Dia 63

Gustav Walsh massageou as têmporas enquanto aguardava a chamada ser completada. O oficial de mais alto cargo encarregado de escoltar os monarcas e o herdeiro ao Reino de Gales havia ligado há poucos minutos, informando de que todos subiam no avião e que ele, o porta-voz do telejornal de Nova Irlanda, deveria retornar a ligação em quinze minutos, após o avião ter decolado.

Ele sabia que a conversa não seria agradável.

A ligação completou-se e ouviu-se imediatamente a inconfundível voz da Rainha Kiara Hibernia.

—Você está no autofalante. Todos estão te ouvindo.

—Pois bem. É melhor assim, todos precisam ouvir. – Ele pensou em voz alta, inclinando-se sobre o celular na mesinha de centro a sua frente. – O pronunciamento do Rei Iuri não é nenhum pouco bom. Mas começarei pelos fatos.

“O Príncipe Liam Éire é, e será, o herdeiro direto do trono de Nova Irlanda. Essa posição só poderá ser revogada diante de uma abdicação ou seu falecimento. O próximo na linhagem de sucessão é o Rei Iuri, da Rússia. Entretanto, tanto o príncipe quanto o rei podem perder esta posição diante de alguns cenários: Se o rei e a rainha de Nova Irlanda tiverem um herdeiro de sangue, se Lady Sienna Hibernia tiver um herdeiro ou, especificamente à posição do Rei Iuri, se o Duque Douglas e a Duquesa Maire tiverem um segundo filho, ou se o próprio Príncipe Liam tiver seu primogênito”.

—Todas opções absolutamente fora de questão. – Disse a voz de Kiara, incisiva.

Gustav sabia disso e odiava ter que repetir tais coisas, mas reconhecia que, para ser melhor compreendido, deveria esclarecer o contexto.

—Pois bem, apesar de tais condições, ficou claro no pronunciamento do monarca russo que ele pretende conquistar esse posição de primeiro na linhagem de sucessão ao trono. Quanto a isso, há duas possibilidades. – Ele havia esboçados suas ideias no instante seguinte ao término do pronunciamento de Rei Iuri. Sabia que era seu papel pensar a respeito. - A primeira é através de um ataque direto ao Príncipe Liam... Um regicídio. Ou ainda tentar que o príncipe seja deposto e retirado da hierarquia através de ameaças ou mesmo apelo à mídia.

Houve silêncio do outro lado da linha. Um rei, uma rainha, um príncipe, uma princesa, uma lady e um duque. Todos em completo silêncio. Ao menos Maire não estava escutando aquelas palavras.
Walsh apressou seu raciocínio.

—O posicionamento do Rei Iuri levantou outra questão importante que logo fará conexão com o que acabei de falar. Ele, como monarca de outro reino, não pode, segundo leis definidas pelo Congresso das Nações, décadas atrás, criar um Império... O que seria exatamente o que aconteceria se ele tomasse a coroa de Nova Irlanda. Um rei tendo o poder sobre dois ou mais territórios é, por lei, considerado um ato de imperialismo. Isso não apenas seria um atentado ao nosso reino como também o seria às demais nações aliadas. A partir disso, há uma série de consequências possíveis. – Ele puxou suas anotações para mais perto. – Em primeiro lugar, nossos fortes aliados se voltariam contra nosso reino. Em segundo, nações como Gales, Escócia e Inglaterra se juntariam para lutar contra esse Império e isso não afetaria apenas a Rússia, como também Nova Irlanda, em diferentes aspectos. Estaríamos em meio a uma guerra.

“Agora conecto essas hipóteses ao que havia dito anteriormente: O Príncipe Liam Éire enfrenta dois possíveis cenários, ser destronado diante seu homicídio ou ser ameaçado a renunciar. Uma renúncia tendo em vista o próximo sucessor, seria um grande ato de deslealdade para com os reinos aliados. É provável que percamos todas as alianças se simplesmente entregarmos as chaves do reino ao inimigo. Perdoem a expressão”.

—Uma renúncia não é admissível. – Afirmou Kiara, mas sua entonação não parecia mais tão convicta quanto antes.

—Minha nossa. – Sussurrou a voz de Douglas, percebendo qual opção sobrava.

—Os conselheiros estão trabalhando em cima dessa questão imediatamente, todos buscando pela solução menos arriscada ao Príncipe Liam Éire. – Gustav Walsh assegurou. – É certo de que precisamos nos voltar para os reinos aliados, em busca de compreensão e auxílio, pois a formação de um Império não é algo desejado por nenhum deles. Devo informar também que o Marechal do Exército foi informado da situação e ele está levantando alguns números e outras possibilidades. Todos estarão a disposição de uma reunião quando Vossas Majestades e Vossas Altezas retornarem.

