Breazin escrita por Hina


Capítulo 4
Capítulo 4




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No meio da tarde Alexis deixou o laboratório aos cuidados da capitão Leona e dirigiu-se ao estande de tiro. Seria sua segunda chance e dessa vez ele seria o único a fazer a prova. Os demais membros do setor de Mecânica da unidade haviam sido aprovados, alguns com o grau mínimo e outros se provando surpreendentemente bons atiradores.

Fora um pouco constrangedor ser o único reprovado, mas isso não parecera nada frente ao medo real de perder seu lugar em Rydef. Alex trabalhava no quartel desde que se formara na faculdade de engenharia militar. Crescera ali, conquistara sua posição, fizera amigos... Fora de Rydef ele era só mais um cara nerd com o sonho de servir no exército e sem habilidade para tal. Poderia servir em alguma unidade tecnológica, certamente, inclusive já fora convidado a algumas. Mas uma coisa que ele aprendera naqueles anos e sentira na pele era que aqueles que já serviram em Rydef desejavam estar lá até o fim. O lugar tinha certo magnetismo, se não por sua fama e história, ao menos pelas pessoas que lá estavam.

Ao entrar no estande Alexis encontrou os oficiais que aplicariam sua prova. Um tenente de uniforme azul, do setor administrativo, e um capitão de farda preta, que era quem de fato aplicaria o teste. Alexis cumprimentou-os e então seu olhar alcançou um dos bancos mais distantes da linha de tiro. Cordélio estava lá.

Algo comprimiu-se e aqueceu dentro de si. Ele não precisava ter vindo, certamente tinha outros compromissos. Mas Cordélio era assim, fazia qualquer coisa por seus amigos.

Alexis forçou um sorriso para o moreno, que foi retribuído com um aceno e um olhar confiante. Então o capitão aproximou-se da linha de tiro e escutou as instruções.

Era uma sequência simples, ou ao menos era isso que lhe diziam. Em teoria ele sabia o que fazer. Conhecia os mecanismos para carregar e destravar a arma e todos os procedimentos de segurança. Ele ajudara a criar alguns deles. Quando lhe foi dada permissão para começar a prova, Alexis colocou os protetores de ouvido e pegou a arma a sua frente. Era pesada, muito mais do que parecia no laboratório. Ele respirou fundo e mirou no alvo.

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Elliot estava demorando muito mais do que o costume no banho. A água do chuveiro estava fria, como sempre. Ele nunca se importara em usar o chuveiro elétrico. Terminou de lavar o cabelo loiro claro e fechou o registro, se enrolando em um toalha e saindo para o banheiro. Parou em frente a um grande espelho de corpo inteiro que ele geralmente ignorava exceto para verificar se seu uniforme estava devidamente arrumado.

Sua pele era clara, clara demais para um soldado, e qualquer bronzeado que ele poderia adquirir pela exposição ao sol se transformava em uma vermelhidão intensa, que sumia com o tempo retornando à cor pálida. Ele também era pequeno para um lutador, embora isso nunca o tivesse impedido de levar ao chão homens bem maiores. Em seus ombros, peito e costas haviam cicatrizes dos treinos e ferimentos que já sofrera. Suas mãos eram calejadas. Sua testa tinha marcas de expressão. Cordélio já lhe dissera, mais de uma vez, que se ele estivesse sempre com a expressão fechada ficaria com marcadas ainda jovem.

Com um suspiro Elliot voltou para o quarto e pegou seu celular sobre a mesa. Em geral ele ignorava o aparelho, mas naquela tarde recebera uma mensagem de Julian. Dizia apenas: "Vamos sair hoje a noite?". Elliot demorou a responder e por fim enviou um "Sim." Julian marcou de encontra-lo em frente ao prédio de seu dormitório.

Dante abriu seu guarda-roupa. Seus uniformes estavam passados e pendurados em cabides. Do outro lado algumas camisas simples e calças escuras. Ele não costumava sair muito. Lembrou-se da roupa que Julian o fizera vestir quando o levara àquela boate, quando Elliot ainda era seu guarda-costas. Subitamente a possibilidade de que eles fossem a um lugar como aquele novamente lhe causou um arrepio e ele quase mandou uma mensagem a Julian desistindo de tudo.

Por fim escolheu uma camisa preta e calças escuras. Sentou-se na cama ainda descalço e com o cabelo desarrumado e a porta de seu quarto se abriu. Ele precisava se lembrar de tranca-la a chave.

