Antologia - O Peregrino escrita por Deusa Nariko


Capítulo 2
II - A Hospedeira Saudosa: Memórias que Desbotam


Notas iniciais do capítulo

Olá, será que ainda se lembram de mim? HUAHUAHAU
Depois de meses, enfim trago o capítulo da Ginchiyo, dedicado à Cassi. Espero que goste! *-*
...
Boa leitura!



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Antologia – O Peregrino

 

Nosso romance durou pouco, é verdade, mas foi o suficiente para me marcar por toda a vida. Nunca mais abri o meu coração para outro homem, embora não saiba se ele se manteve fiel a mim também.

⊱❖⊰

II

A Hospedeira Saudosa

Memórias que Desbotam

⊱❖⊰

 

Quando recobrei a consciência, a noite já havia caído. Nuvens escuras haviam tomado o céu negro, encobrindo tanto a luz da lua quanto das estrelas. Apesar disso, fachos alaranjados dançavam na minha visão embotada.

Ondas suaves de calor chegavam até mim, mansas, devolvendo pouco a pouco a sensibilidade aos meus membros drenados. A névoa de torpor se dispersava, meus pensamentos a permeavam, letárgicos, contudo. Havia flashes de memórias desconexas, como pedaços de vidro cintilante, flutuando no vazio da minha mente.

Então, houve a dor: lancinante e nauseabunda, tão profunda e devastadora que me levou a contorcer e arquejar. Meus dedos cavaram a terra úmida, desesperados. Eu cheirava a sangue, suor e morte mesmo estando viva aparentemente.

A dor e o medo crescente também me permitiram, finalmente, ordenar as lembranças das últimas semanas: a fuga de minha vila natal, Kirigakure, a caçada interminável organizada por meus próprios conterrâneos, as batalhas indesejadas e o sangue e as lágrimas que eu derramei durante a minha escapada.

Até que ele veio, há algumas noites, com seus olhos injetados e seu dōjutsu amaldiçoado e me perseguiu até a fronteira com o país da Cachoeira, onde, finalmente, eu fui encurralada e forçada a lutar até as últimas consequências.

Ele era um Uchiha, não havia engano quanto a isso. Eu já havia ouvido falar da preciosa linhagem sanguínea deles, mas não imaginei que eles seriam oponentes tão formidáveis até ter de batalhar contra um pela minha vida. Nunca havia encontrado alguém que pudesse dispersar meus genjutsus com tamanha facilidade ou pior: que pudesse copiar meu arsenal de jutsus sem qualquer dificuldade. O Sharingan era mesmo algo a ser temido.

Nós nos enfrentamos durante dias, sem descanso, intercalando perseguições na calada da noite e batalhas ao amanhecer, até que, com o romper da alvorada do terceiro dia, eu me rendi, completamente esgotada e sem esperanças de vencê-lo. Ora, do esquadrão que havia sido mandado para me recapturar apenas ele havia sobrevivido. Morrer pelas mãos de um adversário tão assombrosamente forte teria sido uma honra... Em outros tempos.

Foi por isso que, prostrada perante ele, implorei para que tomasse minha vida. Eu não seria arrastada de volta para Kiri, de volta para as mortes sem sentido e para os banhos de sangue intermináveis. Não, eu mesma escolheria a morte antes disso.

Não houve vergonha quando implorei entre lágrimas, para aquele estranho, que tirasse a minha vida. A lâmina dele pesava sobre a minha cabeça, eu já antecipava o frio do metal, a dor que chegaria e partiria depressa. O limiar da minha vida.

No entanto, devo ter perdido a consciência devido à exaustão causada pelo esgotamento de chakra. Qual mais explicação haveria para o fato de, poucos minutos atrás, ter me descoberto ainda viva?

Olhei ao meu redor, frenética, e ofeguei de dor quando tentei mover meu corpo da posição horizontal. O ar fresco da noite trouxe arrepios de frio à minha pele esfolada, mesmo com as chamas da fogueira ardendo próximas a mim. Cravei meus dentes no lábio inferior quando tanto a dor quanto a exaustão tentaram me derrubar outra vez.

— Não deveria tentar se mexer, pelo menos por enquanto.

O som da voz dele, mesmo baixa e sem uma nota de ressentimento, pôs-me em alerta. Virei o meu rosto na direção daquele estranho, era a única parte do corpo que eu podia mover sem gemer de dor. Lá estava ele, uma silhueta desenhada pelas chamas da fogueira e contornada pela noite. Os cabelos pretos e curtos, arrepiados na nuca. A tez clara tingida pelo fogo e os olhos — agora negros — estavam fixados em um vazio amedrontador.

Ele cutucou a lenha que ardia com um longo graveto, atiçando as chamas para que a queimasse mais depressa, mas não se dignou a olhar para mim. Seu rosto inexpressivo e sua aparente apatia a tudo aquilo, surpreendentemente, me enervava. Cerrei os dentes.

— Por que não acabou comigo?! — Não consegui impedir que as palavras ásperas escapassem. — Pensei ter deixado bastante claro que não voltaria para Kiri. Pelo menos não viva.