Outra vez o silêncio.

—Hm, era isso que precisava dizer. Desejo uma boa viagem de volta.

♕ ♕ ♕

Quando o avião pousou em Nova Irlanda, todos os seus tripulantes levantaram-se rapidamente e desceram da aeronave com energia, cada um tomado por suas próprias preocupações. Todos se levantaram, menos o Rei Donavan Hibernia.

Kiara se aproximou dele, percebendo que havia algo errado.

—Don, qual é o problema? – Ela colocou a mão no rosto dele e percebeu que ele queimava de febre. – Querido, você está se sentindo bem?

Ele resmungou alguma coisa quando se esforçava para se levantar. Ela imediatamente o amparou; virou-se para o oficial parado ao lado da porta do avião e ordenou que ele a ajudasse. O homem auxiliou de pronto, segurando o outro ombro do rei. Um segundo funcionário apareceu quando percebeu que os monarcas não desembarcavam.

—Chame por mais ajuda e mande preparem um quarto na Ala Hospitalar. – Kiara exigiu.

—Não. – Murmurou Donavan. – Quero ficar no meu próprio quarto.

Ela o fitou nos olhos, hesitou e por fim cedeu.

—Tudo bem. Vamos levá-lo para o quarto.

Eles ajudaram a descer Donavan e foram recepcionados pelos passageiros que esperavam ao pé da escada de desembarque, com novas preocupações estampadas no rosto.

—Kiara, o que está acontecendo? – Éileen perguntou, aproximando-se para ajudar a amiga.

Sienna levou as mãos à boca quando percebeu o quão pálido estava seu tio.

—O que posso fazer para ajudar? – Douglas se apresentou de pronto, apesar de não conseguir esconder se semblante assustado.

—Ele irá para o quarto descansar agora e será medicado. – Kiara explicou com mais confiança do que de fato possuía.

—Tenho certeza de que não é nada. – Donavan resmungou, tentando acalmar os presentes. – Apenas uma vertigem do voo... e dos fatos recentes. Ficarei bem logo.

O rei não convenceu ninguém, mas não ousaram discutir sua opinião.

Os funcionários auxiliaram Donavan a chegar ao seu quarto, onde ele deitou na cama com um suspiro pesado. A equipe médica já havia chegado e começado a avaliar o estado do rei.

Kiara apertou os próprios dedos, observando a cena. Suspirou também e saiu do quarto. Liam se encontrava no corredor – havia os seguido como um fantasma, como se não soubesse qualquer outro caminho a se tomar.

—Ele irá ficar bem?

—Bem, apenas nossa equipe médica poderá dizer. – Ela respondeu. – Liam, eu tomei uma decisão.

Ele a olhou surpreso.

—Sobre o que?

—Tudo o que está acontecendo é uma ameaça firmada no fato de que a população de Nova Irlanda e os outros países não te conhecem. Eles te insultam por você não saber o básico das regras sociais e políticas de uma vida na monarquia. Mas eu sei que você tem uma história, tem a sua criação, que, apesar de não ter sido na monarquia, foi capaz de criar o jovem tão bom que você é, Liam. – Ela tocou em seu braço com carinho.

—Obrigado, Kiara. – Ele respondeu envergonhado.

—Eu sei disso. Mas os outros não sabem. E tendo em vista que meu marido não está nenhum pouco bem de saúde, será muito importante contar om as ajuda nesse sentido, a partir desse momento.

—Eu não compreendo...

Ela apertou o braço dele com mais força.

—Irei declarar que eu e Donavan estamos inaptos para governar nesse momento e vou lhe eleger como Regente de Nova Irlanda.

O queixo de Liam caiu.

—Não acho que isso seja a melhor ideia! Eu estou nesse universo há apenas alguns meses! Eu não posso governar Nova Irlanda como regente... Mal um príncipe eu sou! Todos irão querer minha cabeça se isso acontecer, eu tenho certe...

—Liam. – Kiara o silenciou. – Você não estará sozinho. Estarei aqui para te orientar em todas as suas decisões e conflitos. É a oportunidade perfeita para provar a todos do que você é capaz.

—Se eu não arruinar tudo! – Ele exclamou, nervoso. – Kiara... o Rei Iuri literalmente quer a minha cabeça!

Ela deslizou ambas as mãos pelos braços dele e tomou as mãos dele nas suas. Apertou-as ligeiramente.

—Não sou eu quem pode lhe dizer o que fazer com sua vida. – Ela disse em tom firme e seu olhar se prendeu com segurança em Liam.

Não tinha como dizer não.

Mas Liam achava que nada poderia ficar pior.