Era Cordélio. O moreno sorria, o que normalmente não significava muita coisa, mas a ligação de seu irmão mais novo o havia abalado. Era bom vê-lo sorrindo de novo.

— E ai, Elliot!- Ele cumprimentou, apoiando-se no batente da porta.- Nós vamos sair para comemorar. Quer vir junto?

— Qual a comemoração?

— O Alex foi aprovado no teste dele. Eu sabia que ele seria, mas é um bom motivo para comemorar.

— Obrigado, mas eu dispenso o convite.- Respondeu com seriedade.

— Tem certeza? O Hans e a Miria também vão.

— Tenho.

Cordélio deu de ombros e não insistiu. Estava acostumado às recusas de Elliot. Quando o moreno seguiu pelo corredor, Dante levantou-se para trancar a porta a chave e voltou a esperar a hora marcada.

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Embora Rydef fosse conhecida majoritariamente pelo quartel e academia da unidade de operações especiais, a poucos quilômetros da base militar ficava o que de fato era a cidade de Rydef. Como era de se esperar, as atividades da cidade eram voltadas em grande parte ao complexo militar próximo, o que incluía um bom número de bares e casas noturnas para os soldados.

Aquela, no entanto, era uma noite especial e eles iriam até uma cidade próxima para sair um pouco da rotina. Passaram no centro de Rydef apenas para buscar Miria, a esposa de Hans. Cordélio parou o carro e ouviu os suspiros no banco de trás. Olhou pelo espelho os rostos aliviados de Allyn e Seth. Eles ainda não conheciam seu modo próprio de dirigir.

O carro de Hans estava parado a frente deles e o garoto já entrara na loja de música de Miria. Pouco depois voltou acompanhado da linda morena e deu partida. Cordélio o seguiu, voltando à estrada.

— Precisa mesmo fazer isso?- Alexis perguntou do banco de carona, revirando os olhos.

— Isso o que?- O moreno sorriu.

— Dirigir assim. Como se estivesse fugindo da polícia.

— Alexis, meu caro. Nós somos a polícia.

— Não, nós somos o exército.

— Eu já prendi um ladrão, quando estava na minha cidade.

— Porque você é um benfeitor mesmo em seu tempo livre.

— Disponha.

Eles viraram uma curva e deixaram Rydef, adentrando na rodovia que ligava as duas cidades próximas. Hans dirigia de forma muito mais sensata, então Cordélio lhe dava certa vantagem para poder alcançá-lo depois.

— Vocês dois se dão tão bem.- A voz era de Allyn.- Devem se conhecer há muito tempo, não é?

Alexis e Cordélio trocaram um olhar.

— Acho que sim.- O moreno respondeu.- Desde que eu estava na academia. Nos aproximamos mesmo quando o Alex mexeu na Timmy para mim.

— Timmy?

— É minha nave. Quero dizer, a nave é do exército, mas acho que eu sou o único que a pilota.

— Nem posso imaginar o porquê.- Alexis murmurou com ironia. Ele havia reformado os controles da nave para se adequarem à forma descuidada com que Cordélio pilotava, e evitar que o amigo causasse algum acidente. Também fizera outras mudanças, como adaptar a aparência da nave para parecer um rosto sorridente e faze-la responder a comandos de voz como um animal de estimação, tudo a pedido de Cordélio.

Algum tempo depois entraram em Tezzaren, uma das principais cidades de Breazinder e a mais próxima Rydef. Cordélio seguiu o carro de Hans pelas ruas da cidade. Eram bem mais cheias e iluminadas que em Rydef. As lojas tinham placas brilhantes e vitrines bem cuidadas e mesmo as pessoas se vestiam com roupas mais elaboradas. Era uma cidade tipicamente nobre.

Seguiram para uma área menos movimentada até uma construção que parecia um bar ou restaurante. Tinha uma fachada mais simples, clássica e muito bem cuidada. Quando Cordélio estacionou o carro, Hans já havia descido e esperava na porta.

— Avise se não gostar, Alexis.- Disse Miria com um sorriso educado.- Essa noite a comemoração é sua.

— Obrigado. Não se preocupe, o lugar está ótimo.- Alexis respondeu, um pouco atordoado. Miria tinha esse efeito nas pessoas e mesmo que o loiro já a houvesse encontrado nas vezes em que ela e Hans saíram com ele e Cordélio, a moça ainda o impressionava.

