No light, no light escrita por I like Chopin


Capítulo 13
Sua vida, sua chamada


Notas iniciais do capítulo

Oieee, bom dia!
Quem viu minha capa nova? :3 (Primeira que faço na vida, uhuuuul)
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Dados:
Feita no PicsArt. (me indicaram lá no grupo oficial do Nyah no facebook ♥)
Atores: Christina Hendricks e Engin Akyürek
Todas as fotos foram encontradas no Google Imagens
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Que lindos vocês me ameaçando por causa da Roxie. ♥ kkkkkk
(Mas se estão ameaçando, foi porque consegui fazer com que gostassem dela, certo? :v) #ComoNãoGostar
O título do capítulo é um trecho da música ''Your Life, Your Call'', da banda Junip: https://www.youtube.com/watch?v=DYvKXVoAXmg



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A mão de Roxanne continuava gelada. Seus olhos continuavam fechados. A respiração continuava suspensa por um fio.

Mas enquanto aquele monitor cardíaco continuasse a apitar no seu ritmo fraco e constante, Janine não se daria ao luxo de reclamar de nada.

Cinco dias tinham se passado desde a festa de casamento de Claire e Hathor. E durante todo esse tempo, a guardiã Hathaway estivera como que suspensa no ar, alheia a praticamente tudo a sua volta.

Nada importava além do barulho irritante daquele monitor cardíaco.

Logo depois que Roxanne caíra, dois outros Strigoi surgiram repentinamente no terraço do prédio. E Janine matara ambos sem nem ao menos se dar conta do que estava fazendo.

Depois daquela excursão ao Egito, já acumulara mais três pequenas tatuagens em forma de raio em sua nuca. E elas seriam para sempre uma lembrança do perigo que nunca descansava e de todos os monstros que ainda haveria de enfrentar.

Uma lembrança também do risco que cada guardião corria e que tinha finalmente alcançado sua Roxie viva e alegre.

—Oi, Jenny. – aquela era a voz de Pavel, que estava parado ao lado dela com os braços cruzados e um sorriso compreensivo no rosto.

—Oi, Pav. – ela sorriu de volta, mas logo se virou novamente para Roxanne.

—Como ela está?

O guardião de Abe puxou uma cadeira para perto da cama de Roxie, olhando para ela com a usual calma de sempre.

—Desacordada.  –Janine respondeu apenas – Nenhuma mudança significativa nesses últimos dias. Os médicos também não têm ideia de quando ela vai acordar.

‘‘Se acordar’’, pensou. Mas rapidamente espantou a ideia desesperadora de sua cabeça.

Roxie iria ficar bem. Logo acordaria, rindo como sempre e fazendo piada da situação.  

—Eu sinto muito, Janine. – ele tentou confortá-la.

Ela lhe deu um sorriso verdadeiro, e tentou não parecer deprimida:

—Eu sei disso, Pav. Obrigada.

Ele recostou-se mais na cadeira dura de hospital e inspirou profundamente antes de continuar:

—Tem mais uma coisa que preciso falar com você, Jenny.

Ela o olhava com atenção, e Pavel tomou isso como um sinal de que podia prosseguir:

—Ibrahim quer falar com você.

Janine concordou com a cabeça e desviou o olhar.

—Eu também já sei disso.

 Podia ser uma atitude estúpida. Podia ser um comportamento infantil. Mas a verdade é que não se sentia bem para ver Ibrahim.

Não por pensar que, se não estivesse com ele, teria salvado Roxie. Na verdade, só correra para o terraço e matara os Strigoi restantes porque estava na sala dele naquele exato momento e vira o corpo caindo.

Se estivesse onde deveria estar, no primeiro andar com os Moroi, a tragédia poderia ter sido bem maior.

Todo aquele constrangimento era simplesmente por causa do beijo.

Tudo bem, ela o queria naquele momento. E sabia muito bem que Ibrahim a queria também.

Não era por isso que se culpava.

