Breazin escrita por Hina


Capítulo 3
Capítulo 3




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Konrad deixou seus relatórios e recolheu os novos que teria de estudar e dar seu parecer, sobre a missão de Hans. Aquela era a parte fácil, ele havia se adaptado bem à parte burocrática do trabalho de um líder. Estava prestes a deixar a sala do comando quando o General Azevetta, atual comandante de Rydef, chamou-o novamente.

— Sim, senhor?

— Há mais uma coisa, em relação ao testes com a TF-76. Querem entrevistar novamente o tenente Cordélio sobre o assunto. Ainda não marcaram uma reunião, mas deixe-o de sobreaviso, esse assunto tem importância máxima.

Kaster assentiu e prestou continência ao general antes de deixar a sala. Cordélio participara dos testes com o novo armamento TF-76 alguns meses antes de Elliot e Hans saírem em missão. Fora um projeto altamente sigiloso, que envolvia diversas nações aliadas de Breazinder no desenvolvimento de um protótipo de arma de alto poder destrutivo. Cordélio fora escolhido como principal usuário nos testes por ter os melhores índices de tiro em Rydef.

Ele também já comentara diversas vezes como eram chatas essas entrevistas, em que cada grupo de pesquisas faziam as mesmas perguntas e pareciam se recusar em compartilhar as respostas, tendo ele que informa-las todas as vezes em que era solicitado.

Mas essa era parte do trabalho deles, afinal. Um soldado cumpria suas ordens, por mais indesejadas que pudessem ser.

Retornando ao dormitório cruzou novamente com Hans. Dessa vez o ruivo usava roupas civis. Estava muito bem vestido, com uma blusa social branca de manga comprida e calças escuras, os cabelos penteados. Mesmo que houvesse cortado qualquer laço com sua família há algum tempo, seu nascimento nobre ainda era visível em pequenos detalhes.

— Vai encontrar a Miria?

— Uhum.

— Lembre-se que há formatura amanhã.

— Eu sei, eu sei...

Passou então pelo quarto de Cordélio. Porta fechada. Estava se tornando recorrente.

— Entre.- Escutou a voz do amigo após bater.

Cordélio estava jogado na cama, ainda de uniforme, a luz do quarto apagada. Konrad não a ascendeu.

— Você está bem?

— Estou.- O que era obviamente uma mentira.

— O comandante mandou-me avisar que você vai ser convocado para mais uma entrevista do TF-67.

 - Certo.

Konrad deixou o quarto. Não era preciso muito para entender que o problema se relacionava ao irmão do amigo, mas se ele não tomara a iniciativa de contar, Kaster não se sentia no direito de perguntar.

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O quarto de Miria era pequeno, no alto de uma longa escada de madeira que levava ao segundo andar da loja que pertencera ao pai da garota. Hans abriu a porta com sua chave.

A garota estava na sala iluminada por uma lâmpada amarelada, trabalhando em frente à mesa de madeira que ocupava a maior parte do ambiente. Seus cabelos longos e negros estavam soltos, seus olhos quase dourados brilhavam na luz fraca. Sua forma elegante curvilínea criava uma longa sombra no chão de madeira. Miria era deslumbrante, ninguém poderia negar. Para Hans ela era muito mais do que isso.

— Estou de volta.- Ele declarou.

— Hans.- Miria soltou o objeto em que trabalhava e se levantou, caminhando até o rapaz na porta. Sem mais palavras seus braços circundaram o pescoço de Hans enquanto as mãos dele apertavam sua cintura e seus lábios se tocavam.

Sem se separar, eles entraram e a porta se fechou. Hans apertou-a com mais força, uma de suas mãos se entrelaçando nos fios lisos e macios e a outra tocando a pele quente sob a camiseta de Miria.

— Hans, espere.- A garota sussurrou e se afastou. Seus olhos eram pequenos sóis.- Estou esperando um cliente.

Hans sorriu e deu uma olhadela para cima da mesa. Havia o corpo de madeira de um violino pousado ao lado de um estojo aberto com cordas.

— Melhor eu deixar você trabalhar então.

— Termino em um segundo.

Miria voltou à mesa e Hans se encostou na parede ao lado da porta para ve-la trabalhar, os dedos finos traçando com delicadeza quase reverente as linhas do violino.

— Como foi sua missão?

— Um saco, o cara que eu fui proteger era insuportável.-Confessou.- Pelo menos ele foi competente, disso não posso falar. E a loja?