Mas era verdade. Pelo vidro escuro da frente era possível vislumbrar o espaço com bancos dispostos nas laterais e separados por tapumes e uma área central com um bar elegante. Uma música suave podia ser ouvida e as pessoas que estavam lá dentro pareciam tranquilas. Eles entraram.

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— Aonde quer ir?- Julian perguntou quando Elliot encontrou-o em frente ao alojamento.

— Você não pensou em nada?

— Depois da última vez, achei que você iria querer escolher.- O moreno respondeu com um sorriso atravessado.

Ele estava muito bem vestido. Uma mescla do estilo despreocupado que usava quando na época que se conheceram e das roupas formais que vestia no quartel em Rydef. Perto dele Elliot sentia que estava com pijamas. Isso não deveria incomodá-lo, certamente não tanto quanto incomodou.

— Algum lugar bem longe.- Respondeu.- Onde aquelas pessoas certamente não irão nos encontrar.

Julian não precisou perguntar para saber a quem o loiro se referia.

— Tem tanta vergonha assim de sair comigo?

— Com um convidado de honra de uma nação amiga, cuja segurança foi de minha responsabilidade em uma missão com um final desastroso?- Perguntou estreitando os olhos para o maior.

Julian apenas riu.

— Como se fosse por isso.

Eles chegaram ao carro. O moreno gostaria de dirigir, mas a verdade era que ele nunca se preocupara em aprender. Quando ocupou o banco do carona e Elliot sentou-se a seu lado, segurando o volante, foi inevitável lembrar dos passeios de meses antes, quando o garoto ainda era seu segurança e o levava para onde quer que fosse.

— Eu posso escolher então?

— Desde que seja longe daqui.

— Certo. Conhece o caminho para Tezzaren?

Dante virou-se para ele.

— E nós não vamos a nenhuma boate.

— Nenhuma boate, confie em mim.- Disse com solenidade exagerada.- Eu conheço um lugar tranquilo.

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— Nossa, a história de vocês é tão romântica!- Allyn disse com um suspiro apaixonado.- Imagine só, ver um homem desistir de tudo e lutar tanto por mim.

— Talvez.- Miria respondeu, com um olhar de afeto para na direção do bar, onde Hans, Cordélio e Seth faziam os pedidos.- Mas eu preferia que o Hans não tivesse que se separar da família por minha causa.

— Oh... Desculpe, Miria. Não foi isso que eu quis dizer.

— Tudo bem, eu sei que não.

— E você, Alex? Qual tipo de homem prefere?

Alexis corou um pouco e desviou o olhar. Seus companheiros do laboratório conheciam sua sexualidade, mas ele não esperava que Allyn fosse falar com tanta facilidade, especialmente na frente de Miria. Mas a moça não pareceu se importar, esperando sua reposta com um sorriso curioso.

— Bem... Acho que alguém gentil, e divertido. Que lute para proteger as pessoas que ama e pelo que acredita.

— Uau. Você é bem exigente.- Allyn riu.

— Espero que encontre essa pessoa.- Miria comentou e pelo olhar que ela lhe deu Alexis teve a estranha sensação que ela sabia a verdade.

Os três voltaram com as bebidas e um prato de petiscos. Hans sentou-se ao lado da esposa e de Seth em um dos bancos e Cordélio na ponta do outro, deixando Alexis entre ele e Allyn.

— Mas você ainda não nos contou, capitão. Como foi seu teste?

— Normal. O importante é que eu fui aprovado.

— Foi ótimo.- Cordélio respondeu como se ele não tivesse falado.- Ele melhorou muito.

— É mesmo? Quantos pontos você fez.

— Setenta e dois.

— Sério?- Allyn praticamente subiu na mesa, voltando-se para o amigo.- Foi mais do que eu!

— Eu tive um bom professor.

— Na verdade o melhor professor.- Hans comentou, bebericando seu copo.

Cordélio sorriu e então Miria levantou-se com elegância.

— Acho que está na hora de um pouco de música.

Ela passou por Hans e Seth e foi até o canto do restaurante, onde havia uma mesa mais reservada das demais.

— O que ela está fazendo?

— Aquele é o dono do lugar.- Hans indicou um senhor alto com barba.- Era amigo do pai dela.

Pouco depois a moça virou-se novamente para eles e chamou por Hans, que seguiu-a até lá. Alexis observou com curiosidade enquanto os dois trocavam algumas palavras com o homem e seguiram para o espaço no centro do restaurante, em frente ao bar, onde havia uma palco baixo de madeira. Hans recebeu um violão de um dos garçons e posicionou duas cadeiras sobre o palco nas quais ele e Miria se sentaram.