Em sua mente, o motivo que a levou a procura-lo é que estava completamente equivocado. Queria provar que Tatiana Ivashkov estava errada. Que ela não era uma garota estúpida agindo como uma prostituta de sangue e que não importava a posição da Moroi na Corte, ela jamais teria o direito de julgá-la como estava acostumada a sempre fazer.

E agora teria que lidar com as consequências da confusão que armara. O que Ibrahim pensaria daquele seu ato precipitado? Ela estava realmente pronta para se envolver com um Moroi tão poderoso?

Na verdade, ele tinha se portado normalmente como um amigo preocupado desde o incidente do casamento.

Depois que matara os Strigoi, foi ele a primeira pessoa quem seus olhos azuis cheios de lágrimas encontraram.

Ele a guiou para fora do prédio enquanto outros guardiões e alquimistas tomavam conta do caso; e juntos, foram ao hospital esperar por notícias de Roxie.

Por um milagre, como tinha chamado Ibrahim, Roxanne caíra na grama alta e macia com o corpo virado para o lado. Apesar de fraturas, sangramentos e arranhões, ela não bateu a cabeça, o que impediu que morresse na hora.

Depois horas de tensão na sala de espera do hospital, aguardando os médicos que faziam inúmeras cirurgias para estancar os sangramentos e consertar os ossos fraturados, Ibrahim e Janine finalmente receberam a notícia devastadora do coma.

Como não havia nada mais a ser feito, ele a colocou no banco da frente do seu conversível e enquanto uma infinidade de lágrimas silenciosas descia pelo seu rosto, falou sem parar sobre coisas que ela não entendeu o que eram. Se não estivesse equivocada, eram promessas de que a amiga ficaria bem.

Não disse nada a Amir quando passaram pela recepção do seu prédio e preparou o quarto de hóspedes, insistindo que ela passasse a noite com ele e Pavel no apartamento.

E na manhã seguinte, quando decidiu se levantar após uma noite pessimamente dormida, ele já tinha saído para tratar de questões urgentes e foi Pavel quem a levou de volta para o hotel onde a família Badica estava hospedada.

Kyle Badica e sua esposa comentavam chocados os acontecimentos da noite anterior, o que fez com que Janine apenas se sentisse pior.

Os mais jovens, que sabiam da antiga amizade de Jenny e Roxie, abstiveram-se de fazer qualquer comentário.

Gabriella e Alicia, que tinha passado a noite no apartamento, abraçaram a ruiva com palavras doces e olhares de consolo que ela não teve como recusar.

Até mesmo Hugo respeitou seu luto, dizendo seu ‘‘sinto muito’’ com uma expressão que era puro arrependimento.

O garoto podia até ter se portado como um verdadeiro estúpido nos últimos dias por conta da súbita explosão de sua paixonite, mas Janine sabia que na verdade ele não era nenhum sádico.

E sentiu que naquele ‘‘sinto muito’’, ele não falava apenas sobre Roxanne, mas também sobre todos os atos mesquinhos e infantis que cometera contra ela.

Naquela mesma tarde, Stan e Pavel a acompanharam para que ela recebesse as marcas Molnija. O instrutor, demonstrando uma preocupação que Janine não sabia que ele possuía, informou que tinha conseguido dispensá-la do trabalho por alguns dias.

Na verdade, não sabia se isso deveria ser considerado bom ou ruim. Não estava com a cabeça muito certa para se concentrar em proteger as pessoas que não paravam de falar sobre Roxanne e sua ‘‘enorme incompetência’’; mas também não se sentia segura para ficar sozinha com seus pensamentos naquela situação.

Ao saber disso, Ibrahim ainda quis que ela ficasse no seu apartamento. No entanto, a guardiã acabou recusando, não tendo certeza ainda se seria capaz de suportar tanta proximidade com ele.

Agora estava dividindo seu tempo entre o quarto de hotel barato onde tinha se hospedado e a cabeceira de Roxie no hospital.

Abe ainda fez tentativas de uma conversa, mas, com algum jeito, Janine sempre escapou da situação. Quem passou a aparecer mais foi Pavel, quem ela podia considerar amigo tanto dela quanto de Roxie.