— Como sempre.- Miria respondeu e a expressão de Hans se fechou.

— Meus pais...

— Eles não tentaram vir falar comigo.

— Mas continuam tentando destruir nossa vida.

— Eu tenho outros clientes, que não são nobres. Não vão ser influenciados por eles tão facilmente.

Hans não respondeu. Ele sabia que isso não era bem verdade. Também sabia o quanto Miria lutava para que pudessem continuar juntos. Ela costumava dizer que fora ele quem mais tivera de sacrificar, quem abandonou a posição e a família, mas para Hans a moça não o separara de seus pais, ela o salvara deles. E em troca ele só lhe trazia problemas.

— Hans.- O garoto ergueu o rosto para encontrar os olhos de Miria. Ela portava seu sorriso doce, reservado para ele.- Chega.

— Eu vou resolver tudo. Confie em mim.

O som de sinos indicou que alguém tocara a campainha no andar de baixo. Miria levantou-se, ajeitando a saia longa com elegância.

— Não seja tão arrogante, Hans Jules Marcheri. Vamos resolver tudo juntos.

Ela desceu a escada para o primeiro andar, levando o violino que consertara dentro do estojo. Após algum tempo, Hans decidiu segui-la. Quando alcançou a loja no primeiro andar encontrou Miria junto a uma mulher de certa idade.

— Agora até meu neto mais novo quer tocar também.- Ela dizia.

— Posso ensina-lo, se a senhora quiser.

— É mesmo? Obrigada, ele vai ficar tão feliz. Oh! Vou precisar comprar um violino para ele também.

Ela se apressou mais para o interior da loja, onde ficavam as prateleiras com instrumentos expostos. Violões e violinos, principalmente. Quando passou em frente ao pé da escada parou e olhou para Hans.

— Miria, tem outro cliente aqui. É um rapazinho bem bonitão.

— Esse é o Hans, senhora Blensa. Meu marido.

Hans viu os olhos da mulher se alargarem de forma bastante cômica com a última parte.

— Marido?! Mas... Você é tão novinha...- Ela olhava de um para o outro. Hans não conteve um sorriso irônico e Miria não se abalou. Já havia se acostumado.- Tem idade para se casar?

— Temos, sim senhora. Queria um violino não é? Por aqui.

Hans indicou o caminho em que a mulher parara. Ele e Miria haviam se casado logo após ele se tornar oficial e ser emancipado. Ela, poucos anos mais velha, já tinha idade para tal e nenhum familiar que pudesse se opor. Não que isso fosse impedi-los, como de fato a oposição da família de Hans não impedira.

Quando a senhora deixou a loja, Miria fechou o andar de baixo e subiu junto de Hans para seu quarto.

—-//--

Kaster já estava acostumado a ver as pessoas tentarem irrita-lo. Desde sua infância ele sempre fora muito mais tranquilo do que seus colegas e estes disputavam para ver quem o faria perder a calma primeiro. Mais tarde, na academia de Rydef, essa disputa passou a ser de seus instrutores.

Para Kaster "estar calmo" não era apenas um estado, fazia parte de quem ele era. Isso muitas vezes levava os outros a concluírem que ele era a pessoa perfeita para lidar com problemas, no entanto o que eles não entendiam era que o fato de o garoto se manter calmo frente aos problemas não significava que soubesse como resolve-los ou gostasse de lidar com eles. E ser um líder envolvia lidar com problemas todo o tempo, nos mais variados graus.

Naquela manhã o corredor do alojamento estava esvaziando a medida que seus companheiros partiam para o pátio de formaturas. Todos deveriam estar prontos em poucos minutos. E ainda não havia sinal de Hans.

Isso não chegava a ser de fato um problema, o ruivo sempre fora especialista em chegar no último segundo e de alguma forma estar pronto a tempo de não se atrasar. Os outros alunos chegavam a se frustrar com a forma como Hans, sendo sempre o que parecia menos se importar com horários, conseguira terminar a academia sem nenhuma notificação por atraso.

Konrad era o único restante no corredor quando Hans chegou, andando apressado com a mochila pendurada em um dos ombros.

— Pode ir sem mim.- Ele disse quando passou pelo amigo.

— Vou te esperar.

Hans entrou em seu quarto e trocou a roupa civil amarrotada pelo uniforme e coturno negros. Ele e Kaster correram para fora dos alojamentos até o pátio de formaturas e lá se separaram. A organização dos militares era feita por altura. Kaster foi para as primeiras e fileiras e Hans se juntou a Elliot no fundo.

