Todos que a conheciam bem o suficiente sabiam quando Grace ficava nervosa. Além de mexer sua perna a uma velocidade absurda enquanto esperava para fazer seu teste de direção, não parava de olhar para o relógio na parede e vez ou outra cantava baixo versos de uma música aleatória para tentar esquecer que em alguns minutos provavelmente iria falhar novamente em uma prova de direção. 

— Quer ver os vídeos dos filhotinhos fofos de novo? — Kevin perguntou. Ele estava sentado ao seu lado na sala de espera e provavelmente era o único motivo para a ansiedade da velocista não tê-la feito desmaiar ainda. 

— Não sei se vou conseguir me concentrar neles agora, tá cada vez mais perto da minha vez e eu sinto que não lembro de nada que estudamos — ela mordeu levemente o lábio inferior e olhou para o chão. — Esqueci o que é esquerda e direita, eu vou atropelar alguém! 

— Grace, calma — Kevin a acalmou quando outras pessoas começaram a encará-los. — Você sabe tudo, só está nervosa. 

Aquilo não era só pela carteira de motorista, não era como se ela precisasse de um carro para ir para lugares distantes. Era sobre o tempo que Kevin perdeu a ensinando, sendo seu professor mais paciente e não desistindo como os outros. Ela queria deixá-lo orgulhoso. 

Quando ouviu seu nome sendo chamado, respirou fundo e tentou relaxar o máximo que conseguia. 

— Vai lá e arrasa — Kevin sorriu, se levantando junto com ela. 

Grace sorriu de volta e, apesar da ansiedade, se sentiu pronta. Estava focada até o momento em que sua mente prestou atenção em algo atrás de Kevin, onde ela podia ver a rua pela janela.

Quando começou a ver o mundo se mexendo lentamente enquanto ela se movia rápido, Kevin também se virou na mesma velocidade que ela, seguindo o som do asfalto sendo destruído quando algo pousou ali. Os dois estavam fora da autoescola em um milésimo de segundo, rapidamente movendo qualquer carro e pessoa daquela parte da rua. 

No lugar em que o ser humanoide havia pousado havia uma cratera, mostrando que ele era muito forte. Reparando melhor nele, a velocista notou que era um jovem que se parecia mais com o Superman do que o próprio Kevin. E ele parecia estar acompanhando os movimentos dos dois heróis. 

Antes que ela pudesse reagir, o estranho se lançou na direção de Kevin e atravessou um prédio com ele. Que tipo de lunático aleatório era esse cara?!

Ela os seguiu o mais rápido que pôde até outra rua movimentada, removendo o máximo de pessoas e carros do caminho deles no processo. Quando os alcançou, viu que seu amigo estava desviando de socos absurdamente violentos que o outro desferia, porém não parecia estar acompanhando eles tão rápido quanto deveria. 

— Ei, seu maluco! — ela berrou e correu ao ponto de colidir o seu corpo contra o dele. 

Mesmo com a velocidade que teria quebrado os ossos de qualquer pessoa normal, o estranho nem se mexeu com o impacto. Nem prestou atenção nela. 

— Grace, sai… — Kevin teve a frase interrompida por um soco que o jogou contra o chão, seguido por uma pisada forte o suficiente em sua cabeça que ela afundou no asfalto. 

Nesse momento, ela percebeu que ele não deveria ser subestimado. Puxou seu anel e assim que o uniforme saiu dele, a velocista o colocou rapidamente e em um piscar de olhos estava pronta para lutar. 

— Vai se arrepender de ter machucado o meu amigo, babaca! — ela gritou e começou a correr ao redor dele, desferindo diversos socos e chutes em pontos vulneráveis, aproveitando que ele parecia ignorá-la. 

Conforme sua velocidade aumentava, ela se tornava um borrão vermelho com raios amarelos ao seu redor, seus golpes cada vez mais potentes e precisos. Até o momento em que acertou um soco no queixo dele que o mandou voando para cima de um carro estacionado. 

Sem perder tempo, Kevin se levantou e voou para cima do estranho, o puxando para cima e o levando para o mais longe possível da rua. Isso fez Grace xingá-lo mentalmente, mas aproveitou para ligar seu comunicador. 