A pretexto de alguns ‘‘assuntos confidenciais’’, Pavel vinha sendo dispensado por Ibrahim todas as tardes ao mesmo tempo em que o horário de visitas do hospital começava.

Maior coincidência não poderia haver no mundo.

Mas, agora, pensando nisso tudo, não estava mais do que na hora de que Janine tivesse coragem e encarasse a situação com Ibrahim?

—Diga ao Abe que falo com ele. – ela respondeu por fim.

Pavel suspirou aliviado, pôs-se de pé e chamou:

—Vamos então?

—Agora? – perguntou confusa.

—Se não tiver problema para você.

Janine olhou mais uma vez para Roxie, que continuava a inspirar e expirar suavemente. Apertou a mão dela um pouco mais forte, como se estivesse se despedindo e levantou-se.

Pegou a bolsa da cadeira, puxou a cortina que separava a cama de Roxanne das outras e caminhou ao lado de Pavel ao longo do corredor do quarto comunitário.

Nenhuma das garotas tinha condição de pagar um quarto só para ela, quanto menos um hospital particular para cuidar de Roxie. E devido ao seu praticamente literal ‘‘deslize’’ no trabalho, a guardiã estava oficialmente desempregada. Não que houvesse a remota possibilidade de que os Voda pagassem pelo menor tratamento médico do qual a guardiã da família tivesse necessidade.

Ao lado de Pavel no conversível vermelho de Ibrahim, com o vento soprando seu cabelo ruivo para trás, não se conteve em fazer ao amigo a pergunta da qual tinha tanto medo da resposta.

—Você acha que a culpa é dela?

Ele olhou para ela com confusão estampada nos olhos castanhos.

—Como assim?

—Roxie. – ela respondeu sem olhar para ele – É o que estão todos dizendo, guardiões e Moroi. Que a culpa foi dela por não ter pedido ajuda.  Afinal, ela era a líder do grupo e todos os líderes estavam com um rádio para usar em emergências. Estão até culpando-a pelas mortes dos outros dois guardiões que estavam com ela.

—Janine, olhe para mim. – ele pediu.

Ela pôde até mesmo sentir um pouco da autoridade de Ibrahim em sua voz; e, portanto, obedeceu.

—Não é culpa dela. Roxanne lutou bravamente e isso ninguém pode negar. Mas você não pode esquecer que ela cometeu um erro.

—Ela achou que daria conta sozinha. – Janine balançou a cabeça, inconsolável.

—Com certeza. – ele concordou – Mas isso custou caro demais a ela. Isso não é motivo para condená-la; todos já fomos cegados um dia pela confiança excessiva em nós mesmos. O único pecado dela foi ser corajosa demais.

Janine compreendeu que os olhos de Pavel não eram somente bondade, mas também justiça. E, com um sorriso, foi capaz de aceitar isso.

Ao ver que ela o entendia, Pavel sorriu também.

—Você vai ver só, Jenny. Logo ela estará acordada e pronta para outra; só que dessa vez, mais experiente.

Lembrando-se de Ibrahim, quase respondeu o desejo otimista de Pavel com um ‘‘que Deus lhe ouça’’.

—Não estamos indo para o apartamento? – ela perguntou, quando notou que dirigiam na direção oposta à do prédio.

—Abe está no escritório mexendo com uma papelada. – Pavel explicou, enquanto Janine concordava com a cabeça.

A única coisa que não esperava era que o guardião fosse levá-la exatamente para o prédio do casamento, do qual Roxanne caíra.

—Você está bem? – ele perguntou ao vê-la parada na entrada, com os olhos azuis muito abertos e vidrados.

—Claro. – ela abaixou cabeça e continuou a andar ao seu lado.

E pior que ser levada àquele prédio foi ser levada novamente à sala de Ibrahim, que tinha a mesa abarrotada de papéis que ele lia com grande concentração.

Pavel pigarreou para chamar a atenção dele, que abriu um sorrisinho um tanto irônico ao vê-los.

—Obrigado por ter trazido a guardiã Hathaway, Pavel. Eu assumo daqui.

Com um aceno de cabeça, o guardião Belikov saiu fechando a porta atrás de si.