O pátio estava completamente preenchido pelos soldados separados em seus respectivos grupamentos. Os membros da unidade de operações especiais, separados por patente, os responsáveis pelo setor médico e tecnológico em uniformes azuis padrão e outros demais militares de apoio, sargentos e cabos. Tudo tinha ordem, padrões, um lugar específico para estar. Na primeira fileira, centralizada, pairava a bandeira de Breazinder e ao seu lado a de Rydef.

Propagou-se o som da corneta que dava início à formatura e todos tomaram suas posições, aguardando os comandos.

—-//--

Acima do pátio de formaturas, unindo dois prédios do quartel, havia uma passarela de metal. Julian parou no meio dela, apoiando-se no corrimão, para observar a movimentação lá embaixo com vista privilegiada. Era fácil reconhecer Elliot pelos cabelos muito claros, no fundo de um dos retângulos em que as pessoas se dispunham. Julian o viu dar um olhar repreensivo para um cara ruivo que chegava e depois se colocar em uma posição não muito confortável que os militares costumavam ficar quando estavam esperando alguma coisa.

Julian já havia assistido a outras formaturas e cerimônias militares, principalmente em Ambryader, mas não esperava pelo que veio a seguir. A corneta soou novamente, em um toque diferente do anterior, e as centenas de pessoas no pátio moveram-se como uma, em um sincronia assustadora. Especialmente aqueles em uniformes negros, pareciam pequenas peças mecânicas movidas por um único controle.

Após mais alguns comandos e um breve discurso do comandante, no qual Julian se sobressaltou ao ouvir seu próprio nome ser mencionado como um "ilustre convidado", o hino nacional de Breazinder começou a ser tocado.

Era sem dúvida uma linda melodia, e sua letra era inspiradora. Falava de união, perseverança e determinação. E, é claro, de coragem. Breazin significava coragem no antigo idioma e Breazinder, a terra da coragem. E mais uma vez, por mais que já houvesse escutado o hino antes, somente naquele momento ele teve dimensão de real significado.

As vozes repetiam as palavras em diferentes tons e a intensidade do conjunto fez todo o seu corpo se arrepiar. Havia adoração ali, as frases tomavam novos significados, ele conseguia sentir na pele o sacríficio, amor e a luta de que falavam. Como uma música podia ter tal efeito?

Seus olhos voltaram para o lugar onde estava Elliot. O garoto parecia sério e concentrado como sempre, mas daquela distância era difícil dizer. Ele estava cantando e embora o coro de vozes formasse um único e indestinguível som, a dele certamente era uma das mais altas.

Era por isso que Elliot se dedicava tanto ao exército? Para Julian sempre parecera algo sem sentido e um desperdício de sua vida. Mas agora, quando aquela atmosfera envolvia até mesmo ele, que sequer nascera em Breazinder ou era militar, e lhe dava a certeza que continuaria a ouvir aquela canção por dias em sua mente...

A música terminou. As bandeiras pairavam no alto de seus mastros, a de Rydef ligeiramente abaixo da de Breazinder. O comandante de Rydef subiu no palanque e parou em frente a todas aquelas pessoas que o aguardavam. Houve um momento de silêncio e então ele levou a mão ao peito e falou:

— Breazin!

— Breazin!- Repetiram centenas de vozes e um só sentimento.

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A multidão se dispersou e Julian seguiu para o laboratório. Foi o primeiro a chegar lá e estava preparando seu equipamento quando avistou o capitão Alexis. Havia um homem conversando com ele, e após eles se aproximarem um pouco Julian surpreendeu-se ao reconhece-lo como o amigo de Elliot que o ajudara na ilha de Kamil. Não conseguia se lembrar do nome dele.

— Doutor Suez.- O rapaz cumprimentou com um sorriso. Julian olhou discretamente para o uniforme dele, onde seu nome estava junto a sua patente em uma plaquinha. Uma prática militar que ele sempre julgou muito útil.

— Olá, tenente Cordélio. É bom reve-lo.

— Em uma situação melhor dessa vez. O Alex me contou... Digo, o capitão Alexis me contou que sobre sua pesquisa com as pedras Ambrya. Ele pareceu impressionado, o que significa que deve ser algo realmente surreal.

Alexis revirou os olhos e desviou-os para o chão, com um sorriso leve. Julian olhou dele para Cordélio e de volta para ele. Havia algo entre os dois.