Pela primeira vez, ele se desfez daquela expressão irritantemente indiferente e se dignou a olhar para mim. Seu suspiro pesado se perdeu na noite inquieta.

— Você perdeu a consciência enquanto me pedia para que tirasse a sua vida. Não é do meu feitio assassinar pessoas inconscientes, muito menos mulheres debilitadas.

— Palavras honrosas demais para um Shinobi a serviço de sua vila, não? — observei sem conseguir esconder o meu sarcasmo e ele aquiesceu, inabalável.

— Também penso isso.

Fechei a expressão ainda mais, tornando a erguer os meus olhos para o céu escuro.

— Se pensa que irei a qualquer lugar com você de boa vontade, engana-se. Assim que puder me mexer, vou escapar na primeira oportunidade. Não duvide disso.

Ele se levantou num movimento fluído. Eu estremeci com cada passada dele conforme contornava a fogueira e se abaixava para remexer na sacola com os seus pertences.

— Não duvido — disse, de costas para mim e ajoelhado sobre o mesmo gramado úmido de orvalho onde o meu corpo debilitado repousava.

— Então por que está me mantendo viva?!

Ele enfim encontrou o que estava procurando, aparentemente, porque se levantou e, dessa vez, veio ao meu encontro, despreocupado. Cravei meus dedos na terra com mais afinco, todo o meu corpo estava rígido de tensão. Havia algo em suas mãos, mas não consegui identificar o que era.

Depois, ele se abaixou novamente e estendeu um braço para mim. Fraca como estava, não consegui lutar. Ele apenas deve ter ignorado o ódio no meu rosto, pois passou o braço sob a minha nuca, usando-o para apoiar a minha cabeça e levantá-la. Na sua outra mão, reconheci o que segurava, empurrando com alguma gentileza contra os meus lábios cerrados: um cantil.

— É água — esclareceu, mas não com impaciência como imaginei. — Se quiser se recuperar depressa para poder cumprir suas ameaças deve ao menos reidratar o seu corpo, não?

Mesmo contrafeita, separei os lábios e deixei que ele inclinasse o cantil na direção do meu rosto. Sorvi a água com vontade em goles longos, por pouco não sufocando. Minha garganta e boca estavam secas, por isso o frescor foi bem-vindo. Quando tive o suficiente, afastei meus lábios do cantil e ele permitiu que eu voltasse a repousar sobre o chão frio.

— Por que está me ajudando? — A pergunta que eu mais quis fazer desde que me dei conta das intenções dele finalmente foi expelida da minha boca, porém alquebrada, receosa.

O Uchiha voltou a ocupar o seu lugar perto da fogueira. Ele olhava o fogo quando me respondeu:

— Você parecia desesperada quando me pediu para tirar a sua vida. Só fiquei imaginando a que tipo de horrores você já deve ter sido exposta para acolher a morte com tanta resignação.

— Isso não diz respeito a você — respondi-o de má vontade, virando meu rosto para o lado oposto ao das chamas.

Estávamos em um imenso descampado que até se perdia de vista, completamente isolados. Eu não tinha ideia do que aquele homem pretendia fazer comigo, mas, fosse o que fosse, não me entregaria sem lutar.

Não havia mais nada e nem ninguém para mim em Kirigakure, exceto destruição e fantasmas de um passado que eu precisava apagar. Eu também dispensava a compaixão daquele sujeito. Eu ficaria bem, eventualmente.

Depois de algum tempo apenas ouvindo o som do vento e do crepitar do fogo, eu estava prestes a cair no sono de novo quando ele voltou a falar.

— Por que não me diz por que fugiu de sua vila e, talvez, eu possa deixá-la ir?

Fitei-o, surpresa, mas não menos desconfiada. O rosto dele estava tranquilo, não mais inexpressivo. Ele era bonito, não de um jeito comum, parecia mais um tipo de beleza letal, predatória. Os olhos, apesar de calmos, eram profundos demais, tanto atraíam quanto faziam afastar depois.

— Vamos começar com um gesto de confiança — ele disse, olhando diretamente para mim. — Eu sou Daichi. Uchiha Daichi.

Quase enrubesci quando percebi que ele esperava que eu retribuísse o gesto de confiança. Encabulada, acabei murmurando:

— Ginchiyo. Ginchiyo Kawano.

Daichi assentiu, aparentemente satisfeito de que eu havia deixado a hostilidade de lado, ao menos por enquanto. Ele tornou a se ajeitar ao redor da fogueira, buscando uma posição mais confortável.

Quanto a mim, eu fechei os meus olhos, sem medo, e adormeci. Mesmo sem saber que aquele foi o começo de nossa história, mesmo sem saber o quanto eu viria a amá-lo no pouco tempo em que ficamos juntos, mesmo sem saber o quanto eu sentiria a falta dele quando o momento da separação nos alcançasse.

