Uma vida feliz para Arlequina? escrita por Dani Tsubasa


Capítulo 3
Capítulo 3 – O último traço de normalidade




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/707185/chapter/3

Capítulo 3 – O último traço de normalidade

— Mas foi tão bom, Ruiva! – A loura dramatizava – Meu Pudinzinho mexendo no meu cabelo e cuidando de mim até eu dormir pra afastar os sonhos ruins ontem à noite.

— Não se engane com isso, Harley. Logo ele se irrita com algo, bebe até não poder mais e volta a te bater.

Harley estava sentada num banco na casa da Hera Venenosa, sacudindo os pés e brincando com o chiclete tentando fazer a maior bola possível enquanto Hera andava de um lado para o outro fazendo alguma nova mistura com ervas sabe-se lá para que.

— Às vezes sinto saudade deles... – ela disse de repente, fazendo Hera parar o que fazia para fitá-la.

— Harley... Eu também, mas... Foi o melhor a se fazer. O Batman estava de olho em você querendo levá-los embora. Como criariam duas crianças com essa vida louca? Você teria que diminuir e muito sua participação no trabalho com o Coringa.

— Meu Pudinzinho disse uma vez... Que eles eram o único rastro de qualquer coisa normal que algum dia nós tivemos e que ser normal é perigoso. Mas sei que ele também ficou triste quando a gatinha os levou embora.

— Talvez ele tenha razão. Mas discordo em dizer que eles eram a única coisa que restou em você do que você era antes do Coringa. Você ama seus amigos , Harley, e se importa com eles sinceramente. Aquele palhaço só se importa com ele mesmo e com o Batman. Foi um verdadeiro milagre ele não ter matado você quando engravidou.

— Ah, Pam, você só pensa coisas ruins do meu Pudinzinho!

— Coisas que combinam com ele.

— E você ameaçou me sequestrar, dar nosso endereço pro Batman matá-lo ou até matar o Batman caso ele fizesse alguma coisa. Mas tenho certeza que no fundo ele também se importava com os filhos, mesmo que só um pouquinho.

Pâmela ficou pensativa enquanto continuava a mexer com as ervas. Achava engraçado imaginar Harley como mãe. Ela era louca. Nem de longe como o Coringa, mas era. Louca, perigosa, imprevisível, capaz de matar pessoas, mas conservava um lado carinhoso e capaz de proteger e amar de verdade aqueles que lhe eram importantes. Em alguns momentos parecia simplesmente uma criancinha feliz e totalmente despreocupada com a vida. Pâmela tinha que confessar que ficara surpresa ao ver Harley agir como uma perfeita e protetora mãe quando deu a luz a um casal de gêmeos e durante o pouco tempo que ficou com eles. A obcessão dela pelo Coringa era tanta que a primeira coisa que vinha na cabeça da Hera Venenosa caso a amiga engravidasse é que ela mesma abortaria os bebês dado a chance do Coringa detestar a ideia. Mas outra surpresa a pegou naquela época.

O Coringa de fato não ficara feliz com o desejo de Harley de ser mãe, mas ela insistia de tempos em tempos e quando engravidou, ainda que tivesse sido por acidente, a reação do príncipe palhaço podia até ser considerada positiva. E quando Pâmela achou que não podia se surpreender mais, viu o Coringa cuidar de Harley e ficar feliz quando os gêmeos nasceram em casa mesmo numa certa manhã. Mas não levou muito tempo até o Batman descobrir e fazer tudo para entregar as crianças em adoção e jamais saberiam o que houve com elas. Mas Hera foi mais rápida e contatou a agente dupla mais próxima que conhecia. Não podiam se considerar amigas, mas ela aceitou a missão de encontrar uma boa família adotiva para as crianças sem que Batman soubesse de nada. E assim poderiam saber a qualquer momento do paradeiro delas, embora tivessem acertado que isso não aconteceria sem um motivo muito forte.

— Você pode ter um pouco de razão... – respondeu ao voltar de seus pensamentos.

— No sonho quando eu tava morrendo eu disse a ele que talvez eu devesse ter ido embora com eles dois. Às vezes me fazem tanta falta que eu desejo que eu tivesse feito isso, mesmo que não fosse pra fugir, só por eles...

A Hera a olhou. A tristeza estava clara em seus olhos azuis. Caminhou até a amiga e a abraçou, sentindo os braços de Harley se fecharem em suas costas também.

— Eu também sinto falta dos meus sobrinhos adotivos, mas talvez tenha sido o melhor caminho pra eles, Harley. Longe dessa loucura, dos criminosos, do perigo...

Logo faria um ano que Harley vira os filhos pela última vez quando tinham apenas três meses de vida e a Mulher Gato os havia levado embora. Pâmela passara duas horas consolando a amiga que não parava de chorar enquanto o Coringa ficara quieto num canto, mas também visivelmente abalado.

— Será que aquela gata realmente cuidou bem do destino dos nossos bebês? Ela também não gosta do meu Pudinzinho!

— Harley... – Pâmela revirou os olhos – Só você gosta dele no mundo inteiro, acho que já devia ter aceitado isso. Mas Selina não ia descuidar de duas crianças por causa disso, o que eles têm a ver? Você acha que eu diria a você que ela é confiável se não fosse? Alguma vez te enganei?

— Não.

— Então fique tranquila. Onde estiverem, sei que estão bem – disse a encarando quando se afastaram.

— Ele também sente saudades às vezes.

— Sério que ele fala disso? Achei que nem lembrasse que tem filhos. Ele vive dizendo que o passado não importa mais.