— O tenente Dante também me contou que vocês dois já se encontraram.- Cordélio continuou, desviando totalmente a atenção de Julian.

— É mesmo?- Perguntou com curiosidade controlada.- O que ele disse?

— Bem, ele não falou muito, você conhece o Elliot sabe como ele é. Mas eu diria que ele ficou surpreso em te ver. E contente.- Ele emendou rapidamente.- Com certeza contente, mesmo que ele nunca vá admitir.

Julian deu um sorrisinho. Era bom saber que o amigo de Elliot queria aproxima-los.

— Posso dizer que é um sentimento recíproco. Vai nos acompanhar no laboratório hoje?

— Eu? Ah, não. Não levo o menor jeito para isso, só vim acompanhar o Alex.- Dessa vez ele se esqueceu ou não quis se corrigir e chamar o outro pelo posto.- Já vou indo. Bom trabalho para vocês.

Ele acenou e afastou-se, voltando pelo mesmo corredor por que viera. Alexis retribuiu ao aceno e não desviou os olhos até que Cordélio virasse o corredor e sumisse de seu campo visual.

— Vocês estão juntos?- Julian perguntou, observando o comportamento do loiro.

Os olhos de Alexis se arregalaram e ele ergueu-os para Julian.

— Não, nós não temos nada disso. Cordélio é meu amigo. Apenas amigo.

— Tudo bem, me desculpe. Eu não deveria ter perguntado.- Então o capitão não se declarara. Julian imaginava se Cordélio tinha noção dos sentimentos do rapaz por ele.- Os outros vão vir?

— Allyn e Seth já estão a caminho. Vou terminar de arrumar o material.

Alexis passou apressado por Julian e entrou no laboratório.

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Após a formatura Hans trocou o uniforme tradicional pela camiseta e branca e short preto e dirigiu-se ao centro de treinamento da unidade de operações especiais. Chegando lá encontrou Dante espancando um dos bonecos de treino.

Soltou sua mochila em um dos bancos e começou a se aquecer, observando o companheiro. Depois um tempo Dante parou, secando a testa suada com as costas da mão.

— Hans.- Ele começou, ligeiramente hesitante.- Como você e a Miria se conheceram?

O ruivo ergueu as sobrancelhas. Não era estranho que Elliot começasse conversas sem motivo e fosse direto ao ponto, mas era incomum que ele tocasse em assuntos como esse.

— Meus pais conseguiram me subornar para que eu aprendesse a tocar alguma coisa. Eles queriam que eu aprendesse piano ou violino então eu fui na loja do pai da Miria e ela me ajudou a escolher um violão.- Um dos cantos de seus lábios ergueu-se com a lembrança. Na época até esquecera que estava fazendo aquilo para irritar seus pais, depois de conhecer a moça deixou-se levar pela conversa.

Dante passou um longo tempo em silencio, o rosto congelado em uma expressão pensativa, antes de prosseguir.

— Mas como vocês se aproximaram? Para... Alguma outra coisa.

Hans riu.

 - Está a fim de uma garota, Dante?

— Não.- Respondeu inflexivo.- Nenhuma garota.

Hans deu-lhe um olhar irônico. Vindo de qualquer outra pessoa ele não engoliria essa, mas de Dante até dava para acreditar. Era mais fácil imagina-lo perguntando aquilo por algum motivo totalmente absurdo do que por realmente estar a fim de alguém.

— Essas coisas simplesmente acontecem, se quer saber. Não tem uma regra para se envolver com alguém.

— Então como você sabe que está envolvido?

— Eu estou. Se quer saber de outra pessoa vai ter que perguntar para ela.

Hans se levantou e passou ao boneco ao lado do de Elliot, começando a acerta-lo.

— Você é péssimo nisso.

— Eu fui aprovado pela Academia.- Hans respondeu, erguendo as sobrancelhas. Também não era comum o loiro ser arrogante.

— Eu quis dizer em responder perguntas.

— Poupe-me, Dante. Vai contar o que está acontecendo?

Ele esperou. Elliot não disse nada.

— Então pare de reclamar.- E recomeçou a socar o boneco.

Dante bufou, deu-lhe um de seus olhares reprovadores, e afastou-se para outro equipamento. Por um instante Hans pensou em ir atrás dele. Apesar de tudo Elliot era seu amigo e visivelmente precisava de ajuda. Mas o cenho franzido do loiro quando recomeçou os exercícios lhe dizia que primeiro ele precisava de um tempo sozinho para entender a si próprio.

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