Ibrahim indicou com a mão uma cadeira para que Jenny se sentasse de frente a ele. Um pouco sem graça, ela aceitou o convite enquanto o via largar os papéis que estivera examinando em cima da mesa completamente desorganizada.

—Então – ele começou ainda sem olhá-la – Você finalmente resolver parar de me evitar e agir como uma pessoa adulta? Espero que Pavel não tenha precisado arrastá-la até aqui.

Ela apertou os lábios, sem reação por um minuto. Ibrahim ficara realmente incomodado com sua atitude?

—Sinto muito por isso. – respondeu por fim, com sinceridade.

Com a mão, fez um gesto de pouco caso, como se pedisse que ela esquecesse aquela história.

—Não tem problema. Afinal, acho que até entendo um pouco seu ponto de vista. Você fez uma coisa impulsiva e está com medo do que vou pensar de você, agora que se arrependeu.

—Você está errado. – ela afirmou com certeza, fazendo com que ele se surpreendesse.  – Foi impulsivo e eu realmente não sabia que ideia você faria de mim depois disso. Mas apesar de ter sido errado, eu não me arrependo.

—Não foi errado, Janine. – ele respondeu, fazendo que ela abaixasse a cabeça. Vendo que não era assim que ganharia a guerra, ele suspirou e contentou-se com o que conseguira que ela confessasse – Mas, de qualquer forma, já fico feliz em saber que não se arrepende.

Ela olhou por um momento para cima e lhe deu um breve sorriso.

—Preciso que você me ouça. – ele deu a volta na mesa para ficar mais próximo a ela – Eu continuo não julgando você e jamais faria algo que você não quisesse. Essa parte ficou clara?

Janine concordou com a cabeça e ele pareceu relaxar um pouco mais.

—Ótimo. – ele fez uma pequena pausa antes de continuar – Agora, há outro assunto que quero tratar com você.

—E qual seria? – ela perguntou, recostando-se na cadeira. Sentia-se melhor agora que Ibrahim retomava sua postura confiante homem de negócios.

Janine sabia lidar melhor com essa face da personalidade dele do que com a de perseguidor possivelmente apaixonado.

—Dado o seu desempenho – e a ruiva não sabia se deveria entender um duplo sentido na palavra ou não – na noite do casamento, gostaria que aceitasse a oferta de ser minha guardiã.

—O que? – perguntou atônita. Essa era, de longe, a última coisa que esperava ouvir dele na vida.

—Você ouviu bem, Janine. Quero que seja minha guardiã. – ele repetiu impassível.

— Do que você está falando? E quanto a Pavel?

—Você seria a colega dele, obviamente. Ter dois guardiões nunca é demais, ainda mais quando se tem uma casa grande.

Janine pensou em responder com ‘‘Pensei que morasse num apartamento’’, mas havia argumentos melhores que esse.

—Eu já sou a guardiã da família Badica.

—Há algum sentimento especial em relação a eles? Porque se for pelo salário, eu posso pagar melhor. E se for pela companhia, garanto que sou um pouco menos irritante.

—Bem, isso pode ser questionável.  – ela cruzou os braços, tentando não rir.

—Eu estou falando sério, Janine.

—Eu também. – ela continuou a brincar.

Ibrahim suspirou e por sua expressão, a guardiã finalmente aceitou que ele não estava lhe pregando uma peça.

—E o que esse trabalho vai exigir que eu faça? – perguntou.

—As coisas normais de qualquer guardião. – ele respondeu com simplicidade – Como não me deixar ser morto por Strigois. Você apenas precisa me avisar quanto vai cobrar.

—Quanto está disposto a pagar por mim? – ela perguntou.

Era uma coisa completamente absurda de se pensar, mas realmente queria saber qual era seu valor para Ibrahim. Mesmo que fosse o valor monetário.

Aproximando-se mais uma vez da mesa, ele rabiscou um valor num pedaço de papel que estendeu a ela.

—Você está brincando. – ela riu descrente, amassando o pedaço de papel entre os dedos.

—Se você acha que é muito pouco, tem todo o direito de negociar.