♕ ♕ ♕

Um mordomo abriu as portas para o corredor prontamente quando o Príncipe Liam e a Srta. Brianna passaram conversando.

—Sua carta realmente me surpreendeu. Não esperava ser convidado para um passeio quando tenho o primeiro lugar no ranking dos mais odiados da Europa. – Liam comentou. Sua tentativa de comicidade escorregou para o lado do humor negro.

Brie balançou a cabeça para os lados.

—Os mais odiados precisam de um tempo sem preocupações também. – Ela brincou. – A ideia de convidar você para um encontro foi minha... Mas comentei com as outras meninas também. Todas sabemos que sua agenda anda “um pouco” cheia ultimamente e concordamos que seria mais fácil se nós o convidássemos para sair. Cada uma o fará em algum momento, quando se sentir mais confortável... Além disso, concordamos que é uma boa ideia para nos sentirmos um pouco mais... no controle da Seleção, entende?

Liam a olhou de canto de olho enquanto continuavam andando e Brianna percebeu o sutil gesto.

—O que eu quero dizer é a Seleção depende de burocracias, imagem e da sua vontade. Nós queríamos encontrar um lugarzinho para tomarmos algumas atitudes também...

—Eu concordo totalmente! É uma excelente ideia! – Liam se justificou apressado. - Desculpe, se passei a impressão errada! Apenas... Não consigo esconder que ando muito preocupado e decepcionado com tudo o que está acontecendo...

—Eu sei...

Um pouco desconfortáveis continuaram caminhando pelo último andar do castelo sem nenhum rumo aparente.

Foi Liam quem cortou o silêncio.

—Eu sinto muito que isso esteja acontecendo em meio ao processo de Seleção. Reconheço que tenho a deixado de lado nos últimos dias...

—Liam. – Brianna segurou no braço dele gentilmente, mas seu tom era de alerta. – Dias ruins são seguidos de dias bons e dias bons seguidos de dias ruins! Não é de se estranhar que na realeza isso seja amplificado. – Ela deu uma risadinha. – Além disso, a Elite está bem ciente de que essa possa ser a nossa realidade. Todas as garotas que estão aqui são as que continuam a lutar...

Principalmente agora que sabemos que “A Escolhida” ainda não foi escolhida! Brie pensou.

—Não tinha pensado por esse lado. – Ele se surpreendeu com a perspectiva e ficou todo arrepiado ao pensar naquele outro aspecto de seu futuro: O casamento.

Foi a vez de Brianna o olhar de soslaio.

—Eu consigo ver todas as suas preocupações apenas olhando para você, Liam!

—É pior do que eu pensava!

Dessa vez, ela riu alto do humor sarcástico do príncipe.

—Então pense em algo bom! Vamos, me diga o que mais gostou na Semana da Paz!

Ele riu, pego de surpresa pelo pedido.

—Está bem... – Pensou andando em direção a uma larga varanda no fim do corredor. – Eu realmente gostei quando Álan socou a cara do Príncipe Caleb!

—O que?! Não imaginava que você era assim tão sádico! – Brie gargalhou diante à resposta.

—Não, não... -Liam também ria. – Foi um belo de um soco, isso é verdade. Mas Donavan e Kiara ficaram... Bom, ficaram impressionados com o modo que eu lidei com a situação. – Lembrando daquele momento, Liam corou, tímido. – Ficaram realmente orgulhosos.

O rapaz olhou para a moça ao seu lado e a viu com um pequeno sorriso nos lábios.

—O que foi?

—Eu não sabia disso. Foi incrível da parte deles te elogiarem. Eu pessoalmente achei hilário... e fantástico.

—Verdade?! – Liam estava outra vez surpreso, mas dessa vez, também maravilhado.

—Sim. Eu nunca teria pensado em resolver uma situação desse jeito. Fiquei sem reação diante da briga.

—Obrigado.

Eles trocaram um sorriso.

Mas a expressão de Brianna alterou-se rapidamente e ela travou no lugar.

—Vamos voltar e...

—O que? – Liam olhou para a frente e viu apenas as portas que levavam à sacada. Depois virou-se para Brianna. – Você tem medo? Tem medo de altura?

—Nós já estamos no alto aqui não precisamos ir até a murada... – Ela se remexeu, dando um passo para trás e abraçando o próprio corpo.

—Ah! Vem! Você não vai cair! – Ele insistiu e segurou no braço dela.

—Hmm, não gosto de sair da minha zona de conforto.

Liam gargalhou alto.

—Essa é a resposta mais sofisticada que já ouvi de alguém que estava com tanto medo! – Ele deslizou a mão pelo braço dela até chegar em sua mão. – Vamos. Eu estarei com você e não precisamos chegar muito perto da murada.