— Bom.- Cordélio comentou.- Está ai algo que vale a pena ouvir, Alex.

Àquela altura todos no restaurante encaravam o casal, o que era de se esperar. Ambos tinham boa aparência e chamavam a atenção. Hans começou a tocar. A princípio acordes simples, mas que tomavam cada vez mais intensidade. Ele cantou as primeiras frases da música.

A voz de Miria juntou-se à sua, e se o garoto cantava bem então ela era uma verdadeira profissional. Sua voz era delicada, mas intensa e perfeitamente clara. O tipo de voz que poderia quebrar seu coração.

Era uma música de amor, como não poderia deixar de ser, e a letra fazia jus àquela dupla. Alexis não a conhecia, mas lembrou-se de pedir o nome a um deles mais tarde. Após alguns minutos o loiro desviou o olhar do palco para o rapaz a seu lado. Cordélio movia lentamente a cabeça, ao ritmo da música. Era um movimento ligeiramente desajeitado e talvez justamente por isso, por ser algo tão típico de Cordélio, o calor em seu peito explodiu novamente. Por quanto tempo iria se sentir daquela forma?

Percebendo seu olhar Cordélio também virou-se para ele. Por um momento os dois apenas se encararam.

— Cordélio...

— O que foi?

A música acabou. Todos começaram a aplaudir, especialmente Allyn e Seth. Cordélio continuava a encara-lo.

— Obrigado pela ajuda. Com o treino de tiro.

— Ah. Não foi nada, sabe que não precisa agradecer.

Hans e Miria voltaram a mesa em meio a aplausos. Os dois não olhavam para os recém adquiridos fãs, apenas um para o outro. Todo aquele clima era demais para Alexis. Ele se levantou.

— Acho que eu vi alguns jogos ali no fundo.- Disse apressado.- Vou ver o que é.

E saiu antes que alguém pudesse intervir.

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— Você está perdido.

— É você quem está dirigindo.

— E você deveria me dizer aonde ir!- Elliot respondeu indignado.

— Certo, vire a esquerda.

— Nós acabamos de vir de lá!

— Tá bom, tá bom, então a direita...

Em vez disso Dante saiu do trânsito e parou o carro próximo a calçada. Virou-se para Julian com um olhar que faria homens mais sensatos saírem correndo.

— Você pelo menos sabe aonde que ir?

— Eu sei exatamente onde quero chegar.

Elliot respirou fundo.

— Onde?

— Eu não lembro o nome.

— Chega.

Dante retornou o carro para a estrada.

— Não está voltando, não é?- Pela primeira vez a voz de Julian pareceu verdadeiramente preocupada.

— Você é impossível, Julian. Eu não sou mais seu segurança para fazer suas vontades.

— Eu... Me desculpe. Não queria irritá-lo. Não de verdade.- Suez passou a mão pelo rosto e bagunçou as cabelos castanhos.- Ainda preciso aprender seus limites.

— Ótimo.- O loiro resmungou.- Então aonde vamos?

Julian abriu um lindo sorriso que fez Elliot corar pateticamente. Não era em nada parecido com os sorrisos que costumavam vir dele.

— Podemos ir andando, se quiser, eu conheço o caminho melhor a pé. Ou podemos ir a algum outro lugar. Você escolhe.

— Vamos andando.

Elliot deixou o carro em um estacionamento público. Sua identidade militar permitia que ele não pagasse pelos serviços do governo e deixou o guarda fascinado por ver um dos combatentes de Rydef. Ao menos depois que ele foi convencido que a identidade do garoto não era falsificada. Julian não poderia culpá-lo, Dante dificilmente tinha a aparência que se esperava de um dos maiores guerreiros de Breazinder.

Quando saíram do carro Julian aproximou-se de forma natural, e naturalmente segurou a mão do menor.

Era um gesto simples, bobo. Elliot já escapara com Julian de um prédio prestes a explodir, já fugira com ele de assassinos treinados, já o segurara para impedir que caísse quando o moreno usava nada além de uma toalha, já fora por ele beijado, já apontara uma faca para sua garganta.

Era diferente. Quando Julian segurou sua mão, pela primeira vez em um longo tempo, Elliot não sentiu-se como um soldado. Sentiu-se apenas como um garoto, com medo do desconhecido e a vontade de estar com alguém.

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