Pouco? Ibrahim, isso é praticamente dez vezes o que ganho com os Badica!

—Bem, a culpa não é minha se você trabalha para um bando de sovinas. – ele deu de ombros – E eu estou disposto a pagar muito mais, se necessário.

Ela soltou o cabelo, mexendo ansiosamente nas pontas.

—Sinto muito, mas eu ainda não acredito nessa história toda. Por que isso agora, de repente?

Ibrahim se levantou, e em silêncio andou até a janela do escritório. Distraído com a rua lá em baixo, respondeu por fim:

—Você é perfeitamente qualificada para o trabalho, Guardiã Hathaway. Não é qualquer pessoa que consegue três marcas Moljina numa semana só.

Janine levou a mão à nuca involuntariamente. Nenhuma daquelas marcas era motivo de orgulho. Não quando serviriam apenas para fazê-la se lembrar de tudo que perdera na noite em que as conseguira.

—E não é tão de repente assim.  – Ibrahim continuou – Eu já estava querendo contratar outro guardião há tempos; pode perguntar ao Pavel. Você simplesmente apareceu na hora certa.

—Então você quer que eu peça demissão a Kyle Badica e vá trabalhar para você? – perguntou com o olhar ainda um tanto confuso.

—Basicamente isso. – ele concordou.

Como Janine não disse mais nada, ele voltou para seus papéis atrás da mesa. Entregou-lhe uma pasta azul com várias folhas dentro.

—Aí estão as cláusulas do contrato. Pense bem sobre o assunto, certo? Vou pedir a Pavel que leve você de volta ao seu hotel. Quando se decidir, você sabe meu número. Até logo, Janine.

Ela se despediu, e ainda um pouco atônita acompanhou Pavel de volta ao carro.

—Você pode me levar para o hospital, por favor, Pavel? – ela pediu quando os dois percorriam as ruas do Cairo em alta velocidade.

—Não deveria descansar um pouco, Janine? – ele lhe lançou um olhar preocupado.

Ela sorriu em resposta.

—Eu estou bem. E, de qualquer forma, o horário de visitas termina daqui a pouco. Só quero dar uma checada na Roxie.

—Claro. – ele confirmou. Mas pelo seu rosto, Janine sabia que ele não tinha ficado muito satisfeito.

Pavel Belikov costumava ter sempre esse instinto paternal e protetor sobre todos com quem se importava.

E quando ele estacionou o carro, Janine não esperava que ele segurasse sua mão e sorrisse para ela:

—Pense bem na proposta do Abe, Janine. Eu ficaria honrado em trabalhar com uma guardiã como você.

Ela riu do elogio.

—Eu não sou tão especial assim, Pav.

Com confiança, ele reafirmou suas opiniões.

—Você ainda vai chegar muito longe, Jenny, pode ter certeza.

—Obrigada, Pavel. Prometo pensar com cuidado.

Ele então lhe deu um abraço rápido antes que ela saísse do carro. Enquanto o via se afastar no conversível vermelho de Ibrahim, Janine pensou em como era estranho ter feito um amigo tão próximo em tão pouco tempo e sob as mais estranhas circunstâncias possíveis.

Percebeu naquele momento o quanto seus sentimentos por Pavel e Ibrahim eram diferentes. Pavel tinha carinho por ela, como se fosse uma irmãzinha mais nova. E era extremamente fácil estar na companhia dele sem se preocupar com nada. Já com Abe, as coisas eram quase o inverso. Havia algo na sua presença que fazia com que todos os seus sentidos se aguçassem e tudo parecesse mais forte, colorido e vivo. Algo de inexplicável. E de maneiras também distintas, adorava estar na companhia dos dois.

Seria então um sonho prestes a se tornar realidade estar sempre perto de Abe, sendo ao mesmo tempo colega de trabalho de Pavel?

E a verdade é que precisava daquele dinheiro. Poderia sair das dívidas e mandar dinheiro para os parentes que lhe restaram na Escócia.

