O despertador tocou.

Miguel tateou a cabeceira da cama (que também era um baú), até encontrar a fonte do barulho. Ao tocar o relógio, percebeu que outra mão chegou ali antes que a sua.

Dênis tirou a cara do travesseiro ao sentir o toque. Ambos se encararam em um instante de confusão.

“O que você está fazendo aqui?” Miguel foi o primeiro a falar, sendo um pouco grosso. Era o que ‘acordar’ fazia com ele.

O loiro se esforçou um pouco para lembrar, mas sua cabeça doía e ele desistiu “Eu não sei. O que aconteceu?”

“Amnésia?” O mais velho riu, colocando os braços atrás da cabeça e fazendo com que o cobertor escorregasse, expondo o tórax nu.

Dênis engoliu em seco “você tá… Pelado…?”

“Isso aí espertão” respondeu, cínico. Ele realmente estava. E se divertia muito com a expressão cada vez mais desesperada que surgia no rosto do loiro.

“Miguel, me conta o que aconteceu, pelo amor de Deus!” Suplicou, sentando-se na cama. ao menos a própria roupa estava em seu corpo.

“Relaxa garoto. Você estava dormindo no sofá, não sei como veio parar aqui não.” Respondeu, suspirando.

“Ah… Eu não lembro. Como cheguei na sua casa?” Perguntou, mas quando olhou pro lado, Miguel já tinha levantado. Deu tempo de Dênis analisar a bunda do moreno, até ele pegar a toalha e entrar no banheiro.

O loiro piscou algumas vezes. Esfregou os olhos. Era um sonho?

Brownie estava nos pés da cama, foi acariciado na barriga durante um minuto, até o garoto se levantar da cama, espirrando.

Foi até a cozinha e abriu os armários e geladeira, o gato estava miando em seu encalço. Ele procurou o pacote de ração e serviu o felino. Depois foi preparar o café para ele e Miguel.

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“Você estava bêbado e sem a chave de casa. Fui muito generoso contigo” respondeu Miguel, com um sorriso debochado. Ele usava uma de suas roupas sociais, estava limpo e cheiroso. Já Dênis vestia as roupas do dia anterior e não havia nem escovado os dentes, só mastigava um pedaço de torrada com indiferença enquanto tentava forçar sua mente a lembrar dos acontecimentos. “Se você quiser pode tomar banho aqui.”

“Ah, obrigado. Eu já vou voltar pra casa, tenho que me arrumar pro trabalho também…” Se esticou ele, levantando-se da cadeira aproveitando a deixa.

“Seus pais vão abrir pra você? Não vão ficar bravos por ter chegado nesse estado?” Miguel franziu o cenho, se preocupando com o mais novo.

“Relaxa” o loiro revirou os olhos “eu vou dizer que dormi na casa da Bella e ela me deixou aqui”

“Vai mentir pros seus pais?”

“Eu acho que já vou indo.” Falou, calçando o tênis e ignorando a pergunta do outro.

“Ah, só uma coisa Dênis. Qual é o número do seu celular?”

O loiro o olhou, terminando de amarrar o sapato. “Eu não tenho.” Em seguida se levantou e pegou mais uma torrada com geléia, deu um abraço rápido em Miguel, que nem deu prazo para o moreno retribuir, e foi embora.

Miguel revirou os olhos, pensando consigo mesmo. “Como você o deixa escapar assim…?”

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“Oh Lu, eu não atrasei de propósito, você sabe que eu sou pontual” Dênis fez beicinho, Luana estava de braços cruzados e cara fechada, mas era brincadeira da parte dela.

“Pra mim pessoa pontual é quem chega na hora. Venha receber sua punição” ela apontou para o chão à sua frente, o garoto imediatamente se dirigiu pra lá, com uma expressão de culpa.

E então ela começou a fazer cócegas nele, que ria enquanto tentava fazer com que ela pare. Cócegas tiravam todas as suas forças e Luana sabia muito bem disso, pretendia deixá-lo no chão de tanto rir, mas o sininho da entrada tocou, os atendentes tentaram se recompor.

Miguel parou na frente do caixa, colocou uma jaqueta ali em cima. “Você esqueceu isso lá em casa, espertinho”

Fred imediatamente virou o rosto para o balcão e ergueu uma sobrancelha. Viu Denis agradecer e Miguel ir embora alegando estar atrasado.

