Depois daquela noite, Dênis foi para a cama com o coração apertado, queria ter ficado juntinho com alguém, assistir filme abraçados no sofá comendo pipoca doce. Ele ainda conseguia sentir as mãos do moreno em sua cintura, o corpo colado ao dele, e isso só o deixava carente.

Era engraçado e cruel. Ainda mais cruel por que os dias foram passando e o loiro não viu Miguel outra vez. Não era algo incomum, eles nunca haviam se visto em quase um semestre inteiro na mesma universidade, e sabe-se lá quantos anos morando na mesma rua.

Foi numa quarta-feira que voltaram a se encontrar, Miguel sentou-se ao lado de Dênis em um banquinho no intervalo, acendeu um cigarro de palha.

"Você fuma?" Perguntou Dênis, fazendo uma careta. Odiava cigarros.

"Esporadicamente, em situações estressantes." Ele liberou a fumaça da boca.

"O que aconteceu? Você sumiu também..." O olhou com curiosidade. Miguel estava de olhos fechados, expressando cansaço.

"Problemas no trabalho" Alegou. "Mas nada que você deva se preocupar"

"Ah, entendo. Espero que esses problemas se resolvam logo" disse Dênis, tossindo e abanando a fumaça. Miguel deu mais um trago e jogou o cigarro no chão enquanto se levantava, pisando nele.

"Vão sim. Até logo" ele fez uma continência e se virou para sair, mas Dênis se pôs a andar ao seu lado.

"Já encontrou um dono pro Brownie? Ele está bem?" Perguntou.

"Está. Ainda não encontrei ninguém, se quiser você pode dar pra alguém que você goste" respondeu com indiferença.

"Ah, mas ele já está com alguém que eu gosto!" Falou, mas só percebeu o teor de suas palavras quando o outro parou de andar e o fitou, como se ele fosse anormal.

"O que foi?" Dênis parou junto.

Miguel respirou fundo e passou a mão no cabelo, jogando-o pra trás. "Vai logo pra sua sala, já está na hora da aula"

"Mas eu não tenho aula agora. Meu professor faltou." Respondeu, cruzando os braços.

"Então vai pra casa" continuou andando, com Dênis a tira-colo.

"Não" respondeu o garoto.

"Você vai fazer o quê então?" Miguel revirou os olhos. Não estava no melhor dos seus dias.

"Ir pra mesma sala que você, ué"

"Eu mereço..."

E assim foi, sem se importar que não conhecia ninguém da turma, Dênis se acomodou em uma das últimas cadeiras, observando o movimento. Uma ou outra pessoa o cumprimentou e perguntou se ele era novo na sala, e simplesmente respondeu que não, todo sorrisos.

"Sou da turma de veterinária, mas como não tenho aula agora o Miguel me convidou pra assistir a dele"

Miguel disse que ia continuar o filme de onde pararam na ultima aula, apagou as luzes e deu play no computador, e o filme foi refletido no quadro pelo projetor.

Obviamente Dênis não entendeu nada. E não ousava perguntar para nenhum desconhecido. Ele abaixou a cabeça e fechou os olhos, pescando vez ou outra. Quando Miguel falava alguma coisa sobre metodologia inserida no filme, Dênis prestava alguma atenção, mas por fim acabou pegando no sono.

xXx

A classe foi se esvaziando aos poucos, alguns alunos até tiraram um tempo para conversar com Miguel, mas logo estes também foram embora. O moreno também iria sair, se não fosse por Dênis, dormindo na maior serenidade no canto da sala.

Miguel se aproximou dele, tirou uma mecha loira de seu rosto, com cuidado para não acordá-lo. Nem parecia ele mesmo com a expressão suave que mantinha.

Colocou a palma da mão no rosto de Dênis, acariciando com o polegar sua bochecha e seus lábios entreabertos, que permitiam que o moreno sentisse a respiração tranquila do outro...

Antes de Abrir os olhos, Dênis pousou a mão por cima daquela que estava bulinando o seu rosto, mas não a tirou dali. Meio sonolento ele olhou para Miguel, que o encarava de volta, sério. Quando conseguiu acordar direito, se levantou da carteira,  esticando o corpo e bocejando.

"Quantas horas...?" Perguntou, sem muita vontade. Estava dentro do seu moletom quentinho e bem que gostaria de estar na cama uma hora dessas.

"A aula acabou faz alguns minutos. Vamos." Ao dizer, virou as costas para o loiro, que esfregava os olhos. Óbvio que este o seguiria.

Eles saíram do prédio na companhia do outro, mas ao ver o carro do pai estacionado ali, Dênis desejou boa noite para o Miguel e foi para a sua casa.

Será que era o que parecia? Alguns detalhes tornavam o relacionamento de ambos um pouco anormal. Poderia ser algum sentimento surgindo...? Dênis fechou os olhos, já deitado na cama e pronto para dormir. Imaginou os lábios de Miguel nos seus, analisando se gostava de ideia. O sono não lhe deixou pensar algo mais coerente que isso.

Já os sonhos...

xXx

Miguel acordou com o despertador tocando, adiou para dali 5 minutos. Não havia dormido muito bem, sua vontade era ficar ali por mais 5 horas.

Depois de se arrumar, alimentar Brownie e dar um pouco de carinho para o animal, foi para o trabalho. Mais um belo dia com Marina fora. Como ela estava viajando e sua substituta não cumpria bem o trabalho, a editora virava um caos por esses dias, e sobrava tudo pra Miguel resolver.

     "Ainda bem que você volta amanhã, já estava ficando louco"
     "Miguel, eu sou casada, não seja tão descarado!"
     "Há há! Enfia a sua aliança..."
     "Estou bem assim. Escreveu alguma coisa?"
     "Não. Na verdade eu mudei tudo."
     "Bom. Me manda"
     "Só tem a introdução por enquanto, depois mostro. Bom retorno"
     "Ok, obrigada"

Miguel desligou o celular, se recostou na cadeira. O notebook estava aberto em um documento de texto, e o tracinho vertical piscava na frente da ultima sentença, esperando as palavras seguintes.

[...] Ele nunca havia desejado tanto os lábios de alguém como os daquele garoto.

xXx

"Ca-ra-lho, você ta falando sério? Pegando o professor gatinho? Menino, me passa esse mel..." Dênis tampou a boca de Isabella. Ela costumava falar sem medir a altura.

"Eu já falei que não peguei!" Sussurrou alto, desconcertado. Isabella era uma das únicas pessoas que sabiam de sua opção sexual, e ela inclusive apreciava muito a escolha. "Somos amigos... não sei nem se eu gosto dele desse jeito" as bochechas do loiro ficaram vermelhas ao lembrar do sonho que teve.

"Dênis, ta na cara que você ta apaixonadinho. Cai dentro! Quando foi que você beijou a ultima vez?"

"Ah... Não lembro. Ano passado?" Respondeu, com uma entonação de dúvida.

"DEUS ME LIVRE E GUARDE! Tanto cara gato por aí te querendo! Eu não entendo..."

"É a décima vez que eu te falo: eu tenho vergonha! Odeio 'ficar' sem motivo"

"Querido, a vergonha vai embora junto com a ultima peça de roupa. Se você e esse cara não se pegarem logo, eu vou deixar de ser sua amiga"

"Eu não ligo..." Disse o garoto com um sorriso perverso, mas acabou apanhando.