Além disso, se continuasse a trabalhar para Kyle Badica logo estaria de volta aos Estados Unidos. E o que ela sentia é que não poderia simplesmente deixar para trás uma Roxanne desacordada num país desconhecido. Roxie, literalmente, não tinha mais ninguém no mundo e elas tinham sido sempre a família uma da outra.

O rapaz que estava na mesa de recepção do hospital a cumprimentou com a cabeça. Por ali, a ‘‘amiga da garota que caiu’’ já se tornava bastante conhecida.

O que mais deixava Janine irada era saber que, depois de todos os Strigoi mortos por Roxanne e de todo o trabalho que tivera, sua história fora resumida às autoridades médicas locais como ‘‘ela estava distraída e escorregou do terraço’’. Não era uma história muito boa, mas não havia ninguém para contestá-la. Apesar de tudo, Janine sabia que seria pior se os humanos descobrissem sobre os vampiros.

Então Roxie, que fisicamente se passaria totalmente por uma humana, era apenas uma garota tonta, sem coragem nem valor que dormia numa cama de hospital público já que não havia nenhum centro médico especializado em vampiros naquela cidade.

Ao virar um corredor, Janine viu uma equipe de enfermeiros levando sua amiga numa maca para fora do quarto.

—Ei, o que está acontecendo? – ela perguntou se aproximando rapidamente de uma enfermeira que lhe era conhecida.

—Ela está sendo transferida. – a enfermeira-chefe era americana, loira, simpática e chamava-se Maya. Janine logo a escolhera como fonte confiável de informações no hospital pela sua capacidade de ser extremamente ágil, prestativa e concentrada.

—Para onde? – ela continuou a perguntar, enquanto continuava a andar ao lado deles.

—Para o Maadi.

—Como assim? – ela respondeu franzindo as sobrancelhas.

Aquele era o maior hospital privado do Cairo, com o melhor atendimento e também o mais caro. De forma alguma Roxanne teria condições de pagar por ele.

Nem mesmo Lord Voda, que tinha sido o patrão de Roxanne por mais de um ano, se dispusera a pagar pelo tratamento da guardiã. Aliás, ele a demitira mesmo ela estando inconsciente numa cama de hospital.

A enfermeira parou um pouco enquanto esperavam o elevador para descer a maca, e virou-se para Janine.

—O diretor do Maadi nos ligou há umas duas horas e disse que um homem o tinha visitado para pedir um quarto privado para uma paciente nossa. Ele iria pagar todas as despesas para que ela tivesse acesso ao melhor tratamento mesmo depois que acordasse.

Aquele, obviamente, era o dia certo para pessoas que queriam pegar Janine de surpresa e deixá-la completamente sem reação.

—O diretor do hospital disse o nome desse homem? – ela perguntou.

—Não, nada me foi informado. Mas dizem que o diretor do Maadi o conhece já de longa data. Ele esteve aqui, entretanto. Veio pessoalmente trazer o pedido de transferência.

—E como ele se parecia?

—Um árabe comum. Tinha o cabelo preto, usava barba e estava bem vestido.

—Bem... – Janine pensou um pouco – Talvez seja o noivo. O do casamento em que nós estávamos trabalhando quando a Roxanne... Caiu.

—Ah, entendo. Bem, o Maadi abre o horário para visitas de manhã cedo. Dê o meu nome como referência para os secretários de lá que eles vão deixar você entrar.

—Obrigada. – Janine agradeceu.

As portas do elevador finalmente se abriram e a guardiã apertou com força a mão de Roxanne uma última vez antes de dar espaço para que os enfermeiros passassem com a maca.

—Ah, tem mais uma coisa. – Maya subitamente disse, segurando a porta com uma das mãos – O homem que veio aqui estava usando um cachecol estranho no pescoço. Um desses coloridos de caxemira, sabe?

—Ah, sei. – Janine riu um pouco sem saber por que.

Com a cabeça cheia, mas ao mesmo tempo sem conseguir pensar em nada com clareza, voltou ao seu quarto de hotel barato.

Sentada com as pernas cruzadas no meio da cama, apoiava o rosto nas mãos, pensativa.