— Pessoal, tem um maluco aqui, ele tá batendo no Kevagentenuncaviueleantesésuperforteajudaeutôapavorada! — ela não sabia se conseguiram ouvir a última parte, porque ela já estava subindo pela lateral de um prédio e propositalmente se lançando na direção em que os dois foram. 

Seu amigo parecia estar acertando alguns golpes no outro, porém sem muito efeito. Antes que pudesse alcançá-los, viu Kevin ser jogado brutalmente de volta para o chão e o estranho, ainda voando, atirar dois raios laser no meio do peito dele. 

A cada golpe que ele recebia, Grace tremia e sentia uma vontade absurda de acabar com aquele homem. Ela começou a girar rapidamente, criando um tornado que tentava puxá-lo para baixo, ou pelo menos desviar a atenção dele de Kevin. Conseguiu parte disso, quando ele se irritou e mirou seu raio nela, a acertando na perna e a fazendo rolar para longe. 

Mesmo com a panturrilha queimando, ela sabia que se parasse agora, seu amigo iria ser morto. Quando viu o estranho descer sobre o corpo imóvel de Kevin, ela sabia que precisava de algo forte o suficiente para derrubar o próprio Superman.

Respirando fundo, Grace se colocou de pé, inclinou o corpo para frente e sentiu os raios ao redor de seu corpo ficarem mais carregados. Já podia sentir a força de aceleração ao seu alcance, então, ela correu até ele, o segurando pelo pescoço e o arremessando com toda a força que lhe era permitida para que os dois sumissem. 

Como se piscasse, eles estavam do outro lado do mundo, até ela acertar um soco no rosto dele que o fez desaparecer de novo, agora colidindo contra uma das paredes da Muralha da China. O próximo o acertou em cheio no meio do peito e ele rolou escadaria abaixo em Moscou. Quando o estranho conseguiu se levantar, tentou acertar um soco nela, porém, como se o tempo voltasse, ele estava rolando novamente no chão.

Isso deu chance para ela carregar um último soco, que explodiu no rosto dele de forma tão espetacular que ela sentiu seu próprio corpo quase sendo desintegrado com o impacto.

Seu cérebro mal registrou que o havia arrastado por todo o mundo em menos de um segundo e que, agora, ele havia desaparecido. Tudo sumiu por um segundo, até ela abrir os olhos e se ver de pé naquela mesma rua em Central City.

Estava tremendo ao ponto de não conseguir respirar direito, seu corpo estava cercado por raios e parecia piscar entre realidades. Ela ouvia vozes conhecidas e desconhecidas ao seu redor, mas não havia ninguém falando, ouvia gritos e sua visão alternava entre sua cidade completamente em ruínas e normal. 

Mesmo sem saber o que era real e onde sua consciência estava, Grace fixou os olhos em Kevin, caído no meio da rua, uma queimadura enorme em seu peito e seu rosto cheio de hematomas.

Ele precisava dela agora. Ela não podia se perder. 

— Kev… — ela chamou, e em seus ouvidos, sua voz saiu em diversos tons, um de desespero, um como um sussurro, um de felicidade, um de raiva. Não sabia qual deles era o seu. 

Seu corpo poderia estar em diversos lugares no momento, mas sua mente estava aqui. Esticou sua mão até conseguir alcançá-lo, aos poucos a certeza de que poderia senti-lo fez com que sua mão realmente o tocasse. Com seu corpo tenso e dolorido, ela gritou conforme saía da força de aceleração e segurava seu amigo. 

Em desespero, ela deixou as lágrimas caírem, soluçando incontrolavelmente. Não entendia o motivo, mas sabia que algo terrível estava prestes a acontecer, e que ela estaria sozinha. 

Tentou se acalmar pensando nos seus arredores, em como Kevin estava muito ferido bem na sua frente. Ela o segurou com cuidado, mas sentiu mais lágrimas caindo quando percebeu que a respiração dele estava fraca, quase inexistente. 

— Aguenta, Kev, você vai ficar bem — ela se levantou com dificuldade, encontrando forças para colocá-lo contra seu corpo e correu para o local mais próximo que conhecia. 

Ao entrar nos STAR Labs, caiu de joelhos e viu dois seguranças correrem em sua direção. 

— Chamem a Dra. Ming! — ela gritou, suas roupas e angustia sinalizando que deveriam fazer o que ela pediu. 