Daichi foi o meu primeiro e único amor e foi também o homem que salvou a minha vida. Eu nunca mais o vi ou ouvi falar dele depois que nos separamos. Ele teve de partir, caso contrário, mais Shinobis seriam mandados atrás de mim. Tenho certeza de que ele disse para todos que eu morri no país da Cachoeira e de que o meu corpo não podia ser recuperado.

Ele tampouco poderia abandonar seu clã e sua vila por minha causa, e eu jamais o pediria isso. Assim, nossa pequena história de amor esteve fadada ao fim desde o momento em que começou. Esse sentimento, entretanto, permanece comigo mesmo tantos anos depois.

E o mais surpreendente agora é que... Eu me vejo muito nela. Sakura é forte, corajosa e extremamente espirituosa. Há nela, contudo, uma amabilidade que jamais houve em mim. Ela tampouco é arisca como eu sou. E, tal como eu, foi incansavelmente perseguida e, ferida até. Pelo menos até que eu a encontrei, desacordada na margem do rio. Completamente esgotada.

Quando decidi salvá-la, convenci-me de que o fazia por mim mesma. No passado, tive Daichi para me salvar, para me estender a mão. Mas essa garota estava aparentemente sozinha.

Durante duas semanas e meia, cuidei dela enquanto esteve inconsciente. Assim que despertou, não demorei a ganhar sua confiança. Sakura era um contraste interessante para o meu humor amargo, cheia de vida e com uma personalidade cativante e calorosa não foi difícil me afeiçoar a ela.

Então, ele chegou à procura dela. Sasuke. Todo petulante e arrogante. Um jovem Uchiha, o último pelo que havia ouvido há algum tempo. Apesar de malditamente insolente, ele tinha o seu próprio charme jovial e, de uma forma estranha, lembrava-me de Daichi.

Não foi difícil determinar o tipo de relacionamento que eles tinham. Sakura o tratava com cuidado extremo, observava-o a todo o instante e sorria para ele com ternura com ainda mais frequência. Já ele era mais discreto com os seus sentimentos, mas estavam lá para qualquer um que se desse ao trabalho de olhá-lo com mais atenção: a forma como seu corpo se voltava para ela, o fato de prestar atenção a cada gesto e palavra de Sakura, a intensidade no seu olhar quando ela entrava no campo de visão.

Eram detalhes que eu me habituei a ler, no passado, com Daichi.

Além do amor e da paixão evidente, entretanto, havia uma espécie de tensão entre eles, uma barreira que ainda os impedia de ficarem juntos. Eu podia sentir isso. Na noite passada, eles haviam discutido. Sakura havia se exaltado, aparentemente, e o Uchiha, orgulhoso como só ele, não parecia querer ceder e admitir que estava errado.

Conversando com ele, mais tarde, consegui entender um pouco mais do relacionamento de ambos. Ele tinha medo de perdê-la. Certamente as experiências dolorosas do seu passado haviam-no tornado alguém irritantemente cauteloso.

As palavras que acalmaram meu coração, entretanto, foram outras: “Ninguém ama como um Uchiha”. Ao entender um pouco dos sentimentos dele, pude entender, também, um pouco mais dos sentimentos do homem que tanto amei.

Mas a distância que se criava entre Sakura e Sasuke me enervava. Ambos pareciam teimosos o suficiente em não ceder, muito embora eu desconfiasse de que tudo o que precisassem no momento fosse um pequeno incentivo de minha parte.

Por isso, bem cedo naquela manhã, quando o sol nem mesmo havia nascido, eu avisei aos dois que precisaria ir até a cidade mais próxima para comprar ervas medicinais, pois as que tinha estocadas haviam sido usadas para ajudar na recuperação de Sakura.

Com um sorriso discreto, pendurei uma bolsa velha no ombro e desci os degraus da entrada. Sakura vinha em meu encalço, preocupada:

— Tem certeza de que é seguro, Ginchiyo-obaa-sama?

Olhei para ela com uma carranca fingida.

— Já fiz esse percurso mais vezes do que posso contar, Sakura. Ficarei bem, não se preocupe. Cuide-se você — aconselhei-a, resistindo ao impulso de dar-lhe uma piscadela.

Francamente, se eu fosse mais óbvia do que isso começaria a considerar que, além de velha, eu estava senil. O tal Sasuke me olhava de longe, parado junto à entrada, com uma expressão ilegível no rosto.

— Ficarei fora no máximo três dias — lembrei-a e Sakura assentiu.

— Faça uma boa viagem, Ginchiyo-obaa-sama.

Concordei com um aceno da cabeça, afastando-me depressa dali, enquanto Sakura acenava gentilmente e o Uchiha encarava minhas costas — sentia seus olhos me perfurando. Tão típico dos Uchihas.

Esperava que o tempo em que eu me ausentasse fosse o suficiente para aqueles dois se acertarem e resolverem de uma vez por todas aquela história de amor.

Para que vivessem tudo o que eu não pude viver, um dia, com Daichi.

 


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Notas finais do capítulo

Muito obrigada a todos que comentaram e deixaram suas sugestões, todas foram anotadas ;)
Até o próximo!



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