Luana não parecia ter percebido nada de errado, por isso o garoto decidiu tocar no assunto em um momento que estivesse sozinho com Dênis.

“Quando é que você foi na casa do Miguel?” Foi direto ao ponto. Fred não gostava muito de enrolação.

“Ele me encontrou bêbado na porta de casa, pelo que parece” gargalhou o loiro, mas o amigo não pareceu achar graça então também voltou a ficar sério “o que foi?”

“Eu já te disse pra me ligar em casos urgentes, não é difícil encontrar um orelhão por aí, porra! Você não precisa confiar em estranhos, você tem amigos, esqueceu?” Ele praticamente cuspiu as palavras, Dênis abaixou a cabeça por um momento. Ele não se sentia culpado, e sim chateado por Fred ter gritado com ele.

“Olha Fred, primeiro que eu não me lembro de merda nenhuma, sabe-se lá o que eu tinha na cabeça! E segundo que o Miguel é meu amigo também!” Cruzou os braços, respirou fundo e tomou posição, sustentando o olhar do mais velho até desviar para a porta.

"Dênis..." O loiro já estava de saída,irritado, quando Fred o puxou pelo braço e o colocou contra a parede, impedindo sua passagem "você dormiu com o cara?"

Aquela pergunta tinha sido séria. Dênis engoliu em seco.

"É claro que não!" Tentou se soltar em vão, o moreno era muito mais forte "me solta!"

"Não mente pra mim, você estava bêbado. Deu pra ele não é?"

"Está doendo Fred." Ele falou com a voz baixa, rangia os dentes se esforçando para não chorar, encarando o outro.

Quando o maior enfim percebeu que o estava machucando, soltou seus braços, onde pôde ver as marcas dos dedos se formando na pele branca, e os olhos do menino cheios de lágrimas. Dênis o empurrou e saiu correndo. Passou direto por Luana, saindo do Pet Shop antes do fim do expediente, deixando tudo pra trás.

“Ué? Você sabe o que deu nele agora?” Luana perguntou para Fred, que deu um soco na parede. “Você fez alguma coisa?”

“Não, só liberei ele mais cedo”

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Quando chegou em casa ele se jogou no sofá e afundou o rosto em uma almofada, chorando. Não de dor.

Chorava porque seu amigo acabara de desacreditá-lo e ainda por cima o humilhara e gritara com ele.

Quando ele descobriu sobre sua sexualidade? Nunca havia revelado isso para Fred. Será que Luana também sabia?

Ficou ali pensando por tanto tempo que caiu no sono. Depois se levantou, arrumou para ir pra aula e chegou até lá de ônibus. Estava visivelmente triste, e a primeira pessoa que viu era quem ele menos queria encontrar.

Um pouco longe de Fred, ele desviou de seu caminho, ambos já haviam se visto, e Fred correu até Dênis. Parecia arrependido.

“Dênis, me desculpe. Eu não devia ter dito aquilo.” Apressou o passo para acompanhar o menor, que não o respondeu. Nem sequer olhou para ele. “Ei, não me ignore” segurou o pulso do loiro, que imediatamente reagiu, parando de andar.

“Me solta!” Ele disse, mais alto que o necessário, algumas pessoas pararam para olhar. Fred tinha certeza que não estava apertando, olhava nos olhos do garoto procurando uma chance de se redimir, mas só viu o contorno vermelho nos olhos dele, que deixavam evidentes o bom tempo que ele passara chorando.

“Você não ouviu?” Uma voz baixa, porém ameaçadora, irrompeu ali deixando o clima ainda mais tenso. Fred soltou Dênis, ambos encaravam Miguel.

“Você não tem nada a ver com isso, vaza daqui” Fred quase cuspiu as palavras, ao passo que Miguel deu de ombros.

“Se for pra não olhar pra sua cara, me retiro com todo o prazer.” Respondeu Miguel, com um meio sorriso debochado, se virou e colocou a mão nas costas de Dênis, o incitando a andar ao seu lado, e o garoto assim fez. Ao subirem as escadas o loiro seguiu para sua sala sem dizer nada, o que fez Miguel perceber que ele estava realmente mal.

Isso o deixou perturbadoramente preocupado.