Em pouco tempo, a cientista apareceu correndo no saguão, arregalando os olhos ao ver a cena diante tela. 

— Você já o ajudou antes… Por favor, faz de novo! — Grace suplicou, ainda chorando. 

— Levem ele imediatamente! — a doutora não hesitou, dando ordens para outros cientistas e seguranças que estavam ali. 

Grace deixou que o levassem, mas continuou de joelhos no chão, tentando pensar que havia conseguido ajuda à tempo. 

— Querida, você precisa de cuidados médicos — Lilian disse, se abaixando ao lado dela. — Me diga o que aconteceu. 

E ela contou cada detalhe, e essa foi a primeira vez que viu a cientista tão séria. Quando terminou, Lilian a levou para outra sala, onde seus ferimentos poderiam ser tratados, e partiu para cuidar de Kevin. 

— Seus amigos estão aqui — um dos seguranças disse alguns minutos depois, e ela viu todos os membros do Deep Six, exceto por Damian, entrando na sala, ignorando por completo o homem. 

— Grace, como você manda uma mensagem daquelas e some?! — Kate a segurou em um abraço apertado assim que a viu. — Ficamos morrendo de preocupação. 

— Onde está o Kevin? — Melissa perguntou, sendo cortada por Scott. 

— Você está machucada?

— Onde está o cara que você falou? — Tony também falou por cima dos outros. 

— Onde está o Kevin? — a Wayne mais velha falou mais alto e Grace se encolheu ainda mais no abraço de Kate. 

— Pessoal, vamos dar espaço pra ela — Apolo afastou os três e ficou ao lado da amiga. — Speedy, no seu tempo, nos conte o que houve. 

Após alguns momentos de tensão, ela conseguiu explicar que, do nada, um homem tão forte quanto o Kevin apareceu e tentou matá-lo. E que ela havia muito provavelmente desintegrado ele usando a força de aceleração, e quase desaparecido no processo. Seus amigos mal podiam acreditar no que estavam ouvindo. 

— Quem era essa pessoa? — Kate questionou, olhando na direção dos outros. 

— Pode ser algum alien? — Ethan pensou alto. — Eu vou contactar o Stormwatch, ver se eles sabem de alguém que possa bater com a descrição. 

— Quais as chances dos Luthor estarem envolvidos nisso? — Cassandra olhou para sua irmã, que estava calada há um tempo. 

— Podemos descobrir isso bem rápido — a Wayne andou na direção da porta, sendo parada por Grace que apareceu na frente dela. 

— Não podemos nos separar agora! Quase conseguiram matar o Kev, o que acha que vão fazer com você?

— Ela tem um ponto — Tony comentou. — Precisamos de um plano. 

Assim que ele terminou, a porta se abriu e a Dra. Lilian entrou com uma expressão séria no rosto, muito diferente da que eles viram da última vez que levaram Kevin para lá. 

— Eu não trago boas notícias — todos na sala pareceram prender a respiração ao ouvir a frase. — Fizemos tudo que estava ao nosso alcance, mas a quantidade de raios do Sol que ele pode absorver para se curar é pequena, já que, como bem sabem, ele é metade humano. Se continuar assim, ele vai morrer. 

Os olhos de Grace foram imediatamente para Kate, que puxou o ar audivelmente e colocou a mão na boca. Os olhos da Queen já se enchiam de lágrimas conforme ela se aproximava da cientistas. 

— Eu quero vê-lo… — ela disse, tentando passar pela porta. 

— O estado dele é delicado demais… — a doutora foi empurrada contra a parede pela loira. 

— Você não pode deixar ele morrer! — ela berrou, sendo puxada para trás por Apolo. 

O resto do grupo estava em choque com a notícia, e Grace não podia deixar de se sentir culpada por não ter agido antes. Por ter sido incompetente em proteger seu amigo. Ela andou para trás até suas costas tocarem a parede e deslizou para o chão, abraçando suas pernas e se encolhendo. 

— Eu sinto muito mesmo — Lilian disse, não parecendo ter se importado com a violência. 

— Você disse que ele não consegue se curar porque é só parte kryptoniano — a voz de Tony interrompeu o silêncio mórbido da sala. — Se eu te der os meios, consegue tirar essa parte humana e substituí-la pela kryptoniana?

