sem me lembrar de tê-los tirado e caminhei até o closet, onde me despi. Após uma ducha e vestir meu pijama, eu me enfiei embaixo das cobertas na minha cama. Eu me enrosco, fico menor, tento desaparecer completamente.

 

(Fique a altura de sua habilidade)

Sim, estou com medo, mas vou desaparecer

Fugindo por aí antes que isso chegue até você

Eu não posso ir porque minha vida é um naufrágio

 

Antes que eu percebesse lágrimas grossas escorriam pelas minhas bochechas. Envolvi meu tronco com os braços e levei minha cabeça na direção do peito tentando abafar os soluços e parar de chorar. Tom subiu na cama e me encarou com seus grandes olhos castanhos escuros. Abracei-o de encontro ao meu peito e me acalmei após alguns minutos, me concentrando no ritmo da sua respiração. Levantei-me e caminhei até um ponto especifico do papel de parede do meu quarto, puxando-o para o lado com a raposa em meus braços. Pressionei o local certo da porta de madeira que se abriu para o lado de dentro me revelando um quarto masculino mal iluminado.

Segurei outro soluço e entrei no quarto, fechando a porta ao passar. A luz do luar e os postes da rua iluminavam o cômodo, fazendo sombras aparecerem graças aos galhos das árvores que balançavam com violência por causa da chuva. Andando em silêncio, com meias nos pés, de modo a não acordar os fantasmas e com Tom ainda nos braços, subi na cama de solteiro do meio do aposento. Cobri-me com o cobertor azul macio e respirei fundo o perfume, feliz ao constatar que mesmo depois de tanto tempo ele continuava ali.

Como sempre acontecia quando eu entrava naquele quarto, meus pensamentos silenciaram. Eu ainda conseguia ver com clareza as lembranças que impediam que eu dormisse, que pareciam gravadas nas minhas retinas, que me assombravam quando eu fechava os olhos, mas também conseguia pensar no que eu deveria fazer. Eu não iria fugir. Meu passado havia servido para algo, afinal de contas.

 

(Fique a altura de sua habilidade)

Sim, você está indeciso

Sim, então eu posso ver isso

Sim, eu não quero fugir

 

Suspirei e encarei o teto, vendo as sombras irem de um lado para o outro. Pensei em tudo que eu devia falar e fazer, como fazia todas as noites. Calculei todas as minhas ações e objetivos. Tracei um plano sem considerar por um minuto sequer não fazer o que havia sido ordenado. Eu havia pedido um favor e agora eu tinha que paga-lo. E o preço caso não o fizesse seria muito maior do que estavam me pedindo. Ou talvez não.

 

Você precisa focar na sua habilidade

Focar na sua habilidade

Você precisa focar na sua habilidade

Focar na sua habilidade

 

Virei-me para um lado e encarei a foto do porta retrato em cima do criado mudo. Encarei aqueles dois bebês risonhos. Aquela Effy de cabelos enrolados e espetados e seu irmão de cabelos lisos e bem penteados. Encarei aqueles olhos claros que transbordavam alegria de Thomas até finalmente conseguir dormir. Eu iria fazer o que tinha que ser feito. Mas não por minha Família, meus pais, meus amigos ou muito menos por mim. Mas por ele.

 

Não podem pegar o que eles querem roubar

Não podem pegar o que eles querem roubar

Então eles não podem pegar o que eles querem roubar

Não podem pegar o que eles querem roubar

 

Afinal de contas, eu lhe devia isso.


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado ^.^
Comentem para eu saber o que acharam.
Até.
XOXO,
Tia Mad.