Ela começou a resmungar. Percebendo que Liam não estava ouvindo nada, tentou falar mais alto.

—Mas as minhas pernas podem travar e, se você rir, eu não vou conseguir mais me mexer! E aí...

—Brie. – A voz de Liam era firme, da mesma forma que ela usou quando falou com ele momentos atrás. Ele fixou o olhar nela. – Prometo que não irei rir.

Sem perceber que cedia, ela foi puxada por Liam até a sacada. Eles pararam no meio do caminho até o parapeito.

—Está bom. Eu só vou até aqui!

Liam concordou e veio para o lado dela. Em silêncio, enquanto a respiração de Brianna se acalmava, eles olharam a neve que recobria o jardim do Palácio Real e, mais adiante, o grande lago com algumas placas de gelo flutuando na superfície.

—É uma vista linda. – Ele comentou.

—Você está certo. A neve parece um tapete sobre o jardim.

Ele se virou para olhá-la.

—Como está se sentindo? Suas pernas estão travadas?

Brianna conseguiu rir. As bochechas e a ponta do nariz ficando avermelhados.

—Ah, é um medo tão bobo!

Liam balançou a cabeça para os lados como se ponderasse a ideia.

—Você tem razão é um medo bem bobo.

Ela puxou sua mão da dele e cruzou os braços – o pequeno momento de fúria a deixou mais confortável na situação.

—Olhe no espelho! O “primeiro lugar no ranking dos mais odiados” tem o apoio do Rei e da Rainha de Nova Irlanda! Isso não é pouca coisa.

Mais uma vez, Liam sorriu agradecido pelas palavras de Brianna – aquilo significava para ele muito mais do que a garota podia imaginar. Mas logo ele riu outra vez quando Brie completou:

—Tudo bem, já foi desafio o suficiente para um único dia! Vamos sair daqui.

♕ ♕ ♕

Apesar de ter encontrado com Brianna e se divertido com ela, Liam Éire se sentia acabado ao final do dia. Sentou em frente a uma lareira e ficou alguns minutos observando o bruxulear do fogo. Havia tantos pensamentos.

Ronan Irish se aproximou.

—Sinto muito, Liam. É uma terrível notícia.

—Kiara me passou a regência e eu não faço ideia do que fazer primeiro. Há tanto para se pensar e decidir! – Ele resmungou, cansado.

Ronan não era bom em dar conselhos, mas era um homem bastante prático e sugeriu o que costumava funcionar com ele mesmo.

—O que mais está na sua cabeça nesse momento?

—A Seleção. – Respondeu imediatamente.

—Então pense nela. Irá desfazê-la?

—Não... Eu acho que não. – Liam se remexeu, incomodado. – Kiara me elevou como regente para que meu próprio país passasse a confiar mais em mim, visse que sou digno de minha posição na hierarquia. Então, não posso fazer algo como desmanchar a Seleção... Isso arruinaria todo o show para vender a minha imagem, que começou há muito tempo.

Liam suspirou, lembrando-se de quando fora informado de que Nova Irlanda sediaria um concurso da Seleção inspirado em Illea e ele seria o príncipe a ser conquistado. Parecia que séculos haviam se passado.

Mas de repente ele teve uma ideia.

Ronan percebeu imediatamente quando o olhar de Liam brilhou e ele se sentou mais ereto.

—Eu já sei! Eu sei como resolver! – Ele sussurrou, assustado com a própria ideia repentina. – Se irá dar certo ou não, eu não sei, porque, sinceramente, é o pensamento mais louco que eu já tive, mas... Acho que é um plano.

—Seja qual for, merece ser colocado em pauta, acredito. – Ronan incentivou, surpreso com a mudança na expressão do herdeiro. – É quanto a tudo ou apenas em relação à Seleção?

—É uma solução para tudo. Mas terá impacto na Seleção. – Ele fez uma pausa e seus ombros murcharam ligeiramente. – Eu precisarei eliminar mais meninas. Farei o que for preciso para tirá-las desse caos.

O guarda assentiu em silêncio, mas estava incomodado com um fato. Não costumava dar voz à curiosidade, porém, naquele momento, não conseguiu se conter. Com cautela, perguntou:

—A Elite acabou de ser formada e você está dizendo que eliminará mais selecionadas... Como pode ter tanta certeza de quem deve sair? – Ele fez uma pausa e se sobressaltou. – Por um acaso você... Você já tem a Escolhida?

Liam virou o rosto para as chamas do fogo e depois voltou o olhar para Ronan, parecendo, pela segunda vez em pouco tempo, surpreso com ele mesmo.

—Eu... Eu receio que sim.