A pergunta deixou todos confusos de imediato, inclusive a cientista. 

— Eu tenho uma dose do soro meta-humano da Talia, ele substitui os genes humanos, se realmente souber o que faz, acho que consegue transformá-los em genes kryptonianos — ele explicou. 

— E quando ia nos falar que tinha isso? — Cassandra questionou. 

— Guardei para emergências e futuros estudos — ele andou na direção da porta. — Vou buscá-lo. Enquanto isso, Palmer pode ajudá-la. 

Lilian olhou na direção de Ethan, que saiu do choque e rapidamente a puxou para fora dali. 

— Quem diria que uma loucura do Tony poderia salvar a vida de alguém — Scott comentou, parecendo aliviado com a nova possibilidade. 

Apolo ainda tentava acalmar Kate, até Melissa se aproximou para ajudá-lo. Enquanto isso, Scott se sentou ao lado de Grace e a abraçou. 

— Vai dar tudo certo, Grace — ele deu um beijo no topo da cabeça dela e, por um momento, ela se sentiu segura novamente. 

Quase uma hora se passou até Tony se teleportar de volta para o STAR Labs. Nesse tempo, Lilian e Ethan haviam feito dezenas de cálculos necessários para o que precisariam. Ela os assistiu o máximo que pôde com seu conhecimento limitado de genética, até que finalmente começaram o processo de modificar o soro. 

Enquanto trabalhavam, ouviram uma comoção do lado de fora, Kate berrava com alguém e Grace podia jurar que estava ouvindo a voz de Natasha. Ela correu para encontrar quase todos do Deep Six apontando suas armas na direção da porta, e a Thanagariana e Joe ao lado deles. Ao olhar na direção da ameaça, viu Janessa Crane. 

— Último aviso, garota, se der um passo… — Melissa estava pronta pra voar em cima dela. 

— Já disse que não vim lutar, — ela passou os olhos por todos, parando em Cassy e Tony, que eram os únicos que estavam afastados. — Meu irmão já sabe da falha do clone e ele fez um acordo com o líder da Millenium para terminar o serviço caso acontecesse. Mas a questão é, o Alex não gosta de ser humilhado, então mandou os seus coleguinhas para matá-lo. 

— E por que deveríamos acreditar que você quer ajudar? — Kate questionou. 

— Porque o seu amigo é importante pra Cassy, e ela é importante pra mim — Janessa olhou na direção da amiga, que agora estava sem reação.

— Já ouvi mentiras o suficiente vindas de você pra cair nessa, Jane — Tony disse. 

— Acreditem, ou não, tem muitos criminosos que odeiam vocês e o filho do Superman vindo pra cá nesse momento. Sugiro que se preparem. 

Era só o que eles precisavam, delinquentes malucos invadindo o STAR Labs no meio de um processo delicado. Aquele dia não podia ficar pior. 

— Você está traindo o seu irmão fazendo isso — Cassandra disse, se aproximando dela, agora que os outros abaixaram as armas. — Ele não vai gostar disso. 

— Eu sei lidar com o meu irmão. 

— Deveria ficar aqui — Grace disse, entrando no campo de visão de todos. — Se quer ajudar, nos ajude a proteger o Kevin. 

— Grace?! — Melissa vociferou. 

— Precisamos de toda ajuda possível! Eu não vou deixar ninguém machucar ele de novo — a loira não tirou os olhos de Janessa. — Então?

— Já fiz o que queria. Boa sorte, heróis — com isso a Crane se virou e deixou o prédio. 

Grace ficou um tempo ali parada até se virar e ir na direção de Natasha e Joe. 

— O que eu disse é sério, precisamos de toda ajuda que conseguirmos. 

— O Stormwatch vai ajudar — Natasha disse, já parecendo renovada após a última batalha. 

— Vou chamar a Zoe e o Miles — Melissa disse. — Até lá, ninguém passa por essa porta!

— Vou ligar pra Duela — Cassandra se afastou, deixando todos confusos. 

— Quem?! — Kate e Scott falaram ao mesmo tempo. 

Conforme todos se preparavam para o ataque iminente, Grace se perguntava se eles seriam o suficiente. Outra voz em sua cabeça dizia que precisariam ser, ou ela nunca iria se perdoar.