Ibrahim tinha acabado de transferir Roxanne para o melhor hospital particular da cidade. Ele estava cuidando dela.

Da mesma forma que, com pequenos gestos, vinha cuidando também de Janine durante esse tempo todo.

O dinheiro que ele lhe oferecera seria importante. Mas Janine no fundo sabia que não queria ir por causa do salário.

Simplesmente não se perdoaria se perdesse uma oportunidade assim. Quando seria a próxima vez em que seria capaz de dar uma reviravolta tão grande em sua vida? Algo que poderia mudar completamente quem ela era?

A última vez que fizera isso fora quando saíra de casa e atravessara o Atlântico para estudar na Academia São Vladimir. E, com certeza, fora a melhor coisa que lhe tinha acontecido em toda sua vida.

Aquela não seria uma nova forma de mudar que a vida lhe apresentava? Um trabalho novo com pessoas novas em um lugar novo? Uma verdadeira chance de recomeçar tudo?

Já tinha relido os papéis de contrato pela terceira vez e tudo estava perfeitamente em ordem. O que a estava impedindo então?

Tomando uma resolução, pegou uma caneta dentro da bolsa e assinou seu nome em cada uma das linhas em branco. Em seguida, alcançou o telefone fixo do criado-mudo ao lado da cama e discou com confiança os números rabiscados em um pedaço de papel.

‘‘Alô?’’ – Ibrahim prontamente atendeu.

—Eu aceito. – Janine do outro lado da linha, não sabia por que soava eufórica.

‘‘Você vai ter que ser mais específica, minha querida. ’’– ele disse para provocá-la.

—Eu aceito trabalhar para você. Já assinei os papéis.  – ela respondeu.

‘‘E o que foi nesse mundo que conseguiu convencê-la?’’

Ela riu, subitamente sentindo-se mais leve. Sentido que fizera a coisa certa.

—Um monte de coisas sem nexo. Nada de muito importante.

‘‘Bem, fico feliz por isso. ’’ – e mesmo sem vê-lo, Janine sabia que ele era verdadeiro nessas palavras.

—Vou falar com Kyle Badica ainda hoje. Não deve ser uma conversa muito difícil.

‘‘E eu mantenho seu salário como ofereci da primeira vez, com direito a duas folgas na semana. Tudo bem para você?’’

—Claro. – ela concordou. Sem saber por que, emendou – Ah, Ibrahim! Tem mais uma coisa.

‘‘O que, guardiã Hathaway?’’

—Só para você saber, eu não durmo com o chefe.

Do outro lado da linha, ele riu.

‘‘Eu já sabia que você seria incorruptível, guardiã Hathaway. Mas não se esqueça de que você foi a única que falou em dormir aqui. Ah, nosso voo sai amanhã às nove e meia da manhã. ’’

—O que? – ela perguntou confusa – Voo para onde?

‘‘Para Istambul, claro. Ou você achou que eu morasse no Egito?’’

—Você é turco? – Janine estava praticamente gritando ao telefone.

‘‘Está vendo só no que dá não ter todas as informações sobre as pessoas que estão te contratando, guardiã?’’ – ele riu, mas logo se pôs a tranquilizá-la. – ‘‘Tenho certeza de que você vai amar a Turquia. Não se esqueça de levar os papéis do contrato para mim, tudo bem? Vejo você amanhã de manhã. ’’

Ele desligou e Janine teve que se conter para não xingá-lo. No entanto, a raiva logo se transformou numa gargalhada.

Algo lhe dizia que sua vida estava prestes a mudar completamente.

E que, com certeza, seria para melhor.


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Notas finais do capítulo

Segundo o Yahoo Respostas, gente que cai do quarto andar pode sobreviver dependendo de como cair. Então, é aquela história: ''se tá na internet é verídico''. :v
E assim, acaba a primeira parte da história, meus amores!
Semana que vem começa a segunda parte e seremos finalmente transportados para a Turquia!
Queria agradecer muito, de coração mesmo, todos aqueles que acompanharam até aqui. Muito obrigada, amo vocês de verdade. ♥
Nos vemos no próximo!
Mil beijios!



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