— É, mas... Não sei... Quando eles nasceram parece que aquilo despertou alguma coisa nele, como se lembrasse de alguma coisa, mas ele nunca conta o passado dele, nem pra mim.

— Às vezes até parece que você desenlouqueceu e está raciocinando melhor que eu. Podia fazer isso quando aquele idiota te maltratar de novo. Ou podia bater nele com aquele taco de baseball... Eu não acho que ele vá contar qualquer coisa a qualquer pessoa sobre o passado, se é que ele se lembra de como foi o dele.

— Ele e Batman se conhecem há tanto tempo. Você acha que o morceguinho sabe algo?

— Aí está a Harley de volta... – Hera sorriu – São inimigos, vivem tentando se matar... Mas você tem um pouco de razão. Se Batman o detesta tanto deve ter motivos, mas acho que não devíamos nos meter nisso. Aliás, como chegamos a essa conversa louca? Já chega, Harley! Vamos mudar de assunto.

******

                O Coringa estava em seu escritório trabalhando em mais um de seus vários planos para testar e irritar o Batman. Sua próxima brincadeira seria cortar totalmente a energia de Gotham, para saber se o morceghuinho realmente podia se virar na escuridão total. Deu uma risada e pegou a garrafa de bebida, sorvendo mais um gole e a deixando na mesa de novo. Olhou para Harley que estava anormalmente quieta do outro lado da mesa. Geralmente ela falava sem parar até que ele se irritasse e desistisse do trabalho ou a mandasse embora. Rabiscou mais algumas coisas no grande papel em cima da mesa e finalmente estavam concluídos os seus planos de escuridão. Abriu um enorme sorriso metálico ao vislumbrar todo o planejamento pronto, dando mais um gole na bebida e então olhando para Harley outra vez.

                - Amorzinho.

                Harley o olhou.

                - O que você tem hoje? Nem quis beber. Não me diz que brigou com a  venenosa que é mais fácil eu e o Batsy nos matarmos do que isso acontecer.

                - Não.

                - Eu já lhe disse, amor. O passado é um lugar perigoso, não precisamos dele. Ainda assustada com aquele sonho louco?

                - Não.

                - Quantos nãos... – ele disse se levantando e indo até ela – Duvido que não vá dizer sim pro papai hoje – sussurrou sedutoramente ao beijá-la.

                Harley o aceitou e os dois se abraçaram, prolongando o beijo por bastante tempo.

                - Já sei... – ele disse quando se afastou – Vai fazer um ano, não é?

                - Você também pensa neles, Pudinzinho? Achei que tivesse esquecido.

                - Não... Não dá pra esquecer que tem dois pedaços de nós dois por aí. Às vezes penso que seria divertido ter eles por perto, mas ainda acho que estão mais seguros assim, Harley. Dizem que as mães nunca esquecem... Mesmo que percam a memória... Mesmo que enlouqueçam. Vejo que é verdade. Mas nunca conseguiríamos criá-los em paz, você sabe... Nós somos o próprio terror, e o que há a nossa volta é ainda pior. Não é só o Batsy de olho em nós. Ao menos agora o Batsy deve estar com uma coleção de sonares quebrados de tanto procurar nossos bebês e não achar e não rindo de nós por nós não sabermos o que houve com eles. Lucy e Joe não vão voltar, Harley. Se ainda não se acostumou com isso é melhor dar um jeito – ele disse voltando a beijá-la.

                Harley retribuiu o beijo e apesar dos doces momentos que viveram em seguida, um pedaço de seu coração estava silenciosamente se estilhaçando com a frieza das palavras dele. Talvez nem mesmo Harley o entendesse um dia. Às vezes achava que ele tinha medo. Às vezes pensava que ele apenas não tinha coração como todos acreditavam. E se um dia teve um, devia ter sido destruído há muito tempo, completamente e cruelmente destruído. Será que fora esse um dos motivos dele tê-la transformado em Arlequina? Não apenas por mais uma maldade divertida, não apenas para ter uma ajudante em primeira mão, não apenas para ter uma mulher ou saco de pancadas para quando perdesse o controle, mas pelo simples fato de seu coração não existir mais, e inconscientemente ele precisar de um de vez em quando. Harley enlouquecera, mas conservara seu coração, assim como Pâmela tinha dito mais cedo. Um coração sincero e que amava demais, demais ao ponto de suportar tudo, até o que não merecia, ao ponto de ficar quando deveria ir embora para sempre. Ela o amava tanto... Embora nunca fosse saber se era o mesmo com ele. E a vontade que tinha às vezes de fugir, de sumir, agora que tinha dois motivos a mais para viver, em algum lugar lá fora, começava a bater mais forte em seu peito ultimamente.

Será que Hera estava certa? Ela estava desenlouquecendo? Ou apenas cansada? Não sabia... Quando pensava em recuperar a sanidade, a imagem distante de Harleen Quinzel lhe vinha à mente, mas há tempos não pensava mais nela como uma parte sua, parecia ser outra pessoa, alguém distante em um passado que jamais voltaria. E assim seria para sempre. Harleen Quinzel estava morta. E mesmo que sua loucura fosse curável, Arlequina a mudara para sempre, e Harley Quinn jamais voltaria a ser aquela mulher calma e normal. Seria qualquer outra coisa.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

A quem interessar, recomendo ler minha one shot "Herdeiros palhaços do crime", onde falei sobre a teoria não oficial do filme de que Harley e Joker conceberam gêmeos, mas por algum motivo